Capítulo 48 Parte 2 – Uma Pessoa Muito, Muito Boa (II)
— Você realmente é excelente em tudo! — disse Fuyi, apontando para a pipa que voava no céu. — Nem mesmo uma pipa pequena é páreo para Vossa Alteza. Parece que não há nada neste mundo que você não possa fazer.
— O mundo está sempre mudando. Ainda há muitas coisas que eu não consigo controlar. — Sui Tingheng olhou para ela, depois para cima, ajustando o ângulo da pipa no céu. A luz do sol projetava longas sombras sob seus cílios.
— Vossa Alteza é humana, não um deus. Não existe perfeição — nem nas coisas, nem nas pessoas. — Fuyi olhou para sua pipa. — Ter chegado até aqui já é um grande feito.
Nascido neto de um imperador, mas rejeitado pelo avô e maltratado por outras crianças imperiais; criado sem tutores renomados, dominou as artes acadêmicas e marciais apenas pela sua determinação; sua infância foi cheia de dificuldades, mas ele as suportou sem amargura, mantendo compaixão pelo povo comum.
— Aos seus olhos, eu sou realmente tão bom assim? — Sui Tingheng a fitou.
— Claro — sorriu Fuyi. — Você é um príncipe herdeiro muito bom.
Sui Tingheng sentiu que deveria estar feliz. Mas o que ele realmente queria ouvir era outra coisa.
Para ela, ele era apenas um príncipe herdeiro muito bom — nada além disso.
— Vossa Alteza Imperial, olhe. — Fuyi apontou para o céu, onde uma nuvem estava especialmente branca. — Veja aquela nuvem — é tão branca.
Olhando nos olhos brilhantes e cintilantes dela, Sui Tingheng sorriu com um suspiro de alívio. Voar pipas sob o mesmo céu que ela — até pouco tempo atrás, algo que ele nunca ousara sonhar. Seu desejo egoísta não deveria ser motivo de infelicidade para ela. Ela devia ser feliz, livre.
— Sim, muito branca — seu sorriso ficou ainda mais gentil. — Quando eu era pequeno, adorava sentar no pátio e observar as nuvens passando.
— Vossa Alteza Imperial devia ser uma criança quieta. — Fuyi massageou o pescoço dolorido de tanto olhar para cima. — Eu não conseguia ficar parada quando era criança — adorava escapar escondida. Minha mãe dizia que eu era como a filha do General Cao, nunca ficava quieta por um momento.
— Na verdade, uma vez eu também fugi da Mansão Li Wang. — Vendo que ela estava cansada, ele a puxou para sentar em um banco de pedra perto dali e entregou a pipa ao seu assistente. — Eu tinha doze anos. Mas nunca tinha saído de casa sozinho, e me perdi perto dos portões.
O falecido imperador acreditava nos chamados sacerdotes taoístas, que diziam que o mapa astral de Li Wang conflitaria com o do pai dele. Então, além de repreender Li Wang, ele nunca o via e até colocou guardas fora da residência.
— E o que aconteceu depois? — Fuyi não esperava que o príncipe tivesse momentos assim na infância.
— Eu não sabia o caminho e não tinha dinheiro — riu levemente, como se a lembrança fosse agradável. — Então conheci alguém bondoso. Essa pessoa me viu parado, lamentável, na multidão, me levou para ver as lanternas e até me comprou comida.
— Uma pessoa realmente boa. — Fuyi riu. — Mas Vossa Alteza foi imprudente — como pôde seguir um estranho e comer a comida dele?
Crianças que nunca saíram de casa realmente são destemidas.
— Essa pessoa disse a mesma coisa, que eu não deveria ir com estranhos nem aceitar comida deles. — Sui Tingheng olhou para ela, e o sorriso foi sumindo devagar do rosto. — Mas aí a Consorte Nobre Zeng descobriu que eu tinha fugido, e isso fez meu pai e minha mãe serem repreendidos pelo falecido imperador. Depois disso, nunca mais tentei fugir.
— Esse velho... cof, velho hábito do falecido imperador — sempre desconfiando de todos. — Fuyi se conteve a tempo. Ufa, seu cérebro conseguiu se antecipar à boca — quase xingou o falecido imperador bem na frente do príncipe herdeiro.
Com medo de que ele tivesse percebido, ela mudou rapidamente de assunto:
— Vossa Alteza Imperial chegou a ver essa pessoa bondosa novamente?
— Sim. — Sui Tingheng a olhou. — Vi — muitas vezes. Mas ela já havia me esquecido há muito tempo.
Ela lhe mostrou a vivacidade do mundo, já o puxou de um lago gelado de lótus, até enfrentou pessoas como Sui Xun por ele — mas ela não se lembrava de nada disso.
O que ele gravou no coração foram gestos casuais para ela — por isso ela nunca lembrava.
— Talvez ela fosse apenas uma boa pessoa, fazendo o bem sem pedir agradecimento ou mesmo se lembrar disso. — Fuyi sorriu, apoiando o rosto nas mãos. — Isso significa que Vossa Alteza Imperial teve sorte de encontrar alguém assim.
— Sim. — Sui Tingheng assentiu com um sorriso. — Uma pessoa muito, muito boa.
…
— O sol está ficando forte. — Lin Xiaowu puxou a manga de Sui Anying, olhando para as duas figuras sentadas no sol. — Devemos avisar a Fuyi para se mudar para cá? Aqui não pega sol.
— Eu não vou. — Sui Anying balançou a cabeça com força. — Se você quer ir, vá.
— Eu não tenho coragem! — Lin Xiaowu viu o príncipe herdeiro sorrir tão feliz para Fuyi, o olhar tão gentil, e não pôde deixar de sussurrar: — Você acha que... Vossa Alteza Imperial talvez...
— Não fale bobagem. — Sui Anying tampou a boca de Lin Xiaowu com a mão. — Nosso príncipe herdeiro tem olhos de flor de pêssego — homens bonitos com esses olhos até olham com ternura para um cachorro.
— Ah, faz sentido. — Lin Xiaowu de repente entendeu. — Tem muita gente que adoraria passar tempo com Fuyi. Não é de se estranhar que o Príncipe Herdeiro também queira. Só espero que os tutores dele não descubram — aqueles velhos pedantes podem começar a reclamar que Fuyi está desviando a atenção de Sua Alteza.
Ao meio-dia, a notícia chegou mesmo aos tutores do príncipe herdeiro: a notória Yun Fuyi e suas amigas um pouco menos notórias tinham levado Sua Alteza Imperial para empinar pipas no Palácio de Verão Changyang.
Eles estavam prestes a escrever uma repreensão formal quando o Mestre Lu, que permanecera em silêncio, falou de repente:
— O que há de errado em empinar pipas? — disse o estudioso, geralmente pedante, com firmeza. — Se o Príncipe Herdeiro quer empinar pipas, Yun Junzhu deveria negar? Ele é o príncipe, ela é uma súdita — como ela poderia estar errada?!
Seus colegas o olharam chocados, como se estivessem vendo um cachorro feroz virar um enorme gafanhoto.
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Nota do Autor:
Irmão Sui: “Claro que minha Fuyi é a melhor do mundo inteiro!”
Capítulo 49 Parte 1 – Tangyuan (I)
Todos ali sabiam que o Mestre Lu desprezava mais do que tudo os vadios e jovens dissolutos. Sempre que algum deles cometia um deslize, ele era mais rápido em denunciar do que os próprios censores imperiais. Por isso, ver alguém tão rigoroso tomar a defesa de Yun Fuyi de repente… deixou todos completamente atônitos!
— Empinar pipas é um passatempo inofensivo — declarou o Mestre Lu com firmeza, a voz carregando o peso de quem era conhecido por suas convicções obstinadas. — Como isso poderia corromper o caráter de alguém? Sua Alteza Imperial ainda é um jovem. Algum de vocês nunca aproveitou um pouco de lazer na juventude?
— Nosso príncipe herdeiro já se comporta muito bem. Acho exagero ser tão crítico assim!
Graças à “mediação” do Mestre Lu, aqueles que estavam prontos para enviar petições criticando o príncipe herdeiro e Yun Fuyi ficaram hesitantes. Se não escrevessem, temiam que Sua Alteza realmente fosse levado por maus caminhos — mas, se escrevessem, pareceria que estavam fazendo tempestade em copo d’água.
Após dizer o que queria, Mestre Lu saiu satisfeito, deixando os colegas num silêncio constrangido.
Depois de um longo momento, alguém murmurou:
— O que deu nele?
Os outros ficaram calados. Nenhum deles era tolo — ninguém queria se indispor com o Mestre Lu por algo tão pequeno.
Principalmente porque ele era bom demais em discutir! Bastava provocar e ele passaria a noite inteira escrevendo uma dúzia de críticas mordazes, aparecendo no tribunal na manhã seguinte cheio de energia para despedaçar o oponente em debate aberto.
No fim, os tutores do príncipe herdeiro engoliram as palavras, e os demais oficiais também não tinham intenção de provocar Sua Majestade por algo tão trivial. Depois de sobreviver ao reinado do imperador anterior, suas expectativas para um soberano sábio haviam se tornado bem modestas.
O único realmente abalado era Yun Wanggui, pois havia sido recompensado — e não com mais um dos caligrafados banais de Sua Majestade, mas com prata e ouro de verdade.
— Ministro Yun — disse o soberano com benevolência calorosa —, Zhen vê a lealdade sua e de sua filha, e Zhen valoriza isso. Já é hora do almoço, por que não fica para a refeição?
— Agradeço a honra, Vossa Majestade — respondeu Yun Wanggui com respeito, fingindo não notar o sorriso excessivamente radiante no rosto do imperador.
O imperador não era exigente com a comida. Comparado ao antecessor, que mandava servir festins de sessenta a setenta pratos, a mesa atual, com pouco mais de uma dúzia, era simples. Yun Wanggui pensou que havia sido chamado para tratar de algum assunto sério, mas, mesmo após o almoço e duas xícaras de chá, nenhuma ordem confidencial foi dada. Em vez disso, o imperador só falava do príncipe herdeiro.
A cada elogio ao príncipe, o imperador sorria de orelha a orelha — como se todo o banquete tivesse sido preparado apenas para ouvir aqueles louvores.
— Parece que o ministro Yun está bastante satisfeito com o príncipe herdeiro. — Depois que Yun Wanggui partiu, o imperador acariciou o queixo. — Pelo visto, meu Heng’er ainda tem chance.
— … — Zhang Fu, com sabedoria, preferiu não dizer nada. Qual oficial ousaria criticar o príncipe na frente do imperador?
— Se Yun Wanggui desaprovasse Heng’er ou achasse que ele tinha falhado, talvez não me dissesse abertamente — prosseguiu o imperador, sorrindo —, mas também não daria elogios falsos. A família Yun sempre se manteve fiel a seus princípios.
Quando o falecido imperador o desprezava, inúmeros cortesãos o ignoravam ou até o atacavam abertamente para ganhar favores. Apenas Yun Wanggui ousara se pronunciar, elogiando sua mente aberta e caráter nobre.
Portanto, o fato de Yun Wanggui estar disposto a elogiar Heng’er mostrava que realmente o aprovava — e, por extensão, significava que Heng’er ainda tinha chance de se tornar genro da família Yun.
— Majestade, o enviado do Reino de Liyan solicita audiência.
A comitiva de Liyan permanecia na capital de Grande Long, pressionando pelo grão de que tanto necessitavam. Sem conseguir obtê-lo, insistiam em não partir.
Esse tipo de impasse diplomático irritava o imperador, que imediatamente mandou chamar o filho.
Assim que o príncipe herdeiro se retirou após receber a convocação, Sui Anying e Lin Xiaowu se voltaram para Fuyi.
— Muito bem, pode falar… o que está acontecendo? — Lin Xiaowu finalmente relaxou a postura rígida. — Como é que o príncipe herdeiro acabou passando a noite no seu Yi’an?
— E por que você arrastou ele para empinar pipa com a gente? — Sui Anying, sedenta desde a manhã ao ar livre, não ousara beber nada com o príncipe presente. Agora, tomou três goles grandes de chá de uma vez. — Quando vi ele saindo do pátio lateral hoje cedo, quase tive um infarto!
— Choveu forte ontem à noite, então ofereci que ele ficasse — respondeu Fuyi, servindo chá para as duas. — Não é nada demais; sei o que estou fazendo.
— Fuyi… — Lin Xiaowu parecia apreensiva —, se tiver algo que queira fazer, pode nos contar. Nós ajudamos. O príncipe herdeiro é o único filho de Sua Majestade. O tribunal inteiro está de olho. Você… não devia se meter em encrenca.
Sui Anying permaneceu calada, mas a preocupação no rosto era evidente. Muitos já haviam tentado assassinar membros da família Yun — e, com a personalidade de Fuyi, era impossível acreditar que ela simplesmente tivesse esquecido.
— Que caras são essas? — Ela riu ao vê-las. — Estão com medo de que eu esteja me aproximando do príncipe herdeiro de propósito?
— Não pensem bobagem. Nunca tive intenção de me aproveitar de pessoas inocentes. O motivo de eu estar com Sua Alteza é porque… — Fuyi fez uma pausa, as palavras se perdendo quando, de repente, a lembrança da silhueta atrás da cortina translúcida na noite anterior tomou conta de sua mente.
— …porque ele é realmente uma boa pessoa. — Ao dizer isso, levantou-se. — Vocês não disseram que há várias barracas de comida lá fora? Vamos dar uma olhada.
…
Com tantos dignitários hospedados agora no Palácio de Verão de Changyang, alguns plebeus ousados montaram barracas bem em frente aos portões. Ao perceberem que os guardas não os expulsavam, em um ou dois dias o local já havia se transformado num mercado improvisado e movimentado.
— O imperador de Long é tolerante demais com essa ralé — disse o general Zhong, desmontando e olhando com desprezo as fileiras de barracas. — Se fosse em Liyan, nenhum plebeu ousaria tanta presunção.
— General Zhong, este é o palácio de Long. Vamos medir as palavras — advertiu o Sexto Príncipe de Liyan, erguendo a mão para cobrir o nariz contra o cheiro da comida de rua. — Quer Long concorde em emprestar o grão ou não, não podemos ficar aqui muito mais tempo.
Ele não conseguira garantir o grão, e seu pai já estava insatisfeito. Se não retornasse logo para tentar recuperar o favor, não restaria mais lugar para ele na corte.
Nos últimos anos, Liyan se acostumara a desfilar com arrogância por Long, e antes de vir à capital jamais imaginara que o novo imperador seria um osso tão duro de roer.
— Long ousou ser tão ingrato. Quando voltarmos, este general fará com que se arrependam! — rosnou o general Zhong, já no auge da frustração. Se pudesse, partiria no dia seguinte para liderar as tropas direto à guerra.
Ao chegarem aos portões do Palácio de Verão, a comitiva foi obrigada a esperar quase meia hora até que um eunuco viesse escoltá-los. Para maior humilhação, os guardas exigiram que entregassem todas as armas, até as menores adagas.
— Nosso príncipe é da realeza de Liyan! Esta adaga dourada é símbolo de seu status. O que vocês estão fazendo é um insulto à nobreza do nosso príncipe! — esbravejou o general Zhong.
— Estas são as regras de Long — respondeu o eunuco-chefe com um sorriso forçado. — Se não estiverem dispostos, podem voltar agora — assim, ninguém ficará em situação difícil.
— Um reles eunuco ousa falar comigo assim? — rugiu o general Zhong, sacando a adaga. — Mesmo que eu o matasse aqui e agora, acha que o seu imperador teria coragem de vingar você?!
— O que está acontecendo aqui? — Fuyi desceu os degraus de mármore e, ao ver o general Zhong com a lâmina em punho, ordenou aos guardas: — Ele ousa brandir uma arma nos portões do palácio — cerquem-no!
Ch 49 Parte 2 – Tangyuan (II)
— O que está acontecendo aqui? — Fuyi desceu os degraus de mármore e, ao ver o General Zhong sacar a lâmina, ordenou aos guardas: — Ele ousa brandir uma arma nos portões do palácio… cerquem-no!
Os guardas, já cansados de aturar os enviados, sacaram as espadas na mesma hora e cercaram a comitiva de Liyan.
— O que significa isso, Yun Junzhu? — O olhar do Sexto Príncipe percorreu as lâminas brilhantes até parar em Fuyi. — Está declarando hostilidade contra Liyan em nome de Long?
— Como poderia me acusar disso, Alteza? — Fuyi piscou, com expressão inocente. — Todos vimos claramente o seu General Zhong sacar a lâmina diante do palácio. Para proteger Sua Majestade, não tivemos escolha senão responder à altura. Como isso nos torna os agressores?
— Não vimos todos isso com os próprios olhos?
— Vimos! — Lin Xiaowu e Sui Anying assentiram.
— Que ousadia — o Sexto Príncipe zombou. Pegou o punhal das mãos do General Zhong e o embainhou.
— Proteger Sua Majestade é dever comum de todos os súditos, não questão de ousadia — respondeu Fuyi, tranquila. Só quando o Sexto Príncipe entregou o punhal aos guardas, ela sinalizou para que baixassem as espadas.
— Agora, estão em solo do Grande Long, e aqui seguimos as leis do Grande Long — disse ela, arqueando a sobrancelha. — Se se recusarem a cumpri-las, só nos restará pensar que pretendem se tornar inimigos de Long.
— Obrigado pelo lembrete, Yun Junzhu — disse o Sexto Príncipe, desprendendo o cinto com o punhal e atirando-o aos guardas. — Tão agressiva… é bom que não volte a perder o favor. Caso contrário…
— E eu agradeço a advertência de Vossa Alteza — Fuyi passou por ele sem se deter. — Mas preocupe-se com seus próprios assuntos. O que acontecer comigo não lhe diz respeito.
— De fato, não devo me intrometer. Especialmente porque há tantos que preferem vê-la morta. — O Sexto Príncipe sorriu de lado. — Os problemas da corte de Long não dizem respeito a Liyan. Não nos arraste para isso.
Dito isso, sacudiu a manga e se retirou.
— O que foi isso agora? — murmurou Lin Xiaowu, vendo o príncipe irritado se afastar. — Parece uma galinha depenada que perdeu a briga.
— Ele quis dizer que a recente tentativa de assassinato não tem nada a ver com Liyan — explicou Fuyi, voltando-se para os guardas e fazendo uma reverência. — Obrigada, irmãos, por me ajudarem agora há pouco.
— Nós é que agradecemos, Yun Junzhu. Já estávamos fartos da arrogância deles — responderam os guardas, sorrindo. Ver os enviados de Liyan finalmente entregarem as lâminas foi tão satisfatório quanto beber várias tigelas de vinho forte.
…
A comitiva de Liyan ainda estava a meio caminho do Salão Yuanhe quando a notícia do confronto nos portões chegou ao Imperador e a Sui Tingheng.
O Imperador lançou um olhar furtivo ao filho, viu-o de olhos baixos e expressão contida, e de repente se levantou.
— Heng’er, seu pai está se sentindo um pouco indisposto. Vou deixar os assuntos de Liyan nas suas mãos.
— … — Sui Tingheng olhou silenciosamente para o rosto rubro e saudável do pai.
— Não precisa se preocupar. Liyan não tem vantagem nenhuma contra nós neste momento — disse o Imperador, confiante. — Desde que Yun Wanggui assumiu o Ministério da Receita, muitos clãs aristocráticos começaram a pagar suas dívidas, e o imposto atrasado do sal do sul também foi recolhido. O tesouro nacional voltou a transbordar.
Yun Wanggui era realmente competente. Em apenas meio ano, não só colocou os clãs na linha, como também fez os mercadores de sal se submeterem. Ver aquela pilha crescente de prata no tesouro poderia fazer qualquer monarca sorrir até dormindo.
— Pai — disse Sui Tingheng, lançando um olhar para a porta. — Se está indisposto, deveria ir descansar.
O Imperador: “…”
Filho, isso foi o seu jeito de dizer que estou falando demais?
…
Quando a comitiva de Liyan finalmente foi conduzida ao Salão Yuanhe, descobriu que não era o Imperador quem estava atrás da mesa imperial, mas o Príncipe Herdeiro. O temperamento do General Zhong voltou a ferver — como ousava o Imperador de Long insultá-los enviando o herdeiro para recebê-los?!
— Saudações, Alteza Imperial. — O Sexto Príncipe de Liyan hesitou por um momento antes de se curvar para Sui Tingheng.
— Não precisa de formalidades — disse Sui Tingheng, direto. — Se vieram falar de pedir empréstimo de grãos novamente, aconselho a nem abrirem a boca.
O ar no salão ficou tenso na mesma hora. O Sexto Príncipe não esperava que o Príncipe Herdeiro de Long fosse tão franco e inflexível.
— Nos últimos anos, sua nação pegou emprestado prata e grãos de nós repetidas vezes e nunca devolveu uma única moeda. Nosso próprio povo no Grande Long também enfrenta dificuldades — disse Sui Tingheng, abrindo um livro de registros onde constavam, com clareza impecável, trinta anos de “empréstimos” de Liyan a Long.
— Seu país enfrentou desastres naturais sucessivos nos últimos anos. Nossa corte pretendia esperar até o ano que vem para exigir a devolução. Mas a repetida falta de respeito com Yun Junzhu e o assédio aos nossos cidadãos nos obriga a buscar justiça pelo povo de Long. — Ele atirou o livro no colo do Sexto Príncipe. — Alteza, vai devolver a dívida voluntariamente ou teremos que enviar nosso exército para cobrá-la?
O Sexto Príncipe não abriu o livro. Seu rosto estava sombrio.
— Vossa Alteza é conhecido por sua benevolência. Pode mesmo assistir de braços cruzados enquanto Liyan se reduz a uma terra de cadáveres famintos?
— São suas ações, não as nossas, que levaram seu povo à fome — respondeu Sui Tingheng, frio. — Sou o Príncipe Herdeiro do Grande Long. É natural que eu proteja o povo de Long, e isso inclui nossa junzhu.
— Você… — O General Zhong ia explodir, mas o Sexto Príncipe segurou seu braço com firmeza.
— Foi minha falha em disciplinar meus subordinados que levou à ofensa contra Yun Junzhu. — O Sexto Príncipe respirou fundo e ergueu o livro com as duas mãos. — Estou disposto a pedir desculpas a Yun Junzhu e rogar a Vossa Alteza que perdoe nossa ofensa não intencional.
Liyan não estava em posição de ir à guerra com Long, tampouco podia arcar com as consequências políticas. Por ora, como Long já tivera de fazer, só lhes restava engolir a raiva.
— Retirem-se — ordenou Sui Tingheng, com frieza. Não disse mais nada e dispensou a delegação com um gesto, como se até olhar para eles por mais tempo fosse uma forma de misericórdia.
O Sexto Príncipe não teve escolha a não ser levar sua comitiva e partir. Eram ambos filhos de imperador, mas Sui Tingheng se sentava num trono entalhado com dragões, enquanto ele só podia engolir o orgulho em silêncio. Um lampejo de ressentimento contra o pai surgiu em seu peito — por que Sui Tingheng podia se portar como um imperador, enquanto ele tinha que andar nas pontas dos pés diante do seu?
…
Depois do encontro desagradável com os enviados de Liyan, Fuyi e suas companheiras seguiram para a rua das guloseimas, como haviam planejado, e comeram até ficarem satisfeitas. Andaram por um tempo até que Fuyi se lembrou, de repente, da promessa de ir pescar à noite com o Príncipe Herdeiro — e correu de volta para se aprontar.
— Moça, esses tangyuan¹ estão docinhos e macios — quer provar?
— Amanhã. — Fuyi parou e voltou o olhar para a vendedora. — Vovó, a senhora me parece familiar.
— Ainda lembra de mim, moça? — A vendedora sorriu. — Esta velha vende tangyuan na capital há mais de dez anos. Você costumava vir à minha barraca em todo Festival das Lanternas. Há alguns anos, voltei para o campo para cuidar do meu marido doente, e só no ano passado voltei. Não esperava revê-la.
— Então era a senhora… ainda lembra de mim? — Fuyi se recordou que, quando criança, realmente viera a essa barraca algumas vezes. Mas, na memória, a velha ainda parecia de meia-idade. Ela não comentou sobre o estado do marido, mas as mãos rachadas e calejadas contavam a história de anos difíceis. Bastaram alguns anos de distância para que ela parecesse muito mais velha.
— Estou até com um pouco de fome de novo — disse Fuyi, com o coração amolecido. — Poderia preparar duas tigelas para eu levar?
— Uma moça tão bonita, como não me lembraria? — A velha sorriu. — Ainda lembro que certa vez você trouxe um menino quietinho com você. Ele também era muito bonito. Depois que reabri minha barraca no ano passado, ele veio algumas vezes comprar tangyuan também.
Irmão Sui: Sem grãos para vocês — paguem o que devem!
¹ Bolinha de arroz glutinoso em caldo doce, guloseima tradicional.
Capítulo 50 Parte 1 – Sua Deusa (I)
— Um menino quietinho? — Fuyi refletiu. — Acho que nunca brinquei com um assim.
— Sim, aquela criança era alta e magra, e muito educada à mesa — disse a velha enquanto colocava os tangyuan na água fervente. O vapor desfocava seu rosto enrugado. — Era possível perceber de imediato que se tratava de um jovem mestre bem criado.
Fuyi frequentemente vagava pela capital com amigos. Às vezes, por impulso, dava comida às crianças à beira da rua, mas seus companheiros de brincadeira eram geralmente irreverentes e despreocupados — típicos filhos de famílias ricas, sem cerimônias. Por isso, não conseguia identificar um jovem mestre alto, magro e educado…
Será que seria seu irmão? Mas no ano passado, seu irmão ainda estava com ela em Chongzhou.
Quando os tangyuan ficaram cozidos, Fuyi pediu a Sanbao e Sanfu que pegassem uma tigela cada, e discretamente colocou um pedaço de prata quebrada no saquinho de tecido da velha.
— Acabei de lembrar! — disse Lin Xiaowu assim que atravessaram o portão do palácio. — Aquela vovó dos tangyuan… você nos trouxe para comer na barraca dela antes.
Ela olhou para o mercado improvisado, com a voz suavizando. — Passaram-se apenas alguns anos, e ela envelheceu tanto. Devíamos voltar e comprar mais para ajudá-la?
— Não se preocupe. Vi Fuyi dando a ela a prata em segredo agora há pouco — Sui Anying puxou a manga de Lin Xiaowu. — Além disso, vocês estão cheias agora. Vamos outro dia.
— Certo — disse Lin Xiaowu, olhando para a garota à frente. — Fuyi, por que está andando tão rápido?
— Prometi a Sua Alteza Imperial que iria pescar com ele. Estou quase atrasada. — Fuyi olhou para o sol, já próximo ao horizonte. — Vou direto para a Residência Yi’an. Vocês se divirtam.
— Pescar… com o Príncipe Herdeiro? — A expressão de Sui Anying se complicou um pouco.
— O que houve? — Fuyi pensou que ela ainda estivesse preocupada, então sorriu. — Relaxa, é só pesca, nada mais. Não fique imaginando coisas de novo.
— Mas o Príncipe Herdeiro sempre detestou estar perto de água — Sui Anying não conseguiu evitar. — Quando tinha seis anos, começou a frequentar as aulas no Salão Chongwen com os outros netos imperiais, mas os atendentes não prestavam atenção a ele, e acabou caindo em um lago de lótus. Desde então, evita água profunda.
— Mais tarde, quando os filhos dos Príncipes Rebeldes descobriram seu medo, passavam a jogar seus livros ou sapatos na água — acrescentou, franzindo o cenho de desgosto. — Esses segredos imperiais sujos… eu não queria te contar. Mas o Imperador tem apenas um filho — você precisa ter cuidado.
Fuyi ficou em silêncio por um longo tempo, lembrando-se novamente da silhueta quieta do Príncipe Herdeiro na chuva da noite anterior.
— Não é à toa que Sui Xun está escondido em casa, com medo de sair — Lin Xiaowu bufou. — Dos filhos dos Príncipes Rebeldes, ele é o único que restou. Aposto que não consegue nem ficar de pé direito quando vê o Príncipe Herdeiro. Que covarde — só latido, sem mordida. Fuyi, lembra quando eles costumavam intimidar pessoas, e você os pegou? Você bateu até eles chorarem por suas mães. Só ousaram agir depois que você saiu da capital…
— Anying, Xiaowu, vou voltar primeiro. — Levantando a barra da saia, Fuyi se despediu rapidamente das duas e correu em direção à Residência Yi’an.
Sanbao e Sanfu, vendo isso, pegaram suas tigelas de tangyuan pela metade e correram atrás dela.
…
— Relatório a Sua Alteza Imperial: Yun Junzhu ainda está com suas amigas e não retornou.
Sui Tingheng estava no pátio da Residência Yi’an, com flores de verão florescendo vividamente em um canto. Nem percebeu quanto tempo permanecia ali até ouvir passos que conhecia muito bem se aproximando do outro lado do pátio.
— Sua Alteza Imperial — Fuyi encostou-se no batente da porta, recuperando o fôlego. — Desculpe por fazê-lo esperar.
— Não, cheguei cedo demais — respondeu ele, aproximando-se. — Por que estava com tanta pressa?
— Esta filha não queria fazê-lo esperar muito — Fuyi olhou para os equipamentos de pesca nas mãos dos eunucos, retomou o fôlego e acrescentou: — Sua Alteza Imperial, há muitos mosquitos nas noites de verão. Talvez devêssemos pular a pesca hoje à noite?
O olhar de Sui Tingheng se turvou por um instante, mas rapidamente disfarçou a emoção. — Muito bem. De qualquer forma, ficamos acordados até tarde ontem. Vamos descansar cedo hoje à noite. Quando quiser pescar de novo, irei com você.
— Vossa Alteza não dormiu bem ontem à noite? — Fuyi pensou por um momento. — Há muitas barracas interessantes fora dos portões do palácio. Eu estava pensando em levá-lo para passear, mas se você…
— Estou com muita vontade de caminhar — interrompeu Sui Tingheng antes que ela terminasse. — Nunca vi as barracas fora do palácio. O que vendem?
Fuyi sorriu para ele. Quando até as pontas das orelhas dele ficaram vermelhas, ela riu e disse: — Então permita que esta filha tenha a honra de ser sua guia, Sua Alteza Imperial.
— Muito obrigado, Fuyi — Sui Tingheng sabia que ela havia percebido sua mudança de ideia, mas não podia deixar escapar a oportunidade.
A brisa da noite era fresca no rosto. Caminhando lado a lado, Sui Tingheng não pôde deixar de olhar para Fuyi de soslaio, desviando rapidamente o olhar em seguida.
— Cavalheiros, aquela pessoa à frente não se parece com o Príncipe Herdeiro? — Vários oficiais, acabando de sair da audiência com o Imperador, pararam em uníssono. Ao longe, uma figura caminhava ao lado de uma jovem mulher.
— Senhor Lu — um deles cutucou Mestre Lu com o cotovelo. — Olhe melhor. Não é Sua Alteza Imperial?
— Por que Sua Alteza Imperial estaria saindo do palácio?
— Quem é a mulher com ele?
— Senhores devem estar enganados. Nosso Príncipe Herdeiro prefere roupas simples, enquanto aquele homem está vestido de forma luxuosa — disse Mestre Lu, mãos atrás das costas, rosto sério. — Não tire conclusões precipitadas.
— Já que o Senhor Lu diz que não é ele, provavelmente estávamos enganados — responderam os outros oficiais rapidamente.
— Exatamente — acrescentou outro. — Sua Alteza é diligente e estudiosa. Não estaria saindo para brincar com uma mulher a esta hora.
Mestre Lu nada disse, observando as figuras distantes desaparecerem. Ele havia sido professor do Príncipe Herdeiro por dois anos. Embora o príncipe estivesse com roupas incomumente ornamentadas hoje, Mestre Lu o reconheceu instantaneamente. O homem caminhando com a mulher era, de fato, o Príncipe Herdeiro… e a mulher ao lado dele era Yun Fuyi.
Ele deveria ter se adiantado para repreender seu aluno — mas por algum motivo, instintivamente escolheu ajudar a esconder a saída deles.
Será que… isso é o poder de uma dívida que salvou vidas?
…
— Depressa, depressa! — Fuyi olhou para trás, segurou Sui Tingheng e disparou correndo.
Mo Wen observava seu geralmente impecável senhor se curvar e escapar como um cão, imitando a postura furtiva de Yun Junzhu. Por um instante, tudo parecia absurdo — jamais imaginara que o Príncipe Herdeiro pudesse parecer tão… animado.
— Sua Alteza Imperial, por que está correndo comigo sem nem perguntar o motivo? — Fuyi perguntou, puxando Sui Tingheng para trás de um corredor coberto. Vendo-o segui-la obedientemente, não pôde deixar de rir.
— Por que eu precisaria perguntar? — Sui Tingheng riu junto. — Confio em você.
— Olhe ali — Fuyi puxou-o ainda mais para trás e apontou para um grupo de oficiais à distância. — Se eles te pegarem brincando, você vai levar uma bronca de novo.
Eles estavam tão próximos que Sui Tingheng podia até sentir o leve perfume do cabelo dela.
— Não importa se nos veem — logo ele voltou à razão e se afastou um pouco. — É só uma caminhada — não precisamos nos preocupar com o que pensam.
— Mas esses cavalheiros são pilares da corte. Podem ser incômodos às vezes, mas não vale a pena criar problemas por algo assim — Fuyi disse, conduzindo-o após os oficiais passarem. — Alguns deles já estão ficando velhos. Ficar bravo com frequência não faz bem à saúde.
— A graça e a visão de Fuyi são impressionantes — Sui Tingheng comentou suavemente, seguindo atrás dela.
— Também acho — Fuyi respondeu, ajustando as vestes e conduzindo os dois pelos portões do palácio.
Capítulo 50 Parte 2 – Sua Deusa (II)
A noite era o horário das trocas de guarda. Ao redor de algumas barracas de comida, havia guardas fora de serviço, e o ar estava cheio de aromas que se misturavam, formando uma combinação um tanto quanto estranha de cheiros.
Um dos guardas reconheceu o Príncipe Herdeiro e quase prestou continência em pânico, mas Sui Tingheng ergueu a mão para detê-lo.
— A comida aqui é saborosa e limpa — disse Fuyi, entregando um petisco ao eunuco provador de alimentos que os acompanhava. — Passei por aqui mais cedo esta tarde e experimentei tudo.
Então ela já tinha vindo aqui antes. Sui Tingheng assentiu, sinalizando para que a comida fosse levada até ele.
— Vossa Alteza Imperial… — Mo Wen ficou um pouco apreensivo ao ver que o Príncipe Herdeiro realmente ia comer comida de rua.
— Todo vendedor autorizado a abrir barraca aqui já foi inspecionado várias vezes pela Guarda Jinwu, incluindo os produtos que vendem — disse Sui Tingheng, mordendo um espeto. Em sua língua estava o sabor da vida comum de seus súditos.
— Senhorita, de volta novamente? — a velha vendedora de tangyuan sorriu ao vê-los. — Por favor, sentem-se — vou cozinhar o lote na panela para vocês agora mesmo.
— Obrigada, vovó. — Algumas pessoas já estavam sentadas comendo os tangyuan, então Fuyi puxou Sui Tingheng para um canto tranquilo e se sentou.
— Foi só esta tarde que falei sobre o jovem mestre, e agora você o traz aqui, senhorita — a velha sorriu para Sui Tingheng. — Gostaria do recheio de gergelim e amendoim de costume, Jovem Mestre?
Sui Tingheng lançou um olhar para Fuyi e deu um leve aceno.
O mercado improvisado estava movimentado, mas para Mo Wen, o Príncipe Herdeiro e Yun Junzhu pareciam incrivelmente silenciosos juntos.
O silêncio perdurou até que a velha trouxe duas tigelas fumegantes de tangyuan quentes à mesa. Fuyi colocou a mão no pulso de Sui Tingheng, finalmente quebrando a quietude entre eles.
— Devemos deixar o provador experimentar primeiro.
Mo Wen pegou um bolinho de arroz com a colher. Por algum motivo, sentiu que o Príncipe Herdeiro parecia um pouco nervoso naquele momento.
— Vossa Alteza confia muito na vovó dos tangyuan — e ela claramente a conhece — Fuyi mexeu os bolinhos na tigela. — Você já comeu a comida dela antes?
— Já. — Após um momento de silêncio, Sui Tingheng baixou o olhar. — A primeira vez foi quando eu tinha doze anos.
— Vossa Alteza Imperial… — Fuyi largou a colher e se virou para ele. — Desculpe. Esqueci o que aconteceu naquela época.
Sui Tingheng levantou o olhar, os olhos brilhando como chamas.
É minha culpa. Esqueci que uma vez comi o tangyuan da vovó com Vossa Alteza Imperial.
Não é à toa que, quando se conheceram no Pavilhão Caiyin, o Príncipe Herdeiro a tratou com tanta gentileza. Não é à toa que sempre fora paciente e gentil com ela. Sempre pensara que era pelo mérito de seu pai, mas eles já se conheciam muito antes disso.
Ela há muito tinha esquecido o acontecido, e ele lembrara de tudo o tempo todo.
Pensar que esse jovem gentil manteve essa lembrança e a via como alguém especial, enquanto ela havia esquecido completamente e nem lembrava de tê-lo conhecido… Um sentimento silencioso de culpa invadiu o coração de Fuyi. Parecia a vergonha de alguém que sussurrou doces palavras, apenas para quebrar a promessa depois.
— Não é sua culpa — disse Sui Tingheng, balançando a cabeça. — Você ajudou tantas pessoas e está sempre cercada por outros. É perfeitamente normal esquecer algo tão pequeno.
— Eu não tinha amigos na infância e nunca conheci a bondade de estranhos. Quando você me levou para comer tangyuan naquela rua movimentada, foi a primeira vez que senti a boa vontade de alguém que eu acabara de conhecer.
Fuyi já não conseguia comer. Pensar que o Príncipe Herdeiro tivera momentos tão difíceis e que ela não apenas falhara em cuidar dele, mas o esquecera completamente, fez-a sentir-se fria e insensível.
— Toda a nossa família era desprezada pelo falecido Imperador, então eu nunca ousei me aproximar de você. Então, tudo isso é minha culpa — Sui Tingheng olhou para ela. — Você me ajudou naquela noite gelada do Festival das Lanternas, sem pedir nada em troca. Por isso você não lembra — porque era bondosa demais. Você não fez nada de errado.
Fuyi de repente entendeu. Se ele tivesse intervido naquela época, ela provavelmente não teria ficado parada vendo-o ser intimidado.
Será que ele ficou distante todo esse tempo com medo de que ela fosse arrastada para a desgraça e perdesse o favor do falecido imperador?
— Você realmente me viu muitas vezes depois disso?
— Sim. — Sui Tingheng assentiu. — No banquete de aniversário da Nobre Consorte Zeng, você se sentou na terceira cadeira à direita do falecido imperador. Eu estava no fundo entre os parentes imperiais. No aniversário de Ning Wang, você e ele passaram pelo Salão Chongwen enquanto eu procurava um pincel nos arbustos — olhei para cima e vi você.
E nos banquetes de Ano Novo, nas celebrações de Longevidade, nos banquetes do Festival do Meio do Outono — eu sempre a via.
Dos doze aos dezessete anos, ele a vira inúmeras vezes no palácio. Mas ela estava sempre cercada de pessoas, enquanto ele permanecia em cantos pequenos e discretos, cuidadoso para não chamar atenção.
Com medo de que outros descobrissem que conhecia Fuyi, era tão cauteloso até mesmo ao levantar a cabeça para olhá-la.
O palácio estava cheio de sua presença e risadas. Eles cruzaram caminhos tantas vezes, embora ela nunca tivesse se dado conta.
Fuyi olhou para Sui Tingheng atônita. Seu sorriso era gentil e suave, como se todas essas memórias fossem algo caloroso para ele.
Naqueles anos de maus-tratos dos quais ela nada sabia, parecia que ela passara por ele repetidamente — mas nunca uma vez olhara em sua direção.
— Vossa Alteza Imperial — Fuyi sentiu algo pesado pressionar seu coração. — Quando voltarmos à capital, deixe-me bater em Sui Xun por você de novo.
— Você já fez isso. — O sorriso de Sui Tingheng se tornou ainda mais suave. — No banquete de longevidade do falecido Imperador, um dos meus primos deixou cair seu pingente de jade no lago de lótus. Empurraram-me para dentro para pegá-lo.
— Eu não sabia nadar. Você segurou minha mão e me puxou para fora do lago de lótus, e então bateu neles todos. — Sui Tingheng viu sua expressão confusa. — Mas eu estava um desastre naquele dia, coberto de lama do lago — você provavelmente não lembra.
Fuyi se lembrou de Xiayu mencionando que ela certa vez se embriagara no aniversário do falecido Imperador e espancara o grupo de Sui Xun.
Será que foi naquela ocasião?
— A água do lago de lótus estava gelada, mas sua mão estava quente quando me segurou — Sui Tingheng olhou para a barra de sua saia. — Seu vestido naquele dia era lindo — mas eu o sujei com respingos de lama das minhas roupas.
Ela ficara à sua frente, protegendo-o de todos, e chutou Sui Xun diretamente no lago. Naquele momento, ele realmente acreditou que ela era uma deusa que havia descido à Terra para salvá-lo do desastre.
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Nota do Autor:
Irmão Sui: “Minha amada é minha deusa e salvadora.”
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