Capítulo 46 Parte 1 – Lótus Florescendo (I)
— Saudações, Vossa Alteza Imperial. — Lin Xiaowu largou o pêssego que segurava e se ajoelhou para prestar reverência. Por algum motivo, ela havia visto o Príncipe Herdeiro mais vezes nos últimos seis meses do que nos dois anos anteriores.
— Não precisa de formalidades — disse Sui Tingheng. — Vi que os pêssegos do pomar estavam maduros e quis colher alguns pessoalmente para levar ao Pai Imperador e à Mãe Imperatriz. Raramente venho ao Palácio de Verão durante o verão. Fuyi, poderia me acompanhar para uma caminhada?
Ao ouvir essas palavras, Fuyi se lembrou de como o falecido imperador não tinha nenhum afeto por Li Wang. Sempre que ele vinha ao Palácio de Verão de Changyang para escapar do calor, nunca pensava naquela família de três. O tempo que o Príncipe Herdeiro passou ali provavelmente nem chegava a uma fração do que ela mesma passara.
Aquilo a deixou sem argumentos para recusar. Virou-se para perguntar a Lin Xiaowu se gostaria de acompanhá-los, mas antes que pudesse falar, a garota já havia se levantado apressadamente com os pêssegos nas mãos.
— Com licença, Vossa Alteza Imperial. Esta filha súdita tem assuntos a tratar e precisa se retirar!
Ela já havia visto o Príncipe Herdeiro em um estado deplorável antes — temia que sua presença o fizesse lembrar da vez, três anos atrás, em que o falecido imperador o golpeou, deixando-o ensanguentado e ferido. E que ele descontasse nela.
Vendo Lin Xiaowu fugir como um coelho assustado, Fuyi soltou uma risadinha seca.
— Lin Xianzhu sempre foi espontânea, mas tem grande admiração por Vossa Alteza Imperial.
Ah, por favor! Sai correndo desse jeito — como é que eu vou encobrir isso pra você?
— Eu sei. — O Príncipe Herdeiro assentiu, sem se importar com a fuga evidente de Lin Xiaowu, e caminhou em direção ao pomar de pêssegos ao lado de Fuyi.
O Palácio de Verão de Changyang ocupava uma área vasta, com construções em diversos estilos arquitetônicos — pavilhões, pagodes e até mesmo estruturas que lembravam as cidades aquáticas de Jiangnan. No calor do verão, aquele lugar era muito mais confortável do que o palácio imperial.
As criadas e os eunucos que cuidavam do pomar já tinham se preparado para a chegada dos hóspedes ilustres. Espalharam repelente contra mosquitos e capinaram o terreno com todo o cuidado. Os pêssegos pendiam pesados dos galhos, maduros e exalando uma doçura tentadora. Fuyi amarrou as mangas largas com uma faixa e, ao olhar para o lado, viu que o Príncipe Herdeiro havia feito o mesmo, com as mangas arregaçadas revelando seus antebraços fortes e bem definidos.
Ela não resistiu e olhou de novo.
Puxa! Vossa Alteza Imperial parece refinado, mas esses braços... nada delicados.
Sui Tingheng era alto e conseguia alcançar os galhos mais altos apenas ficando na ponta dos pés. Ele colheu um pêssego grande e avermelhado, limpou-o várias vezes com um lenço e o estendeu a Fuyi.
— Quer provar?
— Obrigada, Vossa Alteza Imperial. — Fuyi já tinha comido um pêssego há pouco tempo e não estava com muita vontade, mas, sob o olhar expectante de Sua Alteza, ela o aceitou e deu uma mordida. — Muito doce, muito saboroso.
— Então vamos colher mais depois, assim você pode levar umas cestas para sua família.
Ela sorriu e agradeceu. O príncipe realmente era uma pessoa muito atenciosa — até em uma atividade simples como colher pêssegos, ele escolhia cada fruto com cuidado e os organizava com perfeição nas cestas. Talvez tudo feito por alguém refinado parecesse elegante, mas para Fuyi, até o jeito dele colher pêssegos tinha um ar encantador.
Depois de terminar o pêssego, ela limpou as mãos com um lenço e começou a selecionar os frutos maiores da árvore.
— Senhorita, esse aqui é enorme. — Sanbao subiu em uma árvore e empurrou um galho para baixo, facilitando para Fuyi pegar.
— E tem mais aqui. — Sanfu encontrou um gancho de bambu em algum lugar e estava empolgado, ajudando Fuyi a garantir os maiores pêssegos.
Quando Sui Tingheng terminou de encher várias cestas, Fuyi, Sanbao e Sanfu já estavam sentados sob a sombra de uma árvore, comendo pêssegos, completamente exaustos.
Ao ver o príncipe se aproximar, Sanbao e Sanfu se levantaram rapidamente e se afastaram.
— Vossa Alteza Imperial, descanse um pouco também. — O rosto de Fuyi estava corado pelo sol, alguns fios de cabelo grudavam em sua testa úmida, mas seus olhos brilhavam ao olhar para Sui Tingheng.
Ele se sentou ao lado dela, erguendo a barra da túnica.
— Aqui está, o maior pêssego de todo o pomar. — Fuyi tirou um pêssego enorme — tão grande que quase cobria metade do rosto — que vinha escondendo atrás das costas. Ela o sacudiu de forma divertida antes de entregá-lo ao príncipe com um sorriso radiante. — Guardei só pra você — nem deixei tocar na cesta.
E assim, os assistentes do príncipe assistiram, atônitos, enquanto seu senhor aceitava o pêssego das mãos de Yun Junzhu e, após uma breve passada com o lenço, começou a morder a fruta direto — sem nem pedir para descascar ou lavar!
Mo Wen sentiu como se o céu estivesse prestes a desabar — quando foi que seu príncipe elegante agira de maneira tão... rústica?
— Não tá especialmente doce? — Fuyi perguntou, curiosa.
— Claro que está. — Sui Tingheng segurou firme o pêssego e assentiu com seriedade. — Muito delicioso.
O melhor pêssego que já comi.
— Pêssego fresco é o melhor. — Fuyi jogou o caroço no solo. — As frutas secas que as caravanas trouxeram nos últimos dois anos não se comparam às frescas.
Sui Tingheng parou de comer e virou-se para ela.
— Há muitas frutas em Chongzhou?
— Muitas. — Fuyi limpou o canto da boca. — Chongzhou é uma província montanhosa, com grande variação de temperatura entre o dia e a noite. As frutas de lá são especialmente saborosas. Todo ano, temos mais frutas do que conseguimos comer.
Sui Tingheng ficou em silêncio por um momento.
— As frutas secas enviadas pelas caravanas provavelmente não se comparam às de Chongzhou.
— O sabor nem chega perto, mas o sentimento por trás delas é precioso. — Fuyi abraçou os joelhos e repousou o queixo sobre eles. — Então, nossa família sempre aguardava com carinho as frutas secas vindas da capital.
Sui Tingheng continuou comendo seu pêssego.
— Aliás, é verdade que Vossa Alteza costumava ficar na Residência Yi’an? — Fuyi inclinou a cabeça para olhá-lo. — Nesse caso, eu não estou ocupando seus aposentos?
— Fiquei no pátio lateral da Residência Yi’an por alguns dias. Nunca deixei que mexessem no quarto onde você viveu — respondeu Sui Tingheng, fitando-a. — Desde que o Pai Imperador subiu ao trono, seu quarto permaneceu vazio.
Um cigarra em alguma árvore de pêssego começou a cantar. Fuyi olhou para cima, de repente, e encontrou o olhar de Sui Tingheng. Por um instante, sentiu como se os olhos dele fossem como neblina de inverno — espessa e impenetrável. Mas seu olhar logo se desviou e, ao fitá-la novamente, era outra vez o cavalheiro contido e gentil.
— Obrigada, Vossa Alteza Imperial. — Fuyi mexeu no bordado da própria saia, sentindo que devia dizer algo mais, mas o zumbido incessante das cigarras a deixou incerta sobre o que falar.
Ainda assim, ouvir cigarras sob a sombra das árvores, com a brisa soprando — não era nada mau.
Quando Sui Tingheng terminou o pêssego, o suor na testa de Fuyi já havia secado, e aqueles fios de cabelo soltos agora dançavam suavemente com o vento.
Ele teve um impulso repentino de tocar aqueles fios.
Mas não fez nada — apenas guardou discretamente o caroço do pêssego, ainda pegajoso de suco, na manga, mantendo o comportamento adequado de um cavalheiro.
As cigarras silenciaram de repente. Todo o pomar ficou quieto.
— As lótus do Jardim Shanghe estão florescendo.
— Hmm? — Fuyi não respondeu de imediato.
— Gostaria de um passeio de barco? — Sui Tingheng perguntou. — Quando a lua estiver subindo esta noite, pedirei a Mo Wen que venha buscá-la. Que tal?
O olhar de Fuyi caiu sobre a cintura dele, onde pendia o pingente de jade que ela lhe dera dias antes.
— Está bem. — Ela se levantou, limpando a saia da grama. — Então Vossa Alteza deve vir cedo, assim podemos pescar no lago enquanto jantamos. Esta filha súdita também é boa em pesca, viu?
— Muito bem. — Um sorriso leve surgiu nos lábios de Sui Tingheng. — Irei buscá-la quando o sol amansar um pouco.
— Combinado, então. — Fuyi sorriu. — Até mais tarde, Vossa Alteza. Esta filha súdita vai levar esses pêssegos para o Pai e a Mãe primeiro.
Ao passar pelas cestas que ele havia colhido, Fuyi pegou alguns pêssegos e os colocou no próprio cesto, com um sorriso travesso.
— Estes são pêssegos colhidos pessoalmente pelo nosso único e inigualável príncipe herdeiro. Deixe-me levar alguns para minha família provar.
Sui Tingheng deixou que ela os levasse com um sorriso e até ajudou a escolher os maiores e mais bonitos, antes de ordenar que seus atendentes a escoltassem de volta.
Capítulo 46 Parte 2 - Lótus Florescendo (II)
As famílias dos oficiais que acompanhavam o retiro de verão estavam alojadas na parte oeste do Palácio de Verão de Changyang. O acesso à ala leste, onde residia a família imperial, exigia um token especial e passava por inspeções rigorosas.
Funcionários de menor patente, segurando alguns pêssegos ofertados pelo imperador — colhidos pessoalmente pelo príncipe herdeiro — estavam todos transbordando de gratidão.
Yun Wanggui olhou para os pêssegos em suas mãos. Não sabia se era impressão sua, mas parecia que os seus eram maiores do que os dos outros.
Ao retornar aos seus aposentos e ver os dois cestos cheios de pêssegos, lançou outro olhar para os que segurava. Bem, havia exagerado — aqueles não eram tão grandes quanto os que estavam nos cestos.
— Por que você trouxe pêssegos também? — Liu Qiongzhi apontou para os dois cestos abarrotados. — Fuyi trouxe esses há meia hora.
— Estes são de Sua Majestade. — Yun Wanggui colocou os pêssegos respeitosamente no lugar de honra, depois abaixou a voz: — Será que nossa filha esvaziou o Palácio de Verão de Changyang de todos os seus melhores pêssegos?
— Aqueles ali em cima foram colhidos pelo próprio príncipe herdeiro — disse Liu Qiongzhi, apontando para o cesto da esquerda com um sorriso divertido. — Sua filha disse que esses pêssegos foram escolhidos por Sua Alteza Imperial, então você deve comer mais deles.
Yun Wanggui olhou para o cesto — de fato, eram maiores do que os que o imperador lhe havia dado.
— Não sei desde quando Fuyi ficou tão próxima do príncipe herdeiro — murmurou, desconfiado de que os dois haviam reunido os melhores pêssegos para a família. — Estou preocupado que ela...
— Não tire conclusões precipitadas — Liu Qiongzhi empurrou um pêssego na boca do marido. — Aquela menina pode ser travessa e teimosa, mas sabe melhor do que ninguém o que pode e o que não pode fazer.
…
— Heng’er. — Enquanto mordia um pêssego, o imperador finalmente não conseguiu se conter: — Nem passou uma hora desde o almoço, e você já olhou pela janela umas dez vezes. O que há de tão fascinante lá fora?
— Este filho está cansado e gostaria de voltar para descansar um pouco — Sui Tingheng levantou-se, lançando mais um olhar aos pêssegos sobre a mesa. — Pai Imperador, por que seus pêssegos são tão grandes?
— Fuyi os trouxe. — O imperador lançou um olhar de desprezo ao filho. — Os que ela colheu são maiores que os seus.
Um leve sorriso surgiu no canto dos lábios de Sui Tingheng.
— Entendo.
— Hm? — O imperador estreitou os olhos, desconfiado, encarando a figura do filho que se afastava. Engoliu o pêssego em poucas mordidas e acenou para o eunuco-chefe Zhang Fu. — Zhang Fu, você não acha que o príncipe herdeiro anda meio estranho ultimamente?
Zhang Fu balançou a cabeça:
— Este velho servo não notou nada.
Se houvesse algo errado com o príncipe herdeiro, Sua Majestade seria o primeiro a entrar em pânico.
— Não, tem algo fora do lugar — o imperador atirou os memorandos para o lado e se levantou. — Zhen precisa ir falar com a imperatriz.
A primeira coisa que aquele garoto faz ao chegar no palácio de verão é colher pêssegos, e agora está aqui todo distraído — isso não é comportamento normal!
…
De volta ao Pavilhão Linhua, Mo Wen observava com espanto enquanto o príncipe herdeiro plantava cuidadosamente um caroço de pêssego em um vaso de flores — tão meticuloso que parecia estar cultivando alguma erva celestial. Sua suspeita anterior se tornava cada vez mais certeira.
Depois de lavar as mãos, Sui Tingheng pegou um livro e sentou-se à janela. Hoje, o sol parecia rastejar no céu. Já o observava havia um bom tempo, e ele ainda permanecia alto.
Meia hora se passou — ou talvez uma hora inteira. Por fim, Sui Tingheng não aguentou mais e largou o livro.
— Mo Wen, prepare um banho e uma muda de roupas.
Ainda faltava muito para o entardecer, mas ele já ansiava por vê-la.
Quando o sol começou a se pôr, Fuyi ouviu o som das saudações dos criados do palácio do lado de fora. Ela se levantou e foi até a porta, vendo o príncipe herdeiro parado no pátio. Ele vestia uma túnica cor de luar, tendo à cintura apenas o pingente de jade que ela lhe havia presenteado — tão imponente que Fuyi ficou momentaneamente atordoada.
— O barco de passeio¹ está pronto — disse Sui Tingheng com um sorriso. — Perdão, cheguei cedo demais?
— Não, não! Sua Alteza chegou na hora perfeita — Fuyi despertou do transe e correu até ele. Pôde sentir um leve perfume de bambu em sua roupa — suave e agradável. — Faz anos desde a última vez que esta filha de súdito visitou o Jardim Shanghe. As flores de lótus ainda são tão lindas quanto antes?
— As flores sempre parecem as mesmas. — Ao cruzarem o batente, Sui Tingheng estendeu a mão para acompanhá-la, seus dedos roçando levemente o dorso da mão dela.
Seus dedos estremeceram. Fuyi não percebeu e o agradeceu, abanando-se com um leque:
— Obrigada, Sua Alteza Imperial.
Sui Tingheng fechou os dedos vazios e balançou a cabeça com suavidade.
— Não precisa ser tão formal comigo.
— Mas esta filha de súdito sente que já está sendo até informal demais! — Fuyi colocou as mãos nas costas e passou a andar de costas. — Sua Alteza não notou que ultimamente mal tenho cumprimentado Vossa Alteza adequadamente?
— Cuidado! — Sui Tingheng deu um passo à frente e a segurou pelo braço. — Há uma lanterna de pedra aqui.
Fuyi se virou e viu que a lanterna ainda estava a dois ou três passos de distância. Ao notar a preocupação do príncipe herdeiro, parou de andar para trás e ficou a meio passo dele.
— Obrigada, Sua Alteza Imperial.
— Não há de quê. — Sui Tingheng olhou discretamente para a curta distância entre eles, depois desviou o olhar e seguiu adiante.
— Sua Alteza Imperial — chamou Fuyi ao vê-lo se virar para a trilha da esquerda —, o Jardim Shanghe fica à direita.
Sui Tingheng parou, sorriu para ela e disse:
— Perdão. É minha primeira vez no Jardim Shanghe. Não conheço o caminho.
A mão de Fuyi parou no ar, com o leque congelado no movimento. Ela se aproximou e ficou lado a lado com ele.
— Perdoe minha ousadia, Sua Alteza, mas... vamos caminhar juntos?
Atrás deles, Mo Wen desacelerou os passos. Olhou para a manga do príncipe roçando na de Junzhu e fez um sinal para os criados imperiais atrás se calarem. Em momentos como esse, a presença deles só atrapalharia seu senhor.
A principal atração do Jardim Shanghe era o enorme lago, com margens repletas de lótus em flor. Durante o reinado do imperador anterior, ele costumava levar a Consorte Nobre Zeng para passeios por ali, e por isso o local vivia animado com diversas atividades.
Mas isso era no passado. Ao chegarem, Fuyi notou o jardim muito mais silencioso. Até as flores de seda que antes pendiam das árvores haviam sumido. Um belo barco de passeio flutuava à beira do lago, ladeado por vários barquinhos com guardas imperiais a bordo.
— Sua Alteza estava certa — as flores sempre se parecem de um ano para o outro. — Fuyi olhou para as lótus exuberantes e não conteve o sorriso. Talvez, sem os distúrbios constantes do falecido imperador, as flores ali desabrochassem ainda mais belas.
Sui Tingheng parou à beira do barco, colheu uma flor de lótus e estendeu a mão para Fuyi, que ainda estava em terra firme.
— Cuidado.
Fuyi olhou para a mão estendida e, após um breve silêncio, colocou a sua sobre ela.
A palma fresca dele envolveu a dela suavemente, e a brisa da tarde trouxe o perfume das flores ao rosto dela. Ao levantar o olhar, viu o sorriso gentil no canto dos lábios do príncipe herdeiro.
— Esta aqui floresceu muito bem. — Assim que ela se firmou no barco, Sui Tingheng colocou a flor em sua mão. — Eu posso remar. Levo você até o centro.
— Está bem. — Com a flor no colo, Fuyi sentou-se com as pernas cruzadas de lado, sorrindo com doçura. — Esta filha de súdito adoraria ver Sua Alteza Imperial remando um barco.
E então, viu o príncipe herdeiro realmente pegar o remo e sentar-se à proa. O barco balançou levemente, depois começou a se afastar da margem, deslizando devagar.
…
A imperatriz havia acabado de chegar aos portões do Jardim Shanghe quando seus olhos captaram um pequeno barco ao longe. Piscou com força, esfregou os olhos e os abriu novamente, arregalados de surpresa.
Ah, meu filho realmente faz jus à sua fama de brilhante — até remando um barco por conta própria!
Levou um bom tempo até recuperar a compostura. Então recuou rapidamente e sussurrou aos criados atrás de si:
— Saiam todos daqui imediatamente. E não façam barulho.
Seu filho precisava de paz. E ela também precisava de um momento para digerir aquilo.
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Nota do autor:
Irmão Sui: “O que estou fazendo... não é apenas remar um barco.”
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Nota 1:
¹ Barco de passeio (画舫): uma embarcação ricamente decorada, usada para entretenimento, não para transporte.
Capítulo 47 Parte 1 – Nossos Pobres Corações Não Aguentam Isso! (I)
O barco de passeio deslizou lentamente pelo lago. Enquanto Fuyi mexia suavemente a água com os dedos, vários peixinhos koi gorduchos nadavam até eles, completamente despreocupados com a presença humana.
— Esses peixes vêm nadando quando ouvem um toque na lateral do barco — disse ela, esfarelando um pedaço de pastel e jogando na água. Olhou para o príncipe herdeiro, que remava com certo esforço, pegou um prato de pastéis e se aproximou dele. — Sua Alteza Imperial, gostaria de experimentar?
Sui Tingheng pousou o remo e bateu na lateral do barco. Como esperado, os peixes começaram a nadar em sua direção. Um aglomerado dourado e alaranjado reluziu ao pôr do sol, parecendo um brilho de luz quebrada espalhado pela água.
— Rápido, Alteza, alimente-os! Não deixe que venham à toa. — Fuyi estendeu os pastéis para ele. De repente, um peixe saltou da água e caiu com um splash... bem na cara de Sui Tingheng.
— Pfft! — Vendo o príncipe herdeiro, sempre tão composto e gracioso, completamente pego de surpresa, Fuyi não conseguiu se conter e caiu na risada, segurando a barriga enquanto se encostava na borda do barco.
Sui Tingheng enxugou a água do rosto. Ao vê-la rir tão alegremente sob o céu do entardecer, ele também sorriu.
Seu longo xale esvoaçava na brisa da noite, mergulhando na água, tornando-se uma fita brilhante na superfície ondulante.
Depois de se acostumar, Sui Tingheng até conseguiu acariciar o dorso de um peixe de cabeça gordinha.
— Que lindo — disse Fuyi, olhando para o brilho do entardecer refletido na água, perdida em pensamentos por um instante.
Pouco depois, os servos remaram até eles com caixas de comida. Sui Tingheng não quis que ninguém ficasse à disposição, então ele mesmo serviu vinho para Fuyi, e os dois desfrutaram de um jantar tranquilo sobre a água.
— Faz muito tempo que não aproveito a paisagem com tanta paz — disse Fuyi. — Obrigada, Sua Alteza Imperial, por compartilhar isso comigo.
— O prazer é meu em sua companhia — Sui Tingheng entregou-lhe um par de hashis. — Se não fosse você hoje, eu nem saberia que até peixe pode ser tão divertido.
— Então temos que nos agradecer — Fuyi aceitou os hashis, sorrindo, e ergueu o copo. — Um brinde à beleza de hoje.
O vinho que desceu suave por sua garganta tinha um sabor familiar.
— Este é o vinho que eu enterrei embaixo da árvore de pêssego?
Sui Tingheng assentiu.
— Prometi guardar para você, lembra? Que iríamos acabar com ele juntos.
Fuyi não esperava que o príncipe herdeiro cumprisse uma promessa tão casual. Ao alcançar a jarra de vinho, sua mão esbarrou na dele. Ela puxou rapidamente, enquanto Sui Tingheng pegava a jarra e servia o vinho para ela.
Seu olhar demorou um pouco na mão dele, depois desviou levemente.
— Os peixes aqui provavelmente não são próprios para pesca.
— Você está certa. — Sui Tingheng pousou a jarra. — O Jardim Wenqing tem muitos peixes comestíveis. Que tal irmos pescar lá amanhã?
Fuyi percebeu que ele não havia se servido, então pegou a jarra e encheu o copo dele.
Como ela não respondeu, Sui Tingheng disse:
— Se amanhã não for conveniente, podemos marcar outro dia...
— Parece ótimo. — Fuyi ergueu o copo e brindou com o dele. — Sua Alteza Imperial vai me buscar de novo amanhã?
— Claro. — A mão de Sui Tingheng tremia levemente, derramando um pouco de vinho em sua mão e na mesa.
— A lua já está quase nascendo. — Fuyi olhou para o céu. O pôr do sol havia diminuído, deixando apenas um brilho pálido no horizonte oeste.
Sui Tingheng levantou-se e acendeu todas as lanternas do barco. Só então Fuyi percebeu que as lanternas, uma vez acesas, lançavam um brilho suave e cintilante ao redor do barco — como luz de estrelas refletindo na água brilhante.
— Espero que as estrelas estejam brilhantes esta noite — disse Sui Tingheng, colocando uma lanterna de vidro sobre a pequena mesa de jantar. Sob seu brilho, seu rosto parecia mais gentil do que nunca. — Já que te convidei para apreciar a vista, não podia deixar que você saísse decepcionada.
De vez em quando, peixes nadavam perto do barco, como se também quisessem admirar o brilho das estrelas inundando o convés.
— Que gentileza a sua. — Fuyi olhou ao redor para as lanternas acesas — para ela, não eram só as estrelas que brilhavam; o reflexo nos olhos daquele homem cintilava com a mesma intensidade.
— Que lindo — murmurou, tomando o vinho em um gole.
…
— Que barco bonito. — Lu Siyue comentou ao avistar um barco de passeio deslizando pelo lago do Jardim Shanghe. As luzes brilhantes que emanavam dele a fizeram parar para admirar a cena por alguns momentos a mais.
Sui Ruijing, que caminhava à frente dela, não disse nada. Até aquele passeio era apenas para aparência — não havia afeto verdadeiro entre eles.
Naquela hora, apenas a família do imperador ou alguns nobres confiáveis ousariam navegar no lago do Jardim Shanghe. Quem quer que fosse, Sui Ruijing não queria encontrá-los.
— Saudações, Príncipe Ning Junwang. Saudações, Wangfei. — Mo Wen saiu das sombras, posicionando-se no caminho de Sui Ruijing. — Sua Alteza Imperial, o Príncipe Herdeiro, preza pela tranquilidade. Pedimos sua compreensão e solicitamos que retornem em outra ocasião.
— Obrigada pelo aviso, Eunuco Mo. Vamos sair agora. — Ao saber que o príncipe herdeiro estava no barco, Lu Siyue se virou para partir. Não é à toa que há tantos guardas imperiais patrulhando — pensou. Claramente, estão ali para proteger o príncipe.
Mas Sui Ruijing parecia estar congelado no lugar, os olhos fixos no barco distante onde duas figuras podiam ser vistas.
Uma mulher de vermelho se inclinava para pegar uma folha de lótus e a entregava ao homem ao lado. Os dois sentavam-se próximos, com uma postura que sugeria uma intimidade tranquila, mesmo à distância.
Foi só um olhar para que ele reconhecesse a mulher ao lado de Sui Tingheng como Yun Fuyi. A emoção brilhou nos olhos de Sui Ruijing enquanto ele encarava o barco, sem conseguir desviar o olhar.
— Com licença, Príncipe Ning Junwang? — Mo Wen sorriu e fez um gesto educado. — Se me permite.
Sui Ruijing olhou para ele, então virou-se lentamente e deixou o Jardim Shanghe.
O caminho não mudara muito em três anos, mas aquela foi a caminhada mais humilhante que já fizera.
— As estrelas ainda não apareceram — disse Lu Siyue lentamente, olhando para o céu. Ela nem se deu ao trabalho de olhar para Sui Ruijing. Em poucos dias, planejava visitar Fuyi — talvez pudessem até passear de barco juntas.
…
No mesmo momento, o casal imperial estava sentado em um cômodo, olhando um para o outro.
— Você realmente viu Heng’er velejando no lago com Fuyi? — o imperador ainda não acreditava. — Era mesmo Fuyi? Você tem certeza de que não se enganou?
A imperatriz, incomodada com a dúvida dele, respondeu ríspida:
— Está duvidando de mim?
Com medo de levar um beliscão, o imperador afastou-se para o lado.
— É só que… fiquei um pouco surpreso.
Como pai, ele entendia o temperamento do filho até certo ponto, mas jamais imaginara que seu Heng’er pudesse sentir algo por Fuyi. Não era à toa que o garoto recusava escolher uma princesa herdeira e não demonstrava interesse por aquelas jovens talentosas — na verdade, já tinha alguém em seu coração.
— Fuyi é uma boa garota. Se ele gosta dela, que seja — o imperador não entendia. — Será que ele tem medo de que a gente os separe?
A imperatriz pensou por um momento.
— Talvez seja justamente porque ele gosta dela que não quer que saibamos.
— Por quê? — perguntou o imperador, intrigado.
— Quando você se importa com alguém, não quer atrapalhar essa pessoa — suspirou a imperatriz. — Ele provavelmente tem medo que, se soubermos como ele se sente, a gente desrespeite a vontade dela e a pressione para ser princesa herdeira.
Sob o poder imperial, uma jovem favorecida pelo príncipe herdeiro não teria outra escolha a não ser casar-se com ele.
— Espere, acabei de lembrar — Yun Wanggui mencionou recentemente que não pretendia casar a filha — disse o imperador com expressão preocupada. — E agora, o que fazemos?
— Ele disse isso?
— Foi depois daquele incidente com Liu Zihe — quando perguntei casualmente sobre a quase proposta da família Liu a Fuyi. — O imperador franziu a testa. — Desde que Fuyi caiu daquele penhasco, tudo que Yun Wanggui deseja é que ela viva uma vida despreocupada. Ele também disse que a sociedade sempre tem mais leniência com homens, enquanto mulheres são injustiçadas em casamentos. Por isso ele não pretende casar a filha.
O casal se olhou e suspirou em uníssono:
— Que azar o nosso!
— Que tal fazermos uma visita discreta aos ancestrais amanhã? Pedir que abençoem nosso Heng’er. — A imperatriz animou-se e cutucou o braço do marido. — Entre os ancestrais paternos, maternos e os meus, certamente algum poderá ajudar.
Quando estavam pensando nisso, o som da chuva repentina veio do lado de fora.
— Ah não, Fuyi e Heng’er ainda podem estar no barco. — A imperatriz levantou-se e foi até a janela. — Por que a chuva veio tão de repente?
Passear de barco sob a lua e as estrelas era uma cena tão romântica — que clima restaria agora com a chuva caindo?
— O Escritório de Astronomia avisou ontem que choveria hoje à noite — disse o imperador, confuso. — Até comentei com Heng’er na carruagem ontem. Será que ele esqueceu?
Capítulo 47 Parte 2 – Nossos Pobres Corações Não Aguentam Isso! (II)
— Está chovendo? — Dentro do barco, Fuyi olhou para cima enquanto as gotas de chuva tamborilavam alto no teto.
— Quem sabe por quanto tempo vai durar — disse Sui Tingheng, abaixando a cortina de gaze. — Sente-se aqui por enquanto. Eu vou remar de volta para a margem.
— Sua Alteza Imperial... — Fuyi agarrou a manga dele, — está chovendo tão forte lá fora. Vamos esperar um pouco até a chuva amainar.
— A culpa é toda minha — Sui Tingheng sentou-se ao lado dela, ouvindo a chuva. — Ontem, o Imperador mencionou a previsão do Escritório de Astronomia, mas eu esqueci.
— Você não acha agradável ouvir a chuva caindo sobre o lago? — Fuyi avistou um tabuleiro de jogo. — Que tal jogarmos algumas partidas de xadrez?
— Tudo bem. — Sui Tingheng montou o tabuleiro e entregou as peças brancas para ela.
As brancas começam — ele a deixou começar. Ninguém da família dela costumava jogar xadrez com ela, então encontrar alguém disposto naquele dia deu a Fuyi uma animação especial.
A partida estava equilibrada. Quando uma de suas armadilhas deu certo, Fuyi olhava fixamente para o tabuleiro, com medo de que ele percebesse seu plano.
Clack.
Ao colocar uma peça preta, Fuyi soltou um suspiro de alívio. Ótimo — ele não percebeu!
— Vou colocar a minha aqui. — Ela retirou várias peças pretas com alegria, os olhos brilhando de felicidade. — Sua vez, Alteza Imperial.
— Hmm... — Sui Tingheng pensou por um longo tempo, então colocou a peça no canto.
— Ha! — Fuyi bloqueou rapidamente com uma peça branca, temendo que ele pudesse tirar. — Essas peças agora são minhas!
Enquanto a via reunir as peças capturadas com tanta alegria, Sui Tingheng riu. — Sim, elas são suas.
…
Em um barco pequeno à distância, os Guardas Jinwu olhavam para o barco com expressões preocupadas, segurando guarda-chuvas.
— Eunuco Mo Wen, a chuva está tão forte. Não deveríamos ajudar a trazer o barco de volta?
— Não precisa. — Mo Wen enxugou a chuva do rosto e colocou o leque molhado na cintura. — Sua Alteza Imperial tem seus próprios planos. Não se preocupem.
A lanterna em formato de cauda de peixe no barco não estava acesa — isso significava que o príncipe herdeiro não precisava da ajuda deles.
Olhando para o barco solitário através da cortina de chuva, Mo Wen suspirou. Quanto mais forte a chuva, melhor. Se continuasse chovendo, teriam que se amontoar dentro... e talvez até compartilhar um guarda-chuva, caminhar juntos sob a chuva...
Isso certamente seria uma bela cena.
…
Fuyi e Sui Tingheng jogaram três partidas de xadrez, cada uma cheia de momentos de tensão e reviravoltas — muito mais divertido do que ela esperava. Foi a primeira vez que ela realmente achou o xadrez tão envolvente.
— A chuva ainda está forte. — Ela bocejou e se apoiou na mesa. — Sua Alteza Imperial, vou repousar minha cabeça aqui um pouco. Me chame quando a chuva diminuir.
— Por que não deita no sofá? — Sui Tingheng guardou o tabuleiro e as peças, apontou para o sofá macio atrás dela e se levantou para fechar a cortina de gaze ao redor. — Vou sentar perto e ler um pouco.
— Tudo bem. — Fuyi tirou o grampo do cabelo e puxou um cobertor leve sobre si enquanto se deitava no sofá.
Talvez fosse o ritmo suave da chuva no lago e no teto, ou talvez a postura cavalheiresca do príncipe a fizesse sentir-se tão segura. Fuyi olhou pela cortina onde ele estava sentado, lendo ereto, e então fechou os olhos, adormecendo de verdade.
O barco caiu no silêncio. Sui Tingheng não ousou olhar para trás, com medo de que seu olhar traísse a confiança que ela depositara nele.
As palavras na página entravam em seus olhos, mas não no coração. Ele virou algumas páginas distraído, sem saber o que acabara de ler.
Talvez a chuva fosse muito relaxante, ou talvez ele estivesse perdido demais, porque começou a alimentar um desejo tolo — o desejo de passar a vida ao lado dela.
Ele tocou o canto da boca e percebeu que já estava sorrindo. Quem sabe há quanto tempo?
No começo, ele rezava desesperadamente por uma única coisa — que ela pudesse viver.
Depois, desejava vê-la mais uma vez.
Mais tarde, ansiava trocar algumas palavras.
Mas cada momento compartilhado só o fazia esperar pelo próximo.
Os corações dos homens são gananciosos e nunca se satisfazem. Por mais livros de virtude que lesse, não podia conter o anseio profundo.
Dia após dia. Ano após ano.
…
Do lado de fora do Jardim Shanghe, Sui Ruijing estava em silêncio num canto, o rosto sem expressão enquanto encarava o portão imóvel.
— Wangye, não é apropriado ficar aqui parado. Vamos voltar. — Cen Chu disse com preocupação. Agora que Li Wang governava o reino, era muito impróprio que sua alteza estivesse naquele lugar naquela hora.
— Cen Chu, o quanto você acha que Yun Fuyi me odeia? — Sui Ruijing olhava teimosamente para o portão. — Para se vingar de mim, ela atrapalha nossos planos em cada passo, e até se aproxima deliberadamente do Príncipe Herdeiro.
Como homem, como não ver os sentimentos de Sui Tingheng por Fuyi?
— Mas Wangye, você já tem esposa — lembrou Cen Chu.
Na verdade, no momento em que a Nobre Consorte Zeng convenceu o falecido imperador a executar a família Yun, qualquer resquício de afeição entre Wangye e a senhorita Yun foi completamente cortado.
‘Boom!’
O trovão rugiu no céu. No seu clarão, o rosto de Sui Ruijing ficou pálido como a morte.
…
— Sua Alteza Imperial! — Fuyi foi despertada assustada pelo trovão. Sentou-se e olhou pela cortina. Sui Tingheng ainda estava sentado ereto do lado de fora, de costas para ela.
— Você acordou? — Ao ouvir a voz dela, Sui Tingheng se levantou e levou uma lanterna até a borda da cortina. — Foi só um trovão lá fora — nada com que se preocupar.
Fuyi sentou-se, com o cobertor nos ombros. Notou que a chuva havia diminuído, e o barco de alguma forma já estava próximo da margem.
— A chuva está mais fraca agora. Vamos voltar. — Ela pegou o grampo de cabelo e saiu da cortina com o cabelo ainda solto. — Vamos, vamos, antes que comece a chover forte de novo.
— Tudo bem. — Sui Tingheng abriu um guarda-chuva e a ajudou a sair do barco.
Mo Wen os seguiu com o restante da comitiva do príncipe herdeiro, mantendo uma respeitosa distância.
Ao se aproximarem da Residência Yi’an, a chuva realmente voltou forte. Fuyi se encolheu sob o guarda-chuva com Sui Tingheng e entrou apressada, um pouco desalinhada pela tempestade.
— Tenha uma boa noite. — Sui Tingheng ficou do lado de fora, sem entrar, segurando o guarda-chuva na chuva. — Até amanhã.
— Sua Alteza Imperial, por favor, não vá. — Observando a chuva cair em cortinas, Fuyi o deteve ao vê-lo virar para sair. — A chuva está forte demais, e o Pavilhão Linhua é longe daqui.
Sui Tingheng olhou para ela com olhos gentis.
— Você não ficou uma vez no pátio lateral da Residência Yi’an? — Fuyi tentou manter a calma. Ser olhada com tanta ternura faz até o coração mais frio amolecer!
— Se não se importar, por favor, fique lá esta noite. Pode voltar quando a chuva passar amanhã.
— Não seria um incômodo?
— A Residência Yi’an é enorme. Como você poderia ser um incômodo? — O coração dela amoleceu ainda mais. — Que tal, Sua Alteza Imperial?
— Então... vou incomodar você esta noite.
Sui Tingheng sabia muito bem: o desejo é como um mar sem fundo — calmo na superfície, mas a menor ondulação mexe com tudo por baixo.
…
A chuva durou a noite toda, só parando ao amanhecer. Lin Xiaowu e Sui Anying, passando por pétalas caídas, correram até a Residência Yi’an com pipas nas mãos. Lin Xiaowu olhou para o pátio silencioso e logo percebeu que Fuyi ainda não havia acordado. Gritou alto:
— Fuyi! Não durma mais — venha empinar pipas com a gente!
— Saudações, An Junzhu, Lin Xianzhu! — Sanfu saiu correndo, sinalizando freneticamente com os olhos para Lin Xiaowu. — Nossa senhorita ainda não acordou. Por favor, falem mais baixo.
Por favor, parem de gritar — se fizerem barulho demais, o príncipe herdeiro vai sair!
— Mas como eu vou acordá-la silenciosamente? — Lin Xiaowu aumentou ainda mais o tom. — Fuyi! Fu—
Parou no meio do grito ao ver alguém saindo do pátio lateral. Seus pés escorregaram.
— Vossa Alteza Imperial?!
As expressões de Sui Anying e Lin Xiaowu instantaneamente ficaram pálidas.
Espere um minuto — alguém pode explicar por que o príncipe herdeiro está saindo do pátio lateral de Fuyi?!
Nossos pobres corações não aguentam isso!
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Nota do Autor:
Irmão Sui: “Ahem, hoje é mais um dia maravilhoso...”
Nota: No Go antigo, as brancas jogam primeiro. Nas regras modernas, as pretas começam.
Capítulo 48 Parte 1 – Uma Pessoa Muito, Muito Boa (I)
Assim que o Príncipe Herdeiro apareceu, Lin Xiaowu ficou em silêncio, como uma cigarra no inverno, sem ousar emitir qualquer som. Sui Anying estava um pouco melhor — após cumprimentar, não falou nada, mas seus olhos já o haviam vasculhado de cima a baixo várias vezes às escondidas.
— Tão cedo assim? Lin Xiaowu, o que vocês estão fazendo? — Fuyi saiu com o cabelo solto, parecendo sonolenta. Ao ver as garotas segurando pipas de papel, bocejou. — Ainda nem arrumei meu cabelo. Vocês já tomaram café da manhã? Se não, venham conosco.
— Já comemos — respondeu Lin Xiaowu, ainda meio fora de si.
— Então esperem aqui um pouco com a Anying. — Fuyi virou-se e sorriu para o Príncipe Herdeiro. — Vossa Alteza Imperial, me honraria compartilhando uma refeição?
— Voltaremos em uma hora. — Lin Xiaowu finalmente se recompôs. Lançou um olhar para o Príncipe, que sorria com tanta ternura para Fuyi, e rapidamente puxou Sui Anying para longe da Residência Yi’an, como se fugissem pela vida.
— Quase morri de susto! — Depois de correrem uma boa distância, as duas se encostaram em uma árvore, ofegantes. Quando Lin Xiaowu teve certeza de que ninguém mais estava por perto, se inclinou e sussurrou:
— Que diabos o Príncipe Herdeiro está fazendo no pátio de Fuyi?
— Você está me perguntando? — Sui Anying arregalou os olhos. — Você acha que eu saberia?
Elas se olharam, ambas confusas.
— An Junzhu, Lin Xianzhu! — Sanbao veio correndo atrás delas, segurando duas caixas de comida. — Saudações às senhoritas. São pasteizinhos de suco de pêssego enviados pela minha senhora. São melhores quentinhos — por favor, experimentem.
— Ela ainda lembra que gostamos disso. — Lin Xiaowu aceitou os pasteizinhos feliz. Depois olhou para Sanbao. — Você me parece familiar. Já serviu a Fuyi antes?
— Respondendo a Lin Xianzhu: este servo e meu irmão servimos na Residência Yi’an desde os sete anos. Há alguns anos, fomos realocados para o Escritório de Gerenciamento de Resíduos. Quando minha senhora retornou, nos trouxe de volta para Yi’an. — Sanbao tinha um rosto angelical, e seu sorriso era muito agradável.
Ao ouvir isso, Lin Xiaowu lembrou-se de quando Fuyi passava os verões no Palácio Changyang, sempre seguida por dois eunucos obedientes. Depois tudo mudou: a queda da família Yun, a rebelião dos dois príncipes, e Li Wang assumiu o trono. Aqueles ligados à família imperial foram mortos ou severamente punidos, e mesmo os inocentes ficaram apavorados.
Esses dois eunucos terem sobrevivido à queda de Fuyi já era sorte.
— Volte e agradeça por nós. Voltaremos em uma hora. — Sui Anying entregou algumas moedas de prata quebradas a Sanbao.
— Obrigado pela recompensa, senhoritas! — Sanbao guardou as moedas alegremente, e sua figura que se afastava irradiava felicidade.
— Depois de tantos anos, ela ainda mantém aqueles dois eunucos meio bobos ao seu lado. — Lin Xiaowu mordeu um pastel e fez careta com o recheio quente.
— Lembro que quando éramos crianças, Fuyi brigou com o Gordinho Liu no Jardim Shanghe. Aqueles dois correram atrás dela sem pensar. Eles nunca imaginaram que Fuyi, tão favorecida pelo falecido imperador, poderia bater no neto de uma princesa impunemente. Mas eles eram só eunucos — e se a princesa descontasse a raiva neles? — Sui Anying também pegou um pastel. — Ainda assim, são lealmente tolos, e Fuyi os protege. Não é necessariamente algo ruim.
Fuyi não era da família imperial. Por mais favorecida que fosse, não tinha direito de manter eunucos por muito tempo. Eles deviam saber disso, mas ainda assim a serviam fielmente.
Alguns laços simplesmente não podem ser explicados pela lógica.
…
No calor, Fuyi prendera o cabelo em um coque simples. Ela e Sui Tingheng sentaram-se à mesma mesa, esperando os assistentes provadores avaliarem cada prato. Quando terminaram, ela se voltou para ele e disse:
— Estes pratos foram preparados pela cozinha da Residência Yi’an. Vossa Alteza Imperial, por favor, veja se são do seu agrado.
Na verdade, Sui Tingheng já havia comido comida da cozinha de Yi’an. Foi logo depois que seu pai se tornou imperador, e Fuyi já estava desaparecida há um ano. Todos diziam que ela estava morta. Sem corpo para enterrar, nem sua alma podia descansar.
Dizia-se que quando uma alma não encontra paz, ela vagueia pelos lugares onde viveu. Mas ele passou três dias inteiros no pátio lateral de Yi’an e não ouviu nenhum som.
Naquela época, ele pensava que talvez ela fosse como a protagonista de um livro de histórias — caíra do penhasco, fora salva por um mestre misterioso, e estava destinada a retornar triunfante em alguns anos. Ele leu todas as histórias que encontrou sobre protagonistas sobrevivendo a quedas, na esperança de alguma possibilidade.
Em sua memória, a comida de Yi’an era amarga e difícil de engolir.
— Vossa Alteza, o velho chefe que faz os pãezinhos de ovas de caranguejo aqui é um mestre na arte — disse Fuyi, colocando um em sua tigela. — Gostaria de experimentar?
Ao ver o olhar esperançoso dela, Sui Tingheng deu uma mordida. Estava realmente delicioso.
— Está muito bom — assentiu sorrindo, e então ordenou: — Mo Wen, recompense a equipe da cozinha.
— Como desejar — respondeu o leal eunuco, percebendo que seu senhor estava de ótimo humor. Ao se aproximar para servir o mingau, fez uma sugestão gentil:
— O dia está lindo. Vossa Alteza Imperial tem ajudado diligentemente Sua Majestade nos assuntos do estado recentemente — talvez hoje seja um bom momento para descansar um pouco?
Sui Tingheng ficou indeciso.
— Yun Junzhu, perdoe a ousadia deste servo, mas poderia convencer Sua Alteza? — disse Mo Wen com um sorriso bajulador, fazendo várias reverências.
— Eunuco Mo Wen tem razão. Ser diligente é bom, mas é preciso equilibrar trabalho e descanso. — Fuyi tomou um gole do mingau servido por Mo Wen. — Mais tarde, esta filha servil irá empinar pipas. Vossa Alteza Imperial gostaria de se juntar a nós?
— Não sou muito bom em empinar pipas — disse Sui Tingheng, constrangido, parecendo um pouco inquieto. — Eu odiaria estragar a diversão de vocês.
Fuyi viu a mistura de vontade e hesitação nos olhos dele e pensou em como esse jovem gentil passou a maior parte da infância isolado — trancado em casa, sem amigos ou alegrias da infância. Mesmo depois de se tornar príncipe herdeiro, ele devia passar o tempo estudando, treinando artes marciais ou ajudando o imperador. O pensamento suavizou seu coração novamente.
— Tudo bem — disse ela gentilmente. — Eu te ensino.
— Então, vou incomodar você, Fuyi.
Mo Wen largou o leque e discretamente saiu para dar espaço aos dois, com um leve sorriso satisfeito. Um eunuco esperto sempre sabe quando falar — e quando desaparecer.
…
Quando Lin Xiaowu e Sui Anying voltaram para buscar Fuyi e viram o Príncipe Herdeiro — agora com uma túnica de brocado feita sob medida, mangas arregaçadas e uma pipa na mão — elas se voltaram para ela com olhares de horror absoluto.
Maninha!!! Você tem muita coragem!!! Como ousa levar o Príncipe Herdeiro para brincar?
— Talvez eu devesse voltar outro dia — Sui Tingheng baixou os olhos e tentou esconder a pipa atrás das costas. — Vocês...
— Que “outro dia”? — Fuyi retrucou. Por alguma razão, ele de repente lhe lembrou um filhote molhado: encharcado e choramingando. — Vamos, Alteza — você vai conosco! — disse, puxando a manga dele.
Mesmo sendo arrastado, o Príncipe Herdeiro voltou-se e sorriu calorosamente para Lin Xiaowu e Sui Anying. As duas garotas seguiram os dois em silêncio, sentindo-se estranhamente como se estivessem invadindo algo.
…
Pavilhão Yuanhe.
O Imperador estava enterrado numa pilha aparentemente infinita de memoriais, pincel vermelho na mão. Enquanto se movia lentamente de um para outro, seu olhar desviava constantemente para a porta.
Zhang Fu trocou o chá frio por uma xícara fresca, silencioso e com a cabeça baixa, sem dizer uma palavra.
Meia hora depois, o Imperador finalmente não resistiu:
— Zhang Fu, mande alguém verificar o Pavilhão Linhua. O Príncipe Herdeiro não apareceu hoje.
— Majestade — Zhang Fu retirou a xícara antiga e disse em voz baixa — Sua Alteza Imperial não está no Pavilhão Linhua no momento.
— Então onde está? — O Imperador afastou a pilha, tomou alguns goles de chá e saiu para tomar um ar. A brisa fresca o revigorou um pouco. Olhou para o céu e ergueu a sobrancelha. — Oh? Quem está empinando pipas nos terrenos do palácio?
— É Sua Alteza Imperial, Majestade; junto com várias jovens damas. — Zhang Fu fez uma reverência mais profunda. Como o Imperador estava ali, os guardas haviam ido verificar assim que viram uma pipa, trazendo-lhe uma resposta pronta.
— Você está dizendo que o Príncipe Herdeiro está empinando pipas com jovens damas? — O Imperador achou que devia ter ouvido errado. — Yun Junzhu está entre elas?
— Vossa Majestade é muito perspicaz — Yun Junzhu está mesmo com Sua Alteza Imperial.
— Bem, isso explica tudo. — Era raro ver seu filho brincando, e o Imperador estava curioso. Juntou as mãos atrás das costas. — Venha, vamos dar uma olhada.
Ao passar pelos corredores sinuosos, o Imperador viu de longe seu filho — normalmente tão correto até na forma de sentar — agora correndo com força com a linha da pipa na mão, as pernas um borrão. Fuyi estava na sombra, batendo palmas e rindo alegremente.
— Vossa Alteza Imperial, continue correndo, não pare — a pipa está voando alto!
O vento carregou a risada de Sui Tingheng até os ouvidos do Imperador, que parou de andar. Há anos mal ouvira seu filho rir tão livremente. Mas agora, naquele momento, ele finalmente via a juventude no filho.
Ele se escondeu atrás de uma coluna, relutante em interromper aquele momento de alegria.
— Vossa Alteza, olhe — está voando tão alto.
A garota sob a sombra da árvore juntou sua saia e correu até o lado do filho dele. Juntos olharam para o céu, rindo despreocupadamente. Até o Imperador se pegou sorrindo.
Ele observou a cena em silêncio, depois falou a Zhang Fu atrás dele:
— Amanhã, Zhen trará a Imperatriz para empinar pipas aqui também.
— Sim, Majestade. Este velho servo fará os preparativos. — Ao olhar para cima, Zhang Fu viu o Príncipe Herdeiro repousando delicadamente a mão no ombro de Yun Junzhu.
Algumas coisas podem ser escondidas, mas outras — não importa a máscara — sempre se revelam nos olhos. Zhang Fu podia ser eunuco a maior parte da vida, mas até ele via claramente a gentileza e o cuidado do Príncipe Herdeiro no olhar para Yun Junzhu.
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