Capítulo 38. Há um fantasma em meu coração.

O clima esquentava, e os dias se tornavam mais longos.

O verão se aproximava, e as peônias no pátio, castigadas demais pelo sol, murchavam. As flores vermelhas restantes se escondiam entre as folhas verdes, já não tão belas quanto antes.

No pátio da Mansão Ke, logo pela manhã, a Senhora Qin repreendia os criados.

— Como podem ser tão descuidados? Como é que ninguém notou uma poça d'água tão grande? Mandei trocar o tapete ontem, e agora já está manchado de água! Vocês andam ficando preguiçosos porque deixei de ser tão rigorosa quanto antes!

Ke Chengxing, que acabara de trocar de roupa, ouviu os gritos da Senhora Qin e não pôde deixar de franzir o cenho.

Saiu do quarto, pigarreou levemente e disse num tom descontraído:

— Por que tanta raiva logo cedo? É só um tapete sujo. Talvez tenha chovido à noite, e alguma criada tenha trazido água para dentro sem querer.

— Sem querer? Quem é que derrama uma poça daquele tamanho sem querer? — Senhora Qin ergueu as sobrancelhas. — Veja essas pegadas! Parece até que alguém pisou de propósito. Ping’er, chame todos os criados do pátio e compare os sapatos com essas pegadas. Hoje eu descubro quem foi o culpado!

Ke Chengxing sentiu a dor de cabeça se formar e rapidamente arrumou uma desculpa para sair.

Enquanto andava, Wan Fu lhe trouxe uma xícara de chá para enxaguar a boca. Ke Chengxing tomou um gole e perguntou casualmente:

— Por que não vi Wan Quan esses dias?

Os olhos de Wan Fu brilharam por um instante, mas ele sorriu:

— Agradeço a preocupação, Mestre. Há alguns dias, um primo dele do campo veio visitá-lo. Os dois decidiram subir a montanha para passear. Dei permissão. Ele deve voltar em alguns dias.

Ke Chengxing assentiu:

— Ele é jovem. É bom que se mantenha ativo.

Wan Fu sorriu em concordância. Após alguns passos, Ke Chengxing suspirou:

— Não sei por quê, mas tenho dormido mal ultimamente. Acordo quatro, cinco vezes por noite. Às vezes desperto de repente e ainda são quatro da manhã.

Wan Fu sugeriu:

— Que tal chamar um médico para examiná-lo?

Ke Chengxing considerou a ideia e concordou. Enviou então um bilhete para convidar um médico conhecido. O médico examinou seu pulso e não encontrou nenhum problema, receitou apenas um calmante e partiu. Após sua saída, Wan Fu notou que Ke Chengxing ainda parecia abatido e tentou confortá-lo:

— Mestre, não se preocupe. Pode ser só o clima. Vamos esperar até o senhor terminar a medicação e ver como se sente.

Ke Chengxing assentiu e saiu para uma caminhada. Quando retornou ao quarto, encontrou a Senhora Qin sentada, emburrada.

Ke Chengxing sorriu e se aproximou para segurar seu ombro:

— Descobriu de quem eram as pegadas enlameadas?

— Não! — Senhora Qin afastou impacientemente a mão dele. — Pode acreditar? Interrogamos todas as criadas da casa e mesmo assim não descobrimos quem deixou aquelas pegadas. É um verdadeiro mistério!

Ke Chengxing riu:

— Se não descobrimos, tudo bem. É só um tapete. Compramos outro amanhã.

Senhora Qin zombou:

— Fala como se fosse simples. Claro, você não cuida das coisas da casa, por isso fala assim. — Continuou tagarelando sem parar, com criadas e amas ao redor. Suas palavras deixaram o rosto e as orelhas de Ke Chengxing vermelhos. Após muito aguentar, ele finalmente fugiu para o estúdio.

Assim que entrou no estúdio, Ke Chengxing soltou um suspiro de alívio. Estava mesmo com medo daquela mulher.

Falando nela, a Senhora Qin até que era bonita. Filha de um funcionário menor, a família Ke estava acima de seu alcance. Mas talvez por ter sido mimada em casa, seu temperamento era mandão. Quando chegou à família Ke, tomou as rédeas da administração com mãos de ferro. Ke Chengxing não ousava usar o dinheiro da loja da família como bem entendia.

A velha senhora Ke sempre o aconselhava a ter paciência, que quando ela desse à luz um filho, seu temperamento naturalmente se tornaria mais dócil. Mas toda vez que Ke Chengxing encarava sua nova esposa, sentia-se sufocado, como se lhe faltasse o ar.

Sempre que isso acontecia, ele se lembrava da Senhora Lu. O temperamento dela era completamente diferente do de Qin. Sempre gentil, o colocava em primeiro lugar, era atenciosa. Sua aparência também era agradável, com olhos vivos e um coração puro. Quando se virava e caminhava, era como uma flor de salgueiro ao vento.

Nenhum homem deixaria de se encantar pela Senhora Lu. Foi por isso que tudo aconteceu no Restaurante Fengle. Ke Chengxing estremeceu de repente e preferiu não continuar pensando nisso.

Wan Fu entrou do lado de fora trazendo frutas frescas e um bule de chá. A Senhora Qin não era apenas feroz, mas também rigorosa. Desde que entrara na mansão, disciplinava as criadas com mão de ferro. Mesmo que quisessem se aproximar, as moças recuavam diante da presença dela.

Com o tempo, o coração de Ke Chengxing começou a coçar.

Ele perguntou a Wan Fu:

— Você já coletou o aluguel que pedi?

O coração de Wan Fu deu um salto, mas ele manteve a compostura e sorriu:

— Quase tudo, quase tudo.

Ke Chengxing assentiu e disse em voz baixa:

— Daqui a alguns dias, depois que passar o aniversário dela e ela estiver mais tranquila, pegue o aluguel e vá comigo ao Restaurante Fengle para relaxarmos.

Wan Fu sorriu e concordou. Respondeu às perguntas de Ke Chengxing e se retirou.

Já era quase meio-dia, e o sol brilhava com mais intensidade, entrando pela janela e fazendo o corpo se sentir preguiçoso e sonolento.

Ke Chengxing queria apenas se esconder no estúdio para fugir das lamúrias da Senhora Qin, então pegou um livro para ler. No entanto, enquanto lia, acabou adormecendo sem perceber.

Ele não vinha dormindo bem nos últimos dias. Esse cochilo foi profundo, e ele teve um sonho.

No sonho, estava deitado num divã. Ao seu lado, uma jovem com o cabelo preso em coque de cavalo ajeitava seu cobertor. Vestia uma túnica branca pálida com flores douradas. Sua figura era graciosa e delicada. A cabeça estava baixa, e seu rosto não era visível, apenas uma pequena pinta vermelha na nuca podia ser vista.

Com tamanha beleza tão próxima, Ke Chengxing não pôde conter-se. Quis se aproximar e sentar-se para abraçá-la, mas descobriu que não conseguia se mover. Ouviu a voz da mulher, distante e familiar, chamando:

— Mestre.

Ele sentiu que aquela voz lhe era familiar, mas não conseguia lembrar de onde. Enquanto tentava recordar, de repente sentiu o corpo gelar. Instintivamente levantou a cabeça e viu que a mulher, ainda de cabeça baixa, tinha gotas de água fria pingando do cabelo negro, encharcando o cobertor.

— Você…

A mulher ergueu o rosto, revelando um semblante pálido, mas belíssimo, e disse:

— Mestre.

Ke Chengxing gritou e despertou de súbito. O sol do lado de fora era quente, e o aroma das peônias no pátio era refrescante. Ele levou a mão ao rosto e notou que sua testa estava coberta de suor frio.

Respirou aliviado e murmurou:

— Que azar…

Num dia tão bonito, sem motivo algum, sonhara com a Senhora Lu. A pinta vermelho-escura na nuca da falecida esposa, que antes lhe parecera encantadora, agora lhe parecia assustadora, lembrando-o do dia em que ela morreu. Quando seu corpo foi resgatado, aquela pinta parecia sangue sob o sol.

Ke Chengxing esfregou as sobrancelhas, sentindo-se de repente um pouco quente. Olhou para baixo e viu que alguém havia lhe coberto com um cobertor leve.

Num clima tão quente, estar coberto por um cobertor o fazia suar inteiro. Ke Chengxing resmungou, irritado:

— Wan Fu, Wan Fu —

Chamou duas vezes, mas Wan Fu não respondeu. Levantou-se, pretendendo chamar lá fora. Deu dois passos e, de repente, parou.

A porta do estúdio estava fechada. Do canto da escrivaninha junto à janela até a porta, havia uma fileira de pegadas molhadas.

As pegadas estavam encharcadas, como se a pessoa tivesse acabado de sair da água e caminhado por ali. Uma trilha de manchas escuras se estendia pelo chão.

O formato era pequeno, do tamanho de uma palma.

Eram pegadas de mulher.


 

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