Capítulo 43


 Ji Muye estava profundamente constrangido com aquele chamado de “papai”. Nesse instante, uma criança de semblante sério passou por ali.

— Nós não temos pais. Nascemos no lago de lótus. Somos vidas que o Deus de Lótus deu à Ilha do Paraíso.

— Você é tão burra. A Professora Zhang já explicou isso várias vezes, mas você nunca consegue lembrar.

A criança que falou isso parecia ter uns cinco ou seis anos, mas já se comportava como um pequeno adulto.

A bebê que foi repreendida ficou atônita por um instante… e então voltou a chorar.

— Não é verdade. Não é! Eu tenho uma mãe. Ela veio me ver há alguns dias. Disse que meu pai viria brincar comigo em breve…

Era raro ver uma criança de dois ou três anos falando com tanta clareza. No entanto, as falas das duas se contradiziam, e por ora, não se podia distinguir o que era verdade ou mentira. Mas a menção ao lago de lótus apareceu de novo, e Jiang Zheng também foi levada pra lá… Parece que esse local é uma pista chave pra fuga.

Nesse momento, uma jovem apareceu correndo. Ao ver Ji Muye, ela se curvou levemente em desculpas:

— Me desculpe por fazê-lo esperar, Professor Ji. Eu sou a Professora Zhang da creche.

Havia cerca de trinta ou quarenta crianças naquele berçário, mas a Professora Zhang era a única cuidadora.

Ninguém sabia de onde vinha essa garota no mundo exterior, mas ali estava ela, ainda jovem, assumindo suavemente o papel de “mãe temporária” para aquelas dezenas de crianças.

Ji Muye assentiu, dizendo que não havia problema.

Xiao Daibao imediatamente se calou ao ver a Professora Zhang se aproximando e não pediu mais para Ji Muye ajudá-la a encontrar sua mãe.

A Professora Zhang se agachou e perguntou suavemente:

— Querida, você acha que sua mãe veio te ver?

Xiao Daibao ainda estava com os olhos marejados. Ela balançou a cabeça com firmeza:

— Minha mãe nunca veio me ver.

A professora suspirou baixinho, levantou-se e disse a Ji Muye:

— Ultimamente estamos com escassez de pessoal, então talvez pessoas de fora estejam se infiltrando sem que eu perceba.

Ji Muye, ansioso por descobrir o segredo do lago de lótus, aproveitou para puxar o assunto.

A Professora Zhang sorriu:

— Sim, exatamente. Todos os recém-nascidos aqui na Ilha do Paraíso vêm do lago de lótus. Ele é a esperança que o Deus de Lótus nos deu. As crianças do berçário não têm pais — elas só precisam venerar o Deus de Lótus em seus corações.

#Infiltração do inferno. Mas que merda é essa.

#Como assim? Como é que alguém nessa ilha consegue acreditar numa baboseira dessas?

#É impossível pensar racionalmente nesse lugar.

#Quando se vive num mundo fechado, sendo doutrinado com esse tipo de absurdo todo dia, você simplesmente esquece o conhecimento científico que tinha no mundo real e passa a acreditar cegamente. Vide propaganda e marketing de pirâmide.

#Isso aqui nem parece um enredo de fantasia. Como assim a criança não tem pais? Ela brotou do miolo de uma flor de lótus? Nezha?

#Aaaaah Ji Muye, salva logo minha irmã Zheng, por favor.

#Esse lago de lótus é do mal demais.

O chat finalmente mergulhou de cabeça no enredo da Ilha do Paraíso.

A câmera se dividia em cinco quadros, e apenas a cena com Jiang Zheng estava oculta.

Ke Cancan seguia Mo Ji até o cais, onde recebiam os novos convidados.

Ela ajeitou o cabelo, expondo seu perfil esquerdo — o lado que considerava mais bonito — à câmera que a seguia, e comentou com um sorriso:

— Senhor Mo, por que o Senhor Deus escolheu justamente a Jiang Zheng, entre os seis, para ir ao lago de lótus? Há algum critério específico?

Mo Ji lhe lançou um olhar carregado de significado:

— Primeiro: apenas mulheres podem ir ao lago de lótus para meditar e buscar a iluminação. Segundo: apenas aquelas com qualificação para ler o edito divino do Lótus podem ir. Como porta-voz do Deus de Lótus, é o próprio deus quem escolhe. Senhorita Ke, não se intrometa no que não lhe diz respeito.

Ke Cancan: “…”

#Falando na real: você é feia e não tem qualificação.

#Droga. Eu sabia que esse charlatão estava cheio de más intenções.

#O roteiro do diretor é nojento à primeira vista, mas está cheio de ironia. Esse tipo de coisa não é novidade no mundo real.

#Recomendo assistir aos assassinatos do culto em “Era uma Vez em Hollywood”. Aposto que o diretor se inspirou na família Manson.

Do outro lado, Liang Xiaoduan e He Xiao estavam na praia organizando os banhistas. Assobiavam e gritavam para que os mais ousados voltassem à costa antes de serem levados pelas ondas. De tempos em tempos, alguém aparecia dizendo que havia perdido o filho ou que o salva-vidas tinha sumido — todo tipo de trivialidade recaía sobre eles.

Depois de finalmente conseguirem um tempinho de folga, Liang Xiaoduan reparou num casal jovem caminhando pela praia. Ela deu um sinal para He Xiao com os olhos, e os dois se aproximaram como quem não quer nada.

O casal parecia muito apaixonado, de mãos dadas, caminhando lado a lado, como se fossem a cena mais bonita de um dia de abril.

Liang Xiaoduan perguntou com sua voz mais doce e encantadora:

— Por que vocês decidiram se estabelecer aqui?

A mulher era muito bonita. Sorriu e acariciou a barriga:

— Porque eu tenho o Deus de Lótus aqui dentro. Ele me deu um filho.

Ela contou que se chamava Li Qian e que estava casada há cinco anos sem nunca engravidar. A família do marido queria forçá-lo a se divorciar, mas ele recusou. No fim, os dois vieram parar na Ilha do Paraíso por acaso, depositando sua última esperança no Deus de Lótus. Um mês atrás, ela foi escolhida pelos deuses e levada ao lago de lótus para meditar e buscar iluminação. Lá, bebeu a lendária água sagrada… e um mês depois, estava grávida.

Ela segurava a mão do marido com alegria, o rosto iluminado de felicidade.

Liang Xiaoduan ficou com uma expressão bem complicada, mas por dentro suspirava de alívio — tive sorte de encontrar alguém que conhece os segredos do lago de lótus.

Ela encostou o rosto no braço de He Xiao, fingiu chorar e disse:

— Nós… nós temos o mesmo desejo. Eu também quero ter um filho com meu marido…

He Xiao: “…”

Li Qian entendeu de imediato. Afinal, todos que vinham para a Ilha do Paraíso estavam em busca de algo que o mundo lá fora não podia oferecer.

#Hahahaha a cara de nojo do He Xiao tá impagável. Ele odeia a ideia porque acha que a criança sairia burra igual à Liang Xiaoduan?

#Pensando bem… esse filho na barriga da mulher nem deve ser do marido.

#Se não for do marido, é de quem então?

Li Qian olhou discretamente para os lados e disse em voz baixa:

— Eu fui vendada quando fui ao lago de lótus. Mas…

Ela sorriu, orgulhosa:

— Tenho excelente senso de direção e memória. Mesmo sem enxergar, consegui me guiar pelos sons. Sei exatamente onde fica o lago de lótus!

Inicialmente, achava que não seria fácil ir até lá, então, com medo de nunca ter outra chance, memorizou o caminho em segredo. E, veja só, engravidou logo na primeira vez… Ela compreendia perfeitamente o desejo daquela moça à sua frente. Ela também já havia procurado filhos por todos os cantos, atormentada em corpo e alma.

Nesse momento, o sol já se inclinava ligeiramente para o oeste.

A missão de resgate não tinha avançado em nada. O diretor observava o monitor com calma. Esse era o ritmo ideal de progresso. Se Jiang Zheng tivesse seguido o roteiro no episódio anterior, provavelmente já teria escurecido antes de conseguirem resgatar o povo da Cidade Wuyou. Por isso, neste segundo episódio, ele aumentou a dificuldade e reduziu as pistas. Por sorte, Liang Xiaoduan escolheu logo o casal certo, Li Qian e o marido, que podiam fornecer informações. Se tivesse abordado qualquer outro, não teria conseguido nada.

Tendo obtido a informação vital, Liang Xiaoduan fingiu que ia ao banheiro e deixou a praia, com He Xiao cobrindo suas costas.

Andava apressada pela calçada, encolhida no próprio casaco. Depois de dar a volta em dois quarteirões, seguiu as placas e encontrou o berçário.

E então viu Ji Muye, vestindo um avental branco com renda, segurando um bebê no colo e dando mamadeira.

#Hahaha não é que ele tá mandando bem? A pose tá certinha.

#Aprendeu uma nova profissão! Papai Ji começou a trabalhar antes da hora.

Apesar da expressão calma enquanto alimentava o bebê, Ji Muye estava com o coração inquieto, como uma pata choca. De repente, viu alguém pulando do lado de fora da janela, parecendo um coelhinho.

Virou-se depressa para cobrir a janela e sorriu para a Professora Zhang, que estava do outro lado da sala.

Naquele momento, um carregamento de leite em pó chegou. Sendo o único homem da creche, ele naturalmente assumiu a tarefa de ir até o cais descarregar.

Assim que saiu do berçário, deu de cara com Liang Xiaoduan, que apareceu do canto e acenou animadamente.

— Eu sei onde fica o lago de lótus!

— Precisamos ir até o lago agora!

Os dois disseram em uníssono.

Com base nas informações fornecidas por Li Qian, contornaram a igreja, subiram as escadas até a estrada de pedra azul, atravessaram o bambuzal, cruzaram o riacho da montanha, sentiram o perfume das flores… e finalmente chegaram ao centro da montanha.

Do mirante na lateral da encosta, o mar sem fim se estendia em ondas suaves, fundindo-se ao horizonte.

Os dois não se atreveram a perder tempo. À medida que subiam, o ar ao redor ficava cada vez mais quente.

Liang Xiaoduan enxugou o suor da testa e do pescoço e comentou, sem fôlego:

— Esse diretor… é mesmo um gênio.

Diretor: Hee hee.

Como Li Qian havia dito, depois de atravessarem os bosques de bambu, os riachos das montanhas e as florestas floridas, eles finalmente chegaram ao topo da montanha.

Um lago azul se abriu diante dos dois, como os olhos de Deus — límpido e belo, parecendo absorver todo o céu e as nuvens refletidas em seu fundo.

Havia selvas densas ao redor do lago, e dezenas de cabanas construídas à sua margem. Se eles não soubessem que aquilo era o set de gravações de Cidade do Terror, poderiam facilmente pensar que era uma área de hospedagem de luxo.

Havia muitas fontes termais ao redor das cabanas, soltando vapores pelo ar.

#Inacreditável que tenha uma cratera tão grande assim na Ilha do Paraíso.

#Produção de peso. O local de filmagens do segundo episódio que o diretor encontrou tá simplesmente incrível.

#Então esse é o lendário lago de lótus…

Talvez por se tratar da área proibida da Ilha do Paraíso, eles não encontraram ninguém pelo caminho.

Ji Muye entrou na mata densa, seguindo por uma trilha quase imperceptível entre as árvores.

As cabanas estavam obviamente ocupadas — havia gente cantando, chorando, recitando poemas em dueto e até entoando os ensinamentos do Livro do Lótus. Outras cabanas, no entanto, permaneciam silenciosas, sem que se soubesse o que acontecia dentro delas.

Entre todos os sons, o choro se destacava — particularmente doloroso e fora de sintonia com a paisagem deslumbrante ao redor.

Liang Xiaoduan parou por um momento, surpresa, e murmurou:

— Esse choro… me parece daquela menininha que foi levada da igreja e mandada pra meditar aqui.

Ji Muye também percebeu. De fato, era muito parecido.

Os dois se aproximaram em silêncio, contornaram a cabana e logo perceberam que só dava pra entrar com uma chave.

De repente, bateram na porta por dentro, acompanhando o choro:

— Me tirem daqui. Por favor, me tirem daqui…

Ji Muye bateu suavemente do lado de fora. O choro cessou de imediato.

Ele bateu mais uma vez e disse em voz baixa:

— Somos nós. Também chegamos hoje, somos novatos.

De repente, uma chave foi lançada por debaixo da fresta da porta.

Ao vê-la, Liang Xiaoduan ficou tão empolgada que a pegou depressa e destrancou a cabana.

A garota do interior os olhou com os lábios trêmulos:

— Obrigada…

Ji Muye percebeu que aquela menina era a peça-chave, e imediatamente começou a perguntar:

— Você sabe onde está trancada a outra moça bonita que veio conosco?

— Por que aquele farsante mantém tantas mulheres presas aqui pra “meditar”?

— Quem é você? Por que tem uma chave?

A garota balançou a cabeça:

— Não sei em qual cabana ela foi trancada. Só o líder dos cães sabe disso.

Ela cobriu o rosto com as mãos e chorou ao falar:

— Todo mundo aqui tá louco. Fui enganada por aquele homem. Até deixei minha família pra trás…

— Esse maldito deus de lótus, esse maldito lago de lótus… tudo não passa de uma farsa nojenta.

— A tal “água sagrada” que eles vendem por uma fortuna não passa de pó com efeito sintomático.

Ela deu uma risada amarga:

— Quanto a este lugar… é apenas uma fachada pros desejos egoístas e inconfessáveis daquele farsante.

Ji Muye: “!!!”

Liang Xiaoduan arregalou os olhos:

— Eu vou matar esse desgraçado…

#Verdade! Igualzinho à família Manson. Mentem, manipulam, lavam o cérebro das jovens.

#Como espectador, esse tipo de trama sobre culto é tão absurdo quanto aterrorizante. Mas o mais apavorante é que quem tá preso lá dentro nem percebe que se perdeu.

— Na primeira vez que tentei fugir, fui capturada antes de chegar ao cais. Na segunda, roubei um barco e tentei atravessar o mar, mas me pegaram de novo. Hoje é a terceira tentativa… roubei a chave e passei pra vocês. Eu tenho a chave, mas ninguém teve coragem ou vontade de me salvar. Por sorte, vocês vieram.

Nesse momento, uma voz se aproximava cada vez mais.

A garota fez sinal para que eles se calassem e os empurrou pra trás da cabana de madeira.

Liang Xiaoduan agarrou sua mão:

— Vem com a gente!

A menina puxou a mão de volta, com dor estampada no rosto:

— Se eu fugir, eles vão achar vocês…

Enquanto conversavam, dois homens fortes se aproximaram.

A garota voltou correndo pra dentro da cabana e trancou-se novamente.

Ji Muye e Liang Xiaoduan se esconderam atrás da construção.

Os dois brutamontes abriram a porta sem cerimônia. A câmera tremia. A menina foi forçada a abrir a boca, e um líquido desconhecido foi despejado nela.

No segundo seguinte, seu corpo paralisou e ela perdeu a consciência.

#Ahhh que enredo opressivo.

#Guarda-costas sinistros!

#Que dó dela.

#Parabéns pro diretor, tá fazendo um trabalho assustadoramente bom!

Ao ouvir os sons de luta dentro da cabana, Liang Xiaoduan empalideceu.

Se perdessem aquela pista e aquela testemunha, tudo o que haviam feito até ali teria sido em vão. E a irmã Zheng também estava em perigo.

Ela se levantou de repente e deu um passo à frente.

Ji Muye: “…”

#O que a Xiaoduan tá fazendo, pelo amor?

#Ela ficou corajosa de repente?

#A Jiang Zheng tá sumida da câmera há duas horas. A Xiaoduan tá ficando aflita.

Os dois homens se assustaram ao ver Liang Xiaoduan surgir do nada.

— Tô perdida… Bebi a água sagrada e fiquei tonta. Saí andando sem rumo… e de repente cheguei aqui — disse ela, com voz fraca e piedosa.

Claro que os brutamontes conheciam a verdade. Eram capangas do falso deus.

Achando que Liang Xiaoduan era só mais uma garota drogada que andava sem rumo, e como parecia dócil, não viram nela uma ameaça. Fizeram um teatrinho pra convencê-la a sair dali e a colocaram na cabana ao lado.

Ela deu dois passos cambaleantes e esbarrou no corpo de um dos homens…

#Ladra de deus?

#Como é que a Liang Xiaoduan tem essa habilidade toda?

#Hmmmm lembrei agora que ela já interpretou uma ladra regenerada numa peça. Vai ver aprendeu na marra, praticando o papel.

Liang Xiaoduan apertou bem o chaveiro na mão e entrou na cabana ao lado. Antes de atravessar a porta, jogou o molho de chaves sobre a grama alta.

Tudo se acalmou.

Ji Muye saiu de trás da cabana, recolheu as chaves, marcou mentalmente as cabanas onde estavam a menina e Liang Xiaoduan, e começou a procurar Jiang Zheng.

Aquele lugar era perigoso demais. Permanecer ali por mais tempo era um risco — talvez o falso deus aparecesse a qualquer momento.

A névoa das fontes termais se misturava no ar, e as incontáveis cabanas ao redor pareciam feras à espreita, prontas para devorar.

Ao andar por ali, tudo lembrava um labirinto: mesmas construções, mesmas fontes, mesmas árvores.

Esse era o teste que o diretor deixou pra mim.

Ji Muye parou por um instante, observou ao redor, fechou os olhos e refletiu. De repente, abriu os olhos novamente e seguiu direto para a cabana mais próxima do lago de lótus.

À primeira vista, aquela cabana parecia igual às outras… mas sua posição era central, cercada pelas demais como estrelas ao redor da lua. Sua importância era evidente.

Ele se aproximou rapidamente, parou em frente à porta, e bateu três vezes.

Silêncio.

Bateu mais três vezes. Ainda nada.

Foi nesse instante que a câmera finalmente mostrou o quadro de Jiang Zheng.

Ji Muye deu um passo à frente e ia dizer algo, quando ouviu uma voz vinda de dentro:

— Senhor Deus, por favor diga ao meu namorado que cortei minha linha do destino. Nunca vou me casar. Dedicarei minha vida ao Deus de Lótus… Que ele desista de mim.

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Nota da autora:

Irmão Ji: Você… você fala isso de novo e eu juro que vou chorar na sua frente.


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