Capítulo 8: Idade relativa e idade absoluta


 Dongfang Li tinha barcos exclusivos para ir e vir, mas Mu Yungui precisava pegar um barco voador público para voltar. Como morava longe, o número de passageiros foi diminuindo aos poucos, até que restou apenas ela no final do trajeto.

Dois dias após seu retorno, Mu Yungui recebeu uma série de más notícias. Sentada à janela, observava o mar sob seus pés, sentindo-se um tanto abatida. O mar era sempre daquele mesmo azul imutável. Após um longo tempo de tédio, uma encosta tranquila e verdejante surgiu diante de seus olhos. Ao vê-la, Mu Yungui sentiu suas emoções se elevarem lentamente.

Sim... eu não estou sozinha. Ainda há alguém na minha família que precisa de mim. Como posso me deixar abater?

O barco voador atracou na estação e ancorou na costa. Mu Yungui desceu correndo as escadas, atravessou apressada os campos cobertos de flores e subiu pela encosta.

A Ilha Tianjue tinha formato anelar, parecendo um gancho de prata visto de longe. As quatro grandes famílias estavam distribuídas ao leste, sul, oeste e norte. Havia um estreito no sudoeste que conectava com o mar aberto — era ali que ficava a casa de Mu Yungui, no lado oposto ao cabo do gancho.

A barreira ao redor da ilha era construída ao longo da borda externa de Tianjue. Em teoria, ela também protegia o estreito, mas na prática, o oceano era vasto demais, e o mundo subaquático era impossível de controlar totalmente. De tempos em tempos, bestas marinhas acabavam entrando no mar interior. Felizmente, havia duas camadas de barreira e a filtragem natural do estreito, então as que conseguiam passar eram apenas criaturas pequenas. Primeiro, porque de fato a barreira não era infalível, e aumentar seu poder custaria muito caro. Segundo, porque os jovens da ilha também precisavam ser testados, e os anciãos aceitavam esse risco como parte do processo de fortalecimento.

No entanto, a extremidade sudoeste — o cabo do gancho — era a mais distante e isolada, cercada por três lados de mar aberto. A barreira ali era extremamente fraca, tornando-a a área mais perigosa da ilha. Ninguém queria morar naquele lugar. Por isso, quando a mãe de Mu Yungui, Mu Jia, propôs se estabelecer ali, os anciãos concordaram sem dificuldade. A família ocupava apenas uma pequena encosta, mas, na prática, Mu Yungui tinha direito de uso de toda a península.

Felizmente, por Tianjue ser uma ilha circular, barcos e barcos voadores circulavam o mar interior todos os dias. Mesmo morando longe, Mu Yungui podia usar o transporte público. O problema era que poucos barcos atracavam nesse cais, então ela precisava calcular cuidadosamente os horários toda vez que fosse para a escola ou para o mar.

A casa dos Mu ficava numa colina, com um campo gramado e o mar à frente, uma floresta densa aos fundos e o oceano sem fim ao longe. A paisagem era magnífica. Era março, o sol brilhava, o céu estava azul e as encostas cobertas por flores silvestres. A garota de branco passava pelas flores com seu vestido esvoaçante — bela como uma pintura.

Um pátio de madeira simples e rústico ficava à frente. Antes mesmo de chegar perto, Mu Yungui já anunciou alegremente:

— Estou de volta!

Jiang Shaoci estava sentado no pavilhão do segundo andar, folheando um livro. Ao ouvir a voz, olhou para o tempo e ergueu as sobrancelhas, surpreso:

— Ainda não é hora de terminar as aulas... já voltou?

Dez mil anos se passaram, e o ensino ficou tão negligente assim? Mu Yungui saiu de manhã e já estava de volta à tarde. Descontando o tempo de trajeto, ela passara apenas três horas na escola.

Com um ponto de partida tão baixo e meio dia de aula... O mundo da cultivação realmente não tem mais salvação, pensou ele, largando o livro com resignação.

A casa de Mu Yungui era muito simples. Havia uma construção principal de três cômodos com um sótão. O salão central e o quarto leste formavam a sala de estar, e o quarto oeste era o dormitório de Mu Jia. Uma escada levava diretamente ao sótão do segundo andar, onde Mu Jia havia instalado várias estantes — funcionava como biblioteca e depósito ao mesmo tempo.

Havia um anexo com dois cômodos a leste da casa principal — ali era o quarto de Mu Yungui. A oeste, ficava uma cabana separada, que servia como cozinha. No canto sudoeste do pátio havia um pavilhão, provavelmente usado nas noites quentes de verão. Árvores cercavam o pátio por três lados, e o som das ondas podia ser ouvido ao abrir a janela. Em frente ao quarto de Mu Yungui havia uma árvore de flores cor-de-rosa.

A casa era simples, mas a disposição dos móveis era aconchegante e organizada — havia calor humano em cada detalhe. Jiang Shaoci morava ali agora. Não havia retratos de Mu Jia pela casa, mas ele podia imaginar que a mulher fora gentil, instruída e bela.

Mu Jia havia guardado cuidadosamente no sótão todos os brinquedos e livros da infância de Mu Yungui, inclusive uma espada de madeira de quando era criança. Não é de se admirar que Mu Yungui tenha crescido como uma garota doce e inocente, mesmo em uma ilha carente de recursos. Ficou claro que ela foi criada em um lar cheio de amor.

Jiang Shaoci suspirou por dentro, sem saber se o que sentia era inveja ou apenas emoção. Deixou o livro de lado e desceu do sótão.

Graças ao zelo de Mu Jia, Jiang Shaoci encontrou com facilidade todos os livros didáticos da filha, desde a infância. Após a volta de Mu Yungui, ele passou a estudar no sótão, aprendendo sobre o mundo pouco a pouco através dos livros mais básicos. Foi assim que descobriu que o sobrenome dela era "Mu".

Mas antes mesmo de terminar a leitura, Mu Yungui já estava de volta. Quando ele entrou na sala, ela estava abrindo a porta do pátio. Pela janela entreaberta, Mu Yungui viu Jiang Shaoci mexendo com naturalidade na mesa de fofocas¹ e retirando uma caixa do baú de gelo para comer. Por um instante, ela ficou sem entender.

¹ Nota: “mesa de fofocas” ou “gossip plate” pode se referir a uma mesa interativa ou tecnológica no universo da história — provavelmente um tipo de console ou mesa mágica comum.

Ele mal sabia o que era isso ontem... Já aprendeu a usar até o baú de gelo em meio dia?

Mu Yungui colocou seus pincéis e tintas de volta no quarto e perguntou pela janela, curiosa:

— Como você sabia que havia comida no baú de gelo?

Jiang Shaoci pegou uma colherada da sobremesa e respondeu com calma:

— É difícil?

Mu Yungui ficou sem palavras. Sorriu e comentou satisfeita:

— Tomar sol faz bem mesmo. Quando eu estava na aula, fiquei preocupada se você não estaria em perigo aqui sozinho.

Jiang Shaoci bufou baixinho. Ele em perigo? Na verdade, era mais provável que a ilha estivesse em perigo por causa dele.

Depois de algumas trocas de palavras, Jiang Shaoci terminou a sobremesa. Largou a colher de prata sem nem perceber, pensando que, embora este tempo fosse inútil em muitos aspectos, ao menos a comida era boa.

Mu Yungui, depois de arrumar os livros, correu para a cozinha buscar água. Morando sozinha, ela precisava cuidar de tudo. Jiang Shaoci a observou por um momento e perguntou:

— Você vive nessa ilha... como consegue água potável?

Na noite anterior, o boneco mencionara que Tianjue cultivava seu próprio arroz vermelho, entre outros alimentos. A autossuficiência era viável em termos de comida, mas... e a água?

Mu Yungui, lá da cozinha, respondeu com voz alta:

— Tianjue tem uma formação de purificação de água. Dizem que foi um presente de um imortal. Quando a passagem ainda estava aberta, os imortais que vinham até aqui aproveitavam para verificar as barreiras e formações da ilha. Às vezes, traziam novos artefatos mágicos também. Mas... já faz mil anos que Tianjue foi esquecida. Nenhum imortal apareceu desde então, e as formações da ilha estão sem manutenção há um milênio.

Jiang Shaoci sabia muito bem que os tais “imortais” mencionados pelos ilhéus eram, na verdade, discípulos ou descendentes de seus antigos conhecidos. Foram eles que o selaram nessa ilha remota. Por medo — ou por outros motivos —, eles voltavam de tempos em tempos para verificar a prisão.

Para manter o controle sobre os guardiões da ilha, esses discípulos se apresentavam como deuses ou seres transcendentes. Enganaram os ilhéus com bênçãos, moldando-os até que se tornassem crentes fervorosos. A alegada manutenção das formações e barreiras nunca foi pelo bem dos habitantes — era apenas para garantir que Jiang Shaoci não escapasse do selo.

Por esse motivo, eles se esforçavam ao máximo para proteger a Ilha Tianjue, fornecendo água limpa, comida, tecnologia e dinheiro — tudo para que os habitantes permanecessem ali, geração após geração, mantendo a prisão intacta.


Isso fazia sentido. Jiang Shaocai havia achado tudo muito estranho no dia anterior. Observando a situação da ilha, não parecia um lugar capaz de desenvolver tecnologias avançadas como fantoches falantes. Agora entendia: essas coisas não tinham sido criadas pelos ilhéus, e sim por uma nova leva de feiticeiros do distante Continente do Reino Imortal, que vinham aprimorando diversos tipos de artes místicas e, depois, enviavam os produtos finalizados para a Ilha Tianjue pelas mãos dos guardas. As pessoas da ilha só sabiam usar os artefatos, mas não compreendiam como funcionavam.

Jiang Shaocai perguntou:

— Na sua escola, vocês têm aula de formações?

— Não — respondeu Mu Yungui lá da cozinha, a voz um pouco abafada. — As formações foram cortadas há muito tempo. Só os imortais sabem como criá-las.

Jiang Shaocai riu baixo. Como imaginava, seu palpite estava certo. Olhando para a imensa barreira ao redor da ilha, e para os barcos que circulavam sem parar dia e noite, ficava evidente que o conhecimento sobre formações não havia sido perdido coisa nenhuma — ele estava evoluindo continuamente. O problema era que aquelas pessoas não queriam que os ilhéus aprendessem.

Agora entendo por que Mu Yun só tem meio dia de aula por dia. Eles não precisam de ideais ou sonhos — basta que sobrevivam às bocas das feras marinhas e mantenham, com obediência, o funcionamento da formação de supressão da ilha. Não passam de carcereiros e técnicos de manutenção. Para isso, não se exige muito cérebro.

Mas, mil anos atrás, algo deve ter dado errado, pois aqueles “imortais” pararam de vir à “prisão” verificar o prisioneiro. Por quê? Se Jiang Shaocai tivesse perdido seu valor, poderiam tê-lo matado. Por que mantê-lo vivo por mais mil anos? Será que tinham outros planos? Ou aconteceu algo no Continente do Reino Imortal que os impediu de continuar monitorando a ilha?

Jiang Shaocai se recostou, apoiando a cabeça no encosto da cadeira, e fechou os olhos para pensar. Não importa o que tenha acontecido no continente. O mais urgente agora é recuperar minha força.

Naquele dia, com Mu Yun fora de casa, Jiang Shaocai finalmente pôde examinar seu corpo com calma. Concentrando-se no seu mar de consciência e meridianos, percebeu que a situação era ainda pior do que esperava.

Seu osso de espada havia sido arrancado e seu mar de consciência estava severamente danificado — mas isso ainda podia ser resolvido com o tempo. O verdadeiro problema era que sua veia estelar havia sido arrancada. Jiang Shaocai nunca se achou especial. A ativação da veia estelar servia apenas para ajudá-lo a reunir energia espiritual com mais rapidez. Mas, aos olhos daqueles que o selaram, isso já era um pecado.

As veias eram estruturas delicadíssimas — cultivadores comuns que sofriam um ferimento nelas podiam enlouquecer. Mas, no caso de Jiang Shaocai, sua veia estelar fora extraída à força. Sua carne e sangue sofreram danos terríveis, destruindo totalmente sua cultivação e impedindo até mesmo que seu corpo absorvesse energia espiritual.

Esse era o ponto mais fatal: sem conseguir reter energia espiritual, ele não podia cultivar; e sem cultivar, não tinha como reparar seu mar de consciência e seu osso de espada. Um ciclo sem fim. Jiang Shaocai fechou os olhos, as longas pestanas lançando uma sombra suave sob as pálpebras — parecia apenas adormecido. Após um tempo recostado, decidiu que, por ora, trataria de curar suas lesões internas. A questão da energia espiritual seria resolvida depois.

Embora não tivesse mais cultivação, seu corpo — outrora nutrido pela energia espiritual — não havia perdido sua força original. Se conseguisse curar os ferimentos internos, o corpo de Jiang Shaocai seria sua melhor arma. Pouquíssimas feras no mundo poderiam feri-lo.

Afinal, Huan Zhiyuan não teria arrancado meu osso de espada se ele não valesse tanto.

Mu Yungui terminou de cuidar dos afazeres da casa e voltou depressa. Com leveza na voz, disse:

— Desculpe a demora! Eu deixei a comida pronta antes de sair, programei tudo... Quando voltarmos, já estará pronta. Agora vamos resolver sua situação, certo?

Jiang Shaocai abriu os olhos e ergueu uma sobrancelha, surpreso:

— Minha situação?

Do que ela está falando?

— Sua ficha de identidade — explicou Mu Yungui. — É difícil se movimentar na ilha sem uma. Você não pode ficar trancado em casa o tempo todo. Uma hora ou outra vai sair sozinho. Melhor providenciarmos logo isso, e eu aproveito pra te mostrar os caminhos na ilha.

Jiang Shaocai refletiu. Até encontrar uma saída dali, teria que continuar vivendo na Ilha Tianjue. Mais cedo ou mais tarde, o fato de haver uma pessoa extra na ilha chamaria atenção. Era melhor estar preparado. Sem protestar, aceitou o arranjo de Mu Yungui.

Ela o levou de barco até o Salão do Consulado da Ilha Qixian, onde ficava a administração central. Na Ilha Tianjue, havia quatro grandes famílias. Fora a aliança entre as famílias Nangong e Dongfang, as demais viviam em disputa. Todos os assuntos da ilha eram tratados na Ilha Qixian, no centro, justamente para que nada caísse sob domínio exclusivo de uma família — do contrário, ninguém mais aceitaria.

Isso facilitou para Mu Yungui. Ela apresentou Jiang Shaocai no salão e disse:

— Ontem, caí da costa e acabei encontrando ele em um recife. Ele foi trazido pelas ondas. Quando o achei, já havia perdido a memória. Só lembra o nome e sobrenome. Pergunto qualquer outra coisa e ele não sabe responder. É só um mortal comum, sem nenhum vestígio de cultivação. Fiquei com pena e o trouxe comigo.

Os funcionários do consulado olharam desconfiados, observando Jiang Shaocai dos pés à cabeça:

— Mesmo sendo um mortal... como conseguiu chegar à Ilha Tianjue com vida?

Mu Yungui se colocou ligeiramente à frente de Jiang Shaocai, protegendo-o com o corpo, e respondeu com paciência:

— Há muitas correntes ocultas ao redor da ilha. Vai saber com que mar elas se conectam. Minha própria mãe chegou à ilha assim, não foi?

Os olhares continuaram hostis. Jiang Shaocai estreitou os olhos — havia perigo crescendo em seu olhar. Percebendo, Mu Yungui apertou discretamente a mão dele, forçando um pouco, em sinal de alerta para que não reagisse impulsivamente.

No fim, os funcionários recuaram um passo e disseram com desdém:

— Muito bem. Mas só podemos emitir um token temporário. Nome completo, filiação, origem... forneçam tudo.

Jiang Shaocai encarou friamente o funcionário arrogante, os olhos escuros e profundos. Vendo isso, Mu Yungui se apressou:

— O nome dele é Jiang Shaocai. Ele bateu a cabeça ao cair no recife e não está muito consciente...

Ela atribuiu a falta de cooperação de Jiang Shaocai a um problema mental, evitando conflitos. Afinal, quem brigaria com um paciente com lesão cerebral?

O funcionário anotou o nome e perguntou:

— Idade?

Mu Yungui não sabia, então olhou para ele e disse suavemente:

— Sua idade?

Jiang Shaocai desviou o olhar, ficando em silêncio por um bom tempo. Mu Yungui o fitava com expectativa. Até os funcionários do consulado ergueram a cabeça, intrigados com o silêncio.

Constrangida, Mu Yungui comentou, em tom sutil:

— Precisa pensar tanto assim?

Na verdade, Jiang Shaocai não estava se fazendo de difícil — ele estava genuinamente hesitante. Será que os dez mil anos em que dormi contam na idade...?

Pensou longamente e concluiu: Se eu não tenho lembrança dos dias que passaram... como posso dizer que vivi tudo isso?

Assim, respondeu com calma:

— Vinte.

O funcionário nem reagiu ao número. Perguntou friamente:

— Data de nascimento?

— Trinta de outubro.

O homem nem levantou os olhos:

— Muito bem. Dezenove anos, então. Está feito. Esperem ali fora. Depois de meia vareta de incenso, retirem o token pelo número.



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