Capítulo 36 ao 40.2


 Capítulo 36 – Ruyi

Vendo que o olhar de Yun Fuyi estava cada vez mais afiado, Liu Gordo encolheu o pescoço timidamente.

— Não quis dizer nada demais. Embora você seja meio irritante, não vou sair espalhando boatos.

— Para de deixar a imaginação correr solta — Fuyi respondeu impaciente. — A irmã Lu e eu somos boas amigas. Ela está sozinha na capital, qual é o problema de eu levá-la para tomar um pouco de ar?

— O clã Lu é uma família enorme. Os homens são oficiais na capital, as mulheres se casam em várias famílias daqui. Como ela poderia estar assim tão sozi— — Liu Gordo parou no meio da frase, percebendo o erro.

Estar presente na família Lu não significava que estavam dispostos a se associar com a instável Ning Wangfei.

Com isso em mente, Liu Gordo olhou para Fuyi demoradamente.

— Entendi agora.

— Fuyi, vem aqui!

Liu Gordo olhou para Lu Siyue à distância, que sorria amplamente e acenava para Fuyi. Seu corpo rechonchudo se moveu para abrir espaço.

— Vamos. — Fuyi puxou a gola dele. — Hoje é você quem paga, lembra? Nem pense em desistir.

— Quem vai desistir? — Liu Gordo tentou se esquivar algumas vezes, mas foi arrastado pela multidão.

Após uma refeição satisfatória e alguns goles de vinho, Fuyi estava sentada de lado, ouvindo música, quando avistou uma figura um tanto familiar.

— A Senhorita Yun está olhando para aquele neto real do Reino de Nanxu? — a proprietária do Pavilhão Caiyin serviu um cálice de vinho a Fuyi, sorrindo. — Ele tem vindo todos os dias ultimamente, ficando cerca de uma hora cada vez, e é bem generoso com os gastos. Muitos enviados de outros países visitaram, mas nenhum com tanta frequência quanto ele.

Enquanto ela falava, um enviado do Reino de Liyan entrou. Pareceu notar o neto real de Nanxu, caminhou com arrogância até ele e disse algo. O príncipe se curvou repetidas vezes e até cedeu seu assento, parecendo bastante abatido.

Alguns do grupo de Fuyi e Liu Gordo também testemunharam a cena. Vendo que ambos não reagiram, fingiram não ter visto nada e continuaram bebendo e se divertindo.

— Vai com calma no vinho, Senhorita Yun. — A proprietária fez uma reverência e saiu com a bandeja.

— Aquele neto real de Nanxu parece bem coitado. Por que você não vai ajudá-lo? — Liu Gordo sacudia a perna, claramente curtindo o espetáculo.

— Sou uma Junzhu de Great Long. Como posso me meter em assuntos entre Liyan e Nanxu? — Fuyi arqueou a sobrancelha. — A menos que você queira se envolver.

— Tsc! — Liu Gordo virou a cabeça e ignorou. Não era idiota; sabia bem o que podia e não podia se meter.

Logo depois, o som de copos e tigelas quebrando ecoou pelo pavilhão. O salão inteiro silenciou, exceto pelos músicos no palco, que continuaram tocando com diligência.

— Quem te deu coragem para dizer tal coisa, Príncipe de Nanxu? — um general adjunto de Liyan jogou seu copo na cara do príncipe de Nanxu. — O príncipe quer que nossas patas de ferro pisem no seu reino?

— Foi um erro meu. Perdoe-me, general. — O vinho escorria pelo rosto de Nan Huai, que mal teve tempo de limpar, pedindo desculpas repetidas vezes ao general adjunto de Liyan.

Como neto de um soberano, ele não ousava ofender um oficial militar de quinta patente de outro país. Qualquer um vendo aquilo o chamaria de coitado.

— Talvez devesse tomar mais cuidado com suas palavras e não insultar o prestígio do nosso Reino de Liyan. — O general adjunto jogou seu copo aos pés de Nan Huai, tirou um lingote de prata do robe, jogou sobre a mesa e saiu do Pavilhão Caiyin com expressão fria.

Os atendentes próximos correram para limpar enquanto Nan Huai juntava as mãos em pedido de desculpas.

— Peço imensas desculpas pelo transtorno.

— Você é muito educado, Alteza. Aqui no Pavilhão Caiyin, queremos apenas que nossos convidados se divirtam e se sintam em casa. — A proprietária se aproximou com um jarro novo e um copo, seu vestido elegante rodopiando ao se virar. — Por favor, Alteza.

Ela sorriu, tocou levemente o pulso de Nan Huai ao oferecer a bebida, depois virou-se e saiu com um sorriso encantador.

De volta ao pátio interno, o sorriso da proprietária desapareceu enquanto ela se apressava até um aposento.

— Senhor, perdoe a intromissão.

— Entre.

O homem dentro tinha feições comuns, carregava uma arma afiada e usava o distintivo do Escritório do Príncipe Herdeiro.

— Senhor, este servo verificou o pulso do neto real. Está perfeitamente normal.

— Suportar tal humilhação de Liyan e ainda manter a calma — este príncipe de Nanxu tem autocontrole extraordinário. — Ele se levantou. — Obrigado pela ajuda, Senhora do Pavilhão.

— Não foi nada. — A proprietária claramente não queria falar mais e virou-se para sair.

— Tem assuntos urgentes?

— A Senhorita Yun está aqui hoje. Este servo precisa acompanhá-la. — Ela sorriu, abriu a porta e saiu sem olhar para trás. — Adeus.

— Senhorita Yun? — O homem franziu a testa. Uma pessoa tão preocupada com lucro como a proprietária teria alguém de quem realmente se importava?

Ele saltou, saiu do pátio interno e voltou pela porta da frente do Pavilhão Caiyin. Lá dentro viu a proprietária com uma pipa nos braços, sentada entre várias mulheres elegantemente vestidas. Uma mulher em traje de montaria descascava uvas e as dava para ela, que nem olhava antes de comer.

A proprietária era conhecida por sua extrema cautela — nunca comia nada oferecido por outros. Se ele não estivesse ali por ordem direta do Príncipe Herdeiro, ela provavelmente não teria aceitado testar o pulso do neto real de Nanxu para ele.

O homem olhou para a jovem de traje de montaria algumas vezes e lembrou quem ela era — Yun Fuyi, a filha mais amada do Ministro Yun.

Sabendo da lealdade da família Yun ao imperador, ele não buscou mais nada e saiu silenciosamente.

Depois que o homem saiu, a proprietária lançou um olhar para a porta e voltou a conversar e rir com Fuyi e os outros.

Bem, pessoas da corte são sempre tão desconfiadas.

Depois de deixar o Pavilhão Caiyin, o homem virou várias esquinas na rua e fez uma reverência antes de entrar numa carruagem:

— Vossa Alteza Imperial, seu subordinado presta minhas homenagens.

— Levante-se e reporte. — Sui Tingheng colocou o pergaminho na mão. — O que o neto real de Nanxu fez no Pavilhão Caiyin?

O homem — mordomo do palácio do Príncipe Herdeiro — contou tudo que descobrira.

— A proprietária do Pavilhão Caiyin fingiu não saber de nada no começo, dizendo ser só uma comerciante sem conhecimento. Só depois que este subordinado revelou minha identidade é que ela finalmente concordou em ajudar.

— A capital é um lugar complicado. Gerenciar um lugar como o Pavilhão Caiyin tão bem não é tarefa fácil. É natural que ela se mantenha cautelosa com os outros — disse Sui Tingheng calmamente. — O fato de ela estar disposta a ajudar já é uma grande concessão.

— Este servo está preocupado... que ela possa vazar informações.

— Não precisa se preocupar. Quem é capaz de fazer do Pavilhão Caiyin a casa de entretenimento mais famosa da capital certamente não é um tolo. — Sui Tingheng percebeu que ele ainda tinha mais para dizer. — E mais?

— Este servo também descobriu que a proprietária é muito próxima de Yun Junzhu. Parece não ter quase nenhuma guarda perto dela.

— É isso. — Os olhos de Sui Tingheng brilharam com um leve sorriso. — Não precisa se preocupar que ela vaze nada.

O mordomo ficou um pouco confuso. A proprietária era próxima de Yun Junzhu, mas por que isso significava que não havia motivo para se preocupar?

Haveria alguma ligação especial entre as duas?

— Vossa Alteza Imperial, vamos voltar ao palácio agora?

— Não. — Sui Tingheng ajeitou o robe. — Vamos ao Pavilhão Caiyin.

— O quê?! — O mordomo achou que tinha ouvido errado. — Vossa Alteza Imperial, o senhor disse... que vai para onde?

— Pavilhão Caiyin.

Os joelhos do mordomo quase fraquejaram. Apressou-se para dissuadir seu senhor:

— Vossa Alteza Imperial, um mero neto real de Nanxu dificilmente merece uma visita a tal lugar.

Metade dos notórios ociosos da capital está no Pavilhão Caiyin agora — e se Sua Alteza Imperial for esbarrado acidentalmente por um deles?

Mas ele não ousou argumentar mais. Embora o Príncipe Herdeiro geralmente fosse gentil, ninguém o detinha uma vez que decidia algo.

Pavilhão Caiyin estava a todo vapor. Alguns convidados embriagados insistiam em se apresentar no palco, cantando completamente fora de tom, arrancando ondas de risadas.

Nan Huai assistia com inveja. Então esse era o jeito despreocupado e ousado da nobreza de um país poderoso?

Sem precisar pisar em ovos, sem medo de causar confusão, sem vergonha diante do riso alheio.

— Saiam do palco, desçam agora! — Liu Gordo tapava os ouvidos, ordenando a alguns servos que os arrastassem para fora. Virou-se para a proprietária. — Fique tranquila, Senhora do Pavilhão. Juro que não deixarei eles estragarem seu negócio.

A proprietária cobriu a boca com um lenço e deu uma risadinha. Mal sabia Liu Gordo que alguns convidados adoravam ver esses jovens nobres animando o palco.

— Saiam da frente, deixa comigo. — Liu Gordo subiu no palco e agarrou as baquetas.

— Ei, nem pense nisso! — Fuyi pulou, pressionando as baquetas nas mãos dele. — Outros soam engraçados, mas você está machucando nossos ouvidos!

— Impossível! — Liu Gordo contestou. — Minha avó diz que eu bato no tambor melhor que os tambores militares!

— A princesa Kangyang também acha que você é o melhor neto do mundo. — Fuyi revirou os olhos. — De qualquer forma, sua batida é horrível.

— Tá bom. — Considerando que Fuyi acabara de dar grande prestígio à nação, Liu Gordo cedeu pela primeira vez e soltou as baquetas. — Então eu toco amanhã.

— Combinado. — Fuyi jogou as baquetas de lado e puxou Lu Siyue para o palco. — Irmã Lu, toque uma música para a gente.

No meio da atmosfera animada, Lu Siyue relaxou. Sentou-se na cítara sem hesitar.

— Certo.

Logo a melodia começou, como uma música divina num vale isolado. Num instante, a multidão barulhenta se acalmou.

Tomada pelo momento, Fuyi puxou uma espada cega à sua cintura e iniciou uma dança com a lâmina.

O atendente de Nan Huai observava maravilhado, especialmente quando Ning Wangfei e Yun Junzhu trocaram um sorriso. Não pôde evitar sussurrar a Nan Huai:

— Alteza, será que Ning Wangfei e Yun Junzhu...

Nan Huai não respondeu. Apenas ficou olhando para a mulher no palco — vestida com traje de montaria, resplandecente como nuvens brilhantes — até que, depois de um longo tempo, finalmente voltou a si.

Que mulher ousada e deslumbrante.

Quando a música terminou, Fuyi lançou a espada em direção à parede. Como guiada pela visão, a lâmina deslizou perfeitamente para a bainha.

— Excelente! — A multidão aplaudiu em uníssono.

— Muito obrigada pelo apoio, obrigada, obrigada. — Fuyi pegou uma bandeja vazia e ergueu em direção à plateia. — Se tiverem dinheiro, demonstrem amor!

Todos riram e jogaram moedas de ouro e prata na bandeja. Fuyi então levou a bandeja até Nan Huai.

— Alteza, aceita dar uma gorjeta?

— Wangfei toca lindamente, e Junzhu é um espadachim soberbo. — Nan Huai, com o rosto vermelho, tentou desfazer o nó da bolsa na cintura, preparando-se para jogá-la na bandeja.

— Alteza é muito generoso. — Fuyi estendeu a mão para segurar o pulso dele, sorrindo. — Algumas moedas de prata já são suficientes.

— S-sim, claro... — Nan Huai tirou algumas moedas e as colocou na bandeja, com o rosto tão vermelho que parecia que ia sangrar.

— Obrigada pela recompensa, Alteza. — O olhar de Fuyi percorreu o pulso dele, depois desviou, levando a bandeja para os outros.

— A dança de Fuyi agita toda a capital. — Um cetro ruyi de jade do tamanho de um polegar caiu na bandeja. Fuyi olhou para cima, encontrando os olhos do recém-chegado. Com reflexos rápidos, ela agarrou o ruyi de jade e o escondeu de volta na larga manga dele.

— Vossa Alteza Imperial, isso tudo vai para pagar as bebidas de hoje à noite. — Ela lançou-lhe um olhar. — É melhor devolver isso!

Um ruyi tão valioso — usá-lo para pagar o vinho de todo mundo partia seu coração em nome do Príncipe Herdeiro!

— A conta de hoje fica com o Liu Gordo. Ele é rico.

— Então não era para você? — Sui Tingheng disse, guardando o ruyi novamente com rapidez relâmpago.

O mordomo que acompanhava o Príncipe Herdeiro piscou de canto de olho. Em questão de economia, Sua Alteza Imperial realmente era a cara de Seu Majestade!

— Vossa Alteza Imperial, veio ouvir música também? — Vendo Sui Tingheng pegar de volta o ruyi, Fuyi suspirou aliviada em silêncio.

— Soube que você estava aqui, então vim dar uma olhada. — Sui Tingheng notou que algumas pessoas o reconheceram e sorriu. — Não esperava ver sua dança com a espada — essa viagem valeu a pena.

— Tem tanta gente aqui, não é apropriado que Vossa Alteza Imperial fique muito tempo. — Fuyi passou a bandeja para a proprietária atrás dela. — Permita que esta filha súdita o acompanhe para fora.

Se o Príncipe Herdeiro realmente passasse a noite inteira no Pavilhão Caiyin, pela manhã as petições de impeachment se amontoariam até o teto!

Sem esperar a reação de Sui Tingheng, Fuyi agarrou sua manga e o conduziu para fora do salão.

— Com quem Fuyi acabou de sair? — a meio bêbada Lin Xiaowu arregalou os olhos. — Alguém viu direito?

— Não, ninguém viu nada. — Sui Anying rapidamente tampou a boca. — Continuem com a música, continuem dançando. — Ela franziu o cenho discretamente — essa já era a segunda vez que o Príncipe Herdeiro vinha ao Pavilhão Caiyin.

— Vossa Alteza Imperial — Fuyi sussurrou depois de levar Sui Tingheng para dentro da carruagem — os enviados das várias nações ainda não deixaram a capital. É melhor não frequentar lugares como o Pavilhão Caiyin por enquanto.

— Certo. — Sui Tingheng assentiu sorrindo.

Yun Fuyi: “...”

Por favor, não seja tão obediente! Você está me provocando a tentar a sorte!

— Esta filha súdita tem mais algo a relatar. — Sacudindo seu pensamento impróprio, Fuyi rapidamente compartilhou a anomalia que notara no neto real de Nanxu. — Há pouco, esta filha súdita usou a desculpa de pedir uma gorjeta para me aproximar dele, e descobri que seu pulso é forte e firme. Ele deve ter treinamento marcial.

— Você se apresentou no palco só para aproveitar e checar o pulso de Nan Huai?

— Certamente não só para poupar umas moedas do Liu Gordo. — Fuyi abanou-se com a manga, sentindo-se um pouco abafada após a apresentação. — Também queria animar a irmã Lu.

De relance, ela espiou a expressão de Sui Tingheng, esperando sua reação.

— A tia imperial também toca lindamente. — Sui Tingheng puxou um leque de papel da gaveta e o abriu para abaná-la.

Vendo que o Príncipe Herdeiro não nutria animosidade contra Ning Wangfei, o sorriso de Fuyi tornou-se mais genuíno.

Como esperado de Sua Alteza Imperial — tamanha magnanimidade! Embora ele desconfie de Ning Wang, não descarregou sua raiva na inocente irmã Lu.

— Ning Wang não trata bem a irmã Lu. Eu temia que ela se sentisse sufocada na mansão, então a trouxe para passear. — Fuyi agora se sentia mais fresca e, ao perceber que o Príncipe Herdeiro a abanava, apressou-se a pegar o leque. — Vossa Alteza Imperial, por favor, não — deixe que eu cuide sozinha dessas coisas pequenas.

— Há pouco, o neto real de Nanxu teve um desentendimento com o general adjunto de Liyan — Fuyi franziu a testa. — Infelizmente, eu estava longe demais para ouvir o que foi dito.

— Tudo bem. — Sui Tingheng serviu-lhe um chá e lhe entregou. — A corte real de Nanxu enviou uma carta formal — eles o deixaram aqui para estudar em Great Long.

Deixar um neto real em Great Long para “estudar”? Isso soa como um refém.

Depois que Fuyi bebeu o chá, o ruyi dourado que Sui Tingheng pegara antes foi colocado silenciosamente de volta em sua mão.

— Vossa Alteza Imperial? — ela olhou para Sui Tingheng confusa.

— Desde o começo era para você. Nunca quis levá-lo embora.

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Nota do Autor:
Irmão Sui: “O que é meu, só quero dar para uma pessoa.”


Capítulo 37 – Adequado

— Então esta filha súdita aceitará de bom grado — disse Fuyi, sorrindo radiante enquanto acariciava suavemente o ruyi dourado. Era uma peça esculpida com perfeição, quente ao toque, com uma superfície lisa. Quanto mais ela olhava para o objeto, mais gostava dele.

Depois de admirá-lo, guardou o ruyi em sua bolsa. Seu peso lhe dava uma sensação satisfatória de segurança.

Vendo o quanto ela gostava, os olhos de Sui Tingheng brilharam com um sorriso.

— Há outro esculpido em jade no palácio. Se quiser, amanhã mandarei Mo Wen trazê-lo para você.

— Oh, Vossa Alteza Imperial é generosíssimo. — Naquele momento, para Fuyi, o príncipe herdeiro parecia irradiar luz dourada. Abanando-se, acrescentou: — Mas, por favor, não. Esta filha súdita não é gananciosa.

— Um par de ruyis é auspicioso — disse Sui Tingheng com uma risada suave. — Ofereço-os para trazer boa sorte, não porque ache que você é gananciosa.

— Obrigada, Vossa Alteza Imperial. Então esta filha súdita obedecerá respeitosamente a sua ordem. — Fuyi fechou o leque e fez uma reverência com os punhos fechados, imitando o gesto de um cavalheiro.

— Já está ficando tarde. Devo acompanhá-la até sua casa?

— Agradeço a gentileza, Vossa Alteza Imperial, mas esta filha súdita ainda precisa acompanhar a irmã Lu para casa. Não seria conveniente irmos juntas. — Fuyi pousou o leque na mesa. — Quanto ao neto real de Nanxu, suas intenções ainda são obscuras — por favor, mantenha-se vigilante.

— Espere. — Ao se despedir e já prestes a sair, Sui Tingheng a chamou. — Nan Huai é muito calculista e habilidoso em esconder seus motivos. Não se aproxime dele sozinha, entendeu? Priorize sempre sua segurança.

Fuyi parou, com um leve semblante atônito, depois sorriu.

— Pode ficar tranquilo, Vossa Alteza Imperial — esta filha súdita preza muito a própria vida.

— Muito bem.

Fuyi ergueu a cabeça. O brilho âmbar da luz das velas lançava um calor suave no rosto do príncipe, até suavizando o arqueado das suas sobrancelhas.

Ela pulou da carruagem e seguiu de volta para o Pavilhão Caiyin. Na esquina, parou e olhou para trás, para a carruagem que ainda aguardava onde ela a deixara. Num impulso, levantou a mão e acenou.

Depois de acenar, rapidamente contornou a esquina e deu um tapa no próprio braço. Por que diabos acenou? O príncipe herdeiro estava dentro da carruagem — impossível que ele a visse!

Só depois que a silhueta de Fuyi desapareceu Sui Tingheng baixou lentamente a cortina levantada. Olhou para o leque fechado sobre a mesa, estendeu a mão para pegá-lo e abriu-o delicadamente.

O cabo estava frio, sem nenhum resquício do calor dela.

— Vossa Alteza Imperial, não é adequado permanecer muito tempo fora do Pavilhão Caiyin — chamou seu mordomo com certa urgência. Se os oficiais da corte descobrissem que o príncipe herdeiro frequentava um lugar assim, causaria um enorme rebuliço.

— Volte ao palácio — Sui Tingheng finalmente ordenou. Devolveu o leque para a gaveta e apagou a vela na carruagem.

Ninguém perguntou para onde Fuyi havia ido agora pouco. Depois que ela se misturou novamente à multidão animada, a festa continuou por mais uma hora até finalmente acabar.

Enquanto ajudava a meio embriagada Lu Siyue a sair do pavilhão, Fuyi foi chamada pela proprietária.

— Senhorita Yun — a proprietária se aproximou graciosamente com um pequeno pote de vinho na mão. — Parece que gostou do vinho mais cedo. Gostaria de levar este pote para casa?

— Obrigada, irmã. — Fuyi não fez cerimônia. Ao trocar o pote de mão, a proprietária se inclinou e sussurrou suavemente: — Cuidado com o neto real de Nanxu. Não se abra para ele.

Sem esperar resposta, sorriu e levantou a voz:

— Fico feliz que tenha gostado, senhorita Yun. Volte sempre!

Virou-se em direção ao salão principal justamente quando Nan Huai saía com seu atendente.

— Obrigada por honrar nosso humilde pavilhão com sua presença, Alteza — disse a proprietária com um sorriso encantador, fazendo uma reverência elegante. — Esperamos vê-lo novamente.

— Obrigado pela hospitalidade. — Nan Huai sorriu gentilmente. Pelo canto do olho, avistou Fuyi ajudando Ning Wangfei a montar no cavalo. Comentou, como quem não quer nada: — Vocês parecem muito próximas de Yun Junzhu.

— Yun Junzhu é uma patrona muito importante do nosso Pavilhão Caiyin — respondeu a proprietária piscando. — Todo mundo na capital sabe que não se deve enfrentá-la. Como sabe, nós comerciantes prezamos acima de tudo a harmonia.

— Entendo. Pensei que você e Yun Junzhu fossem amigas próximas.

— Vossa Alteza me exagera — disse a proprietária. — Yun Junzhu é nobre e preciosa, como eu poderia me considerar à altura dela? — Queria dizer mais, mas percebeu um garçom derrubando um pote de vinho. Apressou-se, gritando: — Cuidado com isso — está jogando dinheiro fora!

Enquanto a via bajular os nobres num momento e repreender seus funcionários no seguinte, o atendente de Nan Huai sorriu com desdém.

— Que comerciante tão mesquinha e esnobe — resmungou. — Por que tanta cortesia com ela, Alteza?

— É mais fácil escapar do rei do inferno do que dos diabretes intrometidos — disse Nan Huai ao subir na carruagem, seu semblante amigável desaparecendo. — Conseguir atrair tantas figuras importantes para o estabelecimento dela… ela não conseguiria isso sem talento de verdade.

— Que talento? Só esse rostinho. — O atendente zombou sem pudor. — Deus sabe quantos homens ela já seduziu com ele…

— Cala a boca. — O rosto de Nan Huai ficou frio. — Independentemente do que pense, não me interessa. Sempre trate a proprietária com respeito.

— V-Vossa Alteza… — O atendente empalideceu de medo.

— Com as conexões dela, umas poucas palavras na frente dos patronos leais nos fariam mais bem do que dez mil de nossos próprios esforços. — Nan Huai chutou o atendente para o lado. — Se quer a vida mais fácil daqui pra frente, cale a boca.

— Sim, Vossa Alteza. — O atendente se levantou às pressas e se ajoelhou abatido. Se Nanxu fosse tão forte quanto Long ou Liyan, será que Sua Alteza ainda suportaria humilhações só para agradar uma dona de casa de música humilde?

—Irmã Lu, chegamos à mansão Ning Wang. — Fuyi ajudou Lu Siyue a descer do cavalo. A criada pessoal de Lu Siyue, que esperava ansiosa sua senhora nos portões, correu ao vê-las. — Esta serva saúda Wangfei e Yun Junzhu.

A criada sentiu cheiro de álcool em Lu Siyue e, apesar de claramente incomodada, não ousou falar. Amparou a senhora e disse:

— Obrigada, Lady Junzhu, por trazer nossa Wangfei de volta.

— Minha irmã bebeu mais do que o habitual — Fuyi ajeitou os grampos de cabelo e o xale de Lu Siyue. — Irmã Lu, descanse. Vou voltar agora.

A criada: “…”

Irmã?!

Será que Wangfei e Yun Junzhu já começaram a se chamar de irmãs?

Wangfei, por favor, acorde! Não se deixe enfeitiçar!

— Fuyi. — Lu Siyue segurou a mão dela e lhe deu um sorriso suave. — Não se preocupe comigo — estou apenas um pouco tonta.

Vendo que Lu Siyue se recusava a soltar a mão, Fuyi sorriu suavemente.

— Já está tarde. Vá descansar, irmã. Da próxima vez, irei visitá-la de novo.

— Está bem. — Lu Siyue soltou a mão a contragosto. — Você tem que vir.

— Irei. — Fuyi a ajudou a subir os degraus da porta. — Não se preocupe, irmã.

Os olhos de Lu Siyue estavam vidrados, e o jeito como olhava para Fuyi era dolorosamente terno.

O coração de Fuyi amoleceu ao ver aquilo. Abriu os braços e abraçou Lu Siyue, depois a entregou à criada.

— Irmã, você pode vir visitar minha casa quando quiser. A qualquer hora, mesmo.

A criada olhou para Fuyi, depois para sua senhora, e após longo silêncio finalmente baixou a cabeça.

Lu Siyue esticou a mão e beliscou a bochecha de Fuyi.

— Vou me lembrar disso. Vá para casa agora. Eu te acompanho.

Ela ficou observando enquanto Fuyi montava no cavalo e partia, sua figura desaparecendo na noite. Só então virou-se e entrou pelo portão.

— Finalmente decidiu voltar? — sentado numa cadeira entalhada logo atrás da entrada, Ning Wang, vestido com roupas escuras, olhava friamente para sua Wangfei. Não se sabia há quanto tempo esperava.

O sorriso de Lu Siyue desapareceu. Seu tom ficou impaciente.

— O que Wangye quer dessa consorte?

— Eu, este Wang, sou seu marido. Está errado eu me importar com seu retorno? — A voz de Ning Wang era fria como gelo. — Você é a senhora desta mansão. Não saia fazendo coisas que provoquem fofocas.

— Oh? — Lu Siyue ergueu as sobrancelhas. — Esta consorte achava que Wangye estava com ciúmes do nosso relacionamento.

O rosto de Ning Wang continuava gelado enquanto a encarava, sem dizer palavra.

Lu Siyue não se importou e soltou uma pequena risada.

— Não pense demais, Wangye. Isso é só uma amizade normal entre mulheres.

Com isso, virou-se para caminhar em direção ao pátio interno.

— Lu Siyue — Ning Wang chamou-a severamente. — Afaste-se dela.

— Wangye é mesmo algo — Lu Siyue voltou para encará-lo. — Ela e eu somos como irmãs. E o que você é para ela? Não me culpe por ser dura, mas quem deveria ficar longe dela é você. Não percebe que sua única mancha na vida é você?

O lugar ficou congelado em silêncio mortal. Depois de uma longa e tensa pausa, a expressão de Ning Wang tornou-se aterradora.

— Cai fora!

— Heh. — Lu Siyue virou-se e foi embora sem hesitar. Como se eu quisesse continuar vendo essa sua cara miserável!

— W-Wangye, a Wangfei estava bêbada — disse a criada de Lu Siyue com medo, esforçando-se para falar em nome da senhora. — Por favor, não leve as palavras dela a sério.

Dito isso, não ousou olhar para Ning Wang novamente e ajudou Lu Siyue a sair rapidamente.

— Wangye — um homem de robes cinzentos saiu das sombras. Vendo a expressão sombria de Ning Wang, disse gravemente: — Yun Fuyi tem frustrado seus planos repetidamente. Você não pode mais deixá-la por perto.

Com isso, a criada não ousou mais olhar para Ning Wang e rapidamente ajudou Lu Siyue a se afastar.

— Wangye — um homem de robes cinzentos saiu das sombras. Vendo a expressão sombria de Ning Wang, falou com gravidade: — Yun Fuyi tem frustrado seus planos repetidamente. Você não pode mais mantê-la por perto.

— Nesse ritmo, até sua esposa está prestes a fugir com ela, pensou o homem silenciosamente.

Ning Wang não respondeu, nem olhou para o subordinado.

— Wangye, quando este servo saiu hoje, ouvi rumores perturbadores circulando...

— O que foi desta vez?

— Parece que... você e sua esposa estão brigando pela mesma mulher. Mas... mas—

— Continue. — Ning Wang sorriu com desprezo. — Quero ouvir até onde esses boatos chegaram.

— Este servo... não ousa dizer.

— Então ousa perder a cabeça?

— Estão dizendo... que você está velho e já não é mais charmoso, por isso não consegue conquistar o coração de Yun Junzhu. Dizem que ela prefere a Wangfei.

— Bobagem! — Ning Wang chutou a cadeira entalhada.

O subordinado: “…”

‘Por isso não quis dizer! Mas você insistiu, e agora está irritado de novo.’

‘Na última vez você ficou chateado porque Yun Junzhu tocou pipa com o príncipe herdeiro, e agora está bravo porque dizem que ela gosta mais da sua esposa. E mesmo assim continua perguntando sobre os boatos. Por que se atormentar tanto?’

— Passe minha ordem.

O rosto do homem de robes cinzentos iluminou-se — ‘Será que Wangye finalmente decidiu se livrar de Yun Fuyi?!’

— Acabe com os rumores — ordenou Ning Wang. — Wangfei e Yun Fuyi são simplesmente próximas como irmãs. Não permita que essas bobagens manchem a reputação de Ning Wangfei.

O homem de robes cinzentos: — “…Como ordenar, Alteza.”

‘De qualquer forma, Wangye é forte o suficiente para suportar até esses boatos. Mas quando ele finalmente vai decidir eliminar esse desastre, Yun Fuyi?!’

— Senhorita, está chovendo desde a noite passada — Qiushuang entrou com uma tigela de remédio e a colocou ao lado de Fuyi.

— O médico Liu é bastante habilidoso. Ultimamente, mesmo em dias de chuva como hoje, as pernas quase não doem. — Fuyi olhou para a chuva. — Está chovendo tanto hoje. Será que pai vai se molhar no caminho de volta?

— Senhorita, tome o remédio antes de se preocupar com outra coisa. — Qiushuang percebeu a preocupação dela. — Não fará tanto efeito se esfriar.

Fuyi pegou a tigela e engoliu o remédio de uma vez, franzindo o cenho.

— Por que o remédio do médico Liu só fica mais amargo?

Qiushuang sorriu ao recolocar a tigela vazia na bandeja.

— O médico Liu disse que, se você ainda tem energia para chutar bolas de cuju, pode aguentar um pouco de amargor.

Fuyi: “…”

— Senhorita — Xiayu entrou correndo segurando uma caixa —, um mensageiro do Palácio Chenxi acaba de entregar uma caixa de brocado em nome do príncipe herdeiro. Também disse que a chuva está muito forte hoje, então você não precisa ir até o salão principal para receber.

— Ele enviou tão rápido? — Os olhos de Fuyi brilharam. Pegou a caixa e abriu.

— Que lindo ruyi de jade! — Qiushuang e Xiayu exclamaram em uníssono.

O ruyi brilhava como vidro, puro como cristal de gelo, tão delicado que parecia quase sobrenatural. Fuyi tinha crescido sem falta de nada, e mesmo ela e suas criadas nunca tinham visto uma peça tão deslumbrante.

Claro que Fuyi não esperava que o ruyi de jade, mencionado casualmente pelo príncipe herdeiro, fosse um tesouro tão precioso.

Ela ficou olhando por um longo tempo, então fechou lentamente a tampa e respirou fundo.

— Sua Alteza Imperial é generosíssima demais!

— Generosidade? — Yun Wanggui e Liu Qiongzhi entraram de braços dados. Ele lançou um olhar para a caixa nos braços da filha. — Ouvi dizer que o príncipe herdeiro enviou algo para você?

— Pai, mãe. — Fuyi levantou-se. Depois que seus pais se sentaram, ela apresentou a caixa de brocado. — O príncipe herdeiro me enviou um tesouro inestimável.

— Um tesouro inestimável— — Liu Qiongzhi abriu a caixa, mas a mão tremia e ela rapidamente a pousou com cuidado sobre a mesa.

Era, de fato, “inestimável” e um verdadeiro “tesouro”.

— Você foi ao Pavilhão Caiyin ontem à noite? — Yun Wanggui não olhou para a caixa, mas fez outra pergunta.

— Hum. — Fuyi assentiu.

— Viu o príncipe herdeiro entrar no Pavilhão Caiyin?

— Pai, por que pergunta isso? — Fuyi perguntou, intrigada.

— Hoje de manhã, na corte, um censor acusou Sua Alteza Imperial de conduta imprópria, frequentando lugares de prazer. — Yun Wanggui observou cuidadosamente a expressão da filha. — Você sabe disso?

— Besteira! Como Sua Alteza poderia agir de forma imprópria?! — Fuyi bateu na mesa com raiva, depois abraçou a caixa rapidamente. — Ele só passou por ali, nem entrou, muito menos se misturou à multidão.

Vendo o quanto ela prezava a caixa, Yun Wanggui a abriu para olhar mais de perto. A expressão do homem normalmente calmo mudou instantaneamente. Ele fechou a tampa às pressas e baixou a voz:

— Isso é uma herança que vem sendo passada na família imperial. Como foi parar em suas mãos?


Capítulo 38 – Visita ao Doente

— Está ficando senil? — Liu Qiongzhi deu um tapa irritado no braço de Yun Wanggui. — Ela acabou de dizer que foi o príncipe herdeiro quem enviou.

— Não se irrite, minha esposa. Eu só não prestei atenção direito — Yun Wanggui rapidamente escondeu as emoções nos olhos, tomando cuidado para que a esposa e a filha não percebessem. Colocou a caixa de brocado de volta nas mãos de Fuyi e perguntou:
— Por que Sua Alteza Imperial lhe daria uma coisa dessas?

Fuyi estava prestes a responder, mas logo se conteve, hesitando. Na noite anterior, o príncipe herdeiro havia assistido sua dança com espada no Pavilhão Caiyin e, mesmo tendo sido repreendido pelos oficiais da corte naquela manhã, ainda assim não esquecera de lhe enviar o presente prometido. Pensando nisso, ela se sentiu ainda mais determinada a defendê-lo:

— Sua Alteza Imperial me viu dançando com espada ontem e me deu um ruyi dourado. Quando percebeu que eu gostei, disse que os ruyis costumam vir em pares, como sinal de boa sorte. Então hoje me enviou este aqui.

— Como o príncipe viu você dançar com espada? — Yun Wanggui insistiu. — Onde você estava se apresentando?

— No Pavilhão Caiyin — a voz de Fuyi ficou mais baixa. — Mas Sua Alteza Imperial só assistiu por alguns momentos da entrada. Ele nem chegou a entrar.

— Por que está interrogando a própria filha? — Liu Qiongzhi lançou um olhar severo ao marido, defendendo a filha prontamente. — Ela só saiu para se divertir. Não é como se estivesse causando confusão.

Yun Wanggui sorriu, impotente:

— Só estou preocupado que as pessoas descubram que Fuyi conhece Sua Alteza Imperial e acabem dizendo que é nossa filha quem está levando ele para o mau caminho.

— Nossa Fuyi é dois anos mais nova que o príncipe. Como ela poderia desviá-lo? — Liu Qiongzhi não escondeu o desagrado. — Se alguém ousar caluniar nossa filha na corte, você que trate de rebatê-los. Leu todos aqueles livros — se não puder usá-los para defender sua filha, então de que serviu tanto estudo?

— Sim, sim, você tem razão, querida. — O olhar de Yun Wanggui continuava a recair sobre a caixa de brocado nas mãos de Fuyi. — Só estou um pouco apreensivo. Sua Alteza Imperial é herdeiro do trono. Fuyi não deve se aproximar demais dele.

— Eu não sou próxima dele — disse Fuyi, pensando que o pai temia que o imperador desconfiasse da família Yun por causa de seu contato com o príncipe herdeiro. Ela esclareceu:
— Na maioria das vezes, eu só brinco com Lin Xiaowu e Yang Erlang. Não se preocupe, pai, Sua Majestade não vai desconfiar de uma coisa tão pequena.

Ela abaixou a voz, cobriu a boca com a mão e sussurrou aos pais:

— Acho que nosso atual imperador é muito diferente do anterior. Ele realmente ama e confia no príncipe herdeiro.

Ela até suspeitava que, se o príncipe herdeiro decidisse se rebelar de repente, o imperador apenas limparia o selo imperial e esperaria que ele o tomasse — depois ainda o elogiaria publicamente por sua ousadia e bravura.

Yun Wanggui riu e parou de encarar a caixa de brocado nas mãos da filha.

— Mas o príncipe herdeiro foi repreendido pelos oficiais hoje. Ele não se defendeu? — perguntou ela, não por preocupação pessoal, mas porque o ruyi de jade era simplesmente chamativo demais, martelando em sua consciência.

— Ele não compareceu à corte esta manhã.

— Por quê?

— Está doente. Choveu muito forte ontem à noite, e parece que ele pegou um resfriado — disse Yun Wanggui, escutando a chuva que caía lá fora. — Sua Majestade está preocupado com a saúde de Sua Alteza Imperial e ficou furioso com aqueles que o repreenderam, acusando-os de buscar fama e esconder más intenções.

— Sua Majestade está absolutamente certo — Fuyi assentiu. — Temos a sorte de ter um herdeiro tão excelente ao trono, e ainda assim eles implicam. Se Sua Alteza Imperial fosse como o falecido imperador, estariam todos com medo demais para abrir a boca.

— Ahem. — Yun Wanggui deu uma tossidinha seca. — Não precisa fazer esse tipo de comparação.

Os oficiais da corte já tinham sofrido o suficiente com o imperador anterior. O atual era bem melhor, mas mostrava teimosia em certas questões. Era natural que muitos desejassem que o próximo governante fosse mais benevolente e fácil de lidar — de preferência, alguém que favorecesse os oficiais civis em vez dos militares.

Fuyi não entendia de política da corte, mas entendia de pessoas. Ela bufou com desdém:

— Quando o imperador anterior estava confuso, eles ficaram todos calados. Agora querem bancar os justos — pra quem?

— A autoridade de Sua Majestade cresce a cada dia, e ele conta com o apoio dos militares. Não permitirá que esses homens continuem agindo sem controle — tranquilizou-a Yun Wanggui. — Sua Majestade sabe o que faz, e o príncipe herdeiro também é um homem de pensamento profundo. Você não precisa se preocupar.

Quando o imperador começou a implementar políticas benevolentes para o povo, melhorar as condições dos soldados da fronteira e reintegrar oficiais leais rebaixados pelo predecessor, Yun Wanggui percebeu que o novo soberano tinha uma visão de longo alcance.

— Esse ruyi de jade é inestimável. Guarde-o com cuidado — disse Yun Wanggui ao se levantar. — Está chovendo nos últimos dias. Não saia sem necessidade.

Fuyi assentiu. Depois de se despedir dos pais, sentou-se de pernas cruzadas na cama e ficou olhando por um longo tempo para o ruyi de jade. Por fim, entregou a caixa de brocado para Qiushuang guardar com segurança.

— Xiayu, me ajude a me vestir.

— Senhorita, está chovendo muito. Vai sair mesmo assim? — Xiayu lançou um olhar preocupado para a chuva intensa do lado de fora. — Se precisar de algo, basta mandar um servo.

Fuyi balançou a cabeça.

— Vou ao palácio.

— Está chovendo demais hoje, e as roupas de palácio não são práticas. — Ao ver Xiayu trazendo as vestes elaboradas de cerimônia, Fuyi balançou a cabeça novamente. — Traga aquele vestido ajustado de mangas justas e as botas.

— Mas Sua Majestade pode não gostar… — a criada hesitou.

— Sua Majestade é bondosa e não se importará. Ainda mais num dia chuvoso como hoje — certamente não me repreenderá. — Fuyi trocou de roupa, remexeu algumas caixas no depósito e saiu às pressas com Xiayu e Qiushuang.

— Senhor, a senhorita acabou de sair da residência numa carruagem — o mordomo entrou apressado no salão principal e avisou a Yun Wanggui. — Devemos mandar alguém buscá-la de volta?

A chuva escorria pelas beiradas do telhado, formando linhas d’água cristalinas. Após um longo silêncio, Yun Wanggui desviou o olhar da janela e balançou a cabeça lentamente.

— Não é necessário. Deixe-a ir.

A juventude só acontece uma vez. Ele era apenas um pai comum, que queria que a filha fosse feliz.

Quando a imperatriz soube que Fuyi havia enfrentado a forte chuva para apresentar seu passe de visita, ordenou imediatamente que uma liteira fosse enviada para trazê-la ao palácio:

— Depressa, não deixem Yun Junzhu esperando muito tempo do lado de fora.

Várias carruagens estavam estacionadas diante do Portão Dongfeng, esperando sua vez para entrar. Os que aguardavam viram um eunuco de alta patente sair apressado com uma liteira atrás, como se temesse deixar uma figura importante esperando. Aquela cena despertou curiosidade — quem seria aquela pessoa que o palácio tratava com tanta deferência?

Um eunuco segurando um guarda-chuva aproximou-se da carruagem do Reino de Nanxu e fez uma leve reverência:

— Vossa Alteza, a chuva está muito forte hoje. Sua Majestade pede que retorne por ora e aguarde ser convocado em outra ocasião.

— Agradeço a mensagem. — Nan Huai pessoalmente colocou um saquinho de moedas na mão do eunuco. Olhou adiante para vários criados protegendo com guarda-chuvas uma figura. Através da chuva embaçada, não conseguia ver claramente quem era, apenas pôde distinguir vagamente uma mulher, vestida de forma incomum para as nobres do Grande Long. — Posso saber quem é aquela dama?

O eunuco guardou o saquinho na manga. Satisfeito com a quantia, respondeu cooperativamente:

— Vossa Alteza, trata-se de uma Junzhu nomeada pessoalmente por decreto imperial. Embora não seja de sangue imperial, é muito querida por Suas Majestades — até mesmo membros do clã real devem tratá-la com deferência.

Nan Huai assentiu, compreensivo, e lhe deu outro saquinho.

— Obrigado.

— Não foi nada, Vossa Alteza — respondeu o eunuco, ainda mais bem-humorado agora. — Permita-me dar mais um conselho: essa Junzhu é gentil e atenciosa com as mulheres, mas implacável com homens grosseiros. É melhor não ofendê-la, ou então…

Depois que o eunuco se afastou, Nan Huai voltou a olhar na direção do Portão Dongfeng. A liteira já havia desaparecido há tempos, restando apenas a ponta da imponente comitiva visível à distância.

Ele olhou para a manga encharcada pela chuva e soltou a cortina da carruagem.

Desde a ascensão do imperador Jingqing, há dois anos, apenas uma pessoa recebera o título de Junzhu — concedido a uma garota que não pertencia ao sangue imperial: Yun Fuyi, a única filha do Ministro da Receita.

Quando Yun Fuyi tinha três anos, um sacerdote taoísta declarou que seu destino era único — alguém que traria bênçãos à estrela púrpura. Por isso, o imperador anterior passou a apreciá-la. Ela era frequentemente levada ao palácio ainda criança e recebia grande afeição, a ponto de até mesmo os filhos e netos do imperador terem que ceder diante dela. Mas, aos quinze anos, inexplicavelmente caiu em desgraça, foi exilada com a família para a distante Chongzhou, e depois sobreviveu a uma tentativa de assassinato e a uma queda de um penhasco.

Três anos depois, retornou à capital e rapidamente se tornou uma figura favorecida pelo novo imperador.

Quem ouvisse sua história a invejaria pela sorte, mas Nan Huai não via dessa forma. Imperadores são naturalmente desconfiados, e Yun Fuyi já fora próxima de Ning Wang — por que o novo imperador confiaria nela tão facilmente?

Era óbvio que essa Yun Junzhu devia possuir habilidades extraordinárias para ter alcançado sua atual posição. Se eu conseguir o apoio dela…

— Cof, cof, cof… — Sui Tingheng tomou o remédio que o eunuco lhe entregou e o engoliu de uma vez só. Depois limpou calmamente o canto da boca com um lenço. — Mo Wen, ouvi dizer que um censor me repreendeu na corte hoje, o que deixou o Pai Imperador irritado?

— Não se preocupe, Sua Alteza Imperial. Sua Majestade jamais acreditaria em tais calúnias — Mo Wen respondeu depressa ao vê-lo calçando os sapatos. — Por favor, Alteza, ainda está com febre alta… precisa repousar.

— Já estou bem melhor — disse Sui Tingheng, levantando-se. — Preparem a liteira. Vou ao Estudo Imperial.

— Sua Alteza Imperial — Mo Wen ajoelhou-se diante dele —, por favor, pense primeiro na sua saúde.

— Este príncipe conhece bem o próprio corpo. — Sui Tingheng ignorou o eunuco, pegou um guarda-chuva e saiu caminhando.

— Sua Alteza Imperial!

— Alteza, por favor, não vá!

Fuyi acabara de chegar aos portões do Palácio Chenxi, segurando um guarda-chuva, quando viu o príncipe herdeiro parado no pátio, cercado por empregadas e eunucos ajoelhados.

Em meio à chuva incessante, sua figura imóvel sob o guarda-chuva — vestindo uma túnica simples, com os cabelos meio presos — parecia a de um imortal que por engano descera ao mundo mortal, etéreo ao ponto de mal parecer humano.

O príncipe das lembranças de Fuyi sempre sorria para ela, com um olhar e expressão gentis, cheios de elegância e calor. Era completamente diferente da figura distante e quase irreal diante dela agora.

— Saudações, Sua Alteza Imperial — Fuyi ergueu a barra do vestido e atravessou os portões do Palácio Chenxi. — Esta filha súdita presta reverência a Sua Alteza Imperial, o Príncipe Herdeiro.

Sui Tingheng se virou, suas pálpebras tremendo levemente, e deu alguns passos rápidos para firmar o braço dela.

— Está chovendo tanto hoje. Por que veio?

— O pai mencionou que Sua Alteza estava doente. Esta filha súdita tomou a liberdade de usar o passe concedido por Sua Majestade e veio fazer uma visita. — Ela levantou os olhos e viu o calor familiar retornar ao olhar de Sui Tingheng. Lançando um olhar para trás dele, acrescentou: — Sua Alteza Imperial, está doente… como pôde sair para fora?

Sui Tingheng cambaleou levemente, deixando o guarda-chuva cair sem força no chão.

— Perdoe a grosseria. — Ao ver o rosto corado dele, Fuyi rapidamente estendeu o braço para sustentá-lo e moveu o guarda-chuva sobre sua cabeça. — Permita que esta filha súdita o ajude a voltar para dentro.

— Obrigado, Fuyi. — Sui Tingheng tossiu baixinho. Alguns fios de cabelo molhados grudavam em suas bochechas, fazendo-o parecer ainda mais frágil.

Ao ver a Junzhu ajudando o príncipe herdeiro a entrar, Mo Wen rapidamente sinalizou aos atendentes do palácio.

— Sua Alteza ainda está com febre. — Fuyi o ajudou a se sentar no divã acolchoado e pediu que Mo Wen trouxesse um manto seco.

— Seu cabelo também está molhado. Permita que esta filha súdita o solte. — Fuyi notou os fios úmidos. — Está doente… por que insistiu em sair?

Quando Sui Tingheng levantou a mão para tirar o cocar, foi tomado por uma forte crise de tosse.

— Alteza Imperial. — Fuyi se posicionou atrás dele e pressionou alguns pontos de acupuntura em suas costas. A tosse por fim cedeu. Ela então tirou um pequeno saquinho da cintura, tomou um comprimido e colocou outro na palma da mão. — Este é um remédio caseiro para tosse. Gostaria de experimentar?

Mo Wen se adiantou, querendo testar o medicamento antes, mas antes que pudesse fazer algo, Sui Tingheng já havia colocado o comprimido na boca sem hesitar. Quando Mo Wen tentou falar, o príncipe lançou-lhe um olhar. O olhar fez suas pernas tremerem, calando-o completamente.

Xiayu e Qiushuang estavam ainda mais nervosas que Mo Wen. O que a senhorita está fazendo? Como ousa dar remédio ao príncipe herdeiro? Se algo acontecer a ele…

— Sua garganta já está melhor, Alteza? — Fuyi perguntou, olhando para ele com preocupação.

— Obrigado, Fuyi. Já me sinto bem melhor. — Sui Tingheng mexeu levemente a língua. O leve amargor do comprimido permanecia sob a língua, mas o frescor suavizava a garganta ardente e aliviava a dor.

— Que bom que ajudou. — Fuyi colocou o saquinho na mão dele. Tendo acabado de tomar um comprimido na frente dele, sua voz ainda carregava um leve aroma medicinal. — Estes foram preparados pessoalmente pelo Médico Liu, que tratou minha perna. Aliviam a tosse e reduzem a dor.

— O palácio possui os melhores médicos e não carece de ervas raras nem medicamentos, por isso esta filha súdita não trouxe muito. — Ela olhou para o saquinho na mão dele. — Não esperava que Sua Alteza estivesse com tosse. Este saquinho, trazido por impulso, acabou sendo bastante útil.

— Sua perna… — Sui Tingheng apertou o saquinho, abaixando os olhos para esconder o turbilhão interno.

— Foi só um probleminha. Já está quase curada. — Fuyi permaneceu com ele por quase meia hora. Quando a chuva lá fora amenizou, levantou-se e disse:

— Cuide-se, Alteza. Não é apropriado que esta filha súdita permaneça muito tempo no palácio. Retirarei-me agora.

Sua Alteza ainda está doente… não é certo perturbá-lo por mais tempo, pensou Fuyi em silêncio. Pediu que Qiushuang e Xiayu colocassem os presentes que trouxera sobre a mesa, depois virou-se para se despedir.

— Você acabou de chegar… — Sui Tingheng hesitou. Olhou para a chuva, agora transformada em garoa. Queria pedir que ela ficasse, mas temia que, se a chuva engrossasse de novo, ela se molhasse.

— Sua Alteza deve repousar bem. Assim que se recuperar, esta filha súdita virá incomodá-lo novamente. — Fuyi notou um fio de cabelo solto preso nos cílios dele. Sua mão se moveu antes que a mente percebesse, afastando-o gentilmente.

— Perdão, Alteza, eu… —

Sua mão estúpida, como ousa?!

Percebeu que Sui Tingheng a encarava, como se surpreso. Ela rapidamente fez uma reverência, ergueu a barra da saia e fugiu.

Fora do Palácio Chenxi, ela deu um tapa no dorso da própria mão.

— Por que minhas mãos são tão descaradas?!

— Senhorita — Xiayu se encolheu debaixo do guarda-chuva com ela —, sabe como as pessoas chamam esse tipo de gesto?

— O quê?

— Flertar.

Fuyi ficou boquiaberta.

— Não manche meu nome! Só estava retribuindo a gentileza.

O príncipe herdeiro lhe dera um ruyi de jade tão precioso… se ela não o visitasse enquanto estivesse doente, sua consciência não a deixaria em paz.

O silêncio retornou ao Palácio Chenxi após a partida de Fuyi. Sui Tingheng abriu uma das caixas de presente que ela havia trazido. Dentro, havia uma pequena escultura de madeira: um cachorro com a boca torta e a língua de fora, e um gatinho altivo olhando para o alto com as patas esticadas.

Ele colocou o gato sobre a cabeça do cachorro — encaixava perfeitamente e se mantinha firme.

Um leve riso ecoou no salão. Depois dessa chuva, o verão logo chegaria.

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Nota da autora:
Irmão Sui: “Se ela enfrentou a chuva para me ver, só pode ser porque se importa comigo.”

Capítulo 39 – Hã? Minha Casa?

Nos dias que se seguiram, os oficiais de Grande Long ficaram tão ocupados que mal conseguiam parar em pé — especialmente os do Ministério dos Ritos, que estavam virando noites consecutivas em seus escritórios.

Enviados de várias nações, temendo ofender tanto Liyan quanto Grande Long, apressaram-se para se despedir, receosos de que, se demorassem, acabariam envolvidos na disputa de poder entre os dois grandes impérios.

Alguns, como o Reino de Nanxu, deixaram membros da família real estudando em Grande Long sob o pretexto de promover laços de amizade — quando, na verdade, tratava-se de um ato discreto de submissão.

Após a longa e intensa temporada de chuvas, o tempo ficou abafado. Os desocupados da capital deixaram os campos de cuju e passaram a frequentar as vilas suburbanas nos arredores da cidade.

Sob o céu que escurecia, com estrelas e lua ainda por surgir, Fuyi retornava à cidade montada com suas amigas.

— Esse calor só piora — resmungou Lin Xiaowu, enxugando o suor da testa e desejando poder arrancar o vestido de gaze do corpo. — Depois do Banquete de Outono amanhã, vou direto me esconder na minha vila.

— Ouvi dizer que sua mãe está procurando um marido pra você? — Sui Anying segurava as rédeas com uma mão e se abanava com a outra. — Tem alguém em mente?

A Junzhu Anping e seu marido tinham apenas Lin Xiaowu como filha. Homens querendo se casar com ela eram mais numerosos que peixes atravessando um rio, mas a moça parecia não ter o menor interesse em matrimônio.

— Vocês também estão solteiras — retrucou Lin Xiaowu, franzindo as sobrancelhas ao ouvir o assunto —, qual a pressa comigo? Minha mãe nem tem me pressionado tanto… mas e você? Ouvi dizer que seu pai está de olho em outro erudito pra ser seu marido?

— Nem me fale disso! — Sui Anying suspirou dramaticamente. — Meu pai vive dizendo que precisa escolher um marido forte, bonito e esperto pra mim, já que a gente tem um título pra herdar.

Cada uma desabafava suas frustrações quando notaram que Fuyi estava em silêncio. Voltaram os olhos para ela.

— Fuyi, seus pais não têm te pressionado?

— Hã? — Fuyi não se atrevera a interromper antes e ficou surpresa por terem puxado o assunto com ela. Olhou para as duas com simpatia. — Eu não sou como vocês. Minha família não tem título nenhum pra passar adiante.

Seu pai possuía apenas um título honorário, que não podia ser herdado, e ela ainda tinha um irmão mais velho, Yun Zhaobai. Comparada a Lin Xiaowu e Sui Anying, que eram filhas únicas e ainda pertencentes ao clã imperial, ela tinha muito mais liberdade.

— Seus pais nunca te pressionaram? — Sui Anying arregalou os olhos, incrédula. — Ouvi dizer que, não faz muito tempo, a família Liu te propôs casamento.

— Isso foi dois ou três meses atrás. A família Liu é nobre e correta. Se eu me casasse com eles, só iria manchar o nome deles. — A família Liu vinha sendo leal ao império por gerações. O bisavô do Gordinho Liu havia se jogado contra um pilar para protestar contra a matança de oficiais leais pelo imperador anterior, então Fuyi nutria grande respeito por eles.

— A família Liu… — Sui Anying suspirou. Sendo do clã imperial, ela também se lembrava do sacrifício heroico do antigo patriarca Liu. Infelizmente, o imperador anterior havia sido um tolo completo, e a morte do velho não servira de nada para deter sua loucura.

Na capital, civis e militares tinham círculos sociais distintos, mas quando se tratava de súditos realmente leais e virtuosos, todos deviam demonstrar respeito.

— É verdade — concordou Lin Xiaowu. — Liu Zihe é um estudioso pedante que passa o dia cercado de livros, enquanto você adora sair por aí e não suporta ficar presa em casa. Se vocês dois se casassem, seria um desastre.

De repente, um grito agudo soou adiante. As garotas se sobressaltaram ao ver um cavalo disparando em sua direção, com o cavaleiro mal conseguindo se manter na sela.

— Aquele cavalo enlouqueceu!

Quando o animal se aproximou, Fuyi saltou para a sela e agarrou as rédeas.

— Solte as rédeas! — gritou.

Imaginou que a pessoa poderia se desesperar e resistir, mas, para sua surpresa, no momento em que falou, o outro obedeceu sem hesitar.

Fuyi segurou o cavaleiro com firmeza e, ao mesmo tempo, lutou para controlar o cavalo, conduzindo-o para longe da multidão. Apertou as rédeas com toda a força, sentindo o couro áspero queimar suas palmas, até que o animal finalmente parou.

— Fuyi! — Lin Xiaowu e Sui Anying correram até ela, os rostos tomados pela preocupação.

— Estou bem. — Fuyi desmontou, sacudindo as mãos ardentes — e então notou que o infeliz cavaleiro era Liu Zihe, branco como papel.

— Lorde Liu? — Fuyi o encarou surpresa. — Por que é você?

Você, um estudioso frágil, montando um cavalo tão agitado?

— M-muito obrigado por salvar minha vida, Yun Junzhu — Liu Zihe corou intensamente. Escorregou da sela e fez uma reverência. — Saudações, An Junzhu, Lin Xianzhu.

Ao perceberem que o homem salvo por Fuyi era Liu Zihe, Sui Anying e Lin Xiaowu trocaram um olhar silencioso.

— Este cavalo foi manipulado — disse Fuyi, com expressão severa, ao notar a vermelhidão nos olhos do animal e a espuma avermelhada na boca. — Por que estava montando na rua, Lorde Liu?

Liu Zihe não ousou encará-la e baixou a cabeça.

— Tenho praticado equitação ultimamente. Não sei o que houve hoje, mas o cavalo disparou de repente do campo de treinamento…

— Jovem mestre!

Os servos da família Liu finalmente haviam alcançado o grupo. Ao ver Liu Zihe ainda de pé e ileso, desabaram de joelhos, aliviados.

— Graças ao céu que está a salvo!

Fuyi levou o cavalo até um canto e o amarrou firmemente, para evitar que voltasse a se agitar.

— Lorde Liu, sugiro que peça a alguém que investigue o que esse cavalo andou comendo nos últimos dias — disse. — Em Chongzhou, vi uma planta chamada grama louca. Quando cavalos ou bois a ingerem, ficam completamente fora de si — e, nos piores casos, morrem espumando pela boca. Seu cavalo está mostrando sintomas parecidos.

— Agradeço pelo aviso, Junzhu. Mandaremos investigar imediatamente — Liu Zihe estava com o rosto em brasa. — E… obrigado novamente por salvar minha vida.

— Não precisa me agradecer, Lorde Liu. Você é primo do Gordinho Liu — e ele nos ofereceu um banquete outro dia. Eu não poderia simplesmente ignorar isso e deixar que fosse pisoteado. — Fuyi falou de forma direta, sem deixar margem para mal-entendidos. — Além disso, o senhor é um dos futuros pilares da corte. Se algo lhe acontecesse, seria uma perda para todo o Grande Long.

O rosto de Liu Zihe empalideceu. Forçou um sorriso, visivelmente arrasado.

— E-eu… suponho que sim…

— Quem estava cavalgando no meio do mercado?! — Os guardas locais correram até o local ao ouvirem falar de um cavalo desgovernado nas ruas movimentadas. Mas, ao verem Fuyi, Liu Zihe e os outros, mudaram rapidamente o tom para algo mais respeitoso: — Com licença, senhor e senhoritas, poderíamos saber o que aconteceu aqui?

— Chegaram em boa hora. O cavalo pertence ao estudioso Liu, da Academia Hanlin, e foi envenenado — esse caso precisa ser registrado e investigado a fundo — disse Fuyi. Lançou um olhar discreto para a palma da mão, onde as rédeas haviam lhe esfolado a pele, e o ardor só aumentava.

Ao saberem da identidade de Liu Zihe, os rostos dos guardas mudaram drasticamente — Um ataque contra um oficial do governo? Isso está muito além da nossa alçada!

Devemos reportar aonde? Ao Tribunal de Revisão Judicial? Ao Ministério da Justiça?

Mas com tantos olhares curiosos ao redor, não ousaram se omitir. Não tiveram escolha a não ser levar o caso ao Magistrado e requisitar a presença de um representante da família Liu.

Vendo como a situação se desenrolava, Fuyi percebeu que não voltaria para casa tão cedo, então sentou-se em uma barraca de chá próxima para esperar a chegada da família Liu.

Alguns plebeus mais ousados da barraca se aproximaram para elogiar sua habilidade. Ela ergueu ligeiramente o queixo, seu tom modesto apesar do brilho de orgulho nos olhos:

— Não foi nada — só coincidência.

— Prima! — Os mais velhos da família Liu ainda não haviam chegado, mas o Gordinho Liu veio correndo primeiro.

— Eu estava bebendo numa taverna quando ouvi dizer que seu cavalo tinha enlouquecido — você está bem?! — Correra tanto que suas bochechas redondas ainda balançavam, e estava sem fôlego ao alcançar Liu Zihe. Tomando seu palor por choque, começou a apalpá-lo em desespero: — Você se machucou?!

— Estou bem, tudo graças a… graças à Yun Junzhu — Liu Zihe finalmente despertou do torpor. Ao ver o primo tão preocupado, recompôs-se. — Não se preocupe.

Gordinho Liu notou o grupo de Fuyi sentado na barraca de chá e, envergonhado, foi até lá:

— Obrigado.

— Olha só… ver você falando com a Fuyi sem estufar o peito é uma raridade — provocou Lin Xiaowu.

Gordinho Liu corou levemente com a provocação e murmurou:

— O avô de Liu Zihe e o meu eram irmãos. Yun Fuyi, você salvou a vida dele, então eu lhe devo essa.

Vendo como ele estava atrapalhado, Fuyi soltou um riso pelo nariz.

— Tá bom, chega de se enrolar. Tá me dando dor de cabeça. Quando o salvei, nem sabia quem ele era. E, de qualquer forma, ele é bisneto do falecido Duque Liu — salvá-lo foi a coisa certa a fazer.

— Eu também sou bisneto do Duque Liu, mas você não pegou leve comigo quando me deu uma surra — resmungou Gordinho Liu em voz baixa. Virando-se para ver Liu Zihe ainda parado feito uma estátua, fez sinal para ele se aproximar:

— Primo, senta aqui logo.

A vovó disse que o primo gostava da Yun Fuyi — com uma chance perfeita dessas pra impressioná-la, por que está só parado aí?! Gordinho Liu torcia para que Liu Zihe tivesse uma oportunidade de se aproximar de Fuyi — como dizem, um favor que salva a vida costuma virar amor.

Liu Zihe sabia muito bem que Fuyi não retribuiria seus sentimentos, mas ainda assim não conseguia evitar querer estar perto dela. Assim, com o primo o chamando, aproximou-se quase automaticamente—

— Anunciando a chegada de Sua Alteza Imperial, o Príncipe Herdeiro!

Ninguém esperava que o Príncipe Herdeiro aparecesse ali de repente. Todos ficaram momentaneamente atônitos antes de se levantarem rapidamente para fazer reverência.

— Sem formalidades. Primeiro, levem o cavalo enlouquecido ao Tribunal de Revisão Judicial para uma análise completa — Sui Tingheng não saiu da carruagem. Apenas ergueu um canto da cortina, seu olhar recaindo sobre Liu Zihe. — An Junzhu e Lin Xianzhu podem retornar. Yun Junzhu, permaneça.

— Conforme ordenado. — As garotas não ousaram contestar. Lin Xiaowu sussurrou para Fuyi:

— Levo seu cavalo de volta pra sua casa.

Com os guardas imperiais cercando a área, os curiosos se dispersaram num instante. Gordinho Liu nem ousou abrir a boca e arrastou Liu Zihe apressadamente para dentro da carruagem da família.

— Saudações, Sua Alteza Imperial. — Fuyi subiu na carruagem imperial e fez uma reverência a Sui Tingheng.

— Nada de formalidades. Sente-se, por favor. — Vendo o suor ainda brilhando na testa de Fuyi, Sui Tingheng empurrou a bacia de gelo mais para o lado dela.

— Já se passaram alguns dias. Como tem se sentido, Sua Alteza? Já se recuperou completamente? — O olhar de Fuyi passou pela bacia de gelo meio derretida, depois recaiu sobre o príncipe. Apesar do calor sufocante, ele permanecia impecavelmente composto, nem um fio de cabelo fora do lugar. Sem pensar, alisou um leve amassado na saia translúcida.

— Os comprimidos que você me deu funcionaram bem. A tosse cessou logo depois que os tomei. — Os olhos de Sui Tingheng desceram para as mãos dela. Ele ergueu a própria mão, como se fosse pegar o pulso dela, mas hesitou e recuou. — O que aconteceu com suas mãos?

— O cavalo que Liu Zihe montava foi envenenado. Esta filha súdita segurava as rédeas com uma mão e o apoiava com a outra, então acabou se ferindo na luta. — Fuyi abriu a palma. A queimadura de corda estava em carne viva e sangrava, parecendo pior do que realmente era. — É só um ferimento superficial — nada sério.

— Com esse calor, se não cuidar direito, pode infeccionar. — Sui Tingheng tirou um frasco de pomada. — Deixe-me ver.

— É só um arranhão — como poderia esta filha súdita incomodar Sua Alteza com algo tão pequeno…

— A Fuyi que conheço nunca foi tão formal com os amigos. — Sui Tingheng destampou o frasco, e um leve aroma amargo de ervas preencheu a carruagem. — Já que somos amigos, não deveria me tratar diferente só porque sou o príncipe herdeiro. — Molhou a ponta do dedo na pomada, o olhar gentil pousando sobre ela. — Não seria justo comigo, concorda?

Fuyi ficou momentaneamente hipnotizada — Pelo amor dos céus! Até pedra derreteria com um olhar tão doce desses!

— Fuyi? — Como ela não respondeu, a expressão de Sui Tingheng escureceu. — Eu te ofendi?

— Não, não, de forma alguma! — Fuyi rapidamente colocou a mão sobre a mesinha, abrindo a palma. — É só qu-eu não queria incomodar…

— Você nunca será um incômodo pra mim. — Sui Tingheng aplicou a pomada com tanto cuidado, seu toque leve como pluma sobre a pele dela. Fuyi quase disse que não era feita de porcelana — mas, ao ver a concentração serena no rosto dele, não teve coragem de interromper.

“Cof… tá tudo bem, de verdade…”

O aroma da pomada se intensificava. Fuyi observou enquanto Sui Tingheng usava metade do frasco só em sua palma e, por fim, não se conteve:

— Sua Alteza, os ferimentos não são tão graves assim, sério.

— Certo. — Sui Tingheng pegou um lenço e limpou o excesso de pomada dos dedos dela. — Tente não molhar essa mão pelos próximos dias.

Colocou a metade restante do frasco na mão intacta dela.

— Fique com o restante. Essa pomada é ótima pra evitar cicatrizes.

— Agradeço, Sua Alteza Imperial. — Fuyi guardou o frasco na bolsinha da cintura. — Aliás, o que trouxe Vossa Alteza até aqui hoje?

— Eu estava a caminho do Tribunal de Revisão Judicial quando ouvi falar do incidente e vim averiguar. — Sui Tingheng dobrou o lenço e o enfiou na manga. — Ainda bem que você estava por perto.

Era uma hora em que muitos cidadãos estavam retornando à cidade. Se o cavalo tivesse avançado em direção ao portão, quem sabe quantos teriam se ferido?

— Sua Alteza Imperial, um relatório urgente! — A carruagem parou de repente. Uma voz chamou ansiosamente do lado de fora: — Encontramos quem envenenou o cavalo do Lorde Liu — é um criado da mansão do Ministro Yun!

— Hã? — Fuyi ergueu a cortina e olhou para o mensageiro. — O que disse? Minha casa?

O mensageiro empalideceu. Espera aí — por que a Yun Junzhu está na carruagem de Sua Alteza?!

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Nota da autora:

Fuyi: “Hã? Minha casa?”


Capítulo 40 Parte 1 – Louco (I)

— O Ministro Yun é um homem íntegro e jamais faria algo tão desprezível. Há muitas inconsistências nesse caso — vamos primeiro ao Tribunal de Revisão Judicial — disse Sui Tingheng, sorrindo com gentileza para Fuyi, que havia se virado para encará-lo após lançar a manga com irritação. — Não precisa se preocupar. O Juiz-Chefe é justo e não dará um veredito precipitado baseado apenas em evidências superficiais.

— Agradeço pela confiança, Sua Alteza Imperial — respondeu Fuyi, abaixando a cortina, embora o cenho ainda permanecesse franzido.

Como primeiro colocado no exame imperial daquele ano, Liu Zihe havia conquistado renome entre os estudiosos. Se morresse em decorrência desse incidente, as repercussões se espalhariam por todo o império. Mesmo que a família Liu se mantivesse racional, os acadêmicos de todo o país não deixariam barato. Nesse ponto, ainda que o Imperador confiasse na família Yun, isso não teria mais valor algum.

A verdade, quando confrontada pela ira popular, muitas vezes se torna impotente, pois as pessoas tendem a acreditar na versão que desejam, e não na realidade.

Usar a vida de um jovem e talentoso estudioso como instrumento para incriminar a família Yun — que tática imunda e cruel!

Logo a carruagem parou em frente ao Tribunal de Revisão Judicial. Fuyi desceu e viu várias carruagens com os brasões da Mansão da Princesa Kangyang e da família Liu estacionadas ali. Levantando levemente a barra da saia, caminhou até o portão principal da corte, chegando a tempo de ouvir a voz estrondosa da princesa Kangyang:

— Se a família Yun realmente quisesse fazer mal ao nosso sobrinho-neto, por que Yun Fuyi se daria ao trabalho de salvá-lo? O que ela ganharia com isso? Gratidão da família Liu? Um presente de agradecimento? Com certeza não está interessada nele.

A princesa Kangyang lançou um olhar para Liu Zihe, cujo rosto imediatamente ficou vermelho. A família Liu havia proposto casamento e a família Yun recusara sem hesitar — impossível ela estar interessada nele!

O Juiz-Chefe apenas esboçou um sorriso amargo. Já ouvira dizer que a Princesa Kangyang tinha a língua afiada, mas não esperava que fosse tão impiedosa — nem mesmo o neto do marido escapava de suas críticas.

— Anunciando a chegada de Sua Alteza Imperial, o Príncipe Herdeiro!

Todos se levantaram para fazer reverência. Sui Tingheng adiantou-se para ajudar a Princesa Kangyang a se levantar e disse ao grupo:

— Sem formalidades. Que o julgamento prossiga.

— Pai. — Ao ver seu pai presente, Fuyi caminhou até ele e ficou respeitosamente ao seu lado.

Com a chegada de Fuyi, a Princesa Kangyang virou o rosto, enquanto o avô de Liu Zihe se ergueu e fez uma reverência.

— Este velho agradece à Yun Junzhu por salvar a vida de meu neto.

— Senhor Liu, por favor — a senhora superestima esta jovem — disse Fuyi, apressando-se em retribuir a reverência, sem ousar aceitá-la. — Foi apenas coincidência, e por sorte. Caso contrário...

Ela não completou a frase, mas todos entenderam. Se não tivesse salvo Liu Zihe por acaso, o incidente teria se tornado um escândalo nacional, e nem a família Yun nem a Liu escapariam ilesas.

O cabelo do velho Liu já estava completamente branco, e suas pernas, debilitadas. Anos atrás, quando seu pai morreu ao se jogar contra um pilar em protesto, ele — o filho mais velho — fora condenado a cinquenta chicotadas por ordem do furioso imperador anterior. Sobreviveu por sorte, mas as pernas ficaram para sempre arruinadas.

— Este velho não tem a menor dúvida de que isso não partiu da família Yun — declarou com firmeza. — O caráter do Ministro Yun é conhecido por todos. Ele jamais faria algo assim.

— Senhor, por favor, veja bem — este servo não agiu sob ordens do mestre, mas por instruções da Junzhu — gritou o criado ajoelhado, clamando por inocência. — Não ouso mentir. Imploro que julgue com sabedoria.

O rosto jovem do servo estava tomado de pavor enquanto ele narrava em detalhes como Fuyi o teria coagido a cumprir suas ordens:

— Até mesmo a erva venenosa usada para alimentar o cavalo foi trazida pela Junzhu de Chongzhou. Ela disse que ninguém na capital a reconheceria. Quando o cavalo enlouquecesse, a família Liu pensaria se tratar de uma doença repentina, e nenhum de nós levantaria suspeitas.

— Yun Junzhu não tem nenhum rancor contra Liu Zhuangyuan — por que faria isso? — questionou o Juiz-Chefe. — Pelo que sei, os dois mal interagiram.

Liu Zihe, que já estava corado, empalideceu de vez ao ouvir isso.

De fato… eles mal haviam trocado palavras — eram apenas conhecidos.

— Foi... tudo por causa do jovem mestre Liu e da Princesa Kangyang — gaguejou o servo. — A Junzhu foi humilhada repetidamente por Sua Alteza, e o jovem mestre Liu também a ofendia com frequência, então ela quis dar uma lição à família Liu.

— Hã?! — Gordinho Liu ficou boquiaberto. — Se ela quisesse dar uma lição na família Liu, por que não veio direto em mim?! — E mais: toda vez que ele e Yun Fuyi se enfrentavam, era ele quem saía perdendo. Se fosse por vingança, eu seria o alvo mais provável!

— O jovem mestre é o precioso neto único da Princesa Kangyang. Ela não ousaria matá-lo. Por isso escolheu seu primo — continuou o servo. — E a Junzhu também disse que o Lorde Liu a admirava, então mesmo que morresse por sua mão, ninguém suspeitaria dela.

Todos os olhares agora se alternavam entre Liu Zihe e Fuyi, fazendo o primeiro corar ainda mais.

— ... — Até Fuyi ficou atônita. Ser caluniada na sua cara... é uma experiência e tanto!

— Você, um mero criado, consegue falar com tanta eloquência diante de tantas figuras importantes. Que talento, hein? — comentou o Juiz-Chefe com ironia. — Sabe por que o Lorde Liu sobreviveu?

O servo rangeu os dentes.

— Porque o Lorde Liu é um bom homem — até o céu não suportaria vê-lo morrer assim. — Bateu a cabeça no chão, reverenciando Fuyi. — Junzhu, este servo inútil falhou em cumprir sua ordem. Está disposto a morrer para se redimir.

Que espetáculo, pensou Fuyi com escárnio. Se este lugar não fosse um tribunal sério e eu não fosse a envolvida, já teria puxado um punhado de sementes de girassol pra assistir ao show.

— Nada de morrer ainda. Quem salvou Liu Zihe fui eu. — Fuyi sorriu. — Surpreso? Não esperava essa, né?

O rosto do servo congelou. Então, como se tivesse compreendido algo, respondeu:

— Junzhu… mudou de ideia?

— Nem os atores de teatro chegam ao seu nível — comentou a Princesa Kangyang, finalmente perdendo a paciência com a farsa. — Que tipo de servo continua chamando a “senhora” de Junzhu diante de tantos nobres, como se quisesse mesmo ser suspeito?

— Esse tipo de truque barato — já me enjoei dele no harém do imperador anterior — disse, com um sorriso sarcástico. — Armar uma armação tão idiota… quem estiver por trás disso deve ser ainda mais imbecil. E pensar que Esta Princesa teve que vir nesse calor, que perda de tempo.

Com isso, lançou um olhar para Fuyi, mas não fez comentários sarcásticos. Curvou-se levemente para o Príncipe Herdeiro e se retirou.

No dia do banquete, Yun Fuyi acertara todas as flechas no alvo, mantendo a honra do império diante dos enviados estrangeiros. Como princesa de Grande Long, jurara perante os ancestrais da família Sui que não zombaria daquela garota por três meses — então, por ora, segurou a língua.

Gordinho Liu olhou para a avó se afastando, depois para o servo ajoelhado, e decidiu não acompanhá-la. Quando o assunto é drama envolvendo Yun Fuyi, eu não perco por nada!

As palavras do servo foram esmagadas pela língua afiada da princesa Kangyang. Ele ficou totalmente perdido. Mas... a princesa não odiava Yun Fuyi? Por que a defendeu justo agora, com uma chance perfeita de causar encrenca?!

— Alteza — uma velha momo ajudou a Princesa Kangyang a subir na carruagem e sussurrou —, não gostais da Yun Junzhu. Por que não aproveitar essa chance para ensiná-la uma lição?

— Esta Princesa é uma princesa imperial. Terei muitas oportunidades para isso, mas não agora. — O olhar da princesa se tornou frio. — Rixas pessoais são mesquinhas e não podem interferir nos assuntos de estado. Neste momento, Liyan está de olho em Grande Long como um tigre faminto. Yun Wanggui é responsável pelo tesouro nacional. Se houver problemas na família dele, pode abalar toda a nação.

— Quem está por trás disso tentou me arrastar de propósito, esperando que Esta Princesa fosse a lâmina que atingiria Yun Fuyi — ela zombou. — Acha mesmo que eu, Princesa Kangyang, sou fácil de manipular?

Acusar um ministro leal de um crime sem provas apenas para aliviar um rancor pessoal? Ela não era estúpida.

Ao ver que sua senhora realmente não pretendia usar o incidente para descarregar antigas mágoas, a momo sorriu, aliviada.

— De fato, como disse Sua Alteza. Esta serva foi tola, perdoe-me.

— Ah, não é nada — respondeu a Princesa Kangyang, com um sorriso satisfeito.


Capítulo 40 Parte 2 – Louco (II)

Assim que a avó partiu, Gordinho Liu, que até então mantinha a postura ereta, relaxou completamente e voltou à sua atitude habitual de desleixo. Jogou o braço por cima dos ombros de Liu Zihe, quase o derrubando.

Fuyi viu aquilo e balançou a cabeça em silêncio. Tsk, tsk, que estudioso frágil.

Ela voltou o olhar para o servo.

— Você me é estranho. Mesmo que seja criado da família Yun, deve ter entrado há pouco tempo ou nunca esteve entre os que nos servem diretamente. Isso significa que há uma coisa que com certeza não saberia.

O servo a encarou com desconfiança.

— Os criados da nossa casa nunca me chamam de “Junzhu”. Me chamam de “senhorita” ou, no máximo, de “jovem senhorita”. — Fuyi observou com satisfação o rosto do servo empalidecer um pouco. — Esse plano não foi nem um pouco engenhoso. Mas se Liu Zihe tivesse morrido da queda, e vocês incitassem os estudiosos no momento certo, mesmo que a família Yun tivesse provas de inocência, não conseguiria escapar das suspeitas públicas.

— E isso poderia até manchar a reputação de Sua Majestade — porque meu pai foi convocado de volta de Chongzhou por decreto imperial, e meu título de Junzhu também foi concedido por ele. Se a família Liu perdesse um jovem tão promissor, recairia sobre o Imperador também.

Ao ouvir Fuyi se referir a ele como um “jovem promissor da família Liu”, Liu Zihe corou da cabeça aos pés.

Então Fuyi pensa tão bem de mim assim...

— Como Yun Junzhu disse, isso não foi apenas um ataque à família Yun e à família Liu — também foi um golpe contra o Pai-Imperador — disse enfim Sui Tingheng, que permanecera em silêncio até então. — Felizmente, Yun Junzhu não apenas impediu a tragédia como também desvendou a armadilha.

Ele sorriu suavemente, o olhar cheio de ternura voltado para Fuyi.

— Prestou mais um grande serviço.

— Sua Alteza Imperial exagera. Esta filha de súdito apenas passou por acaso — disse Yun Wanggui. — O importante é que o Lorde Liu esteja são e salvo.

— O Ministro Yun tem razão — Sui Tingheng assentiu com um sorriso. — Senhor Liu, seu neto passou por um grande susto hoje. Leve-o para casa para descansar.

— Agradeço a preocupação de Sua Alteza Imperial. — O velho Liu nem sequer olhou para o servo ajoelhado. Após agradecer a Fuyi mais algumas vezes, levou o atordoado Liu Zihe embora.

— Sua Alteza Imperial, agora que as suspeitas sobre a família Yun foram esclarecidas, podemos também nos retirar? — Yun Wanggui fez uma reverência, pronto para sair com Fuyi.

— Pai, por favor, espere um instante.

Yun Wanggui parou e se virou ao sentir a filha puxar sua manga.

— Sua Alteza Imperial. — Fuyi se aproximou de Sui Tingheng, ficou na ponta dos pés e sussurrou em seu ouvido: — Lembra do homem de meia-idade que entreguei ao Magistrado há pouco tempo?

Os dedos de Sui Tingheng se contraíram ligeiramente, mas seu rosto permaneceu neutro.

— Você acha que ele está ligado a este caso?

— O método é bastante parecido com o que esta filha de súdito usou para prendê-lo. A diferença é que eu não envolvi inocentes, enquanto o autor deste plano claramente queria atingir três alvos de uma vez. — Fuyi não notou como o corpo de Sui Tingheng ficou completamente tenso enquanto ela falava. — Esta filha suspeita que seja uma retaliação pela prisão daquele homem. Mas... tivemos mais sorte.

Concluindo, Fuyi recuou um passo.

— É apenas uma suspeita. Pode não haver ligação alguma.

— Sendo assim, peço licença a Vossa Alteza.

Ela correu de volta para o lado de Yun Wanggui, puxando a manga do pai para indicar que agora podiam ir.

— Pedimos licença, Sua Alteza Imperial — disse Yun Wanggui, lançando um olhar rápido para a filha antes de se curvar e se retirar.

O salão mergulhou num silêncio imediato. O Juiz-Chefe olhou para o Príncipe Herdeiro, cujo semblante era indecifrável, e de repente se lembrou daquela profecia absurda de mais de uma década atrás.

Um certo monge taoista havia dito que o destino de Yun Fuyi traria a bênção da Estrela Púrpura. Soava ridículo... mas talvez… não fosse completamente sem sentido. Na época em que o Imperador anterior mantinha Yun Fuyi na capital, ele estava mentalmente debilitado, consumindo elixires de imortalidade todos os dias — ainda assim, seguia vivo.

Menos de um ano depois que Yun Fuyi foi banida, dois príncipes se rebelaram, o Imperador anterior morreu de raiva... e agora, esse plano meticulosamente arquitetado foi facilmente desmontado porque ela, por acaso, salvou Liu Zihe.

Seria isso apenas sorte...?

Se isso não é destino abençoado pela Estrela Púrpura, o que seria?

Percebendo o rumo dos próprios pensamentos, o Juiz-Chefe esfregou a testa, dizendo a si mesmo para permanecer racional.

Depois que Fuyi partiu, Sui Tingheng permaneceu em silêncio por um tempo. Então, lançou um olhar ao servo ajoelhado e ordenou:

— Entreguem-no aos Guardas Jinwu. Este príncipe assumirá pessoalmente este caso.

— Entendido, Alteza. — Vendo que a expressão do Príncipe Herdeiro estava longe de ser agradável, o Juiz-Chefe não ousou perguntar mais nada. O caso claramente envolvia uma conspiração de nível imperial.

— Sua Alteza Imperial, está tão tarde — ainda pretende ir à Prisão Celestial? — O assessor de Sui Tingheng tentou dissuadi-lo, mas ao ver a expressão fria do mestre, não ousou insistir.

A Prisão Celestial abrigava os criminosos mais perigosos — e também alguns de status especial, como membros da família imperial culpados de crimes graves ou prisioneiros importantes que ainda podiam ser úteis.

Embora houvesse muitos trancafiados ali, o lugar era estranhamente silencioso, como se não restasse alma viva. Sui Tingheng passou célula após célula, lanterna em punho, o olhar gelado como a neve. A luz banhava os prisioneiros, mas nenhum se movia; apenas fitavam o vazio, sem vida.

— Sui Tingheng! — Da cela mais ao fundo, um prisioneiro imundo e desgrenhado avançou até as grades. Sua porta não era trancada de forma comum — fora selada com cobre derretido, restando apenas um orifício do tamanho da palma de uma mão na lateral, por onde ele tentava, em vão, alcançar a túnica de Sui Tingheng.

Vendo a mão tatear o vazio, Sui Tingheng finalmente parou. Ficou imóvel até que o braço caiu, inerte, no chão.

Sua voz saiu calma e precisa:

— Após dois anos sem vê-lo, Segundo Tio ficou… tão afetuoso com o sobrinho.

O homem silenciou por um momento, depois começou a golpear furiosamente a pesada porta de bronze.

— Me tire daqui!

— O mundo inteiro acredita que você e o Terceiro Tio tiraram a própria vida após o golpe fracassado — disse Sui Tingheng, com tom extremamente gentil. — Seu golpe enfureceu o Vovô até a morte. O fato deste sobrinho ter deixado você viver já é misericórdia. Por que me forçar ainda mais?

— Me mate! Só me mate! — O homem o ignorava, batendo a cabeça contra a parede. — Por favor… me mate!

— Se realmente quiser morrer, tio, basta parar de comer e beber — disse Sui Tingheng, aproximando a lanterna. A luz revelou a mão mutilada e sem unhas do homem. — Como este sobrinho poderia ter coração para matá-lo pessoalmente?

— Se não fosse por você, como eu teria fracassado?! — rugiu o homem, com a voz distorcida pela boca sem dentes. — Eu errei ao atormentar você e seu pai no passado, mas você não deveria me odiar tanto. Até quando Sui Xun te empurrou na água, você poupou a vida dele — por que faz isso comigo?

Se soubesse que isso o aguardava, teria escolhido morrer como o irmão — ao menos teria escapado dessa tortura eterna.

— Muita gente me humilhou ao longo dos anos — como este príncipe poderia lembrar de todos? — Sui Tingheng balançou a lanterna levemente, deixando cair algumas gotas de óleo na mão do homem.

O prisioneiro gritou de dor.

— Perdão. Minha mão escorregou — disse Sui Tingheng com naturalidade, como se fosse afastar a lanterna —, mas sua mão escorregou de novo, e a lanterna inteira caiu sobre o homem, que uivou de agonia.

Sem a luz, a prisão mergulhou na escuridão total.

— O Segundo Tio ousou invadir o palácio e enfrentar o Avô Imperial. Vai temer um pouco de óleo de lamparina? — No meio da escuridão, Sui Tingheng riscou uma pederneira e soprou a centelha.

A chama vacilante iluminou seu rosto, conferindo-lhe uma distorção sombria e assustadora.

— Quando você mandou assassinos para massacrar a família Yun, ria muito mais alto do que agora, gritando.

— Você está se vingando por Yun Wanggui?! — gritou o homem, incrédulo. — O que a família Yun é pra você, seu lunático?!

Sui Tingheng não respondeu.

O medo tomou conta do homem. Ele resistiu à dor e tentou se defender:

— Eu só mandei homens atrás deles duas vezes. E falharam nas duas!

— E daí? — Sui Tingheng pegou a lanterna e a reacendeu. — Isso não importa.

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Nota da autora:

Sui Tingheng: “Calmo, refinado, racional — esses são meus pontos fortes.”

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