Capítulo 14


 Após ouvir as palavras de Fu Changling, Qin Yan não perguntou a identidade do outro, mas disse:

— Você tem certeza?

— Tenho — Fu Changling assentiu — Não se preocupe, ele é uma boa pessoa.

Qin Yan franziu a testa ao ouvir isso. Parecia que queria perguntar algo, mas no fim calou-se completamente.

Os dois voltaram para a Mansão Wu sem trocar uma palavra.

Fu Changling continuava pensando na aparência do homem de antes, principalmente naquele par de olhos.

Era realmente muito parecido com Yan Ming, o mesmo que ele sonhara na infância.

Ele sabia que Yan Ming estava no Reino Secreto, mas não esperava tanto. Afinal, após uma nova vida, algumas coisas poderiam mudar por causa do renascimento. Inesperadamente, Yan Ming ainda estava ali, e ele realmente o encontraria.

Encontrar Yan Ming de novo o deixou um pouco confuso emocionalmente. Quando retornou à Mansão Wu, cumprimentou Qin Yan, apagou as luzes e foi para a cama cedo. Dormiram separados.

Mas ele não conseguiu dormir. Escutando a respiração de Qin Yan, no meio da noite tirou o pingente de jade e esfregou o nome gravado.

Olhando para aquele nome, lembrou-se do vento e da neve da juventude, e da pessoa naquele cenário frio.

Quando Yan Ming era adolescente, foi a primeira pessoa que foi gentil com ele sem pedir nada em troca.

Fu Changling não pôde evitar um sorriso ao lembrar daquela época.

Recordou que havia sido traído pela madrasta, caiu no Reino Secreto Xuanji, ficou cego de novo, e foi salvo por Yan Ming no momento mais difícil.

Quando foi resgatado por Yan Ming, sentiu muito medo. Não sabia quanto tempo Yan Ming o protegeria. Soube com ele que aquele era o Reino Secreto Xuanji. Embora nunca tivesse ido antes, já ouvira falar dos perigos de passar pelo reino secreto. Yan Ming estava disposto a salvá-lo, e ele era muito grato. Se Yan Ming o abandonasse, não se surpreenderia.

É natural se preocupar com um futuro desesperador.

Naqueles dias, esforçou-se ao máximo para agradar Yan Ming, ajudando em tudo o que podia.

Mas naquela época era realmente muito inútil.

Não conseguia falar para deixar Yan Ming feliz, e sua energia mágica era muito fraca.

Não podia ajudar mais, então sempre pensava que Yan Ming acabaria o abandonando — seria amanhã, depois de amanhã, ou no máximo em três dias.

Por isso, passava as noites revirando-se na cama.

Uma noite, Yan Ming perguntou de repente:

— Por que você não dorme?

Fu Changling hesitou em contar. Sentiu Yan Ming virar para o lado, pegar sua mão, colocá-la no próprio peito e perguntar calmamente:

— Se estiver preocupado com algo, pode escrever aqui e me contar.

Ele segurou a mão dele, e Fu Changling sentiu as calosidades causadas pelo treinamento com espada e a temperatura da mão como se fosse gelo e neve.

Fu Changling tremia ligeiramente, então ouviu Yan Ming dizer suavemente:

— Não tenha medo, apenas me conte.

Ele não se mexeu. Após um longo silêncio, finalmente, no peito de Yan Ming, foi escrevendo pouco a pouco:

— Você vai me abandonar.

Depois, acrescentou mais três palavras, como se escrevesse seu destino:

— Eu vou morrer.

Yan Ming não falou nada. Depois de um tempo, disse calmamente:

— Eu disse que vou te proteger para sair daqui, não vou te abandonar. Se está preocupado com isso, não precisa.

— Sou inútil.

Fu Changling escreveu novamente em seu peito:

— Não consigo te ajudar.

— Tudo bem.

Yan Ming respondeu pacificamente:

— Você não precisa me ajudar, só precisa ser você mesmo.

— Eu te salvo por moral, não porque você precise fazer algo.

Aquilo foi algo que Fu Changling nunca ouvira em sua vida.

Foi criado na poderosa família imortal Fu, em Yunze. Era o primogênito, mas filho ilegítimo.

Não tinha mãe. Para sobreviver com dignidade, só podia agradar cuidadosamente todos ao redor: o pai, a madrasta, os irmãos e até os tios...

Estava acostumado a sorrir o ano todo para agradar. Aquela foi a primeira vez que alguém lhe disse — você só precisa ser você mesmo.

Quando essa frase saiu, seus olhos ficaram marejados e sentiu vergonha. Baixou a cabeça, a mão ainda no peito de Yan Ming, e sua garganta apertou. Quis dizer algo para aliviar o clima, mas não conseguiu.

Nesse momento extremamente constrangedor, Yan Ming colocou a mão em seu ombro e falou com voz comum:

— Vá dormir, eu estou aqui.

Foi por volta desse instante que o romance da juventude começou a tomar forma e criar raízes.

Naquela noite, ele não dormiu, apenas esperou Yan Ming adormecer. Tremendo, estendeu a mão e tocou cuidadosamente o rosto de Yan Ming.

Sentiu os cantos dos olhos, as sobrancelhas, a ponte do nariz, os lábios, o maxilar.

Desenhou a pessoa com as pontas dos dedos, queria saber como era, para que um dia, no futuro, se se encontrassem novamente, reconhecesse de imediato que aquele era Yan Ming.

A partir daí, começou a investigar as origens de Yan Ming, mas ele raramente falava sobre isso. Contava vagamente um pouco do passado, mas não o suficiente para que se soubesse quem realmente era.

Às vezes, depois de conversar, Yan Ming nem respondia.

Tentavam entender as regras do Reino Secreto Xuanji. Naquele tempo, Fu Changling não tinha experiência e muito menos sorte. Os dois vagavam feito moscas, sem saber que durante o sacrifício de um mês não podiam quebrar regras, e nada mais além de que quem quebrasse morreria.

Percorreram a cidade inteira muitas vezes. Poucos dias antes do sacrifício, Qin Yan finalmente achou pistas. Ele roubou uma arma mágica chamada Torre dos Espíritos, que fornecia uma corrente constante de poder espiritual ao conjurador, melhorando suas habilidades rapidamente.

Por essa arma mágica, foram perseguidos até fora da cidade pelas pessoas que cuidavam dela. Yan Ming o arrastou até o gelo e neve fora da cidade. Quando estavam quase chegando, Yan Ming de repente o empurrou para o lado e segurou a Torre dos Espíritos, que rolou desgovernada ladeira abaixo.

Depois ouviu gritos de pessoas atrás, perseguindo Yan Ming. Ele saiu rastejando do gelo e neve, sentindo seus membros congelados pelo vento e neve, o corpo todo rígido e o coração gelado.

Ele segurava a Torre dos Espíritos, sentia medo, muito medo.

Esse tipo de medo não vinha porque ele não conseguia ver, não era porque não podia falar, e nem porque poderia morrer naquela imensa terra. Era porque ele não sabia da vida ou da morte daquela pessoa, não sabia do seu desaparecimento, e não podia fazer nada pela vida ou morte dela.

Foi a primeira vez que sentiu um tipo de fraqueza vindo dos ossos — aquela fraqueza o fez levantar, escalar a ladeira, e depois deitar no chão, esfregando a terra centímetro a centímetro, seguindo as pegadas que tocava, avançando.

Não sabia quanto tempo rastejou, nem o comprimento do caminho. Não queria pensar em nada, nem ousava pensar. Só sentia que, se não encontrasse aquela pessoa, continuaria procurando até achá-la ou morrer tentando.

Então tentou emitir um som: “ah, ah, ah”, e avançou tateando até que, finalmente, segurou uma mão que de repente tomou a sua.

O homem parecia estar enterrado na neve, as mãos eram duras como pedra, e o movimento de segurar Fu Changling parecia extremamente difícil.

Então ele emitiu uma voz rouca e chamou:

— Changling.

Após um susto breve, Fu Changling rapidamente estendeu a mão para tocar a pessoa. Sentiu que ela estava quase totalmente coberta pela neve. Apressou-se, afastou a neve e puxou a pessoa para fora.

Não sabia quantos ferimentos Yan Ming tinha, nem exatamente o que tinha acontecido. Só sabia que Yan Ming quase havia esgotado toda a energia verdadeira do corpo. Ele se apoiou suavemente em seus ombros, e o corpo começava a esfriar.

Fu Changling apressou-se a traçar uma formação de cura, deixando a pessoa encostada em seu ombro, segurou a Pagoda da Reunião dos Espíritos na mão e transferiu o poder espiritual dela até o corpo de Yan Ming.

Yan Ming não falou nada, e Fu Changling não sabia se ele estava bem ou não. Tremia, enviava energia espiritual desesperadamente até que o núcleo dourado da outra pessoa não conseguiu mais segurar poder espiritual, e então desistiu.

Mas, mesmo assim, Yan Ming não falou, não acordou. Fu Changling não sabia o que fazer, não podia ajudar mais. Tentou o máximo que podia e enfim se esgotou.

Sem ter o que fazer, ele deitou Yan Ming no chão, e se pôs de lado.

Pegou a mão de Yan Ming, inclinou-se para frente e beijou suavemente seus lábios.

Os lábios de Yan Ming estavam frios, mas muito macios.

No momento do beijo, Fu Changling sentiu, de repente, que o mundo estava em paz.

O vento e a neve, que antes eram fortes, desaceleraram tudo.

Flocos de neve como penas, suaves e silenciosos, se espalhavam pelo mundo, enterrando todas as batalhas, todo o sangue, e todo o desespero daquele instante, deixando apenas um vasto branco.

E os dois estavam ali, deitados naquela formação sangrenta, tornando-se a única cor daquele dia e daquela terra.

Ele puxou Yan Ming para si e o beijou. Pela primeira vez, sentiu a temperatura dele. Na neve e no gelo, aquele manto quente tremia com tanto calor.

Suas lágrimas misturadas ao sangue caíram sobre o beijo, fazendo-o ter o gosto de sangue e lágrimas.

Ele não podia ver, não podia dizer, mas naquele instante, sentiu que, mesmo que sua vida chegasse ao fim, não tinha arrependimentos.

Então, de repente, entendeu o que queria.

Ninguém jamais lhe disse o que era aquele sentimento, mas naquele momento, ele soube sem precisar de mestre.

Tremendo, engoliu em seco, colocou as pontas dos dedos no peito de Yan Ming e escreveu em seu coração com traços:

— Yan Ming, eu gosto de você.

— Yan Ming, Fu Changling quer ficar com você.


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