Capítulo 73 ao 75


 

Capítulo 73.1 – Casamento [Parte 1]

De acordo com os costumes tradicionais de um casamento, quando uma mulher se casava, seus pais costumavam lembrá-la de ser educada e modesta como esposa, de cuidar bem dos deveres domésticos e assim por diante. Shen Ying segurou a mão da filha e disse suavemente:

— Cuide bem de si mesma. Neste mundo, nada é mais importante do que o seu próprio bem-estar.

Depois de dizer isso, virou levemente a cabeça para olhar para Chen Wang e não encontrou nenhum sinal de desagrado em seu rosto. Ela fez uma reverência respeitosa e disse:

— Obrigada pelo esforço… Alteza.

— Por favor, não se preocupe, sogra. Este genro cuidará muito bem de Jiuzhu — disse Chen Wang, segurando discretamente a mão de Jiuzhu sob a manga. Sorriu para ela: — Enquanto eu estiver aqui, não deixarei que ninguém a intimide.

— Está bem. — Shen Ying fingiu não ver os dois de mãos dadas. Curvou-se para pegar um doce da mesa e, usando os hashis, levou-o até a boca de Jiuzhu: — Que sua vida futura seja tão doce e leve quanto este doce.

Assim que Jiuzhu engoliu o doce, um oficial do Ministério dos Ritos anunciou em voz alta:

— A noiva deve entrar na liteira!

Ao ver Ming Jiyuan se abaixar diante de Jiuzhu, Chen Wang deu um passo à frente e disse:

— Cunhado mais velho, deixe que eu a carregue.

Ming Cunfu não conseguiu mais se conter. Deu um passo à frente para bloquear Chen Wang, dizendo:

— Alteza, vossa senhoria realmente não pode fazer isso.

Diante da oposição firme da família Ming, Chen Wang cedeu com pesar:

— Muito bem, então.

As oito mingfu e todas as mulheres de boa sorte não disseram nada. Viraram silenciosamente os rostos, fingindo não ver. Como poderia um príncipe executar esses rituais com a noiva durante seu próprio casamento?

As oito mingfu, acostumadas ao mundo da fama e da fortuna, compreendiam melhor os assuntos imperiais do que as mulheres de boa sorte. Desde que Su-shi foi agraciada com o título de imperatriz, muitos começaram a suspeitar que o imperador logo nomearia Chen Wang como príncipe herdeiro.

Um príncipe que muito provavelmente se tornaria o príncipe herdeiro, arriscava ser criticado pelos oficiais por não seguir os costumes e ainda insistia em buscar pessoalmente a noiva, reunindo até outros príncipes para apoiá-lo — que tipo de devoção era essa?

Elas olharam para a jovem senhorita da família Ming, que estava sendo carregada pelo irmão mais velho. Dizia-se que a imperatriz Su estava extremamente satisfeita com essa Chen Wangfei. A princípio, achavam que era apenas uma questão de cortesia. No entanto, vê-la permitir que seu filho fosse tão longe estava além de suas expectativas.

Depois que uma mulher se casava, muitas vezes era difícil se dar bem com a sogra. Mas ser valorizada por uma sogra que também era a imperatriz? A senhorita Ming era realmente excepcionalmente afortunada.

Huai Wang caminhava atrás, tentando esboçar um sorriso fraterno, próprio de um irmão mais velho.

— Essa situação é um pouco problemática, ah — disse An Wang com uma expressão ansiosa enquanto andava com dificuldade — Se minha Wangfei descobrir que o quinto irmão veio pessoalmente à casa da família Ming buscar a noiva, ela certamente vai arrumar confusão por um bom tempo.

Huai Wang estalou a língua:

— Se ela ousar fazer escândalo, vá dormir nos aposentos da concubina. Como filho do Imperador, tem medo de uma mulher?

An Wang riu sem graça, evitando responder. Não tinha medo de mulheres em geral, mas temia sua própria Wangfei.

— Irmão mais velho, o segundo irmão não tem concubina — lembrou Jing Wang em voz baixa — Segundo irmão… é dominado pela esposa.

— N-não diga bobagens. Não é que eu seja dominado; é só que não tenho interesse em tomar uma concubina — An Wang apressou-se em negar e mudou de assunto: — A noiva está prestes a cruzar o portão principal. É melhor nos apressarmos para alcançá-la.

— Ele não quer ter uma concubina, então Lu Zhaoyi[1] deixou que ele tivesse apenas a Wangfei em seu pátio? — murmurou Jing Wang, antes de se virar para Huai Wang: — Lu Zhaoyi tem mesmo um temperamento invejável.

Huai Wang não tinha grandes impressões sobre Lu Zhaoyi. Apenas se lembrava dela como uma mulher tranquila, cujo rosto podia no máximo ser considerado delicado e bonito. Ela fora originalmente uma aia de segundo grau a serviço da Imperatriz Viúva. Um dia, quando o Imperador-Pai foi prestar respeitos à Imperatriz Viúva, ela foi concedida a ele.

Quando criança, ouvira dizer que Lu Zhaoyi fora colocada como espiã ao lado do Imperador-Pai pela Imperatriz Viúva, e por isso nunca fora favorecida por ele.

Na verdade, desde que subira ao trono, o Imperador-Pai favorecia apenas a Imperatriz Su. As outras consortes não recebiam tratamento melhor que Lu Zhaoyi.

Na juventude, em um momento de impulsividade, ele perguntou à mãe por que o Imperador-Pai favorecia tanto Su-shi e Yun Duqing. Sua mãe não respondeu; apenas o fitou em silêncio. Só quando ele perdeu a coragem de insistir é que ela murmurou algumas palavras de consolo:

“O amor não vale ser mencionado, porque aqueles no poder têm o direito de escolher o que quiserem.”

— Irmão mais velho? Irmão mais velho?

Vendo Huai Wang perdido em pensamentos, Jing Wang o alertou suavemente:

— A noiva está prestes a subir na liteira.

Huai Wang voltou a si e olhou para a liteira na entrada, sentindo um leve amargor. Yun Duqing usou uma liteira com doze carregadores ao se casar com sua Wangfei, enquanto ele mesmo teve apenas oito.

Ambos eram príncipes, mas a diferença era significativa.

Ming Jiyuan colocou cuidadosamente Jiuzhu dentro da liteira e pôs o jade ruyi que uma das mingfu segurava em seu colo.

— Irmão mais velho — sussurrou Jiuzhu, retirando discretamente o leque tuanshan que cobria seu rosto e piscando para Ming Jiyuan — Não fique triste, e não se preocupe comigo. Aproxime-se, quero te contar algo.

Sem se importar com os olhares alheios ou hesitar, Ming Jiyuan se curvou e se inclinou para mais perto de Jiuzhu.

— Volte e diga ao pai e à mãe que Jiuzhu não está saindo da família, só vai trazer de volta mais um Alteza.

As pupilas de Ming Jiyuan tremeram, e ele olhou para a meimei com uma admiração nova e silenciosa.

— O irmão mais velho entende. — Ming Jiyuan respirou fundo — Meimei, você precisa, precisa cuidar bem de si.

— En — assentiu Jiuzhu.

— Lorde Ming, chegou a hora auspiciosa; é hora de levantar a liteira — disse uma mingfu, forçando-se a se aproximar de Ming Jiyuan e sussurrando algumas palavras de lembrete.

Ming Jiyuan lançou um último olhar à meimei, abaixou devagar a cortina e se virou para Chen Wang.

Este saudou o cunhado com as mãos postas, montou rapidamente o cavalo adornado com uma grande flor vermelha e gritou:

— Levantem a liteira!

Lançou um olhar de relance aos três irmãos mais velhos que vinham atrás.

Sob os olhares atentos de todos, os três príncipes mantiveram seus sorrisos forçados e gritaram:

— Levantem a liteira!

Huai Wang:
— Que vivam em riqueza e honra, como flores de lótus gêmeas no mesmo caule[2].

An Wang:
— Que alegria, bênçãos e felicidade preencham seu lar.

Jing Wang:
— Que sejam perfeitamente harmoniosos, como o dragão e a fênix voando juntos.

— Levantem a liteira!

Quando os doze carregadores ergueram com destreza a liteira nupcial com dragão e fênix, o som dos fogos de artifício ecoou. Era como se toda a capital ganhasse vida.

A família Ming estava reunida no portão de entrada. Ming Jingzhou parecia incapaz de despejar a água da bacia que segurava.

— Quem foi que disse que filha casada é como água derramada! — Respirou fundo, virou-se e jogou a água nas portas da própria residência: — A filha de Ming Jingzhou ainda é minha filha, mesmo que esteja casada!

— Pai, o terceiro tio ainda nem chorou, por que o senhor já está chorando? — Ming Cunfu viu o velho da família[3] enxugando as lágrimas em segredo. Rapidamente puxou um lenço e o consolou em voz baixa: — Tem tanta gente olhando.

— Você não entenderia — os olhos ferozes de Ming Jinghai estavam cheios de lágrimas — Parte meu coração ver Zhuzhu, a única menina em três gerações da nossa família Ming, se casar com a família imperial.


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Notas:

1: Refere-se à mãe de An Wang. Ela é uma das concubinas de posição intermediária do Imperador, com o título de Zhaoyi (昭仪), que pode ser traduzido como “Senhora de Conduta Brilhante”.

2: “Flores de lótus gêmeas em um único caule” (并蒂莲 / bìng dì lián) representam um casal unido, que se apoia mutuamente em todas as situações.

3: “Velho” (老爹 / lǎodiē) – Termo usado para se referir ao próprio pai de forma afetuosa, ou respeitosa, semelhante a “meu velho” ou simplesmente “pai” no português.

Capítulo 73.2 – Casamento [Parte 2]

Ming Cunfu olhou ao redor para se certificar de que ninguém prestava atenção antes de dizer:

— Este filho acha que Sua Alteza, o Príncipe Chen, é realmente muito bom. Não só veio pessoalmente buscar a noiva na casa da nossa família Ming, como ainda trouxe os outros príncipes como padrinhos. Isso mostra claramente o quanto ele valoriza Jiuzhu.

— Ele tem mais é que valorizar a Jiuzhu. — Aos olhos de um parente da noiva, a menina era como um precioso “repolho de jadeíta”¹, enquanto os filhos dos outros eram apenas porcos tentando roubar esse repolho.

— Mas não vi o Quarto Príncipe. — perguntou Ming Cunfu em voz baixa. — Será que ele guarda rancor de você e do terceiro tio por terem exposto a família Zheng e a senhora Zheng? E por isso não quis vir?

— Vamos pensar positivo. — disse Ming Jinghai, enxugando as lágrimas nos cantos dos olhos. — Talvez o ferimento do Quarto Príncipe ainda não tenha melhorado, e ele não conseguiu montar a cavalo?

Ming Cunfu ficou em silêncio.

Isso não parece exatamente algo positivo pro Quarto Príncipe, não é?

Os músicos da procissão nupcial, vestidos de vermelho, tocavam melodias alegres, atraindo uma multidão de curiosos que se aglomeravam nas ruas para assistir à cerimônia.

— O noivo é realmente muito bonito.

— Viram o guan² de “dragão segurando uma pérola na boca” que ele está usando? Só príncipes e descendentes imperiais ousam usar esse tipo de cocar.

— Uau, agora entendo por que as ruas estão cheias de lanternas vermelhas. A noiva deve ser muito linda.

— Por que você acha isso?

— Três meses atrás, outro príncipe se casou, mas a cerimônia nem se compara a essa.

— Como comparar aqueles príncipes com este? Ele é mestre da pena e da espada, é o Príncipe Chen. E vê aqueles três jovens atraentes que o seguem? São os irmãos mais velhos dele.

— Então a história do príncipe dominador e da linda Xianzhu era verdade… — Uma mulher com uma cesta de legumes olhava empolgada para a liteira nupcial. Sua voz tremia de emoção: — O contador de histórias disse que o príncipe jurou à Xianzhu que a desposaria da forma mais grandiosa possível. Ele realmente cumpriu a promessa!

O estudioso mais próximo retrucou:

— Contadores de histórias apenas inventam histórias. Tudo isso é ficção.

— Se é tudo mentira, como você explica esse casamento tão grandioso? — A mulher lançou um olhar de desprezo ao erudito. — Vocês, estudiosos sem coração e volúveis, nunca entenderiam a devoção apaixonada do príncipe pela Xianzhu. Hmph!

Balançando os quadris, correu atrás da liteira, juntando-se a outras mulheres para se gabar daquele casamento invejado por todas.

— Acho é que você não quer gastar dinheiro com a sua própria esposa e veio descontar sua frustração aqui. — disse uma jovem, sarcástica. — Ainda está com inveja porque Sua Alteza foi o zhuangyuan³ e você não?

O estudioso ficou mudo.

Que tipo de boato absurdo é esse?

Quis rebater, mas ao ver os olhares ferozes das mulheres ao redor, temeu ser espancado ali mesmo. Só lhe restou sair de fininho, com o rabo entre as pernas.

Ainda assim, sentia um amargor inexplicável em relação ao Príncipe Chen e à Princesa Consorte Chen. Agora, só queria ver a expressão daquelas mulheres quando o Príncipe Chen tomasse uma concubina.

Quando a liteira nupcial estava prestes a chegar ao Portão Zhuque, os anciãos do clã imperial ainda discutiam qual portão deveria ser usado para a entrada.

— Embora o Príncipe Chen seja filho legítimo, ainda é apenas um qinwang. Já é uma exceção estar se casando dentro do palácio. Como pode a liteira da Wangfei entrar pelo portão principal?

— Ora, sendo ele um filho legítimo, passar pelo Portão Zhuque não deveria ser problema…

— Bah! Você só quer bajular a Imperatriz Su e está ignorando as regras ancestrais!

— Chega de discussão. A liteira chegou.

Antes que os anciãos do clã pudessem reagir, uma fileira de Guardas do Dragão se aproximou do portão principal. Em seguida, abriram espaço e se ajoelharam sobre um joelho.

— Parabéns ao Príncipe Chen pelo casamento. Por ordem de Sua Majestade, abram o Portão Zhongzheng!

Os anciãos, que estavam discutindo acaloradamente instantes antes, ficaram instantaneamente atônitos. Jamais imaginaram que o imperador, geralmente tão respeitoso e cordial, ignoraria suas opiniões e ordenaria que os Guardas do Dragão abrissem à força o Portão Zhongzheng.

Ao lançar um olhar para as espadas pendendo dos cintos dos guardas, os anciãos sabiamente decidiram ficar em silêncio.

Esses velhos haviam sobrevivido com segurança ao reinado de dois imperadores mantendo seus cargos e suas vidas. Sua maior virtude não era o sangue imperial — era a sabedoria de saber quando ceder.

Se o Imperador, mestre do palácio, não se importava que a liteira da Princesa Consorte Chen passasse pelo Portão Zhongzheng… que razão teriam eles para se opor?

Sob os olhares atentos de todos, o Portão Zhongzheng começou a se abrir lentamente.

O sorriso de Huai Wang se desfez na hora, dando lugar a uma expressão mais feia do que choro.

Portão Zhongzheng!

A única pessoa autorizada a entrar por esse portão em uma liteira nupcial era a própria Imperatriz⁴!

O Pai Imperador mimava o Quinto Irmão até esse ponto? Cerrou os dentes e, quando ergueu a cabeça, esforçou-se para fazer o sorriso parecer natural.

Não estou com inveja. De jeito nenhum.

An Wang, ao ver o Portão Zhongzheng se abrir diante de si, suspirou de alívio. Finalmente tinha pensado numa forma de acalmar sua própria Wangfei.

Se ela perguntasse por que ele não fora buscá-la na casa dos pais no casamento deles, ele diria que o casamento do Quinto Irmão fora uma exceção — tudo obra do Pai Imperador.

Um príncipe buscando pessoalmente a noiva, cento e oito caixas de dote, uma liteira com doze carregadores… tudo isso empalidecia diante da honra de entrar pelo Portão Zhongzheng.

Desde que ele colocasse toda a culpa no Pai Imperador, sua Wangfei não o expulsaria para dormir no escritório.

O Príncipe Chen olhou para o Portão Zhongzheng escancarado, virou-se para a liteira e deu um leve tapa no cavalo, que avançou portão adentro.

— Parabéns a Sua Alteza e à Princesa Consorte pelo casamento!

Os Guardas Imperiais, os Guardas do Dragão e os Guardas de Armadura Dourada ajoelharam-se em uníssono:

— Desejamos a Sua Alteza e à Wangfei um casamento feliz. Que vivam juntos por muitos e muitos anos.

Um tapete vermelho longo e interminável se estendia do portão até o interior do palácio.

Pétalas de flores caíam das altas muralhas. Algumas flutuaram para dentro da liteira. Ao se abaixar para recolhê-las, Jiuzhu percebeu que nem era a estação em que aquelas flores costumavam florescer.

Lembrava-se de seu irmão comentando que algumas famílias construíam estufas para cultivar flores o ano inteiro. Isso exigia um bom investimento em prata.

Quanto será que Sua Majestade e niangniang haviam gasto no casamento dela com Sua Alteza?

Segurando o leque tuanshan à frente do rosto, ela levantou discretamente a cortina da liteira e espiou o lado de fora.

De ambos os lados do caminho, estavam alinhadas servas e eunucos, cada um segurando lanternas com caracteres auspiciosos. Incontáveis pétalas dançavam no ar, sedas vermelhas pendiam por todo lado, a música era festiva — tudo parecia um sonho.

À medida que a liteira passava por um portão após o outro, a noite ficava mais escura. Mas naquela escuridão, as lanternas auspiciosas nas mãos das servas e eunucos brilhavam intensamente, formando um longo dragão de luz que iluminava todo o palácio.

— Abaixem a liteira!

O Príncipe Chen desmontou e caminhou até a liteira.

— Sua Alteza, por favor, toque a liteira com o pé.

Bater com o pé na porta da liteira simbolizava que, após o casamento, o homem seria o superior e a mulher, a inferior — e que o marido se tornaria o “céu”⁵ da esposa.

Chen Wang levantou o pé, mas logo o recolheu. Curvou-se e, sob os olhares surpresos das mingfu, bateu suavemente três vezes na liteira com a mão.

— Ming Xiaozhu, Ben Wang lhe dá as boas-vindas à família.

Ergueu a cortina da liteira e viu os olhos sorridentes de Jiuzhu espiando por trás do leque tuanshan.

Ele sorriu e estendeu a mão para ela, enquanto pegava com a outra o ruyi que estava em seu colo.

— Venha. Caminhe comigo.

Jiuzhu pousou a mão na palma dele.

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Notas de rodapé:

  1. Repolho de jadeíta: Metáfora usada para algo de valor inestimável.

  2. Guan: Um cocar ou toucado tradicional usado por homens, especialmente da nobreza

3. Zhuangyuan: Primeiro colocado no exame imperial, o mais alto título acadêmico da época.
4: Portão Zhongzheng: Entrada principal do palácio imperial, usada exclusivamente pela Imperatriz no casamento.

5: O marido se torna o céu”: Refere-se à tradição confucionista em que o homem era a figura superior e a esposa devia obediência total.


Capítulo 73.3 – Casamento [Parte 3]

— A noiva desce da liteira, saudada por tambores e música.

Ao pisar no suave tapete vermelho, Jiuzhu sentiu como se estivesse pisando nas nuvens.

— Os recém-casados seguram o fio vermelho enquanto nuvens auspiciosas envolvem o limiar da porta.

Jiuzhu recebeu um pedaço de seda vermelha. Ela lançou um olhar ao grande pompom bordado no centro e, em segredo, olhou para Chen Wang[1].

— Não fique nervosa — sussurrou ele em seu ouvido. — Agora você é a Wangfei de Ben Wang; ninguém ousará desrespeitá-la.

— Alteza, não estou nervosa — respondeu Jiuzhu, segurando a seda vermelha com força. — Só estou curiosa para ver como está hoje.

— Estou bonito hoje? — Ele apertou suavemente a mão dela.

— Está. — Jiuzhu completou: — Alteza está bonito todos os dias.

— Os recém-casados atravessam o umbral. Que seu vínculo dure para sempre.

Ao entrarem no Palácio Qilin, Chen Wang viu o braseiro diante deles, abaixou-se e pegou Jiuzhu nos braços, carregando-a por cima das brasas.

As oito mingfu que os acompanhavam ficaram sem palavras: “……”

Passar por cima do braseiro não era algo feito por homens.

Deixa pra lá, deixa pra lá… Desde que Chen Wang insistiu em buscar a noiva pessoalmente na casa da família Ming, tudo saiu fora do protocolo.

Jiuzhu ainda não tinha entendido o que estava acontecendo quando já estava no colo e sendo colocada de volta no chão. Quis olhar para trás, mas, lembrando da regra de que a noiva não pode virar-se no dia do casamento, esforçou-se para conter o impulso.

— Alteza, o que havia no chão agora há pouco?

— Nada — respondeu Chen Wang, abaixando-se para ajustar a barra do vestido nupcial dela. — De qualquer forma, você passou comigo.

— Ah. — Jiuzhu o seguiu, continuando pelo tapete vermelho e subindo os degraus em direção ao salão principal do Palácio Qilin, já cheio de convidados.

Todas as figuras mais prestigiadas da corte estavam presentes — exceto a família de Jiuzhu.

Do lado de fora, ouvia-se o som contínuo de rojões. Jiuzhu avistou o Imperador e a Imperatriz sentados nos lugares de honra. Muitos dos convidados à esquerda e à direita curvaram-se diante dela e de Chen Wang.

Um oficial cerimonial adiantou-se para ler um longo e bajulador pergaminho.

A essência do discurso era louvá-la, declarar que ela e Chen Wang eram um casal celestial e desejar-lhes uma união feliz e duradoura.

Quando o oficial terminou e se afastou, Chen Wang sussurrou para Jiuzhu:

— Foi escrito pessoalmente pelo Pai Imperador e pela Mãe Imperatriz[2].

Jiuzhu piscou, surpresa. Sério?

Chen Wang assentiu.

Ele os viu vasculhando vários livros antigos à procura das palavras certas.

— Agora, executem o ritual de reverência.

— Primeiro, reverência ao céu e à terra.

— Segundo, reverência aos pais.

Jiuzhu virou-se e ajoelhou-se diante do Imperador Longfeng e da Imperatriz Su.

Vários príncipes observaram Chen Wang e sua Wangfei ajoelhados diante do Pai Imperador, tomados por sentimentos complexos. Eles próprios se casaram em suas residências principescas, e como suas mães concubinas não podiam sair do Palácio, no momento da reverência aos pais, só puderam se curvar ao selo imperial que representava o Pai Imperador.

Yun Yanze lançou um olhar aos três irmãos mais velhos, que haviam entrado junto com Yun Duqing, e conteve suas dúvidas.

Por que eles entraram juntos no salão de casamento? Além disso, chegaram tão tarde, mas o Pai Imperador não demonstrou o menor incômodo.

Essa sensação de estar completamente no escuro, enquanto os outros sabiam de tudo, era extremamente desagradável. Ele baixou as pálpebras e observou friamente o sorridente Yun Duqing. Quando o viu ajudar Ming Jiuzhu a se levantar, seu olhar caiu sobre as mãos entrelaçadas dos dois.

— Marido e esposa reverenciam-se mutuamente.

Jiuzhu e Chen Wang voltaram-se um para o outro, olharam-se nos olhos e sorriram.

Chen Wang não conseguia ver os cantos da boca de Jiuzhu se levantarem, mas sabia que ela estava sorrindo — seus olhos estavam brilhantes e belíssimos.

Ele ergueu ambas as mãos, pressionou a esquerda sobre a direita, levantou-as até a altura das sobrancelhas e curvou-se.

Seus rostos se encostaram. Chen Wang riu baixinho e ajustou a coroa de dragão e fênix na cabeça de Jiuzhu antes de ajudá-la a se erguer.

O Imperador Longfeng e a Imperatriz Su observavam os dois trocando olhares furtivos, incapazes de conter o sorriso.

Liu Zhongbao avançou e anunciou, com tom animado:

— Conduzam os recém-casados à câmara nupcial.

Chen Wang curvou-se diante do Pai Imperador e da Mãe Imperatriz e segurou a mão de Jiuzhu, guiando-a para o salão dos fundos.

O Imperador Longfeng sabia que, com ele e Meidai presentes, os convidados não ousariam fazer muita algazarra. Mas casamento tem que ter alegria — isso é sinal de bons presságios.

— Zhen e a Imperatriz voltaremos primeiro — disse o Imperador Longfeng, olhando para Huai Wang. — Lao da, você é o filho mais velho. Entretenha os convidados junto com os oficiais do Ministério dos Ritos.

— Erchen obedecerá às ordens — respondeu Huai Wang apressadamente, seu sorriso forçado agora com um toque de sinceridade.

Em momentos como este, o Pai Imperador ainda confiava mais nele do que nos demais filhos.

A Imperatriz Su fez um leve aceno para Huai Wang:

— Obrigada, Alteza Huai Wang.

— Mãe Imperatriz está sendo muito cortês; como filho mais velho, é dever de erchen ajudar os irmãos mais novos a receber os convidados — respondeu respeitosamente, sem ousar demonstrar o menor sinal de irreverência.

Ele podia até ser mais informal com o Pai Imperador, mas com a Imperatriz Su, jamais.

— Alteza — disse Jiuzhu, ao passarem por vários corredores sinuosos até chegarem à câmara nupcial —, o Palácio Qilin é tão grande.

— Está cansada? — Chen Wang a ajudou a se sentar. — Tome algo para forrar o estômago primeiro.

— Alteza — as oito mingfu e as mulheres de bons presságios já não conseguiam mais se conter —, ainda não beberam o vinho nupcial!

Pois é, deixar a noiva sentar-se antes de beber o vinho, segundo os costumes populares, indicava que quem mandaria na casa seria a esposa.

A mingfu que estava à frente olhou para a delicada e encantadora Wangfei de Chen Wang. Ela realmente não parecia o tipo mandona… Esses costumes populares podiam enganar mesmo.

— Alteza, por favor, aceite o leque da noiva primeiro.

Jiuzhu segurou o cabo com a mão direita e apoiou a superfície do leque com a esquerda, colocando-o nas mãos de Chen Wang.

À luz das velas, ela parecia uma flor delicada.

Chen Wang guardou o leque em uma caixa de madeira e pegou duas taças de vinho das mingfu, oferecendo uma a Jiuzhu:

— Você já tomou vinho alguma vez?

— Nunca — Jiuzhu balançou a cabeça. — O Mestre dizia que o vinho prejudica o espírito e não deve ser consumido.

Chen Wang riu levemente e entrelaçou o braço com o dela:

— Hoje, por minha causa, terá que aguentar uma taça.

Ao engolir o vinho morno de uma vez, duas nuvens vermelhas subiram rapidamente às bochechas de Jiuzhu. Ela franziu a testa, achando o gosto bem desagradável.

— Seu Mestre tem razão. O vinho pode fazer mal — Chen Wang pegou a taça de seus dedos. — A partir de agora, não beberemos mais.

Ele fez um sinal para que as mingfu e as outras mulheres se retirassem.

Elas saíram rapidamente, não conseguindo esconder o alívio. Esse casamento tinha sido mesmo estressante. As atitudes inesperadas de Chen Wang eram difíceis de acompanhar.

— Alteza — disse Jiuzhu, apontando para a pesada coroa de dragão e fênix —, tire logo isso, meu pescoço dói.

— Espere um pouco — Chen Wang levantou-se e foi até atrás dela. Observou a coroa por um bom tempo antes de entender como tirá-la.

— É bem pesada. — Depois de colocá-la sobre a mesa, chamou os eunucos para trazerem uma mesa cheia de pratos fumegantes. — Vamos comer algo.

O quarto ficou em silêncio por um momento enquanto Jiuzhu o olhava com olhos úmidos:

— Alteza…

— Hm? — Chen Wang pegou comida com os hashis e colocou no prato dela. — O que foi?

— Estou meio tonta — Jiuzhu apoiou o queixo nas mãos. — O senhor ainda precisa ir lá fora receber os convidados?

— Só uma rodada rápida. — Ele tocou a bochecha dela, que estava quente, e sorriu: — Sua tolerância ao álcool é tão baixa assim?

— Minha cabeça está clara, só um pouco tonta — disse Jiuzhu, pegando a tigela para comer. Chen Wang lhe serviu mingau, e mesmo depois que ela terminou, ele não se levantou.

Só quando o eunuco mestre de cerimônias o chamou várias vezes, ele bagunçou carinhosamente o cabelo de Jiuzhu:

— Sente-se na cama e descanse um pouco. Já volto. Há criadas e eunucos do lado de fora. Chame-os se precisar de algo.

— Tá bom… — Jiuzhu assentiu, meio sonolenta. Depois que ele saiu, ela se levantou e sentou na cama. Ao fazer isso, percebeu algo debaixo das cobertas.

Quando levantou, encontrou longans, tâmaras vermelhas, amendoins e nozes.

Com as mãos, Jiuzhu quebrou uma noz, pegou o miolo e comeu. Curiosa, continuou mexendo até achar um livro debaixo do travesseiro.

Um livro?

Jiuzhu pegou o livro, deu uma olhada, rapidamente perdeu o interesse e o jogou de lado. Sentou-se de pernas cruzadas sobre o edredom, quebrando nozes uma a uma e juntando os miolos.

Assim que Chen Wang saiu, todos se aproximaram animadamente. Especialmente aqueles dândis imperiais[3] que costumavam segui-lo de perto. Levantaram as taças e o cercaram:

— Fique tranquilo, Alteza. Já providenciamos tudo que nos pediu. Vamos entregar nos próximos dias.

Chen Wang os olhou em silêncio, tentando lembrar o que exatamente tinha pedido.

— Nunca pensamos que textos antigos seriam tão caros. Pra comprar essas coisas, tivemos que esvaziar os bolsos — lamentaram os dândis. Aqueles livros de dar dor de cabeça custavam mais do que grilos e rinhas de galos.

Ser uma boa pessoa era mesmo difícil.

— En. — Chen Wang assentiu com uma expressão enigmática. — Muito bem.

Falar de livros era, de fato, melhor do que falar de brigas de galo.

Alguns dos mais ousados quiseram ir “alegrar” a câmara nupcial, mas Chen Wang recusou friamente:

— Minha Wangfei é tímida e sensível. Vocês devem agir de forma mais culta na frente dela, para não assustá-la.

Os dândis ousariam recusar?

Claro que não. Só puderam concordar com caras amargas.

Mas… o que exatamente significava “agir de forma mais culta”?

Significava que se dissessem que dariam uma volta, deveriam dar apenas uma — não duas[4]. Chen Wang logo brindou com todos e foi para os fundos.

Como todos sabiam que era sua noite de núpcias, ninguém foi insensato o bastante para detê-lo.

Quando Chen Wang empurrou a porta, viu Jiuzhu usando dois dedos para quebrar uma noz.

— Voltou, Alteza? — Jiuzhu lembrou do livro que havia jogado de lado, inclinou-se para pegá-lo na cama e disse, animada: — Alteza, tem um livro ilustrado infantil aqui!


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Notas de Tradução:

  1. "Chen Wang" – 王 (Wang) significa "Príncipe", e é um título nobiliárquico. "Chen Wang" refere-se ao Príncipe Chen, título formal de Yun Duqing. Jiuzhu, ao casar-se com ele, torna-se "Wangfei" (王妃), ou seja, Princesa Consorte.

  2. "Mãe Imperatriz" – Em muitos romances históricos chineses, a esposa legítima do imperador (a Imperatriz) é considerada a mãe oficial de todos os filhos do imperador, inclusive os nascidos de concubinas. Isso reflete o conceito de "mãe de todos sob o céu", consolidando sua posição de autoridade e respeito entre os príncipes.

  3. "Dândis imperiais" – O termo original em chinês é 纨绔 (wánkù), que literalmente significa “calças de seda branca”. Antigamente, era um símbolo de nobreza e luxo, referindo-se aos filhos da elite aristocrática que levavam vidas ociosas e extravagantes, muitas vezes arrogantes e mimados, sustentados pela riqueza e poder das famílias.

  4. "Dar uma volta e não duas" – Uma expressão idiomática chinesa que, nesse contexto, significa não abusar da sorte ou não ultrapassar os limites depois de receber uma permissão. Os dândis foram autorizados a visitar o salão de festas brevemente, mas não deveriam se prolongar ou repetir a visita.

Capítulo 74: Presente 


— Que livro é esse? — O Príncipe Chen lançou um olhar à pequena montanha de nozes descascadas, jogou algumas na boca e se inclinou curioso.

Jiuzhu se moveu um pouco para o lado, abrindo espaço para que ele se sentasse ao seu lado.

— Não sei, ainda não abri. Na capa só tem duas figurinhas.

O Príncipe Chen não deu muita importância e chamou as criadas e os eunucos do palácio para prepararem a rotina noturna.

Enquanto os servos arrumavam a cama, os dois sentaram lado a lado para deixar os pés de molho, com as bacias próximas uma da outra. O Príncipe Chen espiou a bacia de Jiuzhu e, em tom brincalhão, apoiou o pé molhado sobre o dela.

— Alteza? — Jiuzhu se virou para encará-lo.

— Só estou conferindo a temperatura da água do seu lado.

Então era assim que os pés de uma jovem eram macios e delicados em comparação aos de um homem.

— Não tem diferença, é igual — disse Jiuzhu, imitando o gesto e mergulhando o pé na bacia dele. A ponta do dedão do Príncipe Chen roçou a sola de seu pé, fazendo-a rir.

— Isso faz cócegas! — Ela ergueu o pé, enxugou-o e subiu na cama. — Alteza, essa cama é enorme!

O Príncipe Chen coçou o nariz, sem jeito, e dispensou todos os atendentes.

— Claro que é grande — foi feita pra nós dois.

Yun Duqing, se acalme. Essa é sua esposa. A mulher com quem você vai dividir as refeições, o sono e a vida a partir de agora.

— Alteza. — Jiuzhu sentou-se de pernas cruzadas e pegou o livro que ele havia jogado de lado. — Você jogou isso fora.

— Que livro é esse na cama? — O Príncipe Chen pegou de volta, irritado com os servos do Palácio Qilin. Quem em sã consciência deixaria um livro na noite de núpcias?

Ele imitou a postura dela e folheou as páginas, mas congelou, arregalando os olhos ao ver as ilustrações no interior.

— O que tem aí? — Jiuzhu esticou o pescoço, tentando ver.

— Nada apropriado para uma jovem. — Ele bloqueou a visão dela com a mão e fechou o livro bruscamente. — Não vale a pena ver.

— Se não vale a pena ver, por que eu não posso ver? — Quanto mais ele escondia, mais curiosa ela ficava.

— Já chega. Você não está cansada depois de tudo que aconteceu hoje? — Desconcertado, ele jogou o livro debaixo da cama, empurrou Jiuzhu para baixo e puxou o edredom sobre os dois. — Dorme.

— Eu tô cansada — admitiu Jiuzhu, enfiando a cabeça para fora das cobertas. Ela segurou a beirada do edredom e sussurrou: — Mas não consigo dormir.

— Por quê? — O Príncipe Chen hesitou e então estendeu a mão, cobrindo as costas dela com o edredom para protegê-la da corrente de ar.

— Sempre dormi sozinha. Essa é a primeira vez que divido a cama, então é estranho. — Ela lançou um olhar para ele. — Mas não se preocupe, Alteza — eu durmo bem quietinha. Meu mestre disse que eu não me mexo nadinha da hora que deito até a hora que acordo. Sou muito comportada.

Ao ver sua expressão tímida, o Príncipe Chen suspirou e começou a se levantar.

— Alteza, vai aonde? — Jiuzhu segurou o pulso dele.

— Buscar outro edredom no armário. Você fica aqui e dorme direitinho.

— Não precisa. — Ela o puxou de volta para debaixo das cobertas e, para sua surpresa, ele não conseguiu resistir.

— Daqui a alguns dias eu me acostumo. — Ela alisou o edredom sobre os dois. — Marido e mulher devem dormir juntos, né?

Ele não teve coragem de dizer que príncipes e suas consortes normalmente dormiam em aposentos separados e nem dividiam a cama todas as noites.

Os olhos dela eram tão puros, tão completamente alheios ao significado da intimidade. O Príncipe Chen travava uma batalha interna: agir como uma besta… ou algo pior.

— Alteza. — Jiuzhu passou os braços ao redor do pescoço dele, com a voz suave. — Vamos dormir.

Ele respirou fundo.

— Quer dormir assim?

— Não é assim que recém-casados dormem? — Ela piscou. — Tô fazendo errado?

— A matrona do Ministério dos Ritos ensinou isso antes do casamento?

Jiuzhu pensou com cuidado.

— Ela disse que algumas coisas eram pros outros aprenderem. Sua Majestade me trata como uma filha, então me disse que, se eu não entendesse alguma coisa depois de casada... você me ensinaria.

Ah, então ela é a filha querida, e eu o genro perdido.

— Ela falou algo errado? — O sorriso de Jiuzhu desapareceu enquanto ela recuava os braços.

— Não, não falou. — Com um suspiro silencioso, ele a puxou para perto. — Dorme. Eu vou te ensinar tudo... aos poucos, noite após noite.

Mas só por esta noite...

Ao ver o rosto sereno e confiante dela, decidiu ser a besta menor — só desta vez.

Menos tempo do que levaria para queimar dois palitos de incenso depois, a garota que dizia não conseguir dormir já respirava de forma suave, profundamente adormecida.

O Príncipe Chen mexeu o braço que estava preso. Todas aquelas histórias românticas sobre casais dormindo entrelaçados a noite toda eram mentira — o braço já estava dormente.

Tentou puxá-lo de volta, mas quando ela franziu o cenho no sono, ele desistiu.

Olhando para o dossel bordado com fênix e dragão, virou-se e pousou um leve beijo na testa dela antes de também adormecer.

Na manhã seguinte, ele acordou agarrado à beirada da cama, enquanto Jiuzhu dormia esparramada na diagonal, com a cabeça sobre o peito dele, ocupando quase todo o espaço.

Ele mexeu o braço. Ótimo — ainda funciona.

A luz do sol entrava pelas janelas quando ele cuidadosamente colocou a mão dela, que estava descoberta, de volta sob o edredom.

Mesmo ocupando só uma frestinha da enorme cama, ele não sentia vontade alguma de levantar naquela manhã tranquila.

Do lado de fora, criadas e eunucos do palácio já estavam trocando a água quente fazia horas, sem ousar fazer barulho.

— Senhorita Chunfen — o eunuco-chefe do Palácio Qilin, Yang Yiduo, se aproximou discretamente —, poderia nos contar as preferências de Sua Alteza? Queremos servi-la bem.

Depois do grandioso casamento de ontem, todos sabiam o quanto o Príncipe Chen prezava pela esposa. Todo o corpo de servos do Palácio Qilin estava em alerta, temendo qualquer deslize.

— Não precisam se preocupar, Mordomo Yang — respondeu Chunfen com calma. Como criada-chefe da noiva, ela tinha o respeito de todos. — Sua Alteza sempre foi gentil e amável. Enquanto todos cumprirem seus deveres com lealdade e seguirem as regras do palácio, ela nunca punirá ninguém injustamente.

— Claro, claro. Somos todos fiéis e diligentes. — Yang Yiduo percebeu rapidamente que Chunfen não era alguém fácil de enganar.

Quase uma hora depois, finalmente se ouviu movimento vindo de dentro. Yang e Chunfen trocaram gestos educados diante da porta, cada um insistindo para que o outro entrasse primeiro.

No fim, entraram juntos, exibindo sorrisos satisfeitos.

— Felicidades a Suas Altezas pela união!

— Levantem-se — disse o Príncipe Chen, com uma gentileza incomum. — Todos os servos do Palácio Qilin receberão dois meses de salário extra.

Ele notou Chunfen ao lado do mordomo Yang, reconhecendo-a como a criada principal entre as que vieram no dote de Jiuzhu.

— A senhorita Chunfen é a atendente pessoal da Princesa Consorte. A partir de agora, seguirá os protocolos de uma criada-palaciana de primeira classe. Yang Yiduo, vá hoje mesmo à Administração do Palácio e registre-a como dama da corte de sexto escalão. Traga o crachá oficial dela.

— Às ordens, Alteza. — Yang Yiduo lançou um olhar invejoso para Chunfen. Servir ao mestre certo fazia toda a diferença — de criada comum na casa de um ministro, ela se tornara dama da corte de sexto escalão em um instante. Ele mesmo havia entrado no palácio aos treze anos e batalhado por anos até alcançar seu cargo atual como mordomo-chefe de sexto escalão.

— Esta humilde serva agradece profundamente a generosidade de Vossa Alteza. — Chunfen sabia muito bem o que aquele título significava. Prostrou-se diante do Príncipe Chen com uma reverência profunda.

— Você é a atendente pessoal da Princesa Consorte. Sem um título oficial na corte, outros poderiam menosprezá-la. — O Príncipe Chen não escondia que o título era para elevar a posição de Jiuzhu. — Não precisa me agradecer. Apenas sirva bem a Princesa Consorte.

— Sim, Alteza. — Chunfen lançou um olhar para as cortinas da cama e viu sua senhora se mexer levemente. Sussurrou: — Alteza, a Princesa Consorte prefere não ter muitos atendentes ao acordar.

— Yang Yiduo e você podem ficar. Os demais podem se retirar. — O Príncipe Chen ajeitou as mangas, levantou a cortina da cama e sentou-se na beirada. Ao ver Jiuzhu, ainda sonolenta, abraçada aos cobertores, beliscou levemente sua bochecha. — Acordou, hein?

— Não estou com fome. Nada poderia me abrir o apetite agora.

— Então vou mandar alguém apressar o Duqing—

— Nem pense nisso! — cortou a Imperatriz Su. — Ninguém deve incomodá-los! Como pai dele, você deveria saber disso melhor do que ninguém.

O Imperador Longfeng silenciou, limitando-se a beber seu mingau em silêncio.

— Suas Majestades, o Príncipe Chen e a Princesa Consorte chegaram.

— Tragam-nos imediatamente! — A Imperatriz Su se levantou, fazendo sinal para que Xiangjuan pegasse os presentes que havia preparado.

— Pai-Imperador, Mãe-Imperatriz, ainda tomando o desjejum? — O Príncipe Chen entrou de mãos dadas com Jiuzhu, lançando um olhar à refeição inacabada sobre a mesa. — Seu filho e sua nora vieram prestar reverência.

— Esperem — o chão está frio. Uma jovem dama não pode deixar os joelhos esfriarem. — A Imperatriz Su mandou colocar uma almofada diante de Jiuzhu.

O Príncipe Chen olhou fixamente para o chão nu à sua frente, sem palavras.

"Será que um príncipe não tem direito a uma almofada?"

Jiuzhu puxou a almofada para o centro e puxou o Príncipe Chen para que se ajoelhasse ao seu lado sobre a almofada generosa.

— Pai-Imperador, por favor aceite este chá. — Jiuzhu apresentou a xícara com as duas mãos, fazendo uma profunda reverência.

— Muito bem. — O Imperador Longfeng tomou um gole e então colocou vários títulos de propriedade nas mãos dela. — Tenho pouco a oferecer, mas essas vilas com fontes termais e retiros são propriedades particulares minhas. Visite-os sempre que quiser descansar.

— Obrigada, Pai-Imperador.

O Príncipe Chen olhou para os títulos com olhos atentos.

— Pai, sempre tive uma queda por aquela propriedade das termas.

— Que pena. Agora pertence à sua esposa. — O Imperador Longfeng riu. — Já não me tirou o bastante ao longo dos anos?

— Não se preocupe, Alteza — Jiuzhu sussurrou. — O que é meu é seu.

— Mãe-Imperatriz, por favor aceite este chá. — Depois de guardar os títulos nas mãos do Príncipe Chen, Jiuzhu ofereceu chá à Imperatriz Su.

— Muito bem, muito bem. — A Imperatriz Su bebeu com gosto e, em seguida, ajudou Jiuzhu a se levantar pessoalmente. — Venha, sente-se e vamos conversar.

— Majestade. — Xiangjuan empurrou discretamente a bandeja com os presentes.

— Ah, quase me esqueci. — A Imperatriz Su massageou as têmporas, sorrindo. — Já que Sua Majestade lhe deu propriedades, eu lhe darei algumas lojas na cidade e uma residência com pátio. Se Duqing algum dia a irritar, vá morar lá. Lembre-se: homem não deve ser mimado.

Hã-hã. O Príncipe Chen lançou um olhar à mãe. "Querida mãe, permita-me lembrá-la que sou seu filho de sangue, não um genro?"

— Se está com a garganta seca, peça à cozinha que prepare sopa de pera com fritilária — retrucou a Imperatriz Su, acenando displicentemente. — Não interrompa minha conversa com Jiuzhu.

Príncipe Chen: "…"

Ele se aproximou e sentou-se ao lado do Imperador Longfeng, que lhe deu um tapinha no ombro.

— Meu filho, um homem casado deve aprender com a relva selvagem ao pé do muro — forte e resistente.

— Acabou de chegar ao palácio. Se houver algo com que não esteja acostumada, venha me contar — disse a Imperatriz Su para Jiuzhu. — Como princesa consorte, não precisa seguir tantas regras ao sair do palácio. Que Duqing a acompanhe com frequência em seus passeios.

— Majestade — Jiuzhu não conseguiu conter o sorriso —, Sua Alteza me trata muito bem.

— Por que está me chamando de "Majestade" de novo?

— Mãe. — As bochechas de Jiuzhu coraram levemente.

— Fiquem aqui para o almoço — disse a Imperatriz Su animada. — Mandei a cozinha preparar seus pratos favoritos. À tarde, podem visitar os irmãos e cunhadas no Palácio Zhangliu.

Jiuzhu assentiu, os olhos brilhando de alegria enquanto olhava para a Imperatriz Su e depois para o Príncipe Chen, que estava sentado ao lado do imperador.

No Palácio Zhangliu, vários príncipes estavam sentados no pátio, esperando com impaciência. Quando o sol já estava alto, um mensageiro do Palácio da Lua Brilhante chegou com a notícia de que o imperador e a imperatriz haviam retido o Príncipe Chen e sua consorte para o almoço, e que o casal só os visitaria à tarde.

— Ufa. — O Príncipe An soltou um suspiro aliviado, relaxando a postura rígida ao se levantar preguiçosamente. — Vou voltar para meus aposentos e me junto a vocês para o xadrez à tarde.

A partida de xadrez era apenas um pretexto improvisado, uma encenação por causa do Quinto Irmão. Agora que ele não viria, ninguém se importava mais em manter as aparências.

O Príncipe Huai recolheu todas as peças de xadrez de uma vez, misturando preto e branco em caos.

— Irmão mais velho. — O Príncipe Jing olhou para as peças espalhadas e forçou um sorriso amargo. — Também vou me retirar para meus aposentos.

O Príncipe Huai acenou com a mão, indicando que podia ir.

— Irmão mais velho. — Yun Yanze pegou uma peça da caixa e a colocou no centro do tabuleiro. — Jogue comigo.

O Príncipe Huai ergueu as pálpebras para encará-lo e bufou.

— Quarto Irmão, sua mente é astuta demais. Como seu irmão mais velho, não consigo competir com você.

— Já perdi completamente — disse Yun Yanze, movendo a peça para outro ponto. — Não é surpresa que o Irmão mais velho não queira jogar comigo. Pena que nosso Quinto Irmão não gosta de xadrez — caso contrário, poderia testar suas habilidades com ele.

— Quarto Irmão, está enganado. — O Príncipe Huai pegou a peça e a lançou de volta na caixa. — O Quinto Irmão é diferente de nós. Ele não precisa jogar xadrez.

Yun Yanze soltou uma risada baixa e sombria. "Se todos eram jogadores neste tabuleiro, por que Yun Duqing era a exceção?"

— Não leve para o lado pessoal. Na vida, pode-se recusar a acreditar no destino, mas mais cedo ou mais tarde é preciso se curvar a ele — disse o Príncipe Huai, o tom carregado de desdém por aquele irmão aparentemente gentil, mas implacável. — A propósito, Quarto Irmão, já ouviu uma fábula popular?

Yun Yanze o encarou com calma.

— Dizem que havia um velho numa aldeia que odiava gatos e cachorros. Sempre que via um, jogava pedras. Um dia, um gato arranhou a mão dele quando estava distraído. Dias depois, o velho enlouqueceu de repente, mordendo todo mundo e com medo de água. Diziam que era punição por sua crueldade com os animais. — O Príncipe Huai sorriu e baixou a voz. — Sabe que doença era essa, Quarto Irmão?

Yun Yanze sorriu de leve e balançou a cabeça.

— O Irmão mais velho sabe?

— É chamada de "doença do gato louco" — sussurrou o Príncipe Huai. — Dizem que quem sofre com isso vê gatos morrendo de forma horrível todos os dias, atormentados até a morte. Quarto Irmão… está com medo?

Yun Yanze tomou um gole de chá da mesa.

— Quem tem a consciência limpa não teme nada.

— Hã. — O Príncipe Huai zombou. — Muito bem dito, Quarto Irmão. — E, com isso, virou-se e saiu a passos largos de volta para seus próprios aposentos.

Yun Yanze pegou um punhado de peças de xadrez e as espalhou pelo tabuleiro. Em seguida, tocou distraidamente o próprio pulso.

— Bobagem.

Com um movimento da manga, incontáveis peças caíram no chão com estalos secos.

— O sol já está alto — murmurou Ming Jiyuan, encostado na parede do pátio enquanto falava com Ming Cunfu do outro lado. — Será que Jiuzhu enfrentou alguma dificuldade?

— Terceiro Irmão, você está assim desde de manhã — gemeu Ming Cunfu, escorando-se contra a parede. Pensou em sugerir que, se Ming Jiyuan estava tão preocupado, que se casasse logo e cuidasse da própria vida.

Mas ao lembrar da força assustadora do irmão, engoliu as palavras.

— As pessoas no palácio são traiçoeiras, dizem uma coisa e escondem três. Ela tem quatro cunhadas acima dela — vai saber se vão tratá-la bem? — Ming Jiyuan apertava a parede com força. — E os criados do palácio… Jiuzhu é bondosa. E se eles desobedecerem pelas costas dela?

— Terceiro Irmão, para de apertar isso! Se quebrar a parede, vão cortar nossa mesada de novo! — Ming Cunfu usou toda a força para tentar soltar os dedos do irmão. — Entre os cinco príncipes, só o Príncipe Chen é filho da imperatriz. Você acha mesmo que os criados teriam coragem de desrespeitar nossa irmã? Esqueceu o temperamento dele? Com ele por perto, quem se atreveria a intimidar Jiuzhu?

— Confiar num homem nunca é tão seguro quanto confiar em si mesma. O Príncipe Chen não pode estar ao lado dela o tempo todo. E se houver intrigas e conspirações—

— Terceiro Irmão, você não conviveu o bastante com Jiuzhu pra conhecê-la de verdade — grunhiu Ming Cunfu, o rosto vermelho de tanto esforço, sem conseguir soltar a mão do irmão da parede. — Ela pode parecer ingênua no dia a dia, mas quando importa, ela é afiada.

Ming Jiyuan finalmente soltou a parede, quase fazendo Ming Cunfu cair pra trás.

— Quando ela voltar pra casa daqui a dois dias, você mesmo pode perguntar se está se adaptando bem à vida no palácio.

— Você esqueceu — disse Ming Jiyuan com amargura — que Jiuzhu agora é uma noiva real. Não existe esse costume de voltar pra casa três dias depois do casamento.

Ming Cunfu congelou. Só então a realidade caiu sobre ele — sua irmã estava realmente casada, não fazia mais parte da família Ming.

Nem sequer uma visita de volta?

Depois de um longo silêncio, murmurou:

— Talvez… talvez Sua Alteza a traga de volta?

O Príncipe Chen foi buscá-la pessoalmente — talvez fizesse uma exceção pra isso também.

— Mesmo que o Príncipe Chen concorde, e o imperador e a imperatriz? Será que não se oporiam?

— Jiuzhu disse que a Imperatriz Su… gosta dela — Ming Cunfu se agarrou a um fio de esperança. — Com certeza ela não proibiria.

— Muitas sogras mudam de atitude depois do casamento. — Ming Jiyuan bateu com a palma da mão na parede — dessa vez, Ming Cunfu não conseguiu impedi-lo.

Com um estrondo, um grande pedaço da parede desmoronou.

Ming Cunfu recuou vários passos, se afastando da cena.

Ming Jiyuan lançou-lhe um olhar desapontado. "Se até meu próprio irmão me abandona num momento de crise, quão mais hipócritos devem ser os laços entre aqueles príncipes imperiais?"

— Terceiro Irmão, não é que eu não queira dividir suas preocupações — gritou Ming Cunfu por cima do ombro enquanto fugia —, é que eu tô realmente sem um tostão! Se cortarem minha mesada de novo, nem dinheiro pra comprar rouge pra minha noiva eu vou ter!

Ao ver seu sexto irmão — que mal conseguia escalar muros normalmente — correr como o vento, Ming Jiyuan suspirou:

— A inconstância do coração humano.

— Jovem Mestre! — Um servo apareceu correndo, olhou a parede destruída e deu um passo cauteloso pra trás. — Um taoísta está lá fora. Disse que foi enviado pelos dois mestres da senhorita Jiuzhu para entregar presentes de casamento.

— Traga-o imediatamente — disse Ming Jiyuan, voltando ao foco e marchando até o portão. — Sirvam o melhor chá. Tratem nosso convidado com respeito.

Ele correu até o salão principal e viu uma sacerdotisa taoísta de meia-idade, com os cabelos presos por um grampo de madeira e vestida com uma túnica azul. Estava sentada, tranquila. Ele se curvou:

— Este júnior é Ming Jiyuan, irmão mais velho de Jiuzhu. Não sabia da ilustre visita e falhei em demonstrar a devida cortesia. Peço perdão pela falta.

— É muita gentileza sua, Jovem Mestre Ming. — A sacerdotisa devolveu a reverência e tirou uma caixa de madeira de sua bolsa. — Ao passar pela capital, fui incumbida por dois colegas taoístas de entregar este item à família Ming. Felizmente, cumpri minha missão. Por favor, aceite.

— Minha mais profunda gratidão, Sacerdotisa. — Vendo que ela pretendia partir logo após a entrega, Ming Jiyuan apressou-se em dizer: — Deve estar exausta da viagem. Por que não permanece alguns dias em nossa humilde residência? Quando Jiuzhu voltar, poderá agradecer pessoalmente.

— Nós que seguimos o caminho do Dao vivemos ao sabor do destino, encontrando e partindo conforme os ventos. Nada forçamos neste mundo. — A sacerdotisa sorriu. — Se deseja mesmo demonstrar gratidão, Jovem Mestre, basta acender um incenso aos Três Puros ou oferecer meia tigela de arroz a um mendigo. Isso já será mérito suficiente para nós dois.

— Se não deseja permanecer, este júnior não ousará insistir. Mas poderia ao menos revelar seu nome e título, para que eu possa explicar corretamente à minha irmã?

— Esta velha sacerdotisa é apenas uma nuvem errante, um grou selvagem. Um nome não passa de um rótulo — não se preocupe com isso. — Ela riu com leveza. — Basta relatar os acontecimentos de hoje à senhorita Ming. Ela tem afinidade com o Dao e entenderá.

O coração de Ming Jiyuan acelerou — "Afinidade com o Dao?"

— Não pense demais, Jovem Mestre — disse a sacerdotisa, como se lesse seus pensamentos. — Todos os que seguem o próprio coração têm afinidade com o Dao. A senhorita Ming é uma alma perceptiva.

Ela deu um leve tapinha na caixa de madeira.

— No entanto, devo pedir que este item seja entregue pessoalmente por você nas mãos da senhorita Ming.


Capítulo 75 – A Chegada da Primavera

Depois do almoço no Palácio da Lua Brilhante, o casal recém-casado saiu junto. O Príncipe Chen perguntou a Jiuzhu:

— Você costuma tirar cochilos à tarde?

— De vez em quando pular um não faz mal — respondeu Jiuzhu.

— Então vá descansar hoje também. — O Príncipe Chen a acompanhou de volta ao Palácio Qilin. — Quando você acordar, vamos visitar o Palácio Zhangliu.

— Não vai ficar tarde demais? — Jiuzhu ergueu a barra da saia. — Talvez pudéssemos ir ao Palácio Zhangliu antes, e depois voltar para descansar?

— Eles também têm o hábito de cochilar à tarde. — O Príncipe Chen beliscou de leve o lóbulo da orelha dela. — Vá dormir primeiro. Depois eu venho te buscar.

Jiuzhu lançou-lhe um olhar e assentiu:

— Está bem.

— Senhorita — disse Chunfen, entrando com Jiuzhu no quarto e fechando a porta suavemente antes de sussurrar —, por que não perguntou aonde Sua Alteza vai?

— Por que eu perguntaria? — Jiuzhu começou a tirar os grampos do coque. — Ele disse que viria me acordar depois.

Chunfen ficou momentaneamente atônita. Embora geralmente fosse calma, tendo acabado de entrar no palácio interno com sua senhora, não conseguiu conter a ansiedade. Estava preocupada que Jiuzhu tivesse dificuldade para se adaptar também...

— Me desculpe, Senhorita — disse Chunfen, ajudando-a a retirar os enfeites de cabelo. — Esta serva se excedeu nas palavras.

— Irmã Chunfen — Jiuzhu segurou sua mão —, você tem feito um trabalho maravilhoso. Se não fosse por mim, nem precisaria ter vindo ao palácio.

— Senhorita, como pode dizer algo assim? — Chunfen guardou cuidadosamente as joias. — Fui abandonada pelos meus pais ao nascer, só por ser mulher, e deixada para ser órfã aos olhos dos outros. A Senhora me acolheu porque sentia sua falta. Todos esses anos, ela garantiu que eu tivesse comida e roupas decentes. Diferente de outras meninas de famílias pobres, não fui forçada a me casar às pressas com algum desconhecido e viver uma vida caótica e exaustiva.

— Nem mesmo mulheres nobres têm tudo o que querem — como eu, então, poderia esperar algo melhor? — Chunfen pegou um pente e começou a alisar suavemente os cabelos de Jiuzhu. — Tive sorte de que a Senhora e você me ofereceram um novo caminho.

Uma criada do palácio de sexto escalão — quantas mulheres comuns poderiam sequer sonhar com isso?

Seu único medo era não estar à altura e acabar sendo um fardo para sua senhora.

— Esta serva tem mais uma coisa no coração... — Chunfen hesitou, sem saber como tocar no assunto das questões íntimas entre sua senhora e o príncipe. Ainda assim, preocupava-se se o Príncipe Chen realmente se importava com Jiuzhu.

Mas havia algo que ela sabia: nenhum homem continuava sendo um cavalheiro na noite de núpcias — a menos que fosse menos do que humano.

— O que foi? — Jiuzhu sentou-se na beira da cama e ergueu os olhos para ela. — Pode perguntar à vontade.

— Não é nada — disse Chunfen, balançando a cabeça com um sorriso. Ela não era tão perceptiva quanto sua senhora; insistir só traria problemas. — Senhorita, descanse agora.

— Se quiser, pode me perguntar depois. — Jiuzhu se jogou na cama, a cabeça afundando no travesseiro. De repente, lembrou-se do livro ilustrado que Sua Alteza havia jogado debaixo da cama na noite anterior, recusando-se a deixá-la ver.

Levantou-se num pulo e se agachou para procurar debaixo da cama.

— Senhorita, o que está procurando? — Chunfen se ajoelhou ao lado dela. — Cuidado pra não sujar a roupa — deixe que eu procuro.

— Achei. — Jiuzhu puxou o livro espalhado debaixo da cama. — Os criados do Palácio Qilin são tão caprichosos — até limpam debaixo da cama.

— Sua Majestade e Sua Alteza prepararam especialmente este quarto nupcial para você e Sua Alteza. Naturalmente, não restou nem um grão de poeira. — Vendo que sua senhora já tinha pego o que queria, Chunfen se levantou. — Senhorita, vou esperar do lado de fora. Chame se precisar de algo.

— Uhum. — Jiuzhu se enfiou debaixo das cobertas e abriu um dos livros.

Depois de folhear algumas páginas, o fechou bruscamente e levou as mãos às bochechas coradas.

Talvez o que abrira não fosse apenas um livro — mas os próprios portões do yin e yang.


No pátio externo do Palácio Zhangliu, os três príncipes estavam à toa após o almoço — um lendo, outro jogando xadrez, todos de vez em quando lançando olhares para o portão.

Passos se aproximaram.

Quando o rosto do Príncipe Chen apareceu, todos esboçaram sorrisos contidos — apenas para vê-los murcharem ao perceberem que ele não trouxera sua esposa.

O que era aquilo? Apresentar a nova esposa aos irmãos e cunhadas mais velhos era uma tradição secular do clã Yun. Como Yun Duqing podia simplesmente ignorá-la?

— Os três irmãos mais velhos estão todos aqui? — Yun Duqing entrou no pátio como se estivesse alheio aos pensamentos deles. — Faz só um dia que me mudei, e já estou com saudades deste lugar.

Príncipe Huai ficou completamente enojado com o comentário. Se ele sentia tanta falta, por que não voltava a morar lá?

Já o Príncipe An perguntou curioso:

— Quinto Irmão, por que não trouxe sua esposa?

— Na verdade, é por isso que estou aqui. — O Príncipe Chen sentou-se ao lado do Príncipe Huai. — Irmãos mais velhos, não andam ocupados ultimamente, não é?

Os três príncipes quase reviraram os olhos. Presos no Palácio Zhangliu, com até suas saídas na noite do Festival das Lanternas vigiadas pelos Guardas Imperiais — o que poderiam fazer?

— Se os Irmãos mais velhos não estão ocupados, então não preciso me apressar. — O Príncipe Chen aceitou uma xícara de chá de um eunuco. — Vou levar minha esposa para cumprimentar vocês daqui a duas horas.

Eles esperaram a manhã toda, e agora ele queria atrasar mais duas horas?

Até lá, já quase seria anoitecer.

— Quinto Irmão — Príncipe Huai não resistiu a dizer —, mulher não deve ser mimada. Quanto mais você estragar, mais complicada ela fica.

— Se ela me casou e virou princesa, por que não deveria ser mimada? — O Príncipe Chen fingiu choque. — Caso contrário, pra que servimos nós, príncipes?

— Quinto Irmão está certo. — O Príncipe An largou o livro que mal tinha folheado. — Como príncipes, devemos—

Príncipe Huai lançou-lhe um olhar e ele engoliu o que ia dizer, embora o sorriso mostrasse concordância.

— Respeito mútuo entre marido e mulher — o homem garantindo o bem-estar da dama, a dama oferecendo devoção suave — é o caminho para a harmonia duradoura. — Príncipe Jing interveio. — Tanto o Irmão Mais Velho quanto o Quinto Irmão têm bons argumentos.

Nesse momento, Yun Yanze e Sun Caiyao chegaram de braços dados, a imagem do casal real exemplar.

— Quarto Irmão, Quarta Cunhada, timing perfeito. Assim, não preciso ir até o seu pátio. — O Príncipe Chen olhou para eles. — Minha esposa e eu visitaremos vocês mais tarde — por favor, sejam pacientes conosco.

— No primeiro dia de casamento, é natural que o Quinto Príncipe e a Princesa levem o tempo que quiserem. — O olhar de Sun Caiyao demorou-se nas vibrantes vestes vermelhas de Yun Duqing.

Ela havia se casado com o homem do seu coração, e Ming Jiuzhu estava com o Príncipe Chen — muito melhor do que o final dos seus sonhos.

— Ah. — Príncipe Huai pareceu finalmente entender a situação, abanando as sobrancelhas para o Príncipe Chen. — Recém-casados, inseparáveis — entendo a vontade de descansar um pouco mais.

A expressão do Príncipe Chen escureceu.

— Irmão Mais Velho, se sua cabeça estiver cheia de bobagens, ela pode muito bem rolar para fora dos seus ombros.

Ser repreendido tão diretamente diante dos irmãos deixou Príncipe Huai vermelho.

— Posso ser jovem e impulsivo, mas jamais brincaria com as questões privadas do Irmão Mais Velho e da Cunhada. — O temperamento do Príncipe Chen explodiu sem restrições — quando quer ensinar uma lição, não vê motivo para poupar palavras.

— Irmão Mais Velho, como o mais velho, deveria cuidar melhor do que diz. — Príncipe Chen baixou um pouco a cabeça, olhando para Príncipe Huai, sentado junto ao tabuleiro de xadrez. — Irmão, não acha que tenho razão?

Príncipe Huai congelou. No olhar de Yun Duqing, viu uma aura cortante e opressiva.

Desde quando Yun Duqing, que normalmente passava os dias caçando grilos e galos, tinha tamanha presença?

— Você está certo. — Príncipe Huai escondeu o choque atrás de um sorriso forçado. — Este irmão mais velho falou sem pensar. Quinto Irmão, não leve a mal.

— Tudo bem. — Príncipe Chen riu baixinho, endireitando-se. — Acredito que o Irmão Mais Velho não cometerá esse erro novamente.

— Quinto Irmão, Irmão Mais Velho? — Príncipe An largou o livro, olhando para eles confuso. — Do que vocês dois estão falando?

— Nada demais, só discutindo alguns princípios da vida com o Irmão Mais Velho. — Príncipe Chen olhou para ele. — Segundo Irmão quer participar?

— Não, obrigado. — Príncipe An recusou na hora.

Suas vidas são sérias demais — melhor não me envolver.

Os olhos do Príncipe Jing passaram pelo sorriso forçado de Príncipe Huai antes de baixar a cabeça ainda mais.

— Agradeço a compreensão, irmãos mais velhos. Vou me retirar agora.

Os príncipes ficaram observando a figura de Príncipe Chen se afastar, nenhum disposto a falar.

Se não tivessem medo de provocá-lo, quem se importaria em ser “compreensivo”?

— Irmão Mais Velho, o Quinto Irmão sempre foi assim. Agora que também conta com o favor da Imperatriz Mãe... — Príncipe Jing tentou consolá-lo. — Não deixe isso afetar a ligação entre nós, irmãos.

Príncipe Huai olhou para ele e deu um risinho sarcástico.

A ideia de afeto fraterno genuíno entre membros da realeza era a maior piada de todas.


Em alto astral por causa da boa sorte, Príncipe Chen caminhou do Palácio da Lua Brilhante de volta ao Palácio Qilin.

As paredes do palácio brilhavam como jade vermelho-sangue, as telhas verdes eram tão frescas quanto folhas novas. Os pássaros cantavam, as flores desabrochavam — a primavera chegara cedo.

À porta do palácio, ele diminuiu o passo e perguntou baixinho para a criada que esperava do lado de fora:

— A Princesa Consorte está dormindo?

— Senhora Chunfen acabou de acompanhar Sua Alteza até os aposentos. — A criada sussurrou. — Esta serva não ousou entrar para não atrapalhar o descanso de Sua Alteza.

Príncipe Chen empurrou a porta só o suficiente para escorregar para dentro de lado.

A criada arregalou os olhos para os movimentos furtivos do príncipe, quase os saltando para fora.

Sua Alteza faria de tudo para evitar acordar a Princesa Consorte do cochilo?

Chunfen bordava um lenço no aposento externo quando Príncipe Chen entrou de pontas dos pés, surpreendendo-a. Ela se levantou rapidamente:

— Sua Alteza.

— A Princesa Consorte está dormindo? — perguntou o príncipe em voz baixa.

Chunfen assentiu.

Ele entrou no aposento interno, levantou as cortinas da cama e encontrou a Pequena Ming sentada de pernas cruzadas na cama, com vários livros abertos à sua frente, com uma expressão estranhamente peculiar.

— Sua Alteza, o senhor já voltou? — Ming Jiuzhu olhou para ele, fechando calmamente os livros antes de... jogá-los de volta debaixo da cama.

— Por que você tirou esses livros daí? — Príncipe Chen empurrou os livros ainda mais para baixo da cama com o pé, o rosto queimando enquanto se sentava ao lado de Jiuzhu. — Aqueles livros sem sentido não valem a pena serem lidos.

— Mhm. — Jiuzhu assentiu, deitando-se e virando as costas para ele.

— Sua Alteza, vou tirar um cochilo agora. — Olhando para a nuca dela, Príncipe Chen sentiu que havia algo errado. Pensando que talvez ela estivesse chateada por causa daqueles livros indecentes, apressou-se em explicar:

— Eu não comprei aqueles.

— Ah.

Tudo o que ele recebeu de resposta foi a nuca dela.

— O que houve? — Ele cutucou seu ombro, espiando por entre as cobertas. — Você tá chateada?

— Alteza. — Jiuzhu se sentou de repente, encarando-o com um olhar sério. — Se algum dia você se apaixonar por outra pessoa, precisa me contar. Eu não vou dificultar as coisas pra você.

— Que bobagem é essa? — O Príncipe Chen bagunçou os cabelos soltos dela com a mão grande. — Quem encheu sua cabeça com essas tolices? Em todos esses anos, nunca sequer segurei a mão de outra moça além de você.

— Talvez não agora, mas um dia vai acontecer. — Jiuzhu apertou os cobertores, os olhos úmidos como se segurasse o choro, mas o olhar permanecia firme. — O que você decidir fazer, tudo bem.

Ao ver os olhos marejados dela, o Príncipe Chen suspirou e a puxou para seus braços.

— Nunca houve ninguém antes e nunca haverá depois. Só você. Não fica pensando demais.

Ele já tinha ouvido alguns daqueles libertinos da corte dizerem que mulheres tendem a ser mais inseguras no início do casamento. Achou que era besteira... mas no fim, era verdade.

Quando sua princesa fazia birra do nada, o que mais podia fazer senão acalmá-la com carinho?

— Alteza está mentindo. — Jiuzhu o empurrou com força, quase derrubando-o da cama, só para puxá-lo de volta em seguida. — Você não pode fazer isso.

— Eu jamais mentiria pra você. — Quanto às bazófias sobre o Ministério dos Ritos depender dele... bem, isso era só orgulho masculino, tecnicamente não era mentira.

— Jura?

— Juro. — O Príncipe Chen se arrastou mais pra dentro da cama, evitando ser jogado no chão.

— Entendi. — Jiuzhu o encarou por um momento, o olhar suavizando... quase piedoso. — Alteza, tudo bem. Não importa o que aconteça, você sempre vai ser o melhor no meu coração.

O Príncipe Chen piscou diante do tom e da expressão dela. Tinha algo... estranho nisso.

E sabiamente ficou em silêncio.

Como ele não respondeu, Jiuzhu o abraçou pela cintura.

— Não pensa demais. Eu não me importo com essas coisas.

“Não se importa com o quê?”

Num instante, ele se lembrou dos livros debaixo da cama.

Nenhum homem conseguiria ignorar essa insinuação.

— Porquinha Ming, me diz exatamente o que você tá pensando.

— Eu não tô pensando nada! — Jiuzhu sacudiu a cabeça com força. — Alteza, não fica bravo.

— Eu não tô bravo. Só tô arrependido. — O Príncipe Chen cerrou os dentes, arrependido de ter deixado ela dormir cedo na noite anterior, com pena do cansaço.

— Arrependido do qu—

Lábios quentes tocaram os dela. O Príncipe Chen murmurou em seu ouvido:

— Porquinha Ming, certas coisas não viram “tudo bem” só porque você diz que não se importa.

Ele se importava. E muito.

As flores de damasqueiro desabrochavam enquanto a chuva primaveril flutuava pelo ar, salpicando as pétalas com gotículas cintilantes.

Uma brisa soprou, espalhando uma chuva de pétalas — o mais belo cenário da primavera.

— Tá chovendo. — O Príncipe Huai ergueu os olhos para o céu nublado. O crepúsculo já se aproximava.

— Irmão Mais Velho, devemos continuar esperando? — O Príncipe An guardou o livro dentro das vestes para protegê-lo da chuva.

— Primeiro esperamos da manhã até o meio-dia, depois do meio-dia até a tarde — resmungou o Príncipe Huai. — Eles querem que a gente espere até a noite, é isso?

Eles esperaram, esperaram... até que anoiteceu e o Palácio da Lua Brilhante acendeu suas lanternas — e o Príncipe Chen, junto de sua consorte, nunca apareceu.

No Palácio Qilin, o Príncipe Chen segurava Jiuzhu, que dormia profundamente, com a leve sensação de que estava esquecendo alguma coisa.

“Ah, deixa pra lá. Se esqueci tão fácil assim, não deve ser importante.”

Puxou-a ainda mais para perto, ajeitou cuidadosamente as cobertas ao redor dela e voltou a dormir.

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