Ji Muye estreou aos doze anos de idade. Desde então, fosse interpretando o protagonista em sua fase mais baixa ou o herói no auge da carreira, jamais havia cometido deslizes como esquecer falas, trocá-las ou improvisá-las. Esse momento embaraçoso e inédito, no entanto, foi dedicado a Jiang Zheng.
Primeiro, suas pupilas se contraíram bruscamente. Depois, as sobrancelhas se franziram. Em seguida, as bochechas ficaram subitamente quentes — e até mesmo os lóbulos das orelhas decidiram participar da festa. Sua cabeça zumbia como se milhares de abelhas estivessem voando ao redor de seus ouvidos.
Seu primeiro pensamento foi: Ainda bem que Jiang Ran não está aqui.
O segundo: Jiang Zheng não deve achar que eu usei a cena como desculpa pra me aproveitar dela.
O terceiro: E se eu pulasse desse penhasco e deixasse as águas revoltas do Rio Dadu engolirem minha vergonha?
Jiang Zheng percebeu que Ji Muye estava desconcertado e se sentiu aflita e culpada.
Com certeza é por causa do meu irmão!
Irmão Ji Muye mal conseguiu escapar da situação ontem à noite, na mesa de jantar. Ela havia voltado para o hotel e conversado com o irmão com toda a sinceridade, pedindo que aceitasse o fato de ter uma irmã que era fã. Além da mãe e do irmão, a pessoa de quem essa fã mais gostava era justamente Ji Muye.
Seu irmão se mostrou compreensivo e respeitoso na hora, mas, logo na manhã seguinte, um membro da equipe veio lhe contar que ele e Ji Muye haviam conversado no corredor bem cedo. Ela não soube o que disseram, mas as expressões de ambos não eram boas, e o clima tinha sido bem estranho.
Ela ligou para o irmão, que respondeu que apenas tinham se cumprimentado e desejado bom dia.
Mas, vendo agora a expressão de Ji Muye, ela temia que a história fosse bem diferente.
Han Yi parecia relutante em ir até Jing Meini.
Jing Meini lançou-lhe um olhar desconfiado.
— O que foi?
— O que deu no seu irmão? Antes tudo bem, era só fazer piada com ele, mas agora ele até tá errando as falas.
Jing Meini sorriu de leve.
— Sua irmãzinha tem um brilho próprio. Tem gente que simplesmente não consegue resistir.
Han Yi deu de ombros, mas as palavras dela o deixaram mais tranquilo.
Quando Jing Meini ouviu Ji Muye dizer “Eu quero”, chegou a cuspir o refrigerante na hora. Era isso que ele queria dizer com “vou defender meu título de Mestre Ji”? Que vergonha.
Ele estava completamente obcecado.
— Com a ajuda do drama Reino Dongnu, deve ter muita gente querendo contratar seu irmão, né?
Jing Meini pensou que, embora Ji Muye sempre perdesse a compostura diante de Jiang Zheng, ela ainda era a agente dele — e precisava restaurar sua reputação.
Ela sorriu de leve.
— Segredo profissional. Não posso divulgar.
Han Yi estalou a língua. Tem gente que simplesmente não sabe retribuir uma gentileza. Se não fosse pela Zhengzheng no papel principal, ele duvidava que mais alguém conseguisse formar uma dupla com Ji Muye com uma química tão intensa.
Jing Meini esticou a mão para ajeitar a gola da camisa de Han Yi e disse com doçura:
— Senhor Han, se tem tempo pra se preocupar com os outros, devia pensar em si mesmo. Até agora você não encontrou a Sua Majestade que vai te elevar ao trono!
E saiu caminhando cheia de estilo, com as mãos nos bolsos da calça.
Han Yi: “!!!”
Você é solteira. Sua família toda é solteira.
Atingido por dez mil pontos de dano, Han Yi levou um tempo para se recompor antes de se virar. Nesse momento, viu Jiang Zheng levantar a mão e dizer ao diretor Xing Weimin que queria fazer uma pausa.
Ela era sempre tão gentil. Mesmo com o deslize de Ji Muye, ainda se responsabilizava e dizia que o erro era seu.
Fizeram uma pausa, depois retomaram as gravações.
Sua Majestade, com o olhar suave e um brilho nos olhos que só Cui Ling parecia ser capaz de enxergar no mundo inteiro, disse:
— Cui Ling, você gostaria de caminhar comigo às margens do rio, vagar pela floresta florida nos momentos de lazer e se embriagar sob as velas das flores durante as longas noites?
Ela usou eu, e não esta rainha[1]. Além disso, era a segunda vez que se declarava, mas agora só o fez depois da chegada de Chen Gang.
Cui Ling não era ignorante quanto ao amor. Sentia como se seu coração tivesse sido colocado numa frigideira — sendo frito e assado ao mesmo tempo. Estava morto e vivo, e mesmo assim não conseguia distinguir o som das próprias batidas.
Ele se ajoelhou lentamente, encostou a testa no chão e disse:
— Este plebeu... não é digno!
Tang Qinlan não sabia mais o que fazer para que ele aceitasse.
Queria dizer: Se você não me quiser, mando seu irmão para o calabouço. Mas ela sabia que os ossos daquele homem eram firmes demais, e temia empurrá-lo ainda mais para longe.
— Ser digno ou não... não depende dos outros. Nem de você — suspirou Tang Qinlan. — Daqui a meia lua, meu marido será escolhido. É bom que esteja preparado.
Quando as flores de pereira caíram, neste ano, Sua Majestade anunciou que o Reino e os oito países subordinados deveriam enviar jovens nobres à capital de Kangyanchuan para participar da seleção do consorte real.
Já fazia mais de vinte anos desde a última seleção. Era um evento nacional, e o edito causou grande comoção por todas as ruas e becos assim que foi divulgado.
Os líderes dos reinos Qiang, como Ruoshui, Xidong e Qingyuan, olharam para seus filhos fortes e saudáveis e estavam certos de que ganhariam o título de esposo da Rainha. Já o líder do maior dos Oito Reinos não tinha sequer um filho — apenas uma porção de filhas — e já sabia que não teria nenhuma vantagem na disputa.
Os Oito Reinos das Montanhas Ocidentais estavam espalhados entre montanhas e vales altos, e o caminho até lá era difícil. Com apenas meia lua de prazo, os príncipes participantes precisavam correr para chegar a Kangyanchuan antes do início da seleção.
O povo criou até uma tabela de avaliação com múltiplos critérios para a escolha do consorte. Beleza, talento, família, físico, caráter — tudo precisava ser avaliado. Sua Majestade a Rainha era conhecida por amar o novo e desprezar o velho. Há pouco, havia favorecido um homem de sobrenome Cui, mas ouviu-se dizer que havia perdido o interesse. Deixou-o esquecido em algum lugar da cidade imperial e não o convocou por muitos dias.
Sua Majestade estava determinada a escolher um marido. E amar o novo e esquecer o antigo era natural. Assim, essa história virou o principal tópico de fofoca da cidade.
Na hora de filmar essa parte da trama, o estúdio nunca tinha estado tão agitado.
O País Dongnu, somado aos oito países afiliados, formava um total de nove unidades eleitorais para a escolha do marido da rainha, e cada uma havia proposto ao menos um candidato — algumas, até dois ou três. A equipe de produção não queria apenas reunir um grupo qualquer de figurantes, então decidiram apostar alto e convidaram sete ou oito atores populares para participações especiais, elevando consideravelmente o nível de beleza dos pretendentes neste tipo de leilão de solteiros estilo antigo.
Na verdade, essa ideia partiu de Jiang Zheng. Além de destacar Ji Muye em meio a uma seleção tão qualificada e adicionar um toque cômico à trama, ela também queria secretamente que tantos homens assim levantassem a sua “cadeira de palanquim”.
Talvez fosse difícil conseguir isso com outras estrelas. Mas Jiang Zheng tinha o poder de convidar tantos artistas masculinos em seu nome. Por um motivo simples: todos os atores que haviam trabalhado com ela haviam ficado populares — muitos deles tinham dado uma guinada na carreira e seguido pela estrada florida do estrelato. Todos eram gratos a Jiang Zheng, a irmã koi da sorte.
Fossem por gratidão ou por interesse em aproveitar a fama de Dongnu Country, como seria apenas uma aparição de um ou dois dias, assim que os convites foram enviados, ninguém recusou.
Parecia um verdadeiro tapete vermelho no set — várias vans de apoio chegavam uma após a outra.
O blog oficial da série postou uma foto: nela, diversos homens belíssimos usando vestes tradicionais e coroas de jade apareciam graciosos — alguns sob o pavilhão, outros entre as flores, alguns olhando por sobre o ombro com um sorriso... belos, encantadores, charmosos, de estilos variados.
O blogueiro oficial perguntou de forma tímida: Quem vocês acham que Sua Majestade escolherá para ser seu marido?
Essa postagem no Weibo causou um frenesi de comentários:
#Eu aceito todos!
#Levem todos. Não deixem um sequer!
#Aaaah, que tipo de enredo celestial é esse? Era a imagem exata do meu sonho mais indescritível.
#O quê? Todos esses astros já trabalharam com Jiang Zheng. Será que foi o Grande Irmão Jiang que os chamou pra apoiá-la? Muito prestígio!
#Teoria da conspiração: desde o início, Jiang Zheng não queria Ji Muye como protagonista masculino e foi obrigada a aceitar. Agora que surgiu esse enredo competitivo, ela trouxe uma leva de astros pra mostrar seu descontentamento. Em outras palavras: Ji Muye não é digno de ser o marido dela?
#Vocês tão delirando aí na frente! Quem mais poderia fazer minha Zhengzheng se sentir injustiçada? Nem no guzheng isso toca direito.
#Gente, menos barulho, por favor? Ver tantos homens lindos no mesmo quadro de uma vez só... tem como não ficar satisfeita?
Os fãs de cada ator comemoravam ao ver seus “crushes” fazendo participação especial. Uma multidão animada que parecia estar reunida sob o prédio bordado pulava e girava de empolgação.
#Escolhe ele! Escolhe ele! Escolhe meu oppa!
#Aaaaah, mesmo que ele vá ser eliminado, no meu coração, oppa, você sempre será meu marido.
#A pessoa aí na frente é muito sem vergonha kkkk. Já que estamos sendo sinceros, eu também quero que meu oppa seja meu marido.
#Um ator tão bom e só vai fazer ponta? Que desperdício!
#Eu posso ser a zhengzheng, posso ser meu oppa, mas não consigo ser o Ji Muye. Então, por favor, oppa, espalhe um escândalo com a Zhengzheng! Me deixe sonhar em paz!
Os atores começaram a sair um por um, já vestidos com figurinos tradicionais. Xing Weimin não conseguia conter sua admiração ao ver a cena. Nenhuma outra produção havia conseguido participações especiais tão bonitas e em tão larga escala. Era um privilégio que vinham aproveitando graças à Jiang Zheng.
A professora Yu Juan estava empolgadíssima, suspirando de emoção. Se não fosse pela aprovação obrigatória da chefe da emissora, Ju, ela mesma já teria aberto um harém para Sua Majestade e enviado todos esses homens lindos para dentro dele.
Esses astros, incluindo Ji Muye, eram todos concorrentes na mesma faixa etária. No dia a dia, disputavam ferozmente por papéis e contratos, sem qualquer ambiguidade de sentimentos. Mas hoje estavam ali por um objetivo em comum. Naturalmente, precisavam manter expressões amigáveis — como se estivessem de férias. Por isso, todos mantinham um sorriso alegre no rosto.
Assim que Jiang Zheng apareceu, eles imediatamente se aproximaram para cumprimentá-la.
Segundo Han Yi, esses atores que haviam trabalhado com ela eram como namorados de cena. Depois do projeto, cada um seguia seu caminho. De vez em quando, eram flagrados almoçando ou tomando um café juntos, e aí os paparazzi inventavam escândalos para fazer barulho. Hoje, com Jiang Zheng dando esse passo e chamando todos de uma vez, os paparazzi provavelmente estavam atordoados, sentindo que seus cérebros não eram capazes de entender esse roteiro.
Ji Muye estava sentado na cadeira, recitando silenciosamente suas falas sem ser perturbado, com a postura de alguém que buscava redenção e se esforçava ao máximo — tentando proteger a reputação de Mestre Ji. Jing Meini cruzava a perna esquerda sobre a direita, depois trocava para a outra, e quanto mais pensava, mais achava aquela cena estranha demais. O que será que a Jiang Zheng estava tramando?
Um dos artistas que havia acabado de chegar para fazer uma participação especial se chamava Qin Zhe. Ele e Ji Muye haviam interpretado rivais em uma peça. Tinham uma boa relação pessoal e Qin Zhe era considerado um dos poucos amigos que Ji Muye possuía no meio artístico.
Depois de cumprimentar Jiang Zheng, Qin Zhe correu até Ji Muye todo empolgado e, assim que chegou diante dele, imediatamente se curvou e saudou:
— Saúdo Vossa Alteza Real.
Ji Muye ergueu os olhos em silêncio:
— Pode levantar.
Qin Zhe ficou em silêncio por um momento. Esse cara entrou demais no personagem.
Sentou-se ao lado de Ji Muye e comentou:
— Vou te dar um centavo pela informação. Na verdade, a equipe de Dongnu Country me chamou pra fazer teste, mas disseram que eu era ensolarado demais, não combinava com o papel.
Ji Muye respondeu com frieza. Seu rosto permaneceu impassível enquanto ele beliscava o próprio braço fino:
— Você quer mesmo continuar com essa cara?
Qin Zhe: “…”
Ele coçou o nariz e sussurrou:
— Você realmente chamou a atenção da Irmã Zheng. Ela te descreveu como o ‘Lao Ji Mil Faces’. Quando precisa ser suave, é suave; quando precisa ser firme, é firme. Você se adapta a qualquer exigência do roteiro.
Ji Muye rangeu os dentes de trás:
— Lao Ji? Eu só tenho 28 anos!
Qin Zhe piscou. Não era esse o ponto! Conseguir um elogio da Chefe Jiang era mais difícil que ascender aos céus. E mais: Ji Muye ainda tinha ganhado um elogio exclusivo — Lao Ji Mil Faces.
Ji Muye pensou por um instante:
— Você inventou isso, né? — Era impossível que Jiang Zheng dissesse esse tipo de coisa por aí. Mesmo estando tanto tempo no mesmo set, eles mal trocavam palavras que não fossem sobre atuação.
Qin Zhe fez uma expressão misteriosa, como se tivesse acesso a uma fonte exclusiva de informação. Mas com certeza não mentiria pra ele.
Ji Muye apertou os lábios e ficou em silêncio.
— Tá tudo aqui — disse Qin Zhe solenemente — ou então vou causar confusão entre vocês dois antes de ir embora.
Ji Muye lançou-lhe um olhar de desprezo:
— Cai fora.
— …
Filmagens na torre do palácio.
No passado, a cena clássica de seleção em dramas de harém poderia ser descrita como uma batalha entre beldades, mas aqui era preciso trocar uma palavra: em vez de beldades, pessoas elegantes.
Todos, vamos começar a filmar.
Os líderes dos Oito Reinos estavam sentados abaixo, e os príncipes desses reinos ajoelhavam no centro do salão, prendendo a respiração.
Sua Majestade, a Rainha, ainda não havia chegado, e os líderes começavam a se provocar assim que se encontravam.
O líder do Reino Xi Dong olhou para o líder do reino vizinho ao lado e riu baixo:
— É raro o senhor ter tempo para vir ao salão hoje.
A insinuação era clara: ele não tinha filho, então só devia ter vindo para participar por educação.
O líder do reino vizinho esticou calmamente o dedo e apontou para frente:
— O filho deste rei está ali.
Todos ficaram surpresos ao ouvir isso. Era de conhecimento geral que o reino vizinho era o mais poderoso — e também o menos afortunado — entre os Oito Reinos de Xishan. Será que esse filho tinha saído de uma fenda na pedra?
Alguém reconheceu aquele homem como o que fora favorecido pela rainha no passado e depois abandonado. Será que ele ainda era o príncipe do reino vizinho? Impossível! Durante esse tempo todo, a relação entre eles fora tão estranha quanto difícil de entender.
Sabendo que a líder do Reino Dongnu já havia recuperado a compostura, ele juntou as mãos em saudação:
— Sua Majestade está ciente?
O líder do reino vizinho acariciou a barba:
— Acha que ele teria entrado sem a aprovação de Sua Majestade?
Todos: “…”
Sua Majestade, a Rainha, finalmente chegou.
O vento perfumado se espalhou, e o som das argolas Yingluo balançando encheu o salão de impacto. Todos se ajoelharam, baixaram a cabeça e gritaram:
— Vida longa, vida longa, vida longa!
Tang Qinlan sentou-se com elegância atrás da cortina dourada, apoiando o queixo com preguiça:
— Vamos começar.
As contas douradas estavam entrelaçadas, brilhando intensamente, mas todos à sombra só conseguiam sentir a fragrância — e já estavam encantados.
Como principal avaliadora, Cen Baoqian foi a primeira a pedir aos príncipes que recitassem um poema à vontade. Sabendo que a Rainha do Reino Dongnu era belíssima, ele usou a montanha sagrada como metáfora para exaltar os méritos de Sua Majestade. As palavras eram refinadas, a escolha de termos precisa — arrancando suspiros de admiração.
O primeiro poema definiu o tom, e os que vieram a seguir estavam cheios de louvor e bajulação. Era impossível errar com esse tipo de poesia, e Sua Majestade gostava de ouvir.
Porém, quando o quarto homem recitou exatamente o mesmo poema, uma voz fria ecoou detrás da cortina dourada:
— Entediante!
O homem se ajoelhou no mesmo instante, apavorado, suando em bicas, e pedindo desculpas sem parar.
O próximo ficou tão nervoso que não conseguiu dizer uma só palavra. A atmosfera de repente se solidificou.
Felizmente, o príncipe do Reino Ruoshui virou o jogo e recitou um poema belo e refinado sobre flores de pereira, que recebeu o elogio de Sua Majestade:
— Bom poema.
Então era isso que Sua Majestade gostava. Os príncipes restantes seguiram a corrente e começaram a cantar as belezas naturais do Reino Dongnu, com temas de montanhas, neve e rios.
Por fim, chegou a vez de Cui Ling, o príncipe do reino vizinho. Ele saiu da fileira, ajoelhou-se e fez uma reverência:
— Vossa Majestade, eu não vou recitar.
Assim que ele falou, embora ninguém ousasse rir em plena corte, muitos o xingaram mentalmente de ignorante.
O rei do reino vizinho não esperava que Cui Ling fosse desistir assim, diretamente. Seu rosto enrugado tremeu na hora — e agora?
Cui Ling não sabe recitar poesia, isso Tang Qinlan podia imaginar. Como ele saberia dessas coisas refinadas?
Quando todos achavam que Sua Majestade mandaria Cui Ling embora, a dama de companhia Cen Baoqian surgiu e pediu à Rainha que escolhesse quatro príncipes para participar da próxima etapa: a prova de artes marciais. Eles simplesmente ignoraram o fracasso de Cui Ling.
A eleição do marido da rainha, realizada vinte anos atrás, era o modelo seguido até hoje. A poesia demonstrava talento; Sua Majestade, sentada atrás da cortina dourada, avaliava a aparência, voz e postura — e então escolhia quem lhe agradava. A antiga imperatriz havia se apaixonado à primeira vista por Su Mingchen, pai de Tang Qinlan, ali mesmo no salão principal, e ficou só com ele por vinte anos.
Desta vez, ainda havia uma prova de artes marciais. A maioria dos príncipes usava roupas bordadas, dançavam com leveza, mas não tinham força real. Como era de se esperar, quando Cui Ling entrou em cena, derrubou todos em questão de minutos.
No fim, Sua Majestade teve pena de todos, e escolheu, com certa relutância, os nomes de cinco pessoas, entregando-os à montanha para seleção pelo grande feiticeiro. Naturalmente, o nome de Cui Ling estava entre eles.
Ao verem isso, todos provavelmente entenderam que, apesar de terem se esforçado tanto para chegar até Kang Yanchuan, talvez fossem apenas figurantes de passagem. E os olhares lançados ao rei do reino vizinho se tornaram mais aguçados e complexos.
Contudo, o nível do Grande Feiticeiro não era algo que pudesse ser manipulado com facilidade. Não havia outro motivo: o Reino Dongnu acreditava nos feiticeiros, e o Grande Feiticeiro ocupava uma posição extremamente elevada no país — logo abaixo de Sua Majestade, a Rainha. Sendo a escolha do marido da rainha um evento de suma importância para os alicerces do país, essa decisão cabia, inevitavelmente, ao Grande Feiticeiro.
O Grande Feiticeiro usava um chapéu branco de feltro de lã na cabeça, vestia roupas pretas de linho e trazia um enorme medalhão de prata pendurado no peito, caminhando lentamente em direção à multidão. Seu olhar percorreu aquelas figuras preciosas, até finalmente pousar sobre Cui Ling.
Cui Ling permanecia calado, olhando fixamente para a frente.
Tang Qinlan se levantou e foi pessoalmente receber o Grande Feiticeiro. Ele fez um leve aceno de cabeça para ela e seguiu diretamente para fora do salão. Sua Majestade o acompanhou de perto, seguida pelos demais, que logo se ajoelharam no chão. Os cinco selecionados na primeira rodada estavam ajoelhados à frente.
Do lado de fora da varanda, o céu estava límpido, e parecia-se ouvir o canto dos pássaros ao longe.
O Grande Feiticeiro tirou um punhado de grãos de trigo do bolso e os ofereceu aos cinco homens, que deveriam pegá-los por conta própria. Alguns escolheram 1 grão, outros 2, e Cui Ling escolheu 10. O Grande Feiticeiro ergueu os braços bem alto, e todos puderam ver quantos grãos cada um havia pegado.
O líder do reino vizinho ficou à beira de um colapso de raiva. Esse idiota escolheu o mais difícil!
Os outros provavelmente pensaram o mesmo — e estavam se deliciando com a desgraça alheia.
Ao ver essa cena, Cen Baoqian lançou imediatamente um olhar a Sua Majestade. Tang Qinlan apenas franziu levemente a testa, mas não disse nada.
Em seguida, o Grande Feiticeiro fechou os olhos, tocou o tambor de couro de carneiro em suas mãos e murmurou:
— Suba à montanha sagrada, lá está meu espírito. Suba à montanha sagrada e use meu sangue...
Sua voz foi se transformando aos poucos — de palavras para um cântico vibrante, e por fim, para um rugido. De repente, um vendaval soprou no chão plano e passou a girar furiosamente ao redor da torre do palácio. Logo depois, uma revoada de aves grandes e pequenas surgiu, cruzando por cima das cabeças de todos antes de desaparecer girando ao longe.
Enquanto ainda estavam atônitos, o Grande Feiticeiro cuspiu sangue no chão, segurando firmemente um pássaro de penas brancas em sua mão.
A multidão se ajoelhou e encostou a testa no chão.
Tang Qinlan observava silenciosamente a mão do Grande Feiticeiro.
Cen Baoqian correu para mandar que alguém o ajudasse a se sentar. O Grande Feiticeiro pegou uma lâmina afiada, cortou o ventre da ave e, em meio às vísceras, encontrou vários grãos de trigo.
Ao olharem com atenção, viram que havia exatamente dez grãos.
Todos ficaram chocados! Como aquilo era possível? Normalmente, o Grande Feiticeiro utilizava o método da adivinhação com pássaros em tempos de guerra ou fome, para prever sorte ou desgraça. E mesmo assim, os pássaros capturados por meio de feitiçaria tinham, no máximo, seis ou sete grãos de trigo no estômago. Como poderia haver exatamente o número que Cui Ling havia escolhido hoje?
Cui Ling estava atônito, como se não compreendesse o que tinha acontecido. Ele nem sequer sabia qual era o propósito de escolher os grãos antes de o Grande Feiticeiro iniciar o ritual! Viu que todos estavam pegando 1, 2, 3 ou 4 — então ele simplesmente agarrou 10.
Será que isso era mesmo a vontade da montanha?
Tang Qinlan soltou uma risada suave, mas tão firme que fez o coração de todos estremecer. Ela caminhou lentamente até Cui Ling — e foi ela mesma quem o ajudou a se levantar.
Cui Ling mordeu o lábio com força, apertando os grãos de trigo na mão. Sempre pensou que salvar Tang Qinlan fora um acidente, que ter ficado preso no palácio fora um acidente, e que ela gostasse dele também era um acidente, mas agora estava atordoado e confuso.
Cen Baoqian ajoelhou-se apressadamente e gritou:
— Parabéns a Sua Alteza Real, a Rainha, Sua Alteza Real!
Os outros, vendo que o feito estava consumado, mesmo perplexos, não ousaram causar confusão no salão e também se ajoelharam, gritando “viva” em coro.
Tang Qinlan inclinou-se até o ouvido de Cui Ling e disse com uma risada baixa:
— Você ousa desafiar minha vontade, ousa desafiar a vontade da montanha? Meu marido?
Xing Weimin assentiu satisfeito e apressou-se em chamar “corta!”. Essa cena foi concluída de uma vez só, sem que ninguém perdesse a compostura.
A frase de Jiang Zheng — “Meu marido” — como sempre, partiu o coração de Ji Muye em pedaços, mas dessa vez ele se manteve firme e, ao ouvir o chamado do diretor, ergueu a cabeça com firmeza e acompanhou Jiang Zheng com calma.
Hoje, ele manteria temporariamente o título de “Mestre Ji”! Hum!
Após a filmagem dessa cena, os belos figurantes que tinham vindo para os cameos tiveram que partir em seus carros.
Qin Zhe não desistiu antes de sair e correu até Ji Muye, perguntando:
— Irmão, você tem certeza de que no roteiro que leu, a Irmã Zheng só tem você como marido? Nada de concubino ou coisa parecida?
Ji Muye cerrou os dentes e respondeu:
— Não. Sua Majestade é bem específica.
Qin Zhe coçou o queixo, dizendo:
— Ah, que pena.
Ji Muye lançou-lhe um olhar irritado:
— Vai embora!
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Notas:
[1] Ou seja, ela não usou o “eu” real, e sim o “eu” comum.
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