Capítulo 38 – Meu Nome é Lei Feng


 — …você disse que é da vila Mojia? Qual é o seu nome? — Xia Ge segurava a foice com mãos trêmulas, fazendo a lâmina oscilar ligeiramente. — Quem você conhece de lá? Quem te conhece?

A beleza fitou Xia Ge com olhos brilhantes e cheios de emoção, sua voz soando como a de alguém profundamente injustiçada:

— Esta serva se chama Ah Tang. Eu iria me casar em Mojia, e minha terra natal é Taohuawu. Quando meus pais se tornaram discípulos externos da Seita Lingxi, mudaram-se para Mojia…

— E quem você conhece?

— Desde pequena fiquei em casa, nunca pus os pés fora. — Vendo a descrença estampada no rosto de Xia Ge, Ah Tang hesitou antes de acrescentar: — Há uma pessoa que conheço… Mo Quiran, uma atendente da Estalagem Taoyuan.

…Mo Quiran?

Muito surpresa, Xia Ge ficou boquiaberta ao ouvir o nome.

— Esta serva realmente não é um fantasma ou espírito maligno… jovem senhor, já faz dois dias que estou aqui sem uma gota d’água.

Novas lágrimas escorreram dos olhos de Ah Tang enquanto ela chorava:

— Esta serva teme nunca mais ver o Mestre Ji… jovem senhor, se conseguir sair daqui, por favor leve uma mensagem ao Mestre Ji. Diga-lhe que Ah Tang sempre se lembrará dele, mesmo que acabe se tornando um fantasma.

Wah, wah, waaa…

Quem diabos é esse Mestre Ji? O suposto noivo?

Xia Ge não teve papas na língua:

— Bom, se você realmente virar um fantasma… acho que ele não vai querer muito que você se lembre dele.

O choro de Ah Tang aumentou. Como uma flor de pereira sob a chuva, sua beleza chorosa parecia ainda mais triste.

[Custa muito falar com um pouco mais de tato?]

Xia Ge: “……”

Wah, waaah, waaaaaaaa…

A moça de vermelho cobriu a boca com a manga enquanto chorava, parecendo profundamente arrasada. No entanto, antes disso, Xia Ge havia notado os lábios rachados e a palidez da mulher. Ainda cautelosa, ela sussurrou para o sistema:

— Tudo bem, vou ser mais gentil… se ela fosse um fantasma, os lábios dela não estariam tão secos e rachados, né?

Ah Tang: “……”

[…] Não. Mas acho que ela ouviu você.

Ah Tang sorriu debilmente, o rosto pálido e os olhos marejados:

— O jovem senhor gosta de brincar…

— Eu não tô brincando… de qualquer forma, você claramente não é um fantasma. — Xia Ge pendurou a foice nas costas, cobriu as mãos com as mangas e fingiu pegar algo de dentro delas, enquanto na verdade retirava uma pílula de Bigu de seu anel prateado.

A dourada pílula de Bigu.

Ainda mantendo distância física entre as duas, Xia Ge lançou a pílula para a moça que chorava:

— Isto é uma pílula de Bigu. Tome e não sentirá mais fome.

A pílula fez um arco dourado no ar. Com um movimento gracioso da manga, Ah Tang estendeu seus dedos finos como jade, manchados de cinábrio, e apanhou a pílula com uma elegância digna de um cisne.

Xia Ge notou a leveza e a rapidez dos movimentos, mas agiu como se não tivesse visto nada.

Segurando a pílula, Ah Tang ficou visivelmente constrangida:

— O jovem senhor me deu esta pílula dourada… o que posso fazer em troca?

“……”

Não se preocupe, moça. Algo que te deixa sem fome por um ano deve ter um gosto horrível.

Forçando um sorriso falso, Xia Ge respondeu:

— Não estou com fome agora. Além disso, é melhor que a senhorita coma primeiro.

— Oh… obrigada, jovem senhor. — Ah Tang esboçou um sorriso um pouco tímido, e então estendeu sensualmente a língua pequena, prestes a colocar suavemente a pílula na boca, uma beleza demoníaca naquele gesto.

Como mulher, Xia Ge se considerava boa em julgar outras mulheres…

Qualquer jovem mestre teria sorte em se casar com alguém assim.

No entanto, antes que Xia Ge pudesse lidar com seus sentimentos confusos, uma reviravolta inesperada tomou conta da câmara de pedra! A luz das pérolas noturnas se intensificou subitamente, enquanto incontáveis vinhas negras brotavam das paredes, disparando ferozmente em direção a Xia Ge!

O corpo de Xia Ge tremeu com o susto, mas ela se recuperou quase imediatamente. Apertando os olhos, girou sua foice e cortou impiedosamente as vinhas que se estendiam! Ao ouvir um grito apavorado ao cortar uma das vinhas espinhosas ao meio, Xia Ge lançou um olhar rápido. Suas pupilas se contraíram ao ver que as vinhas densas e cobertas de espinhos já haviam se enroscado em Ah Tang, levantando-a e prendendo-a contra a parede! A pílula dourada caiu no chão, rolando, e os olhos de Ah Tang se arregalaram:

— Jovem senhor, a pílula… aaaaaaa……

Espinhos cravaram-se na pele delicada como neve da jovem, e o sangue vermelho vivo manchou ainda mais o escarlate do vestido!

O cheiro metálico de sangue encheu o ar, fazendo as pupilas de Xia Ge se contraírem ainda mais!

Não importava quem fosse aquela mulher——

Se sangrava, então não era um fantasma!!

— Ei!!

Com o peito apertado, Xia Ge observou enquanto mais vinhas espinhosas irrompiam do chão em fúria, o cheiro de sangue ficando cada vez mais forte. Cerrando os dentes, Xia Ge gritou:

— Moça… por favor, tente aguentar!!

— Jovem senhor… não se preocupe com esta serva indigna…

O vestido ensanguentado grudava em seu corpo, gotas de sangue escorriam do canto da boca, e os longos cílios de Ah Tang tremulavam como asas de borboleta:

— …jovem senhor, se conseguir sair daqui… leve uma mensagem ao Mestre Ji… Ah Tang… gosta muito do Mestre Ji… quer… virar um fantasma, não quer deixá-lo… não como…

As vinhas negras ainda dançavam, esticando-se e retraindo-se sem parar.

— Não poder ser esposa dele… é o maior arrependimento da vida de Ah Tang…

— Se não puder ser esposa nesta vida… quem sabe na próxima…

Que se dane a próxima vida! Não existe outra vida, isso é tudo uma baboseira, e este jovem senhor não acredita nessas coisas! Se Ah Tang gosta tanto do Mestre Ji, então fique viva!!

A lâmina da foice de Xia Ge cortava as vinhas enquanto ela se movia em alta velocidade, {fantasma e sombra} sendo ativado novamente. Camadas e camadas de vinhas espinhosas pareciam papel diante da lâmina, enquanto os cabelos negros de Xia Ge esvoaçavam livremente——

Quando as pessoas morrem, é como uma lâmpada que se apaga——mesmo que haja uma próxima vida, você não vai mais se lembrar dele! Que palavras tolas——se quiser que ele saiba, diga pessoalmente!!!

Se você não consegue segurar a felicidade no presente, de que adianta depositar esperança numa vida imaginária?

Mesmo que houvesse uma próxima vida, ninguém podia saber quem se tornaria ou o que amaria ou deixaria de amar. Nesta vida, você poderia gostar de alguém, mas na próxima, poderia gostar de outra pessoa. Talvez reencontrasse a mesma alma, mas as experiências seriam diferentes, e por isso os pensamentos e sentimentos também mudariam. Assim, seus ódios e seus amores dificilmente seriam os mesmos de antes.

Foi por isso que Xia Ge achava todo aquele falatório da Ah Tang sobre mensagens finais e próximas vidas um tanto ridículo.

Xia Ge nunca acreditara em vidas passadas.

E achava que o pós-vida era só um jeito de se perder no presente.

Os olhos de Ah Tang estavam arregalados enquanto observava o jovem empunhando uma imensa foice negra, cabelos soltos ao vento, abrindo caminho por entre a confusão de espinhos e cipós para chegar até ela.

Imagens desconexas lampejaram em sua mente, a última sendo a de uma mulher com uma flauta de osso presa à cintura, falando com preguiça:

Acreditar em vidas passadas e reencarnação não é só admitir que se perdeu nesta vida? Em vez de apostar em algo que não é real, não seria melhor viver o aqui e o agora? Comer bem, beber bem hoje, esse é o verdadeiro caminho…

Passando de um lado da câmara ao outro, cortando as vinhas pelo caminho, Xia Ge conseguiu encontrar a pílula dourada caída entre os espinhos no chão. Um golpe com a foice, o brilho de uma silhueta baixa, e a pílula foi recuperada—–

Whoosh, whoosh, whoosh——

A lâmina afiada da foice fez seu trabalho, e as vinhas que prendiam Ah Tang despencaram de repente. Já não presa contra a parede, a beleza caiu como uma borboleta vermelha de asas quebradas, deixando um rastro espesso de sangue sobre a pedra!

Clang!

A lâmina negra cravou-se na parede bem ao lado da orelha de Ah Tang, fazendo seus cabelos se agitarem com o impacto. Ah Tang ficou boquiaberta, olhando o jovem de preto com a foice agora apoiada num ombro. As vinhas que antes a seguravam tombaram no chão e viraram cinzas, desaparecendo completamente. Em seguida, o jovem a ergueu do chão e a carregou nas costas!

— Segure-se firme em mim!

Instintivamente, mãos como jade se apertaram nos ombros finos do rapaz. As roupas pretas não eram espessas, mas o tecido era macio e, de algum modo, quente ao toque de Ah Tang.

Então… era assim ser protegida.

Algo que Ah Tang não experimentava havia muito tempo.

Ela quase perdeu os sentidos por um momento.

Enquanto isso, as pérolas noturnas voltavam a brilhar intensamente, ofuscando os olhos por entre a massa de vinhas, e onde Xia Ge havia cortado vinhas, outras novas brotavam!

As pérolas noturnas… elas eram o problema!!

Reposicionando a foice, Xia Ge impulsionou-se com um chute na parede e disparou até a entrada da próxima passagem de pedra, onde depositou Ah Tang:

— Me dê sua mão.

Ah Tang olhou com dúvida, mas estendeu a mão obedientemente.

A mão pálida como jade parecia uma obra-prima esculpida pelo escultor mais habilidoso.

Tentando não encarar demais, Xia Ge colocou depressa a pílula dourada na palma da mulher:

— Pra não derrubar de novo, coma logo desta vez.

Ah Tang segurou a pílula, sentindo seu leve perfume adocicado.

— Espere aqui — disse Xia Ge, prestes a voltar para a câmara. Mas, antes que pudesse, sua mão foi agarrada por Ah Tang.

A mão da moça estava gelada.

Arrepiando-se, Xia Ge se desvencilhou sem pensar e logo se sentiu envergonhada:

— Desculpa… eu não quis…

Um brilho sutil passou pelo olhar de Ah Tang, mas ela apenas balançou a cabeça, falando em voz baixa:

— …fui presunçosa. Obrigada por salvar a vida desta humilde serva.

— Não, não… apenas fique em segurança aqui um pouco.

— Jovem senhor, resgatou-me com tanta pressa… não tem medo de que eu seja uma pessoa má?

Sentada no chão, sua postura era graciosa, o vestido vermelho elegantemente espalhado ao redor. Embora o rosto estivesse pálido, seus olhos brilhavam, sem perder um pingo do charme feminino.

Mas Xia Ge lançou um olhar para as vinhas ensandecidas que giravam violentamente em direção às duas. O coração apertado, virou-se para enfrentá-las, a foice cintilando a cada corte——

Fazendo com que Ah Tang achasse que sua pergunta ficaria sem resposta.

Crack——

Ouviu-se o som seco das pérolas noturnas estilhaçando. O brilho ofuscante começou a enfraquecer, enquanto a sombra do jovem tremeluzia entre os fragmentos de luz. Sem hesitar, Xia Ge usava a foice para destruir cada pérola na câmara——

— Primeiro, você precisa continuar viva. — As vinhas espinhosas se desintegravam em cinzas à medida que as pérolas se apagavam, e finalmente o jovem pousou firme diante de Ah Tang, cabelos negros flutuando, a voz rouca: — Só então poderei saber se você é ou não uma pessoa má.

Ah Tang nada disse.

A luz da câmara havia desaparecido, e a figura do jovem era uma silhueta vaga na escuridão. Já as pérolas noturnas da passagem iluminavam a beleza de vermelho, fazendo-a parecer uma imortal saída de uma pintura.

Com a foice numa mão, Xia Ge aproximou-se e estendeu a outra:

— Agora, consegue se levantar?

Ah Tang contemplou a mão estendida.

Pequena, mas branca como jade aquecido sob a luz suave das pérolas, de uma delicadeza inexplicável.

— “Você precisa continuar viva—só então poderei saber se é uma pessoa má.”

Esse jovem encarava a possibilidade de arrependimentos infinitos no futuro, mas não permitia a si mesmo se arrepender no presente.

— Salvando-me assim… esse jovem certamente vai se arrepender depois.

Ainda sem aceitar a mão, Ah Tang riu baixinho antes de acrescentar:

— Serei apenas um fardo para o jovem senhor.

Exasperada, Xia Ge retrucou:

— Olá, “fardo”. Quem decidiu te salvar fui eu, e se vou me arrepender depois ou não, é problema meu. Então, sinceramente, não sei do que você tá falando.

Ah Tang sorriu, esplêndida como uma flor de lótus vermelha, encantadora e provocante:

— Este jovem é realmente uma pessoa de bom coração.

Xia Ge assentiu:

— É, acho que sou mesmo.

Sistema: […]…

Por fim, Ah Tang colocou sua mão na de Xia Ge. As pontas dos dedos estavam manchadas de cinábrio, mas o restante era branco como raiz de lótus. Sob a luz suave das pérolas noturnas, sua forma parecia ainda mais delicada e onírica.

Com um leve aperto, ela envolveu a mão de Xia Ge.

Sentindo aquele toque gelado, Xia Ge congelou por um segundo, um arrepio percorrendo seu corpo. Era como o frescor de uma noite de verão invadindo sua pele, e, ainda assim, estranhamente confortável.

— A mão do jovem senhor é um pouco pequena — comentou a beleza com um sorriso gentil, o olhar e o tom suaves —, mas é bem quente.

Xia Ge ajudou Ah Tang a se levantar e a carregou nas costas:

— Quente, é? Deve ser suor… vamos parar de conversar… temos que continuar andando.

Sistema: […] Sua mão tá suada?! É assim que se fala com uma beldade dessas?!

Mas Ah Tang, educadamente ignorando, comentou:

— Este jovem também é muito forte.

Xia Ge:

— Mmm, eu nasci assim, força sobre-humana.

Força divina inata?

Outro brilho cruzou os olhos de Ah Tang:

— Oh… falando nisso, esta humilde serva ainda não sabe o nome de seu benfeitor.

— Meu nome? — Xia Ge continuava andando, carregando Ah Tang — Não precisa tanta formalidade, nem me considerar sua salvadora. Afinal, seu Mestre Ji ainda está te esperando… mas de qualquer forma, meu nome é Lei Feng.

Sistema: […]…

No entanto, aparentemente ao ouvir “Mestre Ji”, a beleza entristeceu. Sua voz se tornou melancólica:

— Obrigada, Mestre Lei… mas não sei se conseguirei sair viva daqui.

— O quê? É claro que você vai sair viva — respondeu Xia Ge com desdém —. Se não encontrarmos a saída, a gente cava. Vamos fazer a nossa própria saída, se for preciso.

Ah Tang:

— …Entendi.

Tentando confortá-la, Xia Ge disse:

— Não tem com o que se preocupar. Afinal, você comeu minha pílula dourada, certo? Não vai sentir fome por um ano. Se eu acabar batendo as botas, pega minha foice e vai abrindo caminho. Só precisa lembrar de seguir sempre numa direção, eventualmente vai sair.

Ah Tang olhou para a pílula dourada em sua outra mão e a guardou em silêncio na manga.

Enquanto isso, o sistema decidiu ser honesto com Xia Ge:

Hospedeira, não acho que ela tenha se sentido confortada com essas palavras.

Xia Ge:

— …para de falar merda.


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