Capítulo 140: Reencontro


 — Ah He?

He Yan permaneceu parada, sem saber o que a deixava mais surpresa naquele momento: o fato de ter encontrado Liu Buwang ali, ou o fato de que ele a reconheceu imediatamente, mesmo com sua aparência tão mudada.

Liu Buwang desbloqueou os pontos de acupuntura da garotinha, que tossiu algumas vezes e os encarou em silêncio, sem dizer uma palavra.

Incapaz de conter a curiosidade, He Yan perguntou a Liu Buwang:

— Mestre… como o senhor… me reconheceu?

Ele já tinha visto o rosto de He Yan sob a máscara, e, além de alguns membros da família He, a única outra pessoa que vira seu rosto era Liu Buwang. Na batalha de Moxian, todos os seus companheiros haviam morrido. Se Liu Buwang não a tivesse encontrado em meio a uma pilha de cadáveres, He Yan sequer saberia onde estaria agora. Ele conhecia sua verdadeira identidade como mulher e já tinha visto seu rosto, mas sua aparência agora já não era mais a mesma de quando era conhecida como “Madame Xu”.

Ele sorriu e disse:

— Seu estilo de espada é único, misturado com elementos da minha própria técnica. Basta um olhar para eu perceber. O que foi? Está disfarçada?

He Yan não conseguia explicar tudo de uma vez, então apenas disse:

— É uma longa história, teremos que conversar depois. Mas, Mestre, o que o trouxe até aqui?

— Há indivíduos suspeitos na Cidade de Jiyang, e suspeito que possam ser pessoas de Wutuo. Estava os seguindo até aqui — respondeu ele, olhando para o corpo da velha no chão. — Ouvi sons de luta e vim ver o que estava acontecendo. Você conhece essa jovem?

He Yan balançou a cabeça:

— Não a conheço. Eu e… um amigo estávamos passando por aqui e paramos para comer numa estação. Vimos essa mulher com a menina, e pareciam suspeitas. Achamos que fossem sequestradoras, mas havia assassinos por perto, então suspeito que elas não sejam criminosas comuns.

Enquanto conversavam, ouviram o som de cascos se aproximando. Viraram-se e viram Xiao Jue montado vindo em direção a eles. Ele parou o cavalo a uma curta distância, desmontou e caminhou até o lado de He Yan, franzindo a testa:

— Quem é esse?

— Um dos nossos — apressou-se He Yan em responder. — Este é meu… mestre.

— Mestre? — Xiao Jue estava incrédulo. — Que mestre?

— Minhas habilidades já me tornaram a melhor da guarnição de Liangzhou, como mencionei antes. Tudo graças à orientação de um mestre. Este é o meu mestre, a quem não via há anos. Foi uma surpresa encontrá-lo aqui. Se não fosse por sua ajuda, essa menina talvez não tivesse sobrevivido.

Liu Buwang voltou-se para Xiao Jue e sorriu:

— Sou Liu Buwang. E você seria…?

— Sou Qiao Huanqing — respondeu ele.

— Jovem mestre, o que aconteceu com aquelas pessoas de antes? — perguntou He Yan.

— Não conseguiram me vencer, então fugiram — respondeu Xiao Jue, com indiferença. — E você? Como acabou aqui relembrando o passado?

— Podemos discutir isso depois — desviou o assunto He Yan. — Agora, essas pessoas causaram um alvoroço só para sequestrar essa menina. Não parece certo, não é? Jovem, qual é o seu nome, onde mora e de quem é filha? — perguntou, abaixando-se diante da criança.

A menina era excepcionalmente bonita, embora muito jovem. Era evidente que se tornaria uma grande beleza no futuro. Parecia um pouco assustada, mantinha os olhos fixos neles, os lábios cerrados, sem responder. He Yan perguntou várias vezes, mas ela permaneceu calada e, no fim, apenas virou o rosto.

— Será que é muda? — murmurou He Yan.

— Muda é você! — retrucou a menina, irritada.

— Então sabe falar. Por que não respondeu antes?

A garotinha voltou a ignorá-la.

— Pode ser que tenha passado por algo muito traumático com aquelas pessoas ruins, e agora não confia em estranhos. Não se preocupe, com o tempo ela vai se soltar — disse Liu Buwang, tranquilizando.

He Yan suspirou, sem saber o que fazer, e virou-se para Xiao Jue:

— Jovem mestre, que tal levarmos essa criança conosco por enquanto e deixar que o Senhor Cui decida? Se ela for mesmo de uma família rica, ele a reconhecerá.

Xiao Jue assentiu.

Ao ouvir o nome “Senhor Cui”, o olhar da menina vacilou por um instante, mas logo abaixou a cabeça, escondendo a expressão estranha nos olhos.

Liu Buwang sorriu:

— Nesse caso, vamos nos separar aqui.

He Yan ficou surpresa por um momento; Liu Buwang sempre fora assim. Desde que o conhecera, sentia que ele parecia não se preocupar com nada, que tudo fluía naturalmente em sua vida. Nunca o vira fazer amigos íntimos, nem se aproximar demais de alguém. Parecia não sentir solidão, nem tristeza ao se despedir. Quando ela se despediu dele anos atrás, sentiu-se um pouco relutante, mas Liu Buwang foi tranquilo, dizendo: “Todo banquete tem um fim, Ah He, você precisa crescer.”

Encontrar um velho amigo de forma tão inesperada e ter que se despedir tão rápido fazia seu coração doer. Ela agarrou a manga de Liu Buwang e disse:

— Mestre! Eu… estou morando com um amigo no momento; a casa é bem grande. Por que não volta conosco? Tenho tantas perguntas pra lhe fazer!

O olhar de Xiao Jue recaiu sobre a mão dela segurando a manga de Liu Buwang, e ele arqueou uma sobrancelha, sem dizer nada.

Liu Buwang sorriu, meio sem jeito:

— Ah He, você ainda é tão criança quanto antes.

— Faz tanto tempo que não o vejo… Achei que nunca mais o veria — insistiu He Yan, sem soltar sua mão. — Além disso, o senhor mencionou os Wutuo, certo? Se for algo relacionado a eles, é essencial informar a Princesa Mengji da Cidade de Jiyang. Se vier comigo, conheço um oficial que cresceu com a princesa, e eles têm uma relação muito próxima. Seria melhor relatar isso.

Liu Buwang ficou levemente surpreso.

— Princesa?

He Yan percebeu a mudança de atitude e assentiu várias vezes:

— Sim, mestre, pense bem. A aparição repentina de pessoas de Wutuo em Jiyang já é estranha. Jiyang nunca foi um lugar fácil de entrar. Mesmo para os nativos do Grande Wei, chegar aqui já exige esforço, imagine para os Wutuo. Se conseguiram se esconder em Jiyang, o que isso indica? Enfim, há muitos mistérios nessa história, deveríamos ir juntos.

Liu Buwang ainda hesitava.

Xiao Jue, com os braços cruzados, olhou para os dois e curvou os lábios num sorriso preguiçoso:

— De fato, senhor Liu, por que não vem conosco e discute com mais detalhes com sua estimada discípula?

Após um momento de silêncio, Liu Buwang riu:

— Muito bem, irei com vocês então. Espero não causar transtornos.

He Yan suspirou aliviada. Embora ter Liu Buwang por perto não mudasse muita coisa, ela não queria se separar sem conversar direito.

Afinal, restavam poucas pessoas que se lembravam de “He Yan”.

— Vamos voltar à hospedaria e contratar uma carruagem até a residência Cui — disse He Yan a Xiao Jue, suspirando. — Não voltamos ontem à noite… espero que o Senhor Cui e os outros não estejam preocupados.

O olhar de Liu Buwang se alternava entre Xiao Jue e He Yan, pensativo.

A garotinha resgatada das mãos da velha, mesmo após tomar remédio, estava tão fraca que mal conseguia andar. Cada passo era trôpego, cambaleante. He Yan pensou por um momento e então se agachou à frente dela:

— Jovem, suba.

— O que você está fazendo? — perguntou Xiao Jue.

— Ela não consegue andar, então vou carregá-la até a hospedaria. Não tem outro jeito.

Ela realmente não sabia que seu ciclo mensal havia chegado. Xiao Jue ficou em silêncio por um momento e disse:

— Eu carrego.

— Hã? — He Yan ficou surpresa.

A menina não gostou e reclamou:

— Eu sou mulher, e você é homem! Como pode me carregar? Quero que ela me carregue!

— Pestinha — disse Xiao Jue, indiferente —, se disser mais uma palavra, te deixo aqui e não cuido mais de você.

A menina malcriada encontrou-se com um comandante insensível e não ousou dizer mais nada. Com medo de ser abandonada, He Yan apenas observou Xiao Jue carregar a criança até a hospedaria.

Chegando lá, ninguém tinha mais ânimo para continuar o café da manhã. Alugaram uma carruagem e pediram ao cocheiro que os levasse à residência Cui.

Dentro da carruagem, que balançava suavemente, He Yan e Xiao Jue sentavam-se de um lado, enquanto Liu Buwang e a menina ocupavam o outro. O silêncio reinava, até que Xiao Jue perguntou:

— O senhor Liu é mesmo mestre de He Yan?

— Isso mesmo — respondeu Liu Buwang com um sorriso.

— Nesse caso, as habilidades do senhor devem ser excelentes.

— Não sou digno de tanto.

Xiao Jue sorriu levemente:

— E o que o levou a escolher He Yan como discípula? Afinal… — ele fez uma pausa, com um tom levemente zombeteiro — além de baixa e desajeitada, não parece ter outro talento.

Naquele momento, He Yan nem ligou por ser chamada de baixa e desajeitada; estava apenas com medo de que Liu Buwang revelasse algo por engano. Rapidamente ela se apressou em dizer:

— Quem disse isso! Em Shuojing, estava apenas passeando, quando, por acaso, encontrei meu mestre procurando um discípulo. Foi o destino! Em meio a mil pessoas, ele viu em mim um futuro brilhante e talentoso. Então me aceitou como discípula e me ensinou artes marciais. Mas meu mestre é um espírito livre, vive fora do mundo mortal. Depois de três anos, saiu para viajar pelo mundo. Só agora nos reencontramos!

Sentia que tinha explicado tudo direitinho e só torcia para que Xiao Jue não fizesse mais perguntas.

Xiao Jue olhou para Liu Buwang:

— É verdade?

Liu Buwang lançou um olhar para He Yan e respondeu:

— É sim.

— Ótimo — disse o jovem, assentindo, sem dizer mais nada.

He Yan suspirou aliviada, mas então ouviu Liu Buwang perguntar, com uma expressão curiosa:

— Ah He, qual é sua relação com o jovem mestre Qiao?

Essa era uma pergunta difícil. Ela agora era “Wen Yuyan” e Xiao Jue era “Qiao Huanqing”. Em termos de relação, eram marido e mulher. Mas… Liu Buwang conhecia sua verdadeira identidade, e agora havia uma menina desconhecida ali. Se ela conhecesse Cui Yuezhi, não podia dizer a verdade de qualquer jeito.

Olhando para Xiao Jue, recostado no assento da carruagem, ele a encarava com um sorriso enigmático, esperando sua resposta.

— O jovem mestre Qiao… é meu marido — disse He Yan, entre exasperada e constrangida.

Liu Buwang pareceu surpreso:

— Ah He, já está casada?

— Sim, sim — respondeu ela com um sorriso forçado.

— Muito bem — Liu Buwang assentiu levemente. — Com alguém ao seu lado, posso ficar tranquilo.

He Yan: “…”

Sentia que tinha mentido tanto, e, pela primeira vez, entendeu o que significava cavar a própria cova.

Ao retornarem à residência Cui, apenas algumas criadas estavam presentes. Wei Yiniang, ao vê-los chegarem em segurança, suspirou de alívio:

— O jovem mestre Huanqing mandou avisar que voltaria nesta manhã, e preparamos o café na cozinha pequena. Mas como ainda não havia retornado, estávamos preocupados. Agora sim, podemos descansar tranquilos.

Ela então olhou para a menina e para Liu Buwang atrás de He Yan, com uma expressão curiosa:

— E esses dois…?

— São velhos conhecidos meus, que por acaso também vieram a Jiyang — respondeu He Yan com um sorriso. — Onde está o tio?

— O mestre foi ao palácio real logo cedo. A princesa o convocou. Não sei quando volta.

He Yan e Xiao Jue trocaram olhares. Como Cui Yuezhi não estava em casa, teriam que providenciar a estadia da menina primeiro.

— A senhorita Yuyan e o jovem mestre Huanqing já tomaram café? Desejam que a cozinha reaqueça a comida?

— Eu e meu marido já comemos — respondeu He Yan, sorridente. — Mas esta jovem e o cavalheiro ainda não comeram. Peça que levem a refeição para meu quarto. Ah, e preparem água quente; a jovem quer se refrescar.

Wei Yiniang assentiu.

He Yan levou a menina até seu quarto e a entregou a Cui Jiao e Hong Qiao, pedindo que a ajudassem a tomar banho.

Justo quando terminou de dar as instruções, ouviu a voz de Lin Shuanghe:

— Passaram a noite toda fora, e só agora voltaram! Como foi ver os vaga-lumes? Eu devia ter ido com vocês ontem à noite, me arrependo de não ter visto essa cena linda. E então? Os vaga-lumes foram impressionantes?

Ele entrou no quarto e viu Liu Buwang ali parado. Parou por um instante, confuso, e perguntou:

— E este é…?

— Ele é meu mestre — disse He Yan. — Sobrenome Liu, nome Buwang.

— Saudações, Mestre Liu — saudou Lin Shuanghe rapidamente, fazendo uma reverência respeitosa. Depois, perguntou com curiosidade: — Como o senhor veio parar aqui? A irmãzinha lhe contou que viríamos para Jiyang?

Suas palavras soavam suspeitas, e quem não soubesse do contexto poderia até pensar que estavam conspirando com forasteiros. He Yan se apressou em dizer:

— Não, não, absolutamente não!

— Jovem mestre, foi um mal-entendido — Liu Buwang sorriu e disse. — Sou natural de Jiyang, e por acaso conheci minha discípula nas Planícies Centrais há alguns anos. Ficamos muito tempo sem nos ver, e eu realmente não esperava que ela viesse para Jiyang agora, tampouco que nos reencontraríamos por coincidência.

— Entendo — Lin Shuanghe também sorriu. — Está claro que o senhor não é uma pessoa comum, para ter formado uma discípula tão excepcional.

Liu Buwang apenas sorriu, sem dizer nada.

He Yan sentiu-se um pouco constrangida e falou:

— Jovem mestre, Irmão Lin, poderiam ir para o quarto ao lado por um momento? Faz muitos anos que não vejo meu mestre, e há muitas coisas que desejo conversar com ele.

Lin Shuanghe, no entanto, respondeu com brincadeira:

— Por que não ouvimos todos juntos? Eu também quero saber como você era, irmãzinha He.

Xiao Jue lhe lançou um olhar e saiu sozinho, dizendo:

— Vamos.

— Você não quer ouvir? — Lin Shuanghe ainda parecia relutante.

— Se quiser ouvir, vá sozinho.

Vendo que Xiao Jue já havia saído, Lin Shuanghe só pôde fechar o leque com um suspiro resignado e dizer a He Yan:

— Bem, irmãzinha, vou indo. Aproveite para colocar a conversa em dia com o Mestre Liu.

Dito isso, também saiu e fechou a porta.

No quarto, restaram apenas He Yan e Liu Buwang.

He Yan se aproximou apressadamente, ajudou Liu Buwang a tirar a cítara que ele carregava nas costas e a colocou sobre a mesa. Trouxe uma cadeira e disse:

— Mestre, por favor, sente-se.

Ela também lhe serviu uma xícara de chá.

Liu Buwang apenas a observava com um sorriso enquanto ela fazia tudo isso. Por fim, sentou-se à mesa e impediu que He Yan continuasse a se ocupar:

— Já está bom, Ah He, sente-se.

O chamado familiar, “Ah He”, quase fez He Yan chorar.

Ela sentou-se à mesa, dizendo:

— Mestre...

Por um instante, pareceu que ela havia voltado aos dias em que vivia com Liu Buwang nas montanhas profundas.

Na Batalha de Moxian, anos atrás, He Yan havia sido enterrada sob uma pilha de cadáveres. O deserto era árido e escaldante, e ela estava à beira da morte. Mas, inesperadamente, choveu durante a noite, o que milagrosamente a fez resistir até o amanhecer. No dia seguinte, um transeunte encontrou aquela pilha de corpos e cavou uma vala ao lado para enterrar os soldados caídos.

E encontrou He Yan, a única que ainda respirava, escondida entre os mortos.

Esse homem a levou para casa e tratou seus ferimentos. Quando He Yan acordou, percebeu que a máscara que usava havia sumido. Levantou-se da cama e viu alguém varrendo o pátio do lado de fora.

Era um homem de meia-idade, com porte extraordinário, vestido de branco com um cinto da mesma cor. Seu corpo era esguio e elegante. Parecia alguém que não pertencia a este mundo.

A jovem He Yan ficou um pouco desconfiada e perguntou:

— Quem é você?

O homem de branco parou o que estava fazendo e virou-se para ela com um sorriso. Em vez de responder, devolveu com outra pergunta:

— Garotinha, sendo mulher, como foi parar no exército?

He Yan ficou chocada ao perceber que sua identidade havia sido descoberta.

Depois, soube que o homem que a salvara chamava-se Liu Buwang. Era um andarilho que viajava por todos os cantos, morando em lugares remotos. No momento, vivia numa montanha afastada próxima a Moxian, sustentando-se com a venda de ervas medicinais que cultivava.

He Yan perguntou:

— Senhor, quando me salvou, não encontrou nenhum soldado do Xiqiang no caminho? Havia tropas dispersas deles rondando Moxian. Se descobrissem que alguém estava socorrendo soldados de Wei, essa pessoa também estaria em perigo.

Liu Buwang apontou para a espada em sua cintura e disse:

— Eu tenho uma espada, não tenho medo.

He Yan achou que ele estava se gabando à toa, mas depois viu um homem do Xiqiang cair sob sua lâmina. Só então entendeu que ele falava sério.

Liu Buwang era realmente alguém extraordinário.

He Yan nunca havia visto uma pessoa com tais habilidades. Ele manejava espadas, facas, chicotes longos e todo tipo de arma com maestria, além de dominar adivinhação e leitura do destino.

Naquela vida, mesmo sendo tola, He Yan fez uma coisa sábia: implorou para que Liu Buwang a aceitasse como discípula.

Liu Buwang recusou.

Mas não imaginava que He Yan fosse tão determinada. Sempre que tinha tempo livre — quando não estava comendo —, usava todo momento para convencê-lo. Talvez por ter um porte tão digno e um ar taoísta, Liu Buwang nunca havia conhecido uma discípula tão descarada.

No fim, não teve escolha e perguntou:

— Se você se tornar minha discípula e aprender tudo isso, o que espera ganhar?

— Quero aprender essas habilidades para, se um dia eu voltar ao campo de batalha e enfrentar os do Xiqiang como antes, o exército não ser completamente aniquilado. Mesmo que só possa salvar mais uma pessoa, quero protegê-la. Assim como o senhor me protegeu.

— Você quer voltar ao campo de batalha? — Liu Buwang pareceu surpreso.

He Yan não entendeu:

— Claro que sim.

— Você sabe que, por ser mulher, já é alguém diferente. Todo o seu pelotão foi dizimado. Esta é sua chance de voltar para casa sem que ninguém descubra sua verdadeira identidade. A antiga He Rufei já está morta.

He Yan ficou em silêncio por um momento, depois ergueu a cabeça:

— Nunca pensei em desertar.

Essa declaração provavelmente comoveu Liu Buwang. Depois disso, ele aceitou o chá de discípula que He Yan lhe ofereceu e começou a ensiná-la pessoalmente. Mas, afinal, He Yan era uma garota, e havia certas coisas que não eram tão adequadas para ela. Por isso, Liu Buwang tentou instruí-la com ensinamentos mais condizentes com sua natureza. Mesmo aprendendo só o básico, ainda assim foi uma experiência valiosa.

O que Liu Buwang mais lhe ensinou foi a arte do Qimen Dunjia. Quando aliada à estratégia militar, essa técnica é suficiente para transformar uma general mulher em alguém que manipula táticas com um toque divino e posiciona tropas com elegância. Isso mostra que, em guerra, não se trata apenas de força bruta — mesmo com guerreiros destemidos e soldados do Xiqiang à disposição.

— Nunca imaginei que, mesmo com minha aparência tão diferente, meu mestre ainda me reconheceria num instante — disse He Yan com um leve sorriso. — Como o senhor me reconheceu?

— Sua esgrima — Liu Buwang respondeu, contendo um sorriso. — É verdadeiramente única neste mundo.

Quando He Yan se tornou discípula de Liu Buwang, queria muito mostrar suas habilidades originais. Depois que ele as viu, ficou em silêncio por um longo tempo. Provavelmente pensou que, para uma mulher ter coragem de entrar num acampamento militar, devia possuir talentos excepcionais. Mas ao vê-la manejando facas, espadas, arcos e cavalos... Liu Buwang começou a se perguntar se tinha feito a escolha certa.

Ele realmente não entendia de onde vinha tanta confiança.

Mas o chá já havia sido servido, e ele a aceitou como discípula. Só lhe restava ensiná-la, mesmo que confuso. Liu Buwang nunca tivera discípulos antes, e agora, o primeiro que aceitava era justamente o mais desprovido de talento. Parecia uma piada do destino.

Felizmente, He Yan não era desprovida de méritos. Sua maior virtude era a esgrima. Nisso, ela realmente brilhava. Sua técnica era tão notável que deixava as pessoas em deslumbramento.

Na época, Liu Buwang lhe perguntou:

— Quem te ensinou essa esgrima? É muito impressionante.

He Yan ficou claramente satisfeita ao ouvir isso e respondeu:

— Há um mestre secreto que me ajuda. Não sei quem é, mas acredito que seja um dos professores da escola. Deve ter achado que eu ainda tinha algum talento e, por isso, resolveu me orientar fora das aulas.

Era verdade. Quando entrou na escola ainda criança, He Yan era completamente desajeitada nas artes marciais. Mesmo praticando esgrima todas as noites no quintal, não progredia. Já estava quase desistindo, até que um dia encontrou um papel sobre sua mesa.

No papel, havia um desenho com um bonequinho, indicando suas falhas e erros durante as aulas e os treinos, com instruções detalhadas sobre como corrigi-los.

Ela treinou conforme o papel e, de fato, melhorou. Ficou muito feliz. Depois disso, a cada dez dias, aparecia um novo papel em sua mesa, sempre adaptando as instruções ao seu progresso.

Nunca soube quem era essa pessoa, mas suspeitava que fosse um dos professores bondosos, alguém versado em esgrima e que facilmente percebia suas dificuldades. No entanto, nunca conseguiu descobrir qual.

Certa vez, tentou esperar escondida no quarto para surpreender o misterioso mestre, mas ele não apareceu naquele dia. Foi então que entendeu: ele não queria ser descoberto.

Tomada pela curiosidade e gratidão, aproveitou um feriado escolar, antes de voltar para casa, e escreveu um bilhete. Colocou-o sobre a mesa:

“Voltarei para a escola em três dias. Encontre-me no bosque de bambus atrás do quintal, à meia-noite. Quero agradecer pessoalmente. Por favor, venha.”

— E então? — perguntou Liu Buwang. — Você viu quem era?

He Yan ficou em silêncio por um instante e depois balançou a cabeça suavemente.

Assim que voltou para casa, teve uma grande briga com He Yuansheng e o outro irmão. Foi punida e teve que se ajoelhar no salão ancestral. Antes de completarem os três dias, ela deixou sua família no meio da noite e se alistou no exército — começando um caminho completamente novo.

— Quebrei a promessa.

Nunca chegou a ver aquela pessoa.


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