O quarto estava cheio de barulho, mas finalmente terminaram de desenhar as sobrancelhas.
Com um movimento ágil, He Yan arrancou de volta a tinta preta de concha da mão dele e disse:
— Pronto, pronto. Pode ir embora agora.
Xiao Jue ergueu uma sobrancelha e perguntou:
— Não vai se olhar no espelho?
— Vamos ver juntos depois que eu me trocar — respondeu ela, ansiosa para tirá-lo de seu quarto. Empurrou e o empurrou até que estivesse do lado de fora, então abriu a porta e deu de cara com Cui Jiao e Hong Qiao em pé ali. Isso a assustou.
— O que vocês duas estão fazendo aqui?
Cui Jiao pareceu um pouco atrapalhada.
— Trouxemos uns petiscos pra senhora, mas quando vimos que o jovem mestre estava… ajudando com suas sobrancelhas, não ousamos entrar.
He Yan: “.....”
Xiao Jue, por sua vez, estava completamente tranquilo:
— Troque-se com calma. Vou procurar o mordomo Lin.
As duas criadas seguiram He Yan para dentro do quarto. Hong Qiao, caminhando atrás dela, disse com inveja:
— O jovem mestre é tão atencioso com a jovem senhora.
He Yan:
— Hã?
— Ele até desenhou as sobrancelhas da jovem senhora pessoalmente. — Talvez o medo que sentiam de He Yan tivesse diminuído, e as duas jovens estavam mais ousadas. Cui Jiao acrescentou: — Nunca vi um casal apaixonado fazer isso.
Pois é. Agora a imagem de “casal celestial” estava sendo criada sem querer. He Yan riu e perguntou:
— Vocês duas sabem fazer penteado e maquiagem?
Isso era um pouco complicado pra ela, que só sabia fazer penteados femininos simples, nada muito elaborado. Tinha medo de não estar à altura do título de "esposa de um rico comerciante".
— Esta criada sabe maquiar. A Hong Qiao é boa em fazer penteados, ela é a melhor nisso — disse Cui Jiao. — Senhora, que tipo de penteado deseja hoje? A maquiagem deve ser leve ou mais marcante?
He Yan ficou um pouco perdida.
— Vou a um banquete hoje, então só preciso estar apresentável para a ocasião. — Apontou para a caixa que Xiao Jue havia trazido. — A roupa de hoje está ali. Escolham pra mim.
Cui Jiao foi até a caixa, pegou o vestido “Tear Silk” e exclamou:
— Que tecido lindo! Senhora, isso é coisa que sereias usam?
He Yan:
— ...Sereias não usam roupa. — Será que o vestido vinha com “sereia” escrito? Por que todo mundo conseguia ver isso, menos ela?
Ela continuou:
— Não vou usar esse hoje. Escolham outro pra mim. — Afinal, custava cem moedas de ouro e devia ser reservado para uma ocasião mais importante.
Ela se deu conta de que a aparência vem dos pais, e não importa o que se vista, tudo depende das feições de nascença. Fazia tanto tempo que não se comportava como uma mulher que agora, seu coração, antes tranquilo, estava um pouco inquieto.
Esperava apenas não passar vergonha.
…
No quarto ao lado, Lin Shuanghe estava esparramado no sofá, tomando chá.
Xiao Jue estava sentado à mesa, polindo o guqin. Lin Shuanghe não pôde deixar de se lembrar de quando ensinou He Yan a tocar guqin — e do som horrível que ela conseguiu tirar.
Xiao Jue também era uma pessoa refinada, versado nas artes e nos prazeres da cultura. Mas como uma jovem dama como He Yan podia produzir um som tão desagradável ao tocar qin? Seria engraçado se ela fosse à casa dos Cui naquela noite e pedissem que ela demonstrasse seu talento musical como “Wen Yuyan”.
Ainda assim… com Xiao Jue ao lado, tudo deveria correr bem.
— Você não para de me olhar — disse o Segundo Jovem Mestre Xiao, extremamente perceptivo. — Tem algo em mente?
— Nada, nada — respondeu Lin Shuanghe, abanando o leque. — Você está muito desconfiado. Só estava pensando em como a minha Irmãzinha He deve estar encantadora em roupas femininas.
Xiao Jue fez uma pausa enquanto limpava o qin e respondeu lentamente:
— Seus olhos estão com defeito?
— Você não acha?
— Não acho.
Lin Shuanghe não gostou.
— Pode duvidar das minhas habilidades médicas, mas nunca do meu senso para beleza feminina. Percebi logo de cara, He Yan é, sem dúvida, uma beldade. Na guarnição de Liangzhou, ela se disfarçava de forma simples e discreta. Mas com essas feições em trajes femininos… é deslumbrante! Além disso, mesmo que você fale com acidez, no fundo gosta dela, não é?
Xiao Jue deu um leve sorriso.
— Com qual dos seus olhos você viu isso?
— Com os dois! Xiao Huanjin, se você realmente não gostasse dela, por que faria o papel de herói hoje na Travessa do Brocado Bordado? Não aguentou ver os outros intimidando a Irmãzinha He, certo? — Lin Shuanghe suspirou de novo e disse: — Mas não te culpo. Acho que a Irmãzinha He é meio lerda em interações sociais com outras mulheres. Nem percebe um ciúme óbvio. Hoje à noite, na casa dos Cui, você sabe como são essas famílias ricas, cheias de gente e fofoca. Se alguém causar problema por causa disso, proteja bem a Irmãzinha He.
— O que isso tem a ver comigo?
— Ela é sua esposa agora, Jovem Mestre Qiao. E além disso, se a família Cui implicar com He Yan, geralmente vai ser por sua causa. Seu rosto pode tanto acompanhar uma beleza quanto causar briga. Se alguém tentar prejudicar He Yan por isso, ela vai se dar mal. Você sabe que essa garota não domina bem as sutilezas sociais. Você é diferente. Cuide bem dela, hein. Cuide de verdade.
E continuou falando, sem parar.
Não se sabia quanto tempo havia se passado, mas lá fora já escurecia. Lin Shuanghe tinha acabado um bule de chá, se espreguiçado e se levantado do sofá. Olhou pela janela e perguntou:
— Já faz tanto tempo assim? Será que a Irmãzinha He já terminou de se arrumar?
Xiao Jue já havia terminado de afinar o qin e cochilava meio encostado à mesa. Abriu os olhos ao ouvir Lin Shuanghe e disse:
— Vai lá chamá-la.
Já não era cedo, e o pessoal da família Cui logo chegaria.
— Certo — disse Lin Shuanghe, levantando-se. Do lado de fora da porta, Chiwu e Fei Nu estavam de guarda. Vários olhares se voltaram na direção do quarto de He Yan. Lin Shuanghe limpou a garganta e bateu na porta:
— Senhora, está pronta, senhora?
Lá dentro, houve uma correria, e Hong Qiao disse aflita:
— Espere! Senhora, esqueceu de colocar os grampos!
Logo depois, Cui Jiao lembrou:
— Os brincos! Ainda não colocou os brincos!
Ouviu-se um barulho metálico lá de dentro, e todos do lado de fora ficaram em silêncio.
Xiao Jue ergueu ligeiramente a sobrancelha, e Chiwu cochichou para Fei Nu:
— Já viu um homem passando maquiagem? Só de imaginar já assusta.
Fei Nu respondeu:
— ...Fique atento.
No meio da confusão, a porta se abriu com um “creque”. Cui Jiao e Hong Qiao enxugaram o suor da testa e disseram:
— Pronto.
A pessoa atrás da porta saiu.
Com o mesmo rosto, mas agora de jovem rapaz para jovem dama, era uma pessoa completamente diferente.
Era uma moça de uns dezesseis ou dezessete anos, esguia e delicada. Usava uma saia azul-clara em formato de cauda de fênix crescente, ajustada na cintura, com uma blusa de seda das nuvens combinando. Os cabelos estavam presos num coque em forma de chifre de cervo, adornado com um grampo de jade verde. Duas mechas caíam dos lados do rosto, acentuando ainda mais a delicadeza. Usava dois brincos de jade branco que balançavam levemente.
Sua pele era muito clara, com uma fina camada de pó que a deixava ainda mais suave. Os olhos eram excepcionalmente brilhantes, sempre com um leve sorriso. As sobrancelhas em forma de lua crescente, os olhos cintilantes e os lábios tingidos de vermelho intenso — uma beleza de tirar o fôlego.
Seu corpo era pequeno e encantador, mas havia um toque sutil de elegância no olhar e nas sobrancelhas que equilibrava o charme. Era graciosa e deslumbrante, com um toque de sofisticação que fazia todos quererem olhar mais uma vez.
As pessoas diante da porta ficaram paralisadas, sem palavras por um bom tempo.
He Yan sentiu-se um pouco desconfortável e pigarreou, cobrindo os lábios com a mão.
— Hã… esse visual não combina comigo, né? Eu normalmente não uso isso…
— Está maravilhosa! — Lin Shuanghe bateu palmas, rápido no elogio. — Senhora, com essa maquiagem tão sutil, parece uma imortal descida dos céus! Quando abriu a porta, pensei que fosse uma fada celestial. Só quando falou é que percebi que era você!
He Yan: “…”
Lin Shuanghe era realmente bom em bajular, no mesmo nível do atendente da loja de roupas na Travessa do Brocado Bordado. Falava sem parar, sem se importar se a pessoa ouvia ou não.
Ela olhou para Xiao Jue, que parecia o mais sóbrio dos dois. Perguntou:
— E aí, como estou?
Xiao Jue lançou um olhar calmo sobre ela e respondeu:
— Está bem.
Aliviada, He Yan disse:
— O tio Cui já está nos esperando, certo? Se já chegaram, vamos logo!
— Já estão esperando lá embaixo — respondeu Chiwu. — As bagagens estão carregadas na carruagem. Durante nossa estadia em Jiyang, o Jovem Mestre e a Senhora ficarão na residência dos Cui.
Qiao Huanqing e sua esposa, Wen Yuyan, haviam vindo para estreitar laços com a família e agora estavam em Jiyang. Então, era apropriado que se hospedassem na casa dos Cui, e não numa estalagem.
Os dois arrumaram o quarto e seguiram os demais para sair.
Duas carruagens os esperavam do lado de fora — uma para Xiao Jue e He Yan, e outra para o mordomo e os criados. Cui Yuezhi havia cuidado bem de seu sobrinho, deixando tudo preparado.
He Yan e Xiao Jue sentaram-se frente a frente na carruagem. Xiao Jue parecia despreocupado, mas He Yan se sentia meio desconfortável. Ficava ajeitando as roupas, às vezes mexendo no cabelo. Xiao Jue não aguentou e fixou o olhar nela:
— Pode parar de se mexer?
— Ah — disse ela, assentindo e parando, embora por dentro continuasse ansiosa.
— Está nervosa? — ele perguntou.
— Co… Jovem Mestre — He Yan se inclinou mais perto e perguntou com seriedade: — Posso te fazer uma pergunta?
— Pode.
— Eu pareço mesmo uma garota agora? Lá na casa dos Cui, será que não vai parecer estranho?
He Yan se inclinou bem perto e, recém-banhada e arrumada, exalava uma fragrância suave de moça. Seus olhos límpidos e brilhantes olhavam diretamente ao redor. Seu rosto era pequeno, do tamanho de uma palma. Esse ar curioso, se estivesse num rapaz, talvez soasse grosseiro, mas com as roupas que usava agora, apenas tornava tudo mais encantador.
Xiao Jue ergueu os olhos e respondeu com tranquilidade:
— Você passou tanto tempo se vestindo de homem que isso afetou o cérebro? Você sempre foi uma garota.
Claro! Aqui está a tradução completa do trecho, em português brasileiro atualizado, com uso de travessões para os diálogos:
—
— Eu sei que originalmente era uma garota — explicou He Yan. — Mas me acostumei a agir como homem na Guarnição de Liangzhou, e agora isso sai naturalmente. Se eu fizer algo errado, precisa me avisar, Comandante.
— Fique tranquila — ele sorriu de canto. — Ninguém vai confundir esse rosto com o de um homem.
— Mas... você não percebeu que eu era mulher quando estávamos em Liangzhou?
Xiao Jue a ignorou.
Depois de um tempo, He Yan entendeu e olhou para ele:
— Está dizendo que não pareço nada com um homem, que sou especialmente feminina e bonita?
— Mulheres não fazem perguntas tão descaradas — disse Xiao Jue friamente.
— Então, eu sou mulher ou não?
— Não.
…
Cerca de tempo suficiente para queimar três varetas de incenso depois, a carruagem parou, e o cocheiro em frente à residência Cui anunciou:
— Jovem Mestre Qiao, Senhora Qiao, chegamos.
Cui Jiao e Hong Qiao desceram da carruagem e ajudaram He Yan a descer também. Como damas da casa, era natural que a atendessem.
He Yan parou diante do portão da residência Cui, observando atentamente tudo ao redor.
A mansão em Jiyang era diferente da imponência da residência em Shuojing, no Norte. Os pátios de Shuojing geralmente tinham portões pintados de vermelho-escuro, transmitindo uma aparência austera. Já em Jiyang, por estar próxima da água, os pátios eram predominantemente em preto e branco, com um design simples e elegante. Os portões eram adornados com esculturas de divindades aquáticas, dando um toque exótico ao lugar.
Os servos usavam roupas leves, frescas e translúcidas. Um mordomo idoso, de cabelos grisalhos e vestido com uma túnica azul-clara, se aproximou sorridente:
— Este deve ser o Jovem Mestre Qiao. E esta é a Senhora Qiao. Sou Zhong Fu, o mordomo da residência Cui. Hoje, o mestre foi ao palácio real — a princesa o convidou para um banquete. É possível que não voltem até tarde da noite. Por ordem do mestre, irei acomodá-los primeiro. A Senhora Qiao e o Jovem Mestre devem descansar bem esta noite. Amanhã, o mestre os receberá com um banquete adequado.
Ele não está aqui? He Yan ficou um pouco surpresa, mas também aliviada. Era melhor que ele não estivesse — assim teria tempo para se familiarizar com a residência Cui. Além disso, ainda estava se acostumando a interagir com Xiao Jue como “marido”, então ter uma noite a mais para se adaptar era algo bom.
He Yan imediatamente sorriu:
— Claro.
O velho mordomo soltou um suspiro de alívio. Já havia feito algumas investigações sobre os hábitos e preferências de Qiao Huanqing e Wen Yuyan, quando Cui Yuezhi decidiu trazer o sobrinho de volta. Afinal, estavam separados há muitos anos. Lembrava-se de Qiao Huanqing como um jovem hedonista, e a nova esposa era conhecida por sua arrogância e teimosia. No entanto, ao vê-los hoje, percebeu que os rumores não condiziam com a realidade.
— Vou levar o Jovem Mestre e a Senhora Qiao aos seus aposentos — disse Zhong Fu, voltando seu olhar para Lin Shuanghe. — Este jovem mestre…
Achava que talvez fosse um amigo ou irmão de Qiao Huanqing. Pensava onde poderia arranjar um quarto para ele.
Lin Shuanghe sorriu levemente:
— Que coincidência, nós somos colegas. Meu sobrenome é Lin, e sou o mordomo do Jovem Mestre Qiao.
Zhong Fu: “…”
— Não se desanime — consolou Lin Shuanghe. — Embora as Planícies Centrais sejam uma terra de talentos e beleza, pertenço à categoria dos excepcionalmente belos. Nem todo mordomo pode se orgulhar de ter uma aparência tão refinada quanto a minha.
Zhong Fu sorriu de maneira desconcertada.
Havia dois quartos no total, não muito distantes um do outro. Um era para Lin Shuanghe, Chiwu e Fei Nu, e o outro para He Yan, Xiao Jue e duas criadas. Ambos os quartos estavam no mesmo pátio e eram bastante espaçosos, com câmaras internas e externas. As criadas dormiriam nos divãs da câmara externa; a interna tinha um escritório, uma sala de chá e um quarto.
He Yan já tinha vivido por muito tempo na Guarnição de Liangzhou, mas nem mesmo a residência de Xiao Jue lá podia se comparar a esse lugar. Afinal, era a casa da família Cui — a imponência era realmente impressionante.
Zhong Fu mandou os servos levarem Lin Shuanghe e os outros ao quarto ao lado e acompanhou pessoalmente Xiao Jue até o aposento principal.
— Jovem Mestre, o quarto lhe agrada?
Xiao Jue levantou os olhos:
— Está aceitável.
Isso é aceitável? pensou He Yan. Os modos de Xiao Jue como jovem mestre de uma família rica eram impecáveis, mas talvez não fosse fingimento. Afinal, o Segundo Jovem Mestre Xiao já era exigente desde a juventude e havia visto muitas coisas boas. Diante deste ambiente, naturalmente achava tudo bem comum.
Zhong Fu também ficou surpreso. Cui Yuezhi desejava que o sobrinho voltasse e ficasse em Jiyang, mas sabia da fortuna da família Qiao. Temia que o jovem não se interessasse por Jiyang. Por isso, preparou o quarto com um mês de antecedência, trazendo muitos tesouros e antiguidades para impressioná-lo e mostrar que a família Cui não ficava atrás da Qiao.
Mas, ao que parecia, o jovem mestre realmente não se importava com isso?
Zhong Fu continuou:
— O incensário está com madeira de áloe. Se o Jovem Mestre gostar…
— Pode se retirar — cortou Xiao Jue com calma. — Mande trazer comida para cá. Minha esposa pode estar com fome. Ela precisa se refrescar e se alimentar. Se houver qualquer outra coisa, chamarei você.
He Yan se surpreendeu ao ouvi-lo chamá-la de “esposa”, mas, ao ouvi-lo, de repente percebeu o quanto estava com fome. De fato, não havia comido quase nada naquele dia.
Vendo isso, Zhong Fu se retirou prontamente, pensando em silêncio que o Jovem Mestre Qiao podia ser orgulhoso e difícil de agradar, mas era muito atencioso com a esposa. Se quisessem mantê-los por perto, talvez pudessem conquistar o jovem através da esposa.
Com a saída de Zhong Fu, He Yan pediu que Cui Jiao e Hong Qiao preparassem água. Já havia se banhado mais cedo, quando trocou de roupa na estalagem, mas Xiao Jue não.
— Jovem Mestre, vá se banhar primeiro. Podemos jantar juntos quando a comida chegar — disse He Yan, deitada no divã e massageando os ombros. — Ficar o dia todo naquela carruagem me deixou exausta.
Vendo-a assim, a boca de Xiao Jue se contraiu:
— Senhora Qiao, você realmente sabe se acomodar bem.
He Yan imediatamente sentou-se ereta.
Ele foi para trás do biombo na câmara interna para se banhar.
Cui Jiao e Hong Qiao foram dispensadas, e as duas garotas olharam para He Yan com certa hesitação.
— O Jovem Mestre não quer que cuidemos dele.
Xiao Jue, assim como He Yan, realmente preferia privacidade ao se banhar ou trocar de roupa. He Yan acenou com a mão:
— Está tudo bem. Ele só é um pouco tímido. Eu cuido disso. Vocês devem estar com fome. Fei Nu e os outros estão no quarto ao lado. Vão comer alguma coisa e, depois, descansem nos divãs da câmara externa.
— Mas… — Hong Qiao hesitou. — Senhora, não quer que cuidemos da senhora?
He Yan acenou novamente:
— Não é preciso. Nós, como casal, gostamos de cuidar um do outro. Podem ir aproveitar um pouco.
Afinal, ainda eram duas garotas jovens. Ao ouvirem aquilo, seus rostos se iluminaram, agradeceram com as faces coradas e saíram animadas para se juntar a Fei Nu e os outros. O quarto ficou apenas com os dois.
He Yan levantou-se do divã e começou a andar pela câmara interna, observando os detalhes. Antes, só havia dado uma olhada rápida, mas agora, com mais atenção, notou a decoração meticulosa.
Sobre o aparador, pássaros cantores elegantes, flores perfumadas, materiais de escrita sobre a mesa. Havia até um tabuleiro de xadrez sobre uma mesinha, um conjunto de diários de viagem e livros na estante, e abaixo da janela, onde havia uma pequena árvore, um lago tranquilo com peixes coloridos nadando calmamente. O sol se punha, e ao olhar pela janela, o ambiente transmitia uma verdadeira sensação de serenidade. As pessoas e a decoração em Jiyang eram vibrantes e calorosas, e esse nível de refinamento devia ter sido feito especialmente para Qiao Huanqing.
He Yan não conseguiu conter um suspiro. Cui Yuezhi realmente estava tentando receber o sobrinho de braços abertos. Uma pena que o verdadeiro Qiao Huanqing fosse uma pessoa tímida e não parecesse nada animado para reencontrar o tio.
Ela fechou a janela e acendeu a lamparina a óleo. A base era em formato de patos-mandarins brincando na água, e havia uma linda lanterna sobre uma mesinha, lançando uma luz suave e romântica pelo quarto.
Dizia-se que Qiao Huanqing e Wen Yuyan haviam se casado há menos de três meses — ainda estavam na fase de recém-casados. Cui Yuezhi claramente pensou em cada detalhe ao preparar o quarto. O dossel vermelho era acolhedor, e na seda da cama havia bordado o padrão de “cem descendentes”. Até as velas eram vermelhas, e em um canto havia um prato de longan seco.
He Yan olhou em volta e não conseguiu evitar a sensação de que o quarto havia sido arrumado como se fosse a noite de núpcias. Se colocasse um véu vermelho na cabeça e chamasse algumas pessoas para fazer barulho, seria exatamente como o dia do casamento.
Ela e Xiao Jue iriam dormir ali hoje? Até então não havia pensado nisso, mas agora que pensava… sentia-se completamente desconcertada.
Com a luz da lamparina subindo lentamente pela parede, He Yan percebeu que havia alguns desenhos acima da cama. Por estar próxima da água, aquela região costumava pintar murais retratando o culto ao deus das águas, com cenas bem animadas e interessantes. He Yan imaginou que aquele fosse o mesmo tema, então tirou os sapatos, pegou a lanterna e subiu na cabeceira da cama para olhar mais de perto.
Xiao Jue, depois de tomar banho, vestiu suas roupas internas e a túnica externa. Quando saiu do aposento, a primeira coisa que viu foi He Yan segurando uma lanterna, observando atentamente… um mural? Parecia que ela estava estudando um mapa do tesouro, com uma expressão séria no rosto.
Ele parou por um momento, ficou olhando para ela e, ao perceber que He Yan estava completamente absorta e nem notara sua presença, permaneceu em silêncio por mais um instante antes de se aproximar. Inclinou-se, seguindo o olhar dela.
He Yan estava tão concentrada no que via que só percebeu alguém quando ouviu uma voz calma atrás de si:
— O que você está olhando?
— Cof cof cof — Ela se assustou tanto que quase se engasgou com a própria saliva. Ao mesmo tempo, Xiao Jue também percebeu o que estava pintado na parede.
Pessoas em… posições estranhas e constrangedoras.
O rosto dele ficou imediatamente sombrio, e ele exclamou, furioso:
— He… Yuyan!
— E-eu, eu… — He Yan ficou apavorada e começou a tremer.
— O que você está olhando?
A pergunta parecia um interrogatório, mas He Yan a entendeu como uma dúvida genuína, achando que Xiao Jue não sabia do que se tratava. Respondeu timidamente:
— É uma… pintura primaveril. Você nunca viu uma?
O rosto de Xiao Jue ficou ainda mais carregado, e ele disse em tom sarcástico:
— Eu não estava perguntando pra você!
Desde que renasceu, He Yan já tinha visto Xiao Jue bravo algumas vezes. No entanto, sua raiva costumava ser fria e contida. Hoje, no entanto, ele estava genuinamente irritado — era a primeira vez que ela o via assim.
Mas… por que ele estava tão bravo? Será que era porque ela não o chamou pra ver junto?
— Bem… enquanto você tomava banho, eu vi por acaso. Se quiser olhar, pode ver também… Não fica bravo… Nem é uma pintura tão boa assim… Os traços são muito pesados, e os personagens são feios. Se você gosta disso, tem várias com linhas bem mais finas… — He Yan gaguejou. — Eu posso encontrar uma pra você.
Xiao Jue ficou tão irritado que parecia prestes a cuspir sangue. Ele zombou:
— É mesmo? Então quer dizer que você já viu muitas dessas?
— N-não muitas — respondeu He Yan. — Talvez… mais do que você?
Em sua vida passada como "He Rufei", muitos dos seus companheiros escondiam esse tipo de “tesouro” às escondidas. À noite, quando não tinham nada pra fazer, tiravam as pinturas e ficavam vendo em grupo. He Yan tinha sido forçada a assistir várias vezes. Do constrangimento inicial à apatia, e depois ao comentário casual sobre o conteúdo, bastaram alguns anos.
Ela estava mesmo se gabando de saber discutir esse tipo de coisa? Totalmente sem noção. Xiao Jue zombou por dentro e, de repente, a empurrou contra a parede. Uma mão encostada ao lado do rosto dela, o corpo pressionando o dela, exalando o aroma familiar de orquídeas da lua.
Seu olhar era afiado como relâmpago, com um toque de provocação nos cantos dos olhos e sobrancelhas. A voz saiu rouca e profunda, os olhos escuros cravados nela:
— Então… quer experimentar?
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