Capítulo 101 a 105


 Capítulo 101 – Carne de Veado

— Por quê?

Na sala silenciosa, a voz perplexa do Príncipe Huai rompeu o silêncio.

— Mãe, por que a senhora faria isso?

Jamais imaginaria que a mãe gentil e frágil que conhecera por todos aqueles anos estivesse fingindo estar doente. Mas por quê? Teria medo das artimanhas da Imperatriz Su? Ou temia as conspirações das outras concubinas no harém? Desde que seu pai ascendera ao trono, ele só favorecia a Imperatriz Su. O ciúme e o ressentimento do harém eram todos direcionados a ela — por que sua mãe se submeteria a tanto sofrimento?

— Tudo o que fiz foi por você — respondeu Consorte Xu com serenidade, encarando o filho. — Liu An, você é o filho mais velho de seu pai. O trono é seu por direito.

O Príncipe Huai a encarou, chocado. Aquela mulher ambiciosa diante dele era uma estranha. Em suas lembranças, sua mãe sempre fora gentil — nunca o forçara a estudar como Zheng Lanyin fazia com o próprio filho, nunca o pressionara a ceder aos irmãos como Consorte Lü, e jamais mencionara seu status como filho mais velho ou herdeiro.

— Agora que a família Su produziu uma imperatriz, de que adianta ser o filho mais velho? — disse o Príncipe Huai, resignado. — Mãe, de agora em diante... não se torture mais assim. Até o remédio tem veneno. Tomar essas infusões amargas sem estar doente só vai prejudicar sua saúde.

— Se eu não fosse frágil e doente, como Sua Majestade teria me poupado? — Consorte Xu afastou as cobertas e caminhou até a mesa, sentando-se com uma risada fria. — Seu pai é um homem que domina a arte da paciência. Durante a luta dos príncipes pelo trono, ele apenas aguardou em sua residência, esperando até o fim para tomar o poder...

— Pai foi incriminado pelos outros príncipes e ficou confinado em seu domínio por dois anos inteiros! — O Príncipe Huai cerrou os punhos, sem querer se lembrar da humilhação daqueles dias.

— E ainda assim, foi esse príncipe aprisionado que acabou ascendendo ao trono — disse Consorte Xu, fitando o filho ingênuo. — Por que ele, de todos os homens?

— Pai foi escolhido pelo Céu, é virtuoso e capaz — superior a todos os outros príncipes. Não é natural que tenha se tornado imperador? — O Príncipe Huai não conseguia compreender suas palavras.

— A capital não tem espaço para desfechos “naturais” — rebateu Consorte Xu, arqueando uma sobrancelha. — Com esse seu temperamento tolo, como pretende conquistar os oficiais da corte?

O Príncipe Huai franziu o cenho, mas permaneceu em silêncio.

— Um dia, também acreditei que seu pai fosse gentil e benevolente — disse Consorte Xu, perdida em lembranças. — Até perceber que não havia calor algum em seu olhar quando me fitava. Para ele, eu era como árvores e flores à beira do caminho. Embora nunca tenha me matado, todo afeto entre nós já havia desaparecido há muito tempo.

— Mãe, o que está dizendo? Por que Pai iria querer matá-la? — O Príncipe Huai empalideceu, achando que ela delirava devido à doença. — Deixe-me ajudá-la a voltar para a cama.

— Dezesseis anos atrás, os homens do Príncipe Ying me procuraram, exigindo que eu roubasse um certo registro do escritório de seu pai. Prometeram que, se eu conseguisse, nos protegeriam e nos ajudariam a fugir da residência — disse Consorte Xu, com um sorriso amargo. — Quando estamos encurralados, perdemos o juízo. Eu aceitei.

O Príncipe Huai a encarava, incrédulo.

— Mãe, está mentindo para mim, não é?

A mãe gentil e devotada que ele conhecia — como poderia ter traído a residência? Se tivesse entregado aquele registro, todos da casa teriam perecido.

A voz dele saiu rouca:

— E o que aconteceu depois?

— O Príncipe Ying perdeu. Morreu sob as lâminas dos Guardas da Armadura Dourada, seu sangue tingindo as lajes do palácio — embora eu não saiba quais. — Um traço de arrependimento surgiu nos olhos de Consorte Xu. — Se eu soubesse qual seria o fim dele, jamais teria aceitado.

— Então... a senhora não roubou o registro? — O Príncipe Huai suspirou, aliviado.

— Roubei, sim — respondeu Consorte Xu, baixando o olhar. — Depois da derrota do Príncipe Ying, eu o queimei.

Uma lembrança veio à tona — sua mãe, com os olhos vermelhos de tanto chorar, queimando algo em seus aposentos.

— Na época, a senhora me disse que estava queimando poemas que escrevera para Pai — murmurou o Príncipe Huai, afundando-se num banquinho. — Isso também foi mentira?

Ele achava que ela estava de coração partido pelo amor do pai à Imperatriz Su, destruindo seus versos em sofrimento. Mas não havia poemas — apenas um registro que poderia ter condenado todos eles.

Consorte Xu não confirmou nem negou.

— Não sei quando seu pai descobriu a verdade, mas para dissipar seu rancor, não tive outra escolha senão fingir estar doente — para me manter fora de seu olhar.

— Mas depois que Pai se tornou imperador, concedeu-lhe o título de consorte e me fez príncipe! — A mente do Príncipe Huai estava em conflito. — Se ele realmente guardasse rancor, por que concederia tais honrarias?

— Você é o filho mais velho. Como sua mãe, recebi apenas o mínimo — um título de consorte, sem nem mesmo um honorífico. Isso não basta como prova do desprezo dele? — Consorte Xu agarrou sua mão com uma força assustadora. — Liu An, Zheng Lanyin foi executada por ordem imperial. Se você não se tornar príncipe herdeiro, eu terei o mesmo destino que ela — estrangulada com uma fita branca. Entende?

Seu aperto era dolorosamente forte. O Príncipe Huai olhou para a própria mão, presa.

— Mas a mãe do Quarto Irmão foi executada por envenenar um príncipe...

— Não, ela morreu por estupidez — cortou Consorte Xu. — Depois que reencontrou sua família, passou a agir de forma descuidada, chegando a contatar secretamente os guardas. Não era segredo.

— Falhou em suas tramas e ainda assim se recusou a se conter, provocando Su Meidai a todo momento. Quem mais poderia ter morrido senão ela? — O desprezo tingia a voz de Consorte Xu. — E Yun Yanze herdou os defeitos dela — aparência polida, mas vazio por dentro. Tão jovem, e já se gabava de ser um “príncipe virtuoso”, exibindo seus talentos como se pudesse carregar a retidão na testa.

— Mãe... — O Príncipe Huai voltou-se para o pôr do sol além da janela. — Deixe isso pra lá.

— Não quero o trono, nem nada disso. Desde que estejamos seguros, já basta — disse, com a voz esvaziada de qualquer vigor.

— Depois de tantos anos de sofrimento — por você — é isso que me diz?! — Consorte Xu enxugou as lágrimas com um lenço. — Sabe o quanto fiquei apavorada quando Zheng Lanyin foi executada?

— Vai me deixar seguir o mesmo caminho que ela?

Seus soluços o envolveram como uma rede, sufocante.

— Se não por você, então por mim. — Uma lágrima caiu sobre a mão do Príncipe Huai. — Liu An, você é tudo o que tenho. Se nem você quiser me ajudar, serei a próxima Zheng Lanyin. Entende?

O Príncipe Huai fugiu como se estivesse sendo perseguido, apertando a mão molhada. Não ousou olhar para trás ao deixar o Palácio Zhaoxiang.

Consorte Xu enxugou lentamente as lágrimas e tomou um gole de chá.

O trono estava ao alcance — por que desistir?

Era exasperante o quanto Sua Majestade protegia Su Meidai, sem deixar brechas.

Nem Zheng Lanyin nem Lady Wei eram a maior ameaça.

Enquanto Su Meidai e Yun Duqing continuassem vivos, seriam espinhos constantes em sua carne.

Ao deixar o Palácio Zhaoxiang, o Príncipe Huai caminhava cabisbaixo, sem dizer uma palavra. O jovem eunuco que o seguia não ousava perguntar nada, apenas acelerava os passos para acompanhá-lo.

Andou uma boa distância até recuperar a compostura. Ao erguer a cabeça, avistou uma pipa flutuando no céu.

— Quem tem a audácia de soltar pipa dentro do palácio? — Em dinastias anteriores, consortes usavam pipas para enviar mensagens secretas além dos muros, causando grandes escândalos. Embora não houvesse proibição explícita no harém da dinastia atual, todas as consortes haviam tacitamente concordado em evitar esse passatempo.

— Alteza, este servo não sabe — respondeu o atendente, com a cabeça baixa. Como poderia ele saber quem estava soltando a pipa?

Sob a luz do pôr do sol, o Príncipe Huai contornou um muro do palácio e viu as responsáveis.

— Cunhada, não pode puxar assim — vai rasgar a pipa! — Ming Jiuzhu entregou o carretel a Chunfen e ergueu a saia, amarrando-a na cintura. — Espere aqui, vou buscá-la.

Antes que a Princesa Huai pudesse reagir, Ming Jiuzhu já havia subido numa árvore.

— O que estão fazendo paradas aí? Vão ajudar Sua Alteza! — A Princesa Consorte An, despertando do transe, jogou seu próprio carretel para uma criada e correu até a base da árvore. — Cunhada, desça já! Deixe isso para as criadas — e se você cair?

— Consegui! — Jiuzhu lançou a pipa ao chão e desceu com agilidade, apanhando-a e entregando à Princesa Huai. — Não se preocupe, Cunhada, a pipa não estragou nada.

A Princesa Huai pegou a pipa e, com uma das mãos, alisou a saia de Jiuzhu.

— Uma pipa pode ser refeita, mas e se você tivesse se machucado?

— Mas essa tem os desenhos que você mesma pintou — é diferente das outras. — Jiuzhu alisou os vincos da saia. — Subo em árvores desde pequena. Não vou cair.

Segurando a pipa, o rosto da sempre reservada Princesa Huai suavizou num sorriso.

Fazia tanto tempo que ela não se sentia tão despreocupada. Desde que se casara com o Príncipe Huai e se tornara sua princesa consorte, cada palavra, cada gesto, precisava seguir as rígidas normas de decoro.

Sua sogra ainda estava gravemente doente, mas, ao sair do pátio e ver suas duas cunhadas sentadas à mesa, confeccionando pipas e rindo sem reservas, algo dentro dela se soltou. Ela deixou de lado a etiqueta e juntou-se àquela pequena rebelião ousada.

— Obrigada, cunhada — disse ela, acariciando a pipa com carinho antes de entregá-la a uma criada para que a guardasse com cuidado.

— Não há por que agradecer por uma coisa tão pequena — respondeu Jiuzhu, pegando a linha da pipa das mãos de Chunfen e olhando para o céu, onde a pipa voava com firmeza. — Você leva as coisas a sério demais, cunhada.

A Princesa Consorte An entrou na brincadeira:

— Cunhada, se quiser mesmo agradecê-la, asse para ela uma fatia de veado no banquete mais tarde.

— Está bem — disse a Princesa Huai, contagiada pela leveza do momento, com um sorriso. — Vou assar para você também, para não dizer que estou favorecendo uma mais que a outra.

— Injusto! Eu nem falei nada! — A Princesa Consorte An agarrou o braço de Jiuzhu, fingindo fazer bico, mas logo caiu na risada.

Jiuzhu riu junto.

— Na verdade, por que não as duas assam para mim? Tenho a pele grossa, um apetite enorme e não reclamo da comida de ninguém.

A Princesa Huai achou o riso das duas meio tolo, mas ainda assim se pegou sorrindo.

Por um instante, esqueceu que sua sogra estava doente, que como nora dedicada ela não deveria estar rindo.

As regras e o decoro deixaram de importar — não sob aquele pôr do sol dourado, não com a pipa voando tão alto que parecia levá-la de volta à garota livre de antigamente.

— Cunhada. — Jiuzhu colheu uma flor recém-aberta e a colocou no cabelo da Princesa Huai. — Uma flor para uma beleza. Dizei-me, donzela, de qual família vós vindes?

A Princesa Huai piscou, depois riu.

— Que patife ousa adornar os cabelos de uma dama sem permissão?

— Como posso ser um patife, se estou encantada com vossa beleza? — Jiuzhu arregalou os olhos, fingindo estar ofendida. — Esta humilde estudiosa está de coração partido. Só uma hora de carne de veado grelhada pode curar minha dor.

— Ah, então não és um patife — disse a Princesa Huai, apertando de leve a bochecha de Jiuzhu — só uma pequena vigarista atrás do meu veado. Tá bom, tá bom. Como você é bem charmosa, vou te mimar um pouco.

A Princesa Consorte An observou enquanto as brincadeiras de Jiuzhu alegravam a Princesa Huai, e seus lábios se curvaram num leve sorriso.

Não era de se admirar que até alguém tão arrogante quanto o Príncipe Chen se amolecesse perto dela, protegendo-a como um tesouro.

Num palácio onde engano e malícia eram regra, um coração tão genuíno quanto o de Jiuzhu era um presente raro dos céus.

E não eram só os homens — até as mulheres se rendiam ao brilho do seu olhar e à risada contagiante.

— Alteza... — O eunuco que seguia o Príncipe Huai começou a ficar inquieto. Não esperava encontrar a Princesa Huai empinando pipa, logo ela.

— Vamos. — O Príncipe Huai virou nos calcanhares. Sua sombra alongada se projetou no muro do palácio, distorcida e grotesca.

— Nenhuma palavra sobre o que viu hoje — disse a sombra, imóvel em sua forma disforme.

— Sim, Alteza. — O eunuco se curvou apressadamente.

Estava surpreso. Normalmente, o Príncipe Huai teria repreendido a esposa por ousar rir e brincar enquanto sua mãe estava doente. Mas hoje, ele se calou.

— Jiuzhu, o que tem ali? — A Princesa Huai percebeu que Jiuzhu olhava repetidamente para o portão lunar no muro do palácio.

— Nada. Achei que alguém estivesse nos observando — respondeu Jiuzhu, desviando o olhar. — Provavelmente era só um servo.

A Princesa Huai deu uma risadinha, descartando o pensamento.

Assim que o Príncipe Huai passou pelos portões do Palácio Zhangliu, o aroma de carne assada e especiarias invadiu seu nariz.

No pátio, uma grande grelha havia sido montada, cercada de criados atarefados. O Príncipe An e Yun Duqing jogavam xadrez nas proximidades, enquanto o Príncipe Jing cochilava — prova de como o jogo estava entediante.

Yun Yanze não estava em lugar algum.

— Irmão mais velho, até que enfim voltou! — O Príncipe An largou as peças e foi correndo até o Príncipe Huai como se tivesse sido salvo.

Jogar contra o Príncipe Chen era uma tortura — o homem colocava as peças nos lugares mais imprevisíveis, sem nenhuma estratégia aparente. Se não fosse pelo fato de que continuava ganhando, o Príncipe An teria pensado que ele movia as peças aleatoriamente.

Tudo isso só para puxar o saco!

— O que queria comigo? — O Príncipe Huai só notou a presença do Príncipe An quando este já estava bem à sua frente.

— Temos carne de veado fresca hoje. Vamos fazer um encontro de irmãos de verdade — disse o Príncipe An, passando o braço pelos ombros do irmão e conduzindo-o até a mesa. — Vamos beber e festejar até cair de bêbado!

— Veja, está tudo pronto. Só faltava você mesmo.

— Está bem. — O Príncipe Huai assentiu.

O Príncipe Chen, que recolhia as peças de xadrez, parou e olhou para o Príncipe Huai.

— Irmão mais velho, prefere o veado grelhado ou na panela quente?

— Grelhado tem mais sabor — disse o Príncipe Huai, forçando-se a prestar atenção. — Não precisa preparar panela.

— Entendido. — O Príncipe Chen sorriu levemente e largou as peças na caixa, embora uma tenha saltado para fora.

O Príncipe Jing a pegou e a colocou de volta, depois tirou uma peça preta da caixa branca e a pôs no lugar correto.

— Ao grelhar, pincele com uma camada de óleo e salpique sementes de gergelim. É a melhor forma de saborear com vinho. — O Príncipe Huai desejava se afogar na bebida, esquecer as palavras que sua mãe lhe dissera.

Sua mãe biológica estava gravemente doente, e ali estava ele, pensando na melhor forma de assar carne de veado.

"Isto é tão ridículo."

O Príncipe Chen soltou uma risadinha e começou a girar algumas peças de xadrez na palma da mão. Por descuido, várias peças pretas caíram dentro do pote das brancas.

— Como desejar, irmão mais velho.

O Príncipe Jing olhou por um momento para as peças pretas no pote errado, depois desviou o olhar.

Quando as três consortes voltaram de empinar pipas, todos se reuniram ao redor da mesa. O Príncipe An foi o primeiro a falar:

— Esquecemos alguma coisa?

Estranho — o que exatamente eles tinham esquecido?


Capítulo 102 — Embriaguez  


— Alteza, o Quarto Irmão e sua consorte não gostam de carne de veado? — Jiuzhu perguntou antes de todos começarem a comer.

— Talvez não — respondeu o Príncipe Chen, arregaçando as mangas enquanto estendia a mão para a carne de veado.

O Príncipe An de repente se lembrou do que havia esquecido — ele não tinha convidado seu quarto irmão!

Justo quando estava prestes a mandar alguém buscar Yun Yanze em seu pavilhão, viu Yun Yanze e Sun Caiyao surgirem da ala interna da residência.

Seus olhares se cruzaram, e o clima ficou constrangedor.

Ao ver os irmãos sentados ordenadamente ao redor da mesa e o sorriso levemente embaraçado do Príncipe An, Yun Yanze entendeu tudo na hora.

— Quarto Irmão, chegou na hora certa — disse o Príncipe Jing. — O Segundo Irmão preparou um banquete com carne de veado, e estávamos prestes a mandar chamá-los. Que sorte que veio. Por favor, sente-se.

O coração de Sun Caiyao apertou de preocupação. Seu príncipe, nobre e reservado, não deveria ser tratado com tanto descaso pelos próprios irmãos...

— Obrigado. — Yun Yanze afastou as vestes e sentou-se à mesa.

Vendo aquela cena, Sun Caiyao ficou ainda mais angustiada. Antigamente, seu príncipe jamais teria se rebaixado daquela maneira.

Pelo protocolo imperial, Yun Yanze deveria estar sentado acima do Príncipe Chen, mas o Príncipe Chen ocupara o lugar ao lado do Príncipe An.

A Princesa Huai e a Princesa Consorte An conversavam animadamente com Ming Jiuzhu, suas palavras recheadas de elogios.

A admiração, é claro, não era por Jiuzhu, mas por Yun Duqing, sentado ao seu lado.

Yun Yanze lançou um olhar ao Príncipe Huai, que parecia distante, e zombou em silêncio: “Sendo o príncipe mais velho, será que ele realmente se contenta em ser o peão de Yun Duqing?”

— Assar a carne nós mesmos torna tudo mais divertido — disse o Príncipe An, imitando Yun Duqing ao arregaçar as mangas. — Nada de criados nos ajudando hoje. O que acham?

— Concordo — disse o Príncipe Huai, erguendo a taça de vinho e virando-a de uma só vez. — Vamos fazer tudo com as próprias mãos.

Com grande entusiasmo, os príncipes e suas consortes começaram a assar a carne de veado — apenas para acabar com pedaços queimados e intragáveis. Felizmente, os outros pratos na mesa salvaram um pouco da dignidade coletiva.

Jiuzhu não aguentava ver ingredientes tão bons sendo desperdiçados. Colocou um pedaço de carne perfeitamente assada na tigela do Príncipe Chen, cujo aroma delicioso logo se espalhou pelo ar.

Ao ver o Príncipe Chen saborear a refeição com prazer, os outros não puderam evitar uma pontada de incômodo. “Se ninguém mais sabe assar direito, por que só esses dois têm que se destacar?”

O Príncipe Chen permaneceu alheio aos olhares atravessados dos irmãos — ou talvez apenas fingisse não perceber. Mas então, após terminar de comer, inclinou-se para sua consorte e começou a aprender com ela como assar corretamente.

— Alteza, que habilidade a sua.

"Hah, só virou a carne. Que habilidade tem nisso?"

— Alteza, está indo muito bem.

"Tsk, passou mel e queimou tudo."

— Como Vossa Alteza aprende tudo tão rápido?

"Impossível. Tá se gabando, só pode."

— Aqui, experimente — disse o Príncipe Chen, soprando a carne antes de oferecê-la a Jiuzhu.

A carne de veado estava seca, mal temperada, salgada demais e um pouco amarga — longe de ser perfeita.

— E aí, gostou?

Jiuzhu encontrou o olhar ansioso dele e sorriu.

Aquele príncipe orgulhoso, quase celestial, havia descido do seu pedestal por ela, se permitindo mergulhar no mundano. Suas mãos, acostumadas a selos e chicotes, agora estavam manchadas de gordura e fuligem — tudo para assar um único pedaço de carne para ela.

Ela engoliu a carne e assentiu.

— Está deliciosa.

— Então vou assar mais para você.

— Claro.

Após várias taças de vinho, o Príncipe Huai ainda permanecia sóbrio. Ao ver Yun Duqing e Ming Jiuzhu praticamente colados um no outro, clicou a língua. “Nem nos tempos de recém-casados, eu e minha princesa éramos tão grudados assim.”

— Alteza, permita que esta criada lhe sirva mais vinho — disse uma jovem criada do palácio, aproximando-se suavemente enquanto reabastecia sua taça.

O Príncipe Huai lançou um olhar à Princesa Huai, certificando-se de que ela não estava prestando atenção, e acenou para dispensar a criada:

— Pode ir. Não precisamos de serviço aqui.

— Como desejar — respondeu a criada, fazendo uma reverência antes de se afastar com a jarra de vinho.

— Segundo Irmão, essa carne de veado está excelente — comentou o Príncipe Jing, finalmente pegando o jeito de assar. — Agora entendo por que nos convidou.

Yun Yanze bebeu seu vinho em silêncio. Sun Caiyao colocou um pedaço de carne assada em sua tigela.

— Alteza, gostaria de experimentar?

— Um pouco salgada demais — disse Yun Yanze após uma mordida leve. — Mas você nunca fez isso antes. Já está muito bom.

Sun Caiyao tocou a queimadura na mão e sorriu.

A Consorte Princesa An jogou de lado sua criação queimada e carbonizada e assou outro pedaço — mal apresentável — antes de colocá-lo na tigela do Príncipe An.

O Príncipe An engoliu de uma vez, sem ousar mastigar.

— Vamos, irmãos, brindemos juntos — disse o Príncipe Huai, erguendo a taça. — Aos… laços fraternos e à alegria deste reencontro.

O Príncipe Chen pousou os hashis e levantou sua taça.

— A nós.

Cinco taças de vinho tilintaram juntas.

O vinho era o mesmo, as taças idênticas — mas cada um bebia com um coração diferente.

No segundo brinde, os príncipes e suas consortes também ergueram as taças. Quando chegou a vez de Jiuzhu, o Príncipe Chen pegou a dela.

— Ela não lida bem com álcool. Eu bebo por ela.

— Muito bem falado, Quinto Irmão! — elogiou o Príncipe An.

Depois que o Príncipe Chen terminou duas taças, Jiuzhu lhe ofereceu um pedaço de carne para amenizar o gosto do vinho.

Mas a forma como ele pegou a taça dela — tão naturalmente galante.

Com o passar da noite, os príncipes foram ficando embriagados, relembrando a juventude, jogando os braços uns sobre os ombros dos outros e cantando desafinados — quase como verdadeiros irmãos.

— Os pratos esfriaram. Tragam novos — instruiu a Princesa Huai, antes de se voltar para as outras consortes. — Vamos deixá-los com a farra. Nós conversaremos ali.

A Princesa Jing e Sun Caiyao permaneceram sentadas, mas a Consorte Princesa An e Jiuzhu acompanharam a Princesa Huai até uma mesa de pedra próxima, onde criadas do palácio serviram chá para limpar o paladar.

Ouvindo o canto desafinado dos príncipes, a Princesa Huai suspirou:

— Faz tanto tempo que não vejo os cinco irmãos juntos assim.

A Consorte Princesa An lançou um olhar para Jiuzhu, mas permaneceu em silêncio.

A Princesa Huai riu.

— Entre cunhadas, não precisamos nos importar com o que os homens pensam.

— Nós, que nos casamos com a família imperial, devemos sempre pesar palavras e ações. Mas esta noite, vamos falar livremente, sem reservas. — Ela fez uma pausa e então olhou para Jiuzhu. — Jiuzhu.

Jiuzhu, que estava bebendo chá, levantou a cabeça e piscou para ela.

— Obrigada — disse a Princesa Huai, com um olhar aquecido por algo semelhante ao afeto.

Jiuzhu inclinou a cabeça, confusa. "Pelo quê?"

A Princesa Huai riu.

— Já que estão cantando, nós não devemos ficar paradas. Tocarei algo para vocês.

Um servo trouxe uma cítara. A Princesa Huai dedilhou as cordas.

— Anos atrás, toquei esta música no banquete de contemplação das flores da Imperatriz Su. Ela me notou naquela ocasião, e foi assim que me tornei princesa.

— Faz tanto tempo que não toco — murmurou, com o sorriso se desfazendo ligeiramente. — Se soar mal, me perdoem.

Quando as primeiras notas ecoaram, Jiuzhu pousou a xícara e se endireitou.

Até mesmo a Princesa Jing e Sun Caiyao, que estavam com seus maridos, voltaram-se para ouvir.

A sempre composta e digna Princesa Huai tocava uma melodia repleta da vitalidade da primavera.

Enquanto Jiuzhu ouvia, parecia sentir a brisa primaveril, ver o crescimento das plantas e as flores desabrochando em pleno esplendor. Quando a música terminou, Jiuzhu bateu palmas com entusiasmo:

— Foi lindo, verdadeiramente lindo — como o nascimento de todas as coisas e o florescimento das pétalas!

A Princesa Huai fitou os olhos brilhantes de Jiuzhu e acariciou levemente o corpo do qin. O vinho havia afrouxado suas inibições — normalmente, ela jamais faria o que estava prestes a fazer.

— Compus essa peça em um momento de lazer e nunca lhe dei nome. Já que você gostou tanto, Jiuzhu, vamos chamá-la de “A Alegria da Pérola Preciosa”.

Jiuzhu hesitou, um tanto envergonhada.

— Não seria inadequado?

— Uma bela melodia raramente encontra um verdadeiro apreciador. Dar-lhe alegria é a boa fortuna desta música. — A Princesa Huai balançou a cabeça, sorrindo. — Sem você, ela permaneceria sem nome.

À primeira audição, a melodia parecia fria, triste e solitária. Poucos conseguiam perceber a alegria oculta sob sua melancolia.

O crescimento de todas as coisas é silencioso, e o florescer das flores é calmo e sem som. Essa quietude, seguida pela renovação e pela esperança, muitas vezes passa despercebida e esquecida.

— “A Alegria da Pérola Preciosa” — uma melodia que arrancou um sorriso do rosto de Jiuzhu.

A Consorte Princesa An observava a encantada Ming Jiuzhu e notava o afeto sem disfarces nos olhos da Princesa Huai.

Que a esposa do príncipe mais velho considerasse a esposa do príncipe mais ameaçador uma alma gêmea era algo raro mesmo dentro do palácio.

Infelizmente, o mundo elogia a camaradagem entre os homens, mas quantos estudiosos escrevem sobre a lealdade entre as mulheres?

A Consorte Princesa An juntou-se à diversão, tocando uma melodia em sua flauta de jade. Entre os elogios das cunhadas, ela se voltou para Jiuzhu.

— Jiuzhu, gostaria de tocar algo para nós?

— Eu não sei muitas músicas, nem toco instrumentos tão refinados — Jiuzhu hesitou antes de perguntar às atendentes do Palácio Zhangliu: — Vocês têm um xiqin?

— Sim, Alteza. Por favor, aguarde um momento.

— Um xiqin?

Tanto a Princesa Huai quanto a Consorte Princesa An ficaram intrigadas. Poucas nobres aprendiam a tocar xiqin — quem diria que Jiuzhu poderia tocar?

— Meu primeiro mestre costumava tocar xiqin para mim quando eu era jovem. Com o tempo, aprendi — explicou Jiuzhu, relembrando a infância. — Principalmente nas noites de verão, com os grilos cantando e a lua brilhante, a música ecoava pelo vale, como se descesse do céu.

Quando as atendentes trouxeram o xiqin, Jiuzhu testou as cordas com o arco, produzindo um som estridente que fez os príncipes meio bêbados despertarem momentaneamente.

— Normalmente, o xiqin é dedilhado, mas, como meu mestre, prefiro usar o arco — disse Jiuzhu, colocando o instrumento no colo e começando a tocar.

A melodia era graciosa, como um pássaro alçando voo num vale vazio. Mas depois que o pássaro desaparecia, permanecia uma solidão e tristeza indescritíveis.

A Princesa Huai e a Consorte Princesa An ouviram atentamente, impassíveis, mas o Príncipe Huai, que havia bebido, repentinamente ficou com os olhos vermelhos, bebendo taça após taça de vinho gelado.

O Príncipe Chen pousou sua taça e virou-se para observar Jiuzhu tocar, escutando cuidadosamente a música.

— Quinto Irmão, por que está no mundo da lua? Beba! — puxou o Príncipe An, meio bêbado, na manga do Príncipe Chen.

O Príncipe Chen olhou para ele e sacudiu a mão com desprezo.

Será que ele estava disperso?

Não — ele admirava a performance da esposa.

As lágrimas do Príncipe Huai caíam livremente, mas nenhum dos irmãos o consolava. Até a Princesa Huai apenas lançou um olhar breve antes de fingir não perceber.

— Por que o vinho fica mais amargo quanto mais bebo? — perguntou o Príncipe Huai, limpando o rosto bruscamente com a manga. — De quem é essa música? Ela faz meu coração doer.

Ao ouvir essa peça, ele finalmente compreendeu a desolação descrita em “Pesca na Neve”: “Nenhum pássaro em mil montanhas, nenhuma pegada em incontáveis trilhas.”

— Irmão Mais Velho, não fale demais — advertiu o Príncipe An, mesmo bêbado, cuidadoso para não ofender o Príncipe Chen. — Quem toca é a esposa do Quinto Irmão.

— Como alguém tão jovem como a esposa do Quinto Irmão pode tocar uma música assim — começou a dizer.

— A música não tem intenção; é o ouvinte que traz a sua própria tristeza — interrompeu o Príncipe Chen. — Não é a melodia que é amarga — é o seu coração.

Onde estaria a amargura nessa peça?

Para ele, era uma melodia serena de montanhas verdes e águas claras — como um velho que, após enfrentar inúmeras tempestades, finalmente encontra paz e abandona seus fardos.

— De onde vem essa música? — Com a noite caindo, os sons ecoavam claramente pelo palácio. O Imperador Longfeng parou durante seu passeio com a Imperatriz Su, ouvindo os leves acordes do xiqin. — Isso é um xiqin?

— Majestade, o Príncipe An está dando um banquete com cervo assado no Palácio Zhangliu. Os príncipes e suas consortes estão todos lá — informou Liu Zhongbao. — Os príncipes cantam animadamente, e as princesas tocam música. Está bastante animado — gostaria de se juntar a eles?

— Não precisa. Deixe-os aproveitar entre irmãos. Se eu for, eles vão se sentir constrangidos. — O Imperador Longfeng ouviu atentamente por um momento. — O xiqin é bem tocado. Já ouvi essa melodia há muito, muito tempo.

— Majestade, me diga — perguntou a Imperatriz Su curiosa — que música é essa? É bastante agradável.

— Quando eu tinha cinco anos, na festa de aniversário do meu avô, um músico tocou isso no xiqin — murmurou o Imperador Longfeng, baixando o olhar. — Depois, esse músico tentou um assassinato e foi morto a tiros pelos Guardas de Armadura Dourada.

— Um assassinato?

— Sim — assentiu o Imperador Longfeng. — Alguns diziam que ele era um remanescente da dinastia anterior. Depois disso, ninguém na capital ousou tocar essa melodia de novo.

Mais de quarenta anos haviam se passado, e a música quase desaparecera da memória dos músicos da capital.

— Para então, a dinastia anterior já havia acabado há mais de um século. Será que seus remanescentes ainda conspiravam? — A Imperatriz Su achava difícil acreditar; se fosse verdade, esses descendentes eram incrivelmente teimosos.

— A verdade não importava — ninguém se importava — suspirou o Imperador Longfeng. — Muitos morreram na capital naquela época.

Os chamados “remanescente” eram apenas uma desculpa que seu avô usou para eliminar ameaças políticas na velhice, abrindo caminho para o reinado do seu pai.

Mas seu avô nunca imaginou que seu pai, livre de obstáculos, governaria tão mal que quase arrastou toda a dinastia Grande Cheng à ruína.

Aos cinco anos, ele assistira ao músico sendo atravessado por uma chuva de flechas. Os olhos arregalados e vazios do homem gravaram a melodia em sua memória para sempre.

— Quem toca deve ser Jiuzhu — sorriu o Imperador Longfeng. Entre os jovens, só Jiuzhu — criada fora da capital — saberia e teria coragem de tocar essa melodia.

— Ela toca bem, não é? — cutucou a Imperatriz Su. — Não mencione a história dessa peça na frente das crianças. Não queremos assustá-las.

— Se eu fizer isso, nosso filho vai invadir o Palácio Taiyang e fazer birra — riu o Imperador Longfeng. — Esse garoto puxou a mim — adora sua amada.

Quando o banquete do cervo assado terminou, os príncipes estavam completamente bêbados. Jiuzhu se aproximou do Príncipe Chen e notou que, embora suas bochechas estivessem coradas, ele não estava desmaiado sobre a mesa como os outros.

— Alteza, vamos voltar?

— Sim, vamos — o Príncipe Chen levantou-se, entrelaçando as mãos nas costas. Depois de alguns passos, virou-se quando Jiuzhu não o seguiu. — Por que não vem?

Jiuzhu apressou-se para alcançá-lo, segurando sua manga.

— Alteza, o senhor não está bêbado?

— Hmph. — O Príncipe Chen levantou o queixo levemente. — Esse vinhozinho nunca me deixaria bêbado.

Jiuzhu entrelaçou os braços nos dele. O leve cheiro de vinho o acompanhava, mas não era desagradável.

— Por que não há lua esta noite? — o Príncipe Chen parou de andar e olhou para o céu.

— Deve chover em breve — respondeu Jiuzhu. — A estação Qingming sempre traz chuva.

— Oh. — Ele ficou em silêncio por um momento. — Então não poderemos admirar o luar juntos hoje à noite.

Jiuzhu ergueu o olhar para ele, e ele abaixou os olhos para encontrar os dela.

Nos olhos dele, ela viu um brilho enevoado, e o jeito como seus lábios se comprimiam o fez parecer uma criatura pitiful e adorável.

Ah, então Sua Alteza está bêbada.

Capítulo 103 – A Lua

—Pequeno Porquinho Ming, do jeito que você está me olhando, parece que acha que eu estou bêbado? —disse ele.

—Vossa Alteza está elegante e com a mente clara agora. Como poderia estar bêbado? —Jiuzhu negou com veemência, coçando levemente a palma da mão dele com os dedos.

—Tudo bem —Prince Chen abaixou o olhar para as mãos entrelaçadas e a seguiu obedientemente, embora resmungasse de vez em quando, ainda emburrado por não poder apreciar a luz do luar.

—Chunfen —Jiuzhu sussurrou algumas palavras no ouvido da criada. —Vou precisar da sua ajuda com isso.

Chunfen riu baixinho.

—Pode deixar, Vossa Alteza. Vou cuidar disso. —Ela fez uma reverência para Prince Chen e Jiuzhu antes de se apressar.

—Vossa Alteza, vamos voltar na liteira? —alguém perguntou.

—Nada de liteira —Prince Chen balançou a cabeça devagar, as bochechas levemente coradas, carregando aquela teimosia típica dos jovens.

—Então, não vamos —Jiuzhu não soltou a mão dele. Os eunucos e as criadas que carregavam lanternas caminhavam silenciosos ao lado, cabisbaixos, sem ousar fazer barulho.

—Pequeno Porquinho Ming —os dedos dele apertaram os dela, entrelaçados com uma ternura infinita. —Eu estou feliz.

—Hmm?

Prince Chen deu uma risada —uma risada de contentamento, com um toque de bobo.

—Sou feliz por ser casado com você.

—Naquele dia, você estava linda com o grampo de cabelo de videira —ele sorriu convencido—. E quando você disse para Zheng Wangnan que o gosto dele era vulgar, você ficou adorável.

—Então Vossa Alteza estava naquela loja naquele dia —Jiuzhu se lembrou da primeira vez que foi ao mercado da capital com seu sexto irmão, quando o herdeiro Zheng havia desprezado o grampo.

—Eu lembro que Vossa Alteza usava um robe roxo naquele dia —Jiuzhu sorriu—. Sua presença fazia todo o resto desaparecer.

Ele chegou montado em um cavalo branco, sendo a visão mais impressionante da rua.

Naquela época, ela não sabia que aquele jovem elegante era quem ela vinha procurando — seu salvador tão esperado.

—Então, aos seus olhos, eu sou o mais bonito?

Jiuzhu assentiu.

—Vossa Alteza é o mais bonito e o melhor.

Um sorriso largo e radiante se abriu no rosto de Prince Chen.

—Sobe. —De repente, ele se abaixou—. Vou te carregar.

—Vossa Alteza... —Jiuzhu hesitou.

—Você ainda acha que estou bêbado?

Meu príncipe querido, você está mesmo bêbado.

Jiuzhu se apoiou nas costas dele.

—Só não quero te cansar.

—Você não pesa nada. Como eu poderia me cansar? —Mesmo embriagado, Prince Chen a segurava firme.

Jiuzhu tinha certeza que, se ele cambaleasse, a protegeria com o próprio corpo.

—Me arrependo —o vento agitava as roupas dele, fazendo a voz soar distante.

—Quando nos conhecemos, eu não deveria ter deixado você ir sozinha.

Noite e vinho tinham um jeito de soltar palavras guardadas no fundo do coração.

—Eu devia ter te carregado de volta para a capital assim mesmo. Te vestido com as roupas mais finas, adornado com as joias mais bonitas. —A voz dele estava cheia de ternura dolorosa—. Onde eu estivesse, ninguém ousaria te menosprezar.

Jiuzhu apoiou a cabeça no ombro dele, ouvindo em silêncio enquanto ele pintava visões de um futuro perfeito.

—Os melhores bolos de arroz ficam na cidade leste, os melhores macarrões na oeste...

Ela sorriu, olhos fechados, ouvindo a voz dele e o sussurrar do vento.

Nos portões do Palácio Kirin, pendia uma lanterna em forma de lua.

Prince Chen, ainda carregando Jiuzhu, parou e olhou para a lanterna redonda.

—O que é aquilo?

—É a lua que eu te dou. —Jiuzhu deslizou das costas dele e puxou-o para sentar nos degraus embaixo da lanterna—. Se Vossa Alteza quiser aproveitar a luz do luar, eu vou fazer companhia.

A lanterna balançava suavemente, suas sombras se fundindo numa única forma arredondada.

—Não... não tem lua. —O príncipe bêbado descansou a cabeça no ombro de Jiuzhu.

—O que Vossa Alteza quer, então? —Jiuzhu ajeitou a postura para que ele ficasse mais confortável.

—Eu quero...

—Você —ela completou—, sentar aqui comigo sob a luz da lua.

A lanterna rangeu ao balançar. Prince Chen adormeceu apoiado em Jiuzhu, que olhou para o rosto sereno dele e riu baixinho.

—Claro.

Tarde da noite, Xiangjuan chegou ao Palácio Kirin e encontrou Prince Chen já dormindo.

—Tia Xiangjuan. —Jiuzhu apareceu, com os cabelos pretos soltos nos ombros—. Você veio tão tarde, obrigada.

—Sua Majestade ouviu que os príncipes haviam bebido e me mandou ver como estavam.

Prince Chen raramente bebia demais. No passado, a Imperatriz sempre enviava alguém para cuidar dele. Mas naquela noite, em pé no Palácio Kirin, Xiangjuan percebeu que, dali em diante, Sua Majestade não precisaria mais se preocupar —Prince Chen era responsabilidade da esposa.

—Vossa Alteza já está dormindo —Jiuzhu baixou a voz, sorrindo—. Ele fica muito comportado quando está bêbado.

Comportado?

Que ilusão era essa da Princesa Consorte?

Mesmo sendo a criada pessoal da Imperatriz, Xiangjuan não conseguia chamar Prince Chen de "comportado" sem mentir. Mas a Princesa Consorte dizia isso com naturalidade.

—Com você cuidando de Vossa Alteza, não preciso me preocupar. —Vendo que Jiuzhu já tinha tirado a maquiagem, Xiangjuan se levantou para ir embora—. Não vou atrapalhar o descanso de vocês. Boa noite.

—Está escuro lá fora, tome cuidado. —Jiuzhu lhe entregou uma lanterna e chamou dois eunucos para escoltá-la.

Xiangjuan ficou profundamente tocada. Como simples criada, não merecia tanta consideração.

Depois de anos no palácio, ela sabia distinguir sinceridade de falsidade. A Princesa Consorte se preocupava de verdade com a segurança dela no caminho de volta ao Palácio da Lua Brilhante.

—Vossa Alteza, essa lanterna realmente parece a lua. —Ela olhou para a lanterna redonda pendurada no portão—. Quando Vossa Alteza tinha seis ou sete anos, confinado na antiga residência, as noites de verão eram sufocantes. Sua Majestade o fazia dormir no pátio, dizendo que a Deusa da Lua o abençoaria se ele tomasse a luz dela.

—Perdoe-me pelo desabafo, falando de coisas de mais de dez anos atrás. —Xiangjuan sorriu, desculpando-se—. Você deveria descansar, Vossa Alteza.

—Se cuida, tia. —Jiuzhu pressionou a lanterna nas mãos dela—. O caminho está escuro, fique com isso.

Xiangjuan aceitou sem protestar e partiu com os eunucos.

—Alguém —Jiuzhu chamou, ainda olhando para a lanterna—, tire isso e pendure na porta do nosso quarto.

Que a Deusa da Lua sempre proteja Vossa Alteza.

Do lado de fora do escritório do magistrado da capital, Du Qingke atravessou os portões.

Ele ainda vestia o mesmo robe bordado do dia em que foi preso —agora amarrotado e fedendo a suor.

Felizmente, a noite ocultava seu estado deplorável.

—Mestre! —um criado correu para ajudá-lo a entrar na carruagem.

Assim que entrou, a compostura de Du Qingke se despedaçou. Seu rosto escureceu de fúria.

Aquelas nobres inúteis tinham estragado tudo, e agora seus crimes estavam expostos.

Se ele soubesse que eles falhariam tão espetacularmente, jamais teria se aliado às famílias deles por causa dos recursos.

Pelo menos, já tinha garantido as conexões deles. Agora, não serviam mais para nada.

Pensando nas humilhações que suportou na prisão, ele arrancou o robe imundo.

—Príncipe An... Príncipe Chen!

Principalmente o Príncipe Chen. Os asseclas dele pareciam oniscientes, frustrando todos os planos que as famílias nobres tramavam.

Se não fosse pelo fato de que ele nunca confiou naqueles incompetentes nem participou das maldades deles, talvez não tivesse saído vivo dos portões da Prefeitura da Capital.

Embora tenha conseguido sair, ainda teve que pagar uma multa de cem taéis de prata — o Prefeito da Capital não mostrou misericórdia, nem para o chefe de uma família nobre.

—Quem está nessa carruagem? Os Guardas Imperiais estão em patrulha noturna. Por favor, coopere com a revista.

Guardas Imperiais?

Du Qingke levantou a cortina da carruagem.

—Sou eu.

Ele os reconheceu imediatamente — eram os mesmos Guardas Imperiais que os tinham escoltado até a Prefeitura da Capital naquele dia.

Quem era aquele?

Yu Jian percebeu um tom de confiança na voz do homem, como se tivesse certeza de que os Guardas o conheceriam.

Mas...

Quem era aquele homem de meia-idade, despenteado, com cabelos desgrenhados, roupas amarrotadas e sapatos cobertos de poeira?

—E você é? —Yu Jian examinou a barba desgrenhada por um momento antes de juntar as mãos num gesto educado. —Por favor, apresente sua identificação.

—Eu sou Du Qingke. —Ele entregou o talismã de identificação.

—Ah... —Yu Jian prolongou a sílaba, acenando várias vezes com a cabeça. —Agora que você falou, parece mesmo familiar.

Há poucos dias, o chefe da família Du era a imagem da elegância e refinamento. E após pouco tempo na prisão, tinha sido reduzido àquela condição?

Isso só mostrava que, por mais digno e culto que alguém pareça, tudo depende de ter criados para manter a imagem.

—Mestre Du, pode seguir. —Yu Jian devolveu o talismã e guiou seu cavalo para o lado.

—Obrigado. —Du Qingke lançou a Yu Jian um olhar longo e indecifrável antes de baixar a cortina.

Yu Jian ergueu a sobrancelha. O que teria aquele olhar significado?

Será que era rancor?

—Du Qingke foi liberado. E os outros chefes de família? —perguntou Yu Jian aos homens atrás dele.

—Os dois que sequestraram mulheres e espancaram um homem até a morte foram condenados à execução. Os demais foram exilados. Quanto a Du Qingke, como ele não se envolveu e a Prefeitura da Capital não encontrou provas contra ele, o deixaram ir.

—No entanto, o Prefeito multou ele em cem taéis por não ter denunciado o que sabia.

Cem taéis de prata — não uma mera centena de moedas de cobre.

Será que Du Qingke realmente não participou daquelas atrocidades?

Yu Jian não acreditava.

Mas a lei exigia provas. Mesmo que todos desconfiassem de Du Qingke, sem evidências, as autoridades nada podiam fazer.

—Ouvi dizer que Du Qingke também é tio-avô da consorte do Terceiro Príncipe. Chefe, já que fomos nós que o levamos à Prefeitura dias atrás, acha que ele vai querer se vingar da gente?

—Do que teríamos medo? Não fomos nós que o entregamos —foram o Príncipe Chen e o Príncipe An. —Ao ouvir o nome do Príncipe Chen, Yu Jian sentiu uma faísca de confiança. —Será que ele ousaria se vingar de dois príncipes imperiais?

—Ele não ousaria mexer com os príncipes, mas talvez venha atrás de nós.

Yu Jian: “...”

Se ao menos eles pudessem virar asseclas do Príncipe Chen — assim não precisariam temer a retaliação de Du Qingke.

Os documentos de sentença dos chefes das famílias nobres, incluindo as execuções, precisavam ser enviados ao Ministério da Justiça e ao Tribunal de Revisão Judicial para aprovação final.

O Ministério da Justiça não perdeu tempo — carimbou o selo sem discussão, aprovando a sentença da Prefeitura da Capital.

Já no Tribunal de Revisão Judicial, houve algum debate — embora a maior parte tenha sido apenas xingamentos contra os chefes de família.

—Os ancestrais deles foram ilustres —como puderam cair em tamanha depravação?

—Prenderem meninas jovens? E esse monstro só foi exilado?

—Concordo. Ele também deveria ser executado.

Após mais deliberações, outro nome foi acrescentado à lista de execução.

—Irmão Jiyuan. —Um oficial entregou a Ming Jiyuan uma cópia do depoimento da vítima. —Foi a consorte do Príncipe Chen quem salvou a vida dessa mulher.

—O quê? —Ming Jiyuan pegou o documento e leu atentamente.

[ A mulher tentou se matar pulando de um penhasco, mas a consorte do Príncipe Chen, movida pela compaixão, estendeu a mão e a salvou. ]

—A consorte do Príncipe Chen agiu com justiça, poupando a vida dessa pobre mulher. —O oficial suspirou. —Para garantir que ela não fosse severamente punida, o Príncipe Chen até providenciou médicos para manter o chefe da família agredido vivo. Que consideração.

Se o chefe da família tivesse morrido antes da sentença, a lei teria exigido a vida da mulher em troca.

Parece que o Príncipe Chen era mais compassivo do que as pessoas lhe davam crédito.

—Minha irmã mais nova é delicada e frágil. Quem diria que, em um momento de crise, ela conseguiria reunir tanta força?

A família Ming — frágil e estudiosa até o fim!

Capítulo 104 —  Procissão Imperial


—De fato, quando pressionada pela urgência, a gente consegue reunir uma força imensa —o oficial do Tribunal de Revisão Judicial assentiu concordando, sem tentar esconder sua admiração pela Princesa Consorte de Chen.— É exatamente isso que torna o ato justo de Sua Alteza tão comovente.

Ming Jiyuan sorriu levemente.

—Minha irmã mais nova cresceu em um templo taoista, criada por mestres imortais. Sua natureza é pura e bondosa —como ela poderia simplesmente assistir alguém perecer?

O oficial suspirou em admiração.

Realmente, a Família Ming — homens ou mulheres — todos possuíam um caráter tão nobre.

Não era de se espantar que, ultimamente, os rumores afirmassem que desde que o Príncipe Chen ficou noivo de uma filha da Família Ming, ele se tornara muito mais diligente.

Parece que os boatos tinham fundamento.

—A Família Ming — um exemplo de virtude — ele juntou as mãos e fez uma reverência para Ming Jiyuan antes de se retirar.

Observando a figura do homem se afastar, Ming Jiyuan ajeitou as mangas.

Quando se tratava de elogiar sua irmã, ele era totalmente sério.

—Jiyuan —o Ministro do Tribunal de Revisão se aproximou e lhe entregou um dossiê.— Estes são alguns registros de casos do Tribunal de Revisão ao longo dos anos. Revise-os quando tiver tempo.

—Sim, Vossa Excelência.

—Além disso, esta noite estarei de serviço no gabinete confidencial do Conselho. Você me acompanhará —o tom do Ministro era ameno.— A maioria dos oficiais que estarão de plantão já o conhece, então não precisa ficar nervoso.

—Minha mais profunda gratidão, Vossa Excelência! —Ming Jiyuan fez uma profunda reverência.

Ele não era bobo — o fato de seu superior levá-lo ao gabinete confidencial do Conselho indicava que estava sendo preparado para responsabilidades maiores.

O gabinete confidencial do Conselho tinha uma posição única.

Somente aqueles mais confiáveis pelo Imperador podiam se envolver em seus assuntos.

Em todo o império, incontáveis decretos precisavam enfrentar intermináveis debates entre os membros do Conselho antes de serem emitidos.

Para um jovem oficial inexperiente como ele ser levado para o plantão noturno já era uma honra extraordinária.

O gabinete confidencial do Conselho ficava a oeste do Portão do Pássaro Carmesim.

Para evitar repetir o erro da dinastia anterior — em que todos os principais oficiais foram eliminados em um único golpe — apenas dois oficiais de cada departamento eram designados para o plantão noturno.

Sentado na carruagem, a caminho do gabinete após o Tribunal de Revisão, Ming Jiyuan ergueu a cortina e espiou para fora.

—O tempo passa tão rápido. Há mais de uma década, eu era apenas um oficial de quinta classe. Naquela época, os plebeus fechavam as portas à noite, sem ousar falar alto.

O Ministro suspirou.

—Depois que Sua Majestade subiu ao trono, a vida do povo melhorou muito. Até à noite, as ruas agora estão movimentadas.

Ming Jiyuan deixou a cortina cair e olhou para ele.

—A prosperidade é conquistada a duras penas. Quando nossa geração envelhecer, poucos lembrarão as calamidades daqueles anos.

O Ministro se referiu abertamente aos últimos anos do reinado anterior como uma "calamidade", revelando seu desdém pelo Imperador falecido — coragem para falar assim na frente de outro oficial.

—A idade faz a gente tagarelar —ele riu.— Não dê bola.

—Os sentimentos de Vossa Excelência são claros para este humilde oficial —Ming Jiyuan ficou sério.— Nosso dever é proteger a paz e o bem-estar do povo.

O rosto do Ministro se iluminou num sorriso e ele bateu no ombro de Ming Jiyuan, visivelmente satisfeito.

—Jovem e realizado, de fato.

—Embora as antigas famílias aristocráticas tenham decaído, mesmo um navio quebrado ainda tem alguns pregos —o Ministro recostou-se na parede da carruagem, relaxado.— Este veredito passou tão facilmente só porque alguém de escalão superior interveio.

—Quem você acha que foi?

Ming Jiyuan balançou a cabeça.

—Príncipe Chen —o Ministro suspirou.— Para ele, agradar a aristocracia teria sido mais vantajoso do que enfrentá-la. Ainda assim, escolheu ficar ao lado do povo comum.

Como o Príncipe Chen era seu cunhado, Ming Jiyuan evitou comentar.

—Sinceramente, fiquei surpreso que o Príncipe Chen tenha intervindo —o Ministro avaliou a expressão de Ming Jiyuan.— Talvez todos nós tenhamos julgado mal ele.

Ming Jiyuan mexeu-se levemente no assento.

Se Príncipe Chen era o mal-entendido, por que Vossa Excelência o olhava assim?

—Jiyuan, quando voltar, aconselhe seu pai a reconhecer os méritos do Príncipe Chen. Afinal, agora ele é da família, não é?

Meu Deus — depois de tanto rodeio, esse era o verdadeiro motivo.

Até onde os rumores sobre a antipatia do meu pai pelo Príncipe Chen se espalharam para que até meu superior sentisse a necessidade de intermediar?

—Príncipe Chen... é na verdade um bom rapaz.

Ming Jiyuan lançou um olhar de soslaio para o Ministro.

Três anos atrás, esse mesmo homem o chamara de "teimoso e imprudente".

Agora, um "bom rapaz"?

Quando o Príncipe Chen acordou, a luz do dia já entrava pelas janelas.

Notando a outra metade da cama vazia, ele esfregou a testa e sentou-se.

—Atendentes!

—Vossa Alteza —Yang Yiduo entrou com um séquito de criados do palácio.— Você acordou?

—Onde está a Princesa Consorte? —Príncipe Chen jogou as cobertas para o lado e se levantou.— Preparem água —quero tomar banho.

—A água quente está pronta, Vossa Alteza. Por favor, dirija-se à câmara de banho —respondeu Yang Yiduo.— Acabou de chegar notícia do Palácio Oeste — a Consorte Viúva Zhao está doente. A Princesa Consorte foi visitá-la, acompanhada por Chunfen.

—O que aflige a Consorte Viúva Zhao? —Príncipe Chen parou no meio do passo.

—A idade traz doenças inevitáveis —Yang Yiduo ergueu a cortina de gaze para evitar que ela tocasse a cabeça do Príncipe.

Príncipe Chen lembrou das palavras que a Consorte Viúva Zhao compartilhara com ele e Jiuzhu enquanto pintavam no pomares de pessegueiros.

Ele olhou para a lanterna redonda de lua pendurada na viga.

Mesmo à luz do dia, era bela.

Mas foi na noite passada que ela realmente brilhou.

—Vossa Alteza, a Princesa Consorte mandou pendurar esta lanterna aqui. Se lhe desagradar, podemos mudar —perguntou Yang Yiduo, notando o olhar do Príncipe.

—Não —Príncipe Chen balançou a cabeça.— Deixe assim. Está perfeita aqui.

Ele a amava.

Só haviam passado poucos dias, mas a Consorte Viúva Zhao parecia ter envelhecido anos.

—Vossa Graça —Jiuzhu segurou a mão da Consorte Viúva Zhao.— Você tomou seu remédio hoje? O médico imperial já veio?

A pele pendia frouxa sobre os ossos, há muito sem a elasticidade jovial — a marca inconfundível do tempo.

—São velhos males. Os servos foram descuidados em incomodá-la —a Consorte Viúva Zhao tentou sentar-se, mas Jiuzhu a segurou delicadamente.— Vossa Graça, descanse direito. Não pegue um resfriado.

—Não tenho nada para fazer no palácio o dia todo, mesmo —Jiuzhu ajeitou as cobertas em volta dela.— Visitar você me permite também fazer carinho naquele gatinho gordo.

—Miau —o gato gordo estirado na mesa a reconheceu preguiçosamente antes de pular e se acomodar no colo de Jiuzhu.

Jiuzhu acariciou-o levemente, arrancando um ronronar satisfeito.

—Ele a adora —a Consorte Viúva Zhao parecia querer dizer mais, mas após observar o felino preguiçoso, ficou calada.

—Está chovendo de novo lá fora? —ela ouviu o som das gotas caindo.

—Sim —vendo seu interesse, Jiuzhu levantou-se para abrir a janela, depois voltou com um sorriso radiante.— Está lindo.

A mulher junto à janela, vestida com um vestido azul-céu, era mais encantadora que a própria chuva.

A Consorte Viúva Zhao sorriu de volta.

—Sim, muito lindo.

Uma criada do palácio trouxe o remédio preparado.

Sentada, a Consorte Viúva Zhao bebeu a mistura amarga sem demonstrar expressão.

Remédios assim não podiam deter o avanço do tempo.

—Vossa Graça, quer que eu leia para a senhora? —Jiuzhu aceitou um livro das mãos de Chunfen — a capa anunciava com letras grandes: A Batalha do Príncipe Domineiro Contra os Espíritos do Mal.

—Esses livros acadêmicos cheios de frases antigas não são adequados para quem está doente —Jiuzhu abriu outro livro.— Essas histórias populares são bem mais interessantes.

A Consorte Viúva Zhao olhou fixamente para o livro de histórias nas mãos de Jiuzhu.

Originalmente filha de cervejeiro, não se interessava por literatura profunda.

Mas dentro dos muros do palácio, uma consorte como ela não tinha escolha nesses assuntos.

Era a primeira vez, desde que entrara no palácio, que alguém declarava abertamente que as histórias populares eram agradáveis bem diante dela.

—Sim, histórias populares são encantadoras.

Ao pronunciar essas palavras, um inesperado sentimento de libertação tomou conta do coração da consorte.

—Então deixe-me ler para a senhora agora. —Jiuzhu abaixou a cabeça e começou a narrar a história.

Seu jeito de ler fugia das convenções acadêmicas — animada e viva, como uma contadora de histórias, suas expressões mudavam conforme o enredo.

A Consorte Viúva Zhao não conseguiu evitar uma risada alta.

A velha ama que cuidava da consorte testemunhou a cena e discretamente enxugou os olhos úmidos.

Meia hora depois, quando a Consorte Viúva Zhao já dormia, Jiuzhu fechou o livro silenciosamente, ajeitou as cobertas em volta dela, puxou as cortinas da cama e saiu do quarto.

—Princesa Consorte —a velha ama se aproximou, segurando um guarda-chuva.— Está chovendo lá fora —deixe esta serva acompanhá-la.

—A consorte precisa mais dos seus cuidados agora, ama. Por favor, não se incomode —Jiuzhu tomou o guarda-chuva.— Se precisar de algum ingrediente medicinal, é só avisar. Mesmo que eu não tenha, com certeza Sua Majestade a Imperatriz terá.

Ao ouvir a Princesa Consorte de Chen se referir à Imperatriz com tanta familiaridade, a ama entendeu: os rumores sobre a relação próxima entre elas eram verdadeiros.


Quando a Princesa Consorte insistiu em recusar a escolta, a ama só pôde providenciar guarda-chuvas extras para Jiuzhu e suas acompanhantes.

—Vou segurar meu próprio guarda-chuva. Não se molhe —Jiuzhu fez sinal para a jovem criada do palácio —que parecia ter não mais que quatorze ou quinze anos— se afastar. Não podia deixar a menina pegar um resfriado.

—Obrigada, Princesa Consorte —a criada hesitou antes de seguir a uma distância respeitosa com seu próprio guarda-chuva.

A chuva pré-Qingming trazia um frio persistente, mas pelo menos hoje ela não sofreria com roupas molhadas.

Que bom.

Jiuzhu adorava o som da chuva batendo nas sombrinhas de papel óleo, embora seus belos sapatos bordados molhados fossem um problema bem menos agradável.

Quando o portão que separava o Palácio Ocidental dos aposentos internos se abriu, Jiuzhu viu o Príncipe Chen parado além dele — vestido com roupas brancas como a neve, cabelo solto esvoaçante, um guarda-chuva na mão.

—Sua Alteza —Jiuzhu fechou seu guarda-chuva e correu para debaixo do dele, captando o cheiro fresco de seu banho recente.— Por que veio?

—Para levá-la para casa —Príncipe Chen inclinou o guarda-chuva sobre ela, sorrindo suavemente.— Gostei bastante da lua que você me enviou.

Jiuzhu enrolou os braços na manga dele.

—Fico feliz que tenha gostado.

Notando o cabelo ainda úmido, ela o repreendeu:

—Seu cabelo ainda não está seco —o vento vai te dar dor de cabeça. Devemos voltar logo.

—Sem pressa. —Observando como ela pisava cuidadosamente longe das poças para proteger os sapatos, entregou-lhe o guarda-chuva.— Aqui, eu te carrego.

—Que vergonha. —Mal tinha acabado de falar e Jiuzhu já estava agarrada às suas costas.

Sua boca protestava, mas seu corpo não hesitava.

—Você gosta desses sapatos?

—Você mandou fazer especialmente no Guarda-Roupa Imperial —com cachorrinhos bordados. —Jiuzhu equilibrava o guarda-chuva com uma mão enquanto enrolava a outra em seu pescoço.— Eu adoro eles.

—Cachorrinhos Ming?

Jiuzhu caiu na risada encostada no ombro dele, fazendo o guarda-chuva balançar loucamente. Pingos frios de chuva espiralaram no rosto do Príncipe Chen.

Príncipe Chen: "......"

Naquele momento, Jiuzhu mordeu suavemente seu pescoço.

—Au!

A mordida brincalhona deixou uma sensação formigante — nem um pouco dolorosa.

Ele ajeitou o suporte sob os joelhos dela.

—Parece que temos aqui um legítimo cachorrinho Ming.

As risadinhas dela se dissolveram na própria gargalhada dele.

—Por que está vestido de branco hoje, Sua Alteza?

—Amanhã é Qingming —vou presidir os ritos ancestrais para Sua Majestade. Cores vivas não combinam com esses dias. —Ele arqueou a sobrancelha.— Por quê? Não me cai bem?

—Cai! Com cores claras, Sua Alteza lembra a lua que adorna os céus. Com cores vibrantes, você é a mais esplêndida das flores de primavera. E em tons escuros —o mistério encantador da meia-noite. —Jiuzhu nunca faltava em elogios poéticos para seu príncipe.— Você é magnífico em qualquer coisa.

—Pequeno Porquinho Ming, sorte sua nunca ter entrado no serviço do tribunal.

—Por quê?

—Você teria sido o funcionário mais bajulador da história.

Jiuzhu bufou.

—Só digo a verdade.

Algo quente se agitou no peito do Príncipe Chen. Embora não pudesse ver o rosto dela, podia imaginar perfeitamente sua expressão.

—Sou mesmo tão maravilhoso aos seus olhos?

—Mhm!

O sorriso dele suavizou.

Se não fosse pela mulher nas costas, talvez realmente parecesse a criatura celestial que ela descrevera.

—Sua Alteza, o que houve? —Uma criada do palácio ofegou enquanto Sun Caiyao congelava, sua cesta de flores caindo no chão com estrondo.

—Não é nada. —Sun Caiyao balançou a cabeça distraída, curvando-se para pegar a cesta.

O Príncipe Chen usava apenas roupas brancas — ela não devia imaginar nada além disso. Absolutamente nada.

—Como o Príncipe Chen é dedicado à sua Princesa Consorte —sussurrou outra criada.— Carregando-a na chuva para que seus pés não se molhem.

—Silêncio! Você não percebeu que Sua Alteza nem prendeu o cabelo?

A visão de Sun Caiyao começou a embaralhar. Um zumbido encheu seus ouvidos antes que a escuridão engolisse sua consciência.

—Sua Alteza!

Ao desmaiar, sua visão cansada viu Jiuzhu pulando das costas do Príncipe Chen e correndo até ela.

—Sua Alteza! Sua Alteza!

Yun Yanze, ainda sonolento, sentou-se irritado com as chamadas urgentes de seus servos.

Respirando fundo para se recompor, afastou as cortinas do leito.

—O que houve?

—Sua Alteza desmaiou no corredor do palácio! Chamaram o médico imperial — ela está grávida!

Fingindo alegria, Yun Yanze vestiu seu robe exterior e saiu apressado — só para encontrar Yun Duqing no seu pátio, debaixo de um guarda-chuva.

Parou no meio do passo.

—Quinto Irmão.

—Quarto Irmão —o Príncipe Chen inclinou levemente a cabeça.— Parabéns.

—Obrigado —o olhar de Yun Yanze percorreu o bordado prateado nas roupas brancas do irmão.— O que faz aqui?

—Minha esposa trouxe a Quarta Cunhada de volta depois do desmaio. Ela está lá dentro fazendo companhia para ela agora. —A sobrancelha do Príncipe Chen arqueou. Será que Yun Yanze imaginava que ele queria ficar ali parado?

A gravidez de outra mulher não significava nada para ele.

Lá dentro, Sun Caiyao se apoiava para olhar Jiuzhu sentada perto.

—Mandaram chamar o Quarto Irmão. Vou me retirar agora —Jiuzhu se levantou para partir.— Tome cuidado nos caminhos molhados com sua condição.

Seu príncipe ainda esperava lá fora, guarda-chuva na mão.

Sun Caiyao fitava o próprio ventre como em transe, a mão relaxando aos poucos sobre os cobertores.

—Jiuzhu... obrigada.

Ela... estava grávida?

Jiuzhu piscou com a informalidade inesperada, mas apenas assentiu.

—De nada, Quarta Cunhada.

Ansiosa para sair, não se demorou no estranho comportamento de Sun Caiyao.

Ao pisar na varanda, chamou o Príncipe Chen.

—Sua Alteza!

Com um leve meneio de cabeça, ele se aproximou e ergueu o guarda-chuva sobre ela.

—Desça.

Jiuzhu saltou dos degraus direto em seus braços. Ele a segurou firme pela cintura, envolvendo-a completamente contra si.

—Agradecemos sua ajuda hoje, Cunhada.

Ao ouvir a voz, Jiuzhu notou Yun Yanze sob o beiral. Puxou o braço do Príncipe Chen e levantou o guarda-chuva para olhar para ele.

—Quarto Irmão, está sendo gentil demais. Você devia ir fazer companhia para a Quarta Cunhada.

Afinal, ser príncipe significava ter mais compostura que as pessoas comuns. Mesmo com sua própria consorte grávida, ele ainda tinha paciência para conversar com outros lá fora.

Yun Yanze lançou-lhe um olhar antes de entrar na casa.

—Sua Alteza, está esperando há muito tempo? —Jiuzhu se encostou totalmente no Príncipe Chen.— Vamos para casa.

Ela olhou para os sapatos bordados, agora manchados de lama, e suspirou.

Na pressa de ajudar Sun Caiyao antes, não tinha percebido a pequena poça próxima e pisara nela.

—Está tudo bem —Príncipe Chen acariciou delicadamente sua cabeça.— Mandarei fazer um par idêntico para você.

—Mm! —Jiuzhu iluminou-se instantaneamente.

Príncipe Chen suspirou para si mesmo — tão simples, tão fácil de agradar.

A notícia da gravidez da consorte do quarto príncipe logo se espalhou.

As mães dos príncipes reagiram de formas diferentes, mas apenas a Imperatriz Su convocou Jiuzhu para seu lado, falando longamente sobre como as jovens não deveriam se precipitar no parto, e coisas do tipo.

Suas palavras estavam repletas apenas de afeto.

Na manhã seguinte, antes do amanhecer, o Príncipe Chen chegou ao Palácio Taiyang para vestir um robe princípeco bordado com dragões e embarcou na carruagem imperial com destino ao Altar Circular.

O Festival Qingming era tradicionalmente um dia para homenagear os ancestrais, mas os imperadores da Grande Dinastia Cheng acreditavam que alguns antepassados ascendiam para se tornarem imortais celestiais após a morte. Por isso, eles primeiro prestavam respeito ao Céu no Altar Circular antes de seguir para o Altar Quadrado para venerar a Terra.

Atrás da carruagem imperial, os quatro príncipes cavalgavam, seguidos por fileiras de oficiais civis e militares trajando seus robes de corte.

O Príncipe An enxugou a chuva do rosto.

O príncipe mais jovem sentava na carruagem imperial reservada para as viagens do imperador, enquanto seus quatro irmãos mais velhos cavalgavam, encharcados pela garoa leve do Qingming.

A urgência em garantir favor era inegável.

—A chuva está ficando mais forte —comentou o Príncipe Huai, notando o gesto do Príncipe An, o tom carregado de inveja.— Quando chegarmos ao Altar Quadrado, nossos robes estarão encharcados.

Que bom seria poder cavalgar na carruagem imperial — protegido do vento e da chuva.

O Príncipe An percebeu a inadequação do comentário e preferiu não responder.

O Príncipe Huai também percebeu que falou demais e virou-se para Yun Yanze.

—Quarto Irmão, parabéns por em breve se tornar pai.

—Obrigado, Irmão Mais Velho —respondeu Yun Yanze, com o ânimo visivelmente elevado, o sorriso mais sincero que o habitual.

—Sim, parabéns! —Príncipe An juntou as mãos em celebração.

—Ter um filho é uma ocasião feliz, mas... —o Príncipe Jing murmurou para si mesmo, antes de corrigir-se e se curvar em pedido de desculpas.— Perdoem-me, falei besteira.

A cerimônia de adoração ao Céu e à Terra era um grande evento, que os príncipes não podiam realizar levianamente em lugar do imperador.

A não ser, é claro, que se fosse o príncipe herdeiro.

Ao fazer Yun Duqing vestir os robes principescos no Palácio Taiyang, colocar a coroa de dragão dourada e organizar uma procissão imperial para ele, o imperador declarava ao mundo sua intenção de nomear Yun Duqing como seu herdeiro.


Capítulo 105 —  Flor de Pessegueiro



Todos eram príncipes imperiais — quem entre eles não tinha espírito de ambição?

O Príncipe Huai virou a cabeça para olhar o Príncipe An, que estava rindo feito bobo, e então desviou o olhar sem expressão. Este era uma exceção.

Por causa do comportamento excêntrico do Príncipe Chen no passado, muitos dos oficiais que o acompanhavam temiam que ele vacilasse no momento decisivo.

Recitando o texto da oração...

Se ele conseguiu memorizar os Registros da Agricultura e da Sericultura, certamente conseguiria recitar toda a oração sem problemas, não é?

Quando a carruagem imperial chegou ao Altar Circular, todos observaram enquanto o Príncipe Chen, digno e composto em cada movimento, segurava solenemente o incenso cerimonial e subia os degraus de jade com graça medida. De repente, sentiram-se tranquilos.

Os quatro príncipes ficaram à frente, observando a figura de Yun Duqing se afastar enquanto subia até o ponto mais alto, cada um com seus próprios pensamentos.

Talvez o que ele pisava não fossem os degraus de jade do altar, mas seus próprios corações inquietos.

—Senhorita, está planejando sair do palácio? —Chunfen percebeu Jiuzhu trocando suas roupas luxuosas por um ruqun simples de mangas estreitas.

—Sim, já avisei Sua Majestade a Imperatriz —Jiuzhu assentiu, tirando as pulseiras de jade e os anéis de ouro dos pulsos, e desfazendo seu elaborado penteado feixian para um coque yuanbao simples.— Voltarei antes do anoitecer.

Só então Chunfen notou as guardas femininas do lado de fora da porta, vestidas com uniformes de mangas justas. Suas expressões firmes e resolutas mostravam que não eram nada comuns.

—Vou com você —disse Chunfen, inquieta.

—Não precisa. Com essas damas altamente treinadas me acompanhando, não há com o que se preocupar —Jiuzhu sorriu.— Além disso, o Palácio Kirin tem muitos assuntos que não podem ficar sem você.

—Então tome cuidado —Chunfen prendeu uma bolsa de dinheiro na cintura de Jiuzhu.— Volte cedo.

—Não se preocupe, Irmã Chunfen —Jiuzhu pegou um jarro de vinho da mesa e saiu, dirigindo-se às guardas.— Conto com vocês.

—É nosso dever, Alteza. A senhora é muito gentil —disse a guarda-chefe, pegando o jarro das mãos de Jiuzhu.— Por favor, siga.

A chuva ainda não cessava. Jiuzhu viajou em carruagem até os arredores, onde a grama seca cobria as colinas e brotos verdes e tenros surgiam pelas fendas, tremendo ao vento.

—Alteza, chegamos —anunciou uma guarda após vasculhar a área em busca de ameaças ocultas.

Não muito longe da carruagem, havia uma sepultura solitária. Se não fosse pela vegetação cortada sobre ela, alguém poderia pensar que era apenas um monte de terra.

Jiuzhu abriu um guarda-chuva, segurou o jarro de vinho e se aproximou do túmulo, estudando cuidadosamente a inscrição desgastada. O nome gravado na pedra mal podia ser lido: Changsheng.

Nome que significa longevidade, mas morto aos dezenove anos.

Jiuzhu colocou o jarro de vinho de flor de pêssego diante da lápide. Gotas de chuva escorriam pela superfície, deixando trilhas como lágrimas.

—Meu mestre disse que encontros casuais são destino. Ouvi a história da Consorte Viúva Zhao e recebi seu vinho, por isso vim visitá-lo em seu lugar —Jiuzhu entregou o guarda-chuva a uma guarda, afastou a grama morta, acendeu incenso e pendurou uma fileira de dinheiro espiritual sobre a sepultura.

O túmulo não tinha oferendas nem sinais de papel queimado — poucos haviam vindo lamentá-lo.

—Os médicos imperiais dizem que a Consorte Viúva Zhao está gravemente doente. Ela perdeu a vontade de viver —Jiuzhu agachou diante do túmulo, observando as chamas consumirem as oferendas.— Não a culpe. Sob o peso do poder, ela não teve escolha.

—Ficar firme pelo que seu coração deseja é admirável —Jiuzhu alimentou o fogo com mais dinheiro espiritual.— Tanto você quanto Sua Alteza são extraordinários. Você morreu de coração partido por ela; ela viveu por você. Às vezes, morrer é fácil —viver é que é difícil.

—O mundo tem inúmeras maravilhas. Se houver uma próxima vida... —Jiuzhu sorriu levemente.— Que vocês se tornem marido e mulher, unidos pelo amor, envelhecendo juntos sem dúvidas.

Apesar da chuva, o papel queimava ferozmente, como o amor imortal de Changsheng pela Consorte Viúva Zhao.

Seu mestre certa vez disse que ela não era feita para a vida monástica — seu coração pertencia ao mundo mortal. Por isso, todos esses anos, ela insistiu em orar aos deuses por seu benfeitor, sem aprender a deixar ir.

Quando as últimas brasas desapareceram, Jiuzhu pensou que, se alguém fizesse mal a Sua Alteza, talvez ela preferisse morrer junto do que permitir que triunfassem.

Ela esfregou o rosto, afastando os pensamentos sombrios, e suspirou. Seu mestre estava certo — ela realmente não tinha temperamento para ascetismo.

—Alteza, alguém se aproxima.

Jiuzhu se levantou e virou-se para ver uma mulher conduzindo uma menininha pela mão, com uma cesta no braço e lutando com um guarda-chuva de papel oleado surrado.

—Não a detenha. Eu a reconheço —disse Chunfen.— É a contadora de histórias da casa de chá.

A contadora de histórias apertou a filha ao ver as carruagens nobres e as guardas armadas no campo.

—Q-quem são vocês? O que fazem aqui?

Será que algum de seus contos desagradou um cliente? Se sim, poderiam simplesmente parar de ouvir — ou pagar para que mudasse a história. Trazer guardas para intimidá-la era exagero.

A vida de uma contadora de histórias também importava.

—Senhora Contadora de Histórias —Jiuzhu deu um passo à frente.— Lembra-se de mim?

Claro que sim. O patrocínio da jovem tornou a série do Príncipe Mandão um sucesso na capital.

Quem poderia esquecer sua benfeitora?

—Está brincando, senhorita. Como eu poderia esquecê-la? —A contadora relaxou um pouco, olhando para o séquito.— São seus acompanhantes?

—São escoltas designados pela minha família. Eles não fazem mal a inocentes —Jiuzhu respondeu.— Você não precisa temer.

A contadora soltou o aperto na filha.

—Entendo. Posso perguntar por que veio até aqui?

Seu olhar pousou no jarro de vinho e nas oferendas na sepultura de seu tio-avô.

—Ele era seu tio-avô?

Jiuzhu estudou seu rosto em busca de engano antes de voltar ao túmulo.

—Sim —disse a contadora, preparando suas próprias oferendas — flores de papel e pilhas de dinheiro espiritual — e acendendo-as.— Ele morreu jovem. Nunca o conheci. Meu avô dizia que ele estava noivo da filha de um fabricante de vinho, mas ela foi levada por um nobre. Depois disso, ele adoeceu, chamando o nome dela até seu último suspiro.

—Meu tio-avô faleceu antes de sua cerimônia de maioridade, deixando os idosos enterrando os jovens. Como não se casou nem teve descendentes, não pôde ser sepultado na tumba ancestral —a contadora suspirou.— Para lhe dar um lugar no túmulo da família, meu bisavô queria adotar o filho do meu tio mais velho em nome do tio-avô. Mas naquela mesma noite, meu tio-avô apareceu no sonho dele, implorando para que não lhe atribuíssem o filho de outro — ele só queria ter filhos com a filha do fabricante de vinho.

—Depois que meu bisavô e bisavó faleceram, ninguém mais veio oferecer incenso a ele —a contadora pegou uma foice na cesta e limpou com habilidade as ervas daninhas frescas do túmulo. A filha a seguia, juntando a grama cortada.

—Como contadora de histórias, costumo criar contos de amor e perda para o público. Quando soube da verdadeira dor da minha família, não pude suportar deixá-lo aqui sozinho —a contadora se aproximou da lápide, demorando o olhar no jarro de vinho.— Além disso, meu marido se foi. A família dele diz que viúvas que visitam túmulos trazem má sorte, enquanto os meus dizem que filha casada que presta respeito atrapalha a sorte dos irmãos. Ninguém pode me condenar por oferecer incenso a ele.

—Ele não tem descendentes para honrá-lo, e eu sou proibida de homenagear outros idosos da família. Então nenhum de nós pode julgar o outro —ao notar Jiuzhu segurando um guarda-chuva para proteger a filha da chuva, a contadora sorriu.— Obrigada, senhorita.

—Um ancião da minha família foi conhecido antigo do cavalheiro aqui —Jiuzhu entregou o guarda-chuva à menininha e se abaixou para abrir o jarro de vinho.— Esse vinho foi especialmente feito para ele por esse ancião. Enterrado sob uma árvore de flor de pêssego por décadas, só viu a luz do dia alguns dias atrás. Tomei a liberdade de trazê-lo para cumprir seu desejo.

O vinho escorreu pela lápide desgastada, seu aroma envolvendo a sepultura.


—Mãe, cheira a flor de pessegueiro —disse a garotinha, farejando o ar e olhando curiosa para o jarro.

A contadora de histórias permaneceu em silêncio enquanto Jiuzhu esvaziava o jarro inteiro.

Quando o jarro foi colocado ao lado da lápide, a contadora falou:

— Senhorita, se não for incômodo, poderíamos voltar para a cidade com você?

As guardas avaliaram a contadora, mas não se opuseram.

— Claro —respondeu Jiuzhu com calor. —As estradas estão escorregadias com a chuva. Eu me preocuparia com vocês duas viajando sozinhas.

— Obrigada, senhorita —a contadora fez uma reverência profunda.

Dentro da carruagem, duas guardas se sentaram entre Jiuzhu e a mãe com a filha.

Durante toda a viagem, a contadora não perguntou quem era Jiuzhu. Só ao descer da carruagem, disse de repente:

— Senhorita, espere um momento. Tenho algo que o meu bisavô deixou para trás. Por favor, entregue para sua senhora.

Jiuzhu assentiu.

— Muito bem.

Depois que a contadora e a filha se afastaram, as guardas fizeram uma reverência a Jiuzhu.

— Invadimos entrando na carruagem sem permissão de Vossa Alteza. Aguardamos sua repreensão.

— Vocês entraram para me proteger. Não há erro nisso —Jiuzhu sorriu doce. —Agradeço o cuidado.

As guardas coraram com a gentileza dela.

— É nosso dever.

Não é à toa que o príncipe Chen e a Imperatriz adoravam a princesa consorte. Quem não amaria alguém tão gentil e compreensiva?

A contadora logo retornou com uma caixa de madeira desbotada.

Ela entregou a Jiuzhu.

— O bisavô deixou pouco para trás. Isso é tudo que restou. Por favor, aceite.

— Agradeço, madame —Jiuzhu aceitou a caixa sem abri-la.

— Não há do que me agradecer —a contadora riu, meio sem jeito. —Alguém como eu, que conta histórias de despedidas e perdas, não suporta vê-las na vida real. Eu queria que os amantes ficassem sempre juntos, as promessas nunca fossem quebradas, e as almas boas nunca sofressem. Mas a vida é uma mistura de amargo e doce, longa e breve. O que vier, nós aguentamos.

— Em três dias, farei uma apresentação no chá— sobre um príncipe dominador e uma dama esperta. Se tiver algum tema preferido, eu incluo —o sorriso animado da contadora voltou.

— Desculpe, mas não poderei ir —Jiuzhu tirou um lingote de prata da bolsa e apertou na mão da contadora. —Que o príncipe e a dama fiquem juntos para sempre, firmes no amor. E que os bons de coração em suas histórias tenham finais felizes.

— Combinado —a contadora guardou a prata. —Contarei exatamente como você pediu.

Patrões são soberanos. Com o pagamento garantido, qualquer história serve.

De volta ao palácio, Jiuzhu trocou o vestido simples e levou a caixa para os aposentos do oeste.

Do lado de fora do pátio da Consorte Viúva Zhao, encontrou várias consortes idosas enxugando lágrimas. Ao ver Jiuzhu, secaram os olhos às pressas e forçaram sorrisos.

No palácio, até o luto era proibido.

— Saudações, consortes honradas —Jiuzhu fez uma reverência, fingindo não perceber as lágrimas. —Como está a Consorte Viúva Zhao?

A consorte de mais alta patente balançou a cabeça lentamente.

— O médico imperial diz... que restam apenas dias.

O coração de Jiuzhu afundou. Olhando para a caixa nas mãos, levantou as saias e entrou depressa.

Ao ouvir passos, a Consorte Viúva Zhao, deitada, murmurou:

— É a Princesa Consorte Chen?

— Vossa Alteza, é realmente Sua Alteza —a matrona colocou uma tigela de remédio, ocupada demais para se curvar. —Ela veio vê-la.

— Ajude-me a sentar —a consorte estendeu a mão. Após hesitar, a matrona ajudou, apoiando-a na cabeceira.

— Vossa Alteza —Jiuzhu sentou-se junto à janela, ignorando a palidez da doença, e descreveu vividamente as paisagens além dos muros do palácio. Até trouxe um livro de histórias e leu em voz alta.

Consorte Viúva Zhao ouviu silenciosa, um leve sorriso nos lábios. Quando Jiuzhu terminou, virou-se para a janela.

— Já está quase anoitecendo?

— Ainda é cedo —Jiuzhu riu. —Fique comigo mais um pouco. Com Sua Alteza ausente, o Palácio Kirin fica muito vazio.

— Muito bem, fique o quanto quiser —satisfeita, Consorte Viúva Zhao até mandou servir doces, sua postura contrastando com a condição.

Seus olhos estavam claros, o ânimo surpreendentemente alto, a voz mais forte que nos últimos dias.

—Notando a caixa de madeira lascada no colo de Jiuzhu, sua expressão suavizou com nostalgia. Há muito tempo, o jovem que ela amara tinha feito para ela uma caixa assim —para guardar joias.

“Vou te dar uma peça a cada ano. Quando estivermos cercados de netos, esta caixa estará cheia.”

Jiuzhu se levantou e colocou a caixa gasta nas mãos dela.

— Abra.

A Consorte Viúva Zhao fitou a caixa, os dedos trêmulos passando pela laca descascada. Por um longo instante, ela não conseguiu falar.

Não se apressou para levantar a tampa. Em vez disso, acariciou cada sulco e desenho, como se decorasse sua superfície, antes de finalmente abrir a caixa — o fecho já havia sumido há muito tempo.

Dentro, havia apenas um tufo de cabelo amarrado com um fio vermelho desbotado e um grampo de madeira empoeirado.

O fio vermelho tinha perdido a vivacidade, mas seu dono o enrolara ao redor do cabelo com tanta delicadeza que, mesmo depois de anos, os fios permaneciam juntos.

— Cabelo amarrado para a eternidade... —Consorte Viúva Zhao tocou o fio com a ponta do dedo, temendo que até a menor pressão pudesse desfazer aquele frágil relicário.

Seu amor jovem, seu amado.

Lágrimas que ela pensava secas há muito tempo escorreram sobre o grampo de madeira. Apressou-se a limpá-las com cuidado, e então prendeu o grampo em seus cabelos já grisalhos. Virando-se para Jiuzhu, perguntou:

— Fica bem em mim?

— Fica —Jiuzhu inclinou-se para ajeitar o grampo e assentiu firme. —Fica muito bem.

— Este grampo... Changsheng mesmo fez —um leve sorriso tocou os lábios da consorte. —Naquele ano, eu o provoquei, dizendo que queria um grampo de flor de pessegueiro —não comprado em loja, mas feito por ele mesmo.

— Ele me chamou de mimada —tocou a têmpora levemente—. Quando entrei no palácio, ainda não tinha visto aquele grampo de flor de pessegueiro. Acontece que ele o escondia aqui o tempo todo.

A velha criada abafou um soluço na manga e se retirou silenciosamente para o cômodo externo, sem querer que a viúva percebesse.

— Antes de entrar no palácio, cortei um tufo do meu cabelo e disse a ele: ‘Cabelo cortado significa amor cortado’. Pedi que encontrasse uma mulher que realmente amasse e fosse feliz. —Seus lábios se curvaram, mas as lágrimas escorriam pelo rosto.— Mas aquele tolo... cortou o próprio cabelo e colocou junto com o meu.

Na tradição popular, na noite de casamento, noiva e noivo cortavam um tufo de cabelo e os amarravam juntos —símbolo de união inquebrável.

— Alguém visita o túmulo dele? —o olhar da Consorte Viúva Zhao estava claro ao encarar Jiuzhu.

— Sim —Jiuzhu assentiu.— Um parente mais novo presta homenagem a ele todo ano.

— Que bom —murmurou a viúva, suavemente.— Que bom.

Sua vida fora comum e apagada, mas aos olhos de Changsheng, ela sempre brilhara com a luz mais forte.

— Levei o vinho de flor de pessegueiro que você fez para o túmulo dele —Jiuzhu disse com delicadeza.— Tenho certeza que ele gostou.

— Jiuzhu, obrigada —Consorte Viúva Zhao apertou sua mão com força, olhando para ela por um longo momento antes de finalmente soltá-la.— Vá agora. Seu príncipe logo voltará para casa.

— Quanto a mim... gostaria de ficar quieta com Changsheng por um tempo.

— Claro —Jiuzhu se levantou e fez uma reverência profunda antes de se virar para a porta.

— Jiuzhu —a viúva a chamou.

Jiuzhu virou-se rápido.

— Nos registros imperiais, sou apenas “Consorte Zhao” —sorriu.— Mas antes de entrar no palácio, eu tinha um nome — Taohua.

Flores de pessegueiro radiantes, com um brilho incomparável.

Quando o príncipe Chen voltou ao Palácio Kirin e não encontrou Jiuzhu no pátio, dirigiu-se direto para os aposentos deles.

Uma vela tremeluziu dentro, mas sua amada “Porquinha” estava encolhida no canto mais escuro, abraçando os joelhos como um filhote molhado a lamber uma dor invisível.

O coração dele apertou ao vê-la assim. Correndo para o lado dela, perguntou:

— Jiuzhu, o que houve?

— Vossa Alteza —ela levantou o rosto para ele, olhos brilhando com lágrimas não derramadas.

— O que aconteceu? Quem te magoou? —Ele afastou a umidade no canto do olho dela, suavizando a voz no tom mais doce enquanto a puxava para os braços.— Me conte. Eu conserto isso.

Essa porquinha dele —ele não suportava nem levantar a voz para ela.

— Meu coração dói —Jiuzhu balançou a cabeça, com voz pequena e cansada.— Ninguém me fez mal.

O príncipe Chen sentou-se e acomodou-a no colo.

— Então me diga por que seu coração dói. Deixe que eu te anime.

Ela se aninhou contra o peito dele, em silêncio.

Se ao menos o falecido imperador não tivesse sido tão cruel, tantas mulheres inocentes não teriam sido forçadas ao palácio.

Como ela não falava, ele não insistiu. Em vez disso, embalou-a com suavidade, acariciando suas costas como se acalmasse uma criança aflita.

Um homem conhecido pela impaciência, mas na presença dela, sua ternura não tinha limites.

— Vossa Alteza, Vossa Graça —a voz sussurrada de Yang Yiduo veio da porta.— Acabam de chegar notícias do palácio oeste —Consorte Viúva Zhao faleceu.




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