Capítulo 1 – Sou eu, Yun Fuyi
A capital durante o Festival das Lanternas de Ano Novo era o lugar mais animado do mundo. Pessoas de todos os tipos circulavam pelas ruas e vielas iluminadas, suas risadas se misturando com os gritos dos vendedores ambulantes e os estouros esporádicos de fogos de artifício que iluminavam o céu, transformando a cidade em um local que jamais dormia. Ainda assim, mesmo sob os olhos atentos dos guardas rigorosos, os filhos ociosos dos ricos ainda encontravam maneiras de arranjar confusão bem debaixo do nariz do imperador.
— Por favor, senhores jovens mestres, me perdoem. Eu realmente não sei cantar — a vendedora de flores apertava seu cesto contra o peito, recuando com um olhar assustado. Mas atrás dela havia um beco sem saída. Para onde poderia fugir?
— Este jovem mestre não é exigente; é só cantar algumas linhas, isso não é fácil? — O homem de túnica roxa tirou um pingente de jade da cintura e o balançou diante dela. — Você danificou meu pingente de jade, e eu nem estou pedindo prata como compensação — só umas poucas notas. Do que mais você pode reclamar?
A vendedora de flores balançou a cabeça rapidamente:
— Eu não...
Como alguém comum como ela, que sequer ousava se aproximar de uma figura nobre, poderia ter quebrado um pingente de jade tão precioso?
Antes que pudesse terminar a frase, o pingente de jade escorregou da mão do homem, caiu no chão de pedra e se despedaçou.
— Viu? Não foi você que quebrou? — O homem de túnica roxa estalou a língua, fingindo suspirar. — Era uma peça fina de jade, valia quinhentas taéis de prata, e agora você a destruiu.
Ele cruzou os braços, examinando a jovem trêmula com um sorriso largo no rosto, como se estivesse zombando de um cão ou gato de rua. Seus companheiros — um grupo de jovens mestres desocupados como ele — caíram na gargalhada zombeteira, e até o enorme cão preto que os acompanhava latiu para a moça.
A vendedora de flores os encarava em desespero, lágrimas de medo se acumulando nos olhos. Fogos de artifício iluminaram o céu ao longe, revelando brevemente os rostos daqueles jovens. Ela não conseguia distinguir claramente suas feições, mas os sorrisos grotescos pareciam mais assustadores que a cara feroz do cão preto.
— Anda, canta logo. Ou, se preferir não cantar, me pague quinhentas taéis de prata.
— Se não puder pagar, vamos te levar para o posto do yamen¹...
— Ha! O yamen espanca os prisioneiros. Com esse corpo pequeno, quantas surras ela aguenta?
O som dos fogos de artifício, as risadas distantes de outra rua e os deboches cruéis daqueles rapazes misturavam-se como um vento gelado e cortante, sufocando a jovem e congelando-lhe os ossos.
“Alguém me ajuda?!”
“Por favor, alguém me ajude!”
— Estava me perguntando por que, numa noite tão bela de Festival das Lanternas, havia tanto grunhido de porco e latido de cachorro. Acontece que eram umas feras mesmo.
A vendedora de flores arregalou os olhos ao ver surgir de repente, sob o luar, uma mulher de vermelho montada num cavalo branco. Por um instante, ela não conseguia compreender o que estava acontecendo.
O homem de túnica roxa ouviu a voz e começou a virar a cabeça, mas antes que pudesse ver quem era a intrusa, uma dor aguda explodiu em sua cintura, lançando-o pelos ares. Sua testa se chocou contra os cacos de jade no chão, e o sangue jorrou na mesma hora.
— Irmão Wang! — Um dos comparsas correu para ajudá-lo, mas mal deu dois passos e a mulher de vermelho, já desmontada, o chutou, jogando-o no chão como uma tartaruga virada.
Um dos dois restantes viu a situação se inverter e correu para sair do beco e pedir ajuda. Infelizmente para ele, a mulher de vermelho era muito mais rápida e se colocou à frente dele num piscar de olhos.
— V-você... sabe... sabe com quem está se metendo?! — O rapaz deu dois passos para trás, tentando parecer ameaçador, embora sua voz tremesse. — Se se meter conosco, vai se arrepender!
A mulher de vermelho deu um sorriso de escárnio, como se tivesse acabado de ouvir a maior piada do mundo. Ao ver aquele olhar de desprezo, o rapaz não suportou a humilhação, cerrou os punhos e avançou contra ela.
Mas antes mesmo que seu punho tocasse na bainha das vestes dela, levou um tapa tão forte no rosto que foi arremessado como um boneco. Por um breve instante, jurou ter visto seu bisavô — falecido há anos — sorrindo para ele do outro lado com carinho.
— Au! Au! Au! — O enorme cão preto, ao ver seu dono sendo espancado, avançou sobre a mulher de vermelho, mostrando os dentes em tentativa de vingança.
Smack! — O cão também levou um tapa e voou, seu corpo pesado aterrissando sobre o dono, soltando ganidos de dor. Quando viu a mulher se aproximando, o bicho encolheu o rabo de medo, arranhando o chão como se tentasse cavar um buraco para se esconder.
— Tal cachorro, tal dono — disse a mulher de vermelho, com desprezo, antes de se voltar para o único que ainda estava de pé: um homem de túnica azul.
Ao ver três homens feitos e um grande cão serem derrubados tão facilmente, o rapaz quase morreu de susto. Não ousava resistir e orava desesperadamente para que os servos de sua família chegassem logo para salvá-los.
— E-eu só estava passeando com eles por coincidência! Eu não participei da provocação à moça! — gaguejou.
— Ver seus amigos cometendo maldades e não fazer nada para impedi-los te torna tão culpado quanto — respondeu a mulher, estalando outro tapa nele. Vendo-o segurar o rosto com indignação, ela arqueou uma sobrancelha. — Insatisfeito?
O homem de azul, ainda segurando a bochecha ardente, se sentia injustiçado, mas não ousava responder. Olhou para o estado lamentável dos companheiros e tentou se consolar — ao menos ela não me jogou longe, isso já é alguma clemência.
— Bem, mesmo que esteja insatisfeito, guarde pra você — disse a mulher, se afastando dele e se dirigindo à vendedora de flores, tomando suas mãos frias nas suas. — Não tenha medo. O jade quebrado não tem nada a ver com você. Deixe-me levá-la para casa.
— Senhorita... — As lágrimas que ela havia segurado até então finalmente transbordaram. Jamais havia sentido tamanha bondade em sua vida. Lançando um olhar para os corpos caídos, ela estremeceu, mas ainda sussurrou: — Senhorita, é melhor ir embora rápido. Não se envolva nisso por minha causa.
— Do que você tem medo? — A mulher riu, tirando seu manto e colocando-o sobre os ombros da jovem. — Esses vagabundos precisam de umas boas surras pra perderem os maus hábitos e aprenderem a se comportar como gente.
O homem de roxo, ainda gemendo de dor com o ferimento na testa, gritou ao ouvir isso:
— Meu avô é o Duque Chengzhong! Você me ofendeu hoje, e vou fazer sua família inteira pagar!
A mulher ignorou os gritos dele como quem ignora o latido de um cão de rua. Prendeu o manto na jovem e caminhou até o sujeito caído, pisando com força em suas costas. Ignorando os gritos de dor, zombou:
— Só você?
— Seu irmão mais velho passou no exame provincial e se tornou um respeitado Juren², sua irmã mais nova é famosa por toda parte, e você, inútil como é, só conseguiu fama por manchar o nome do Ducado de Chengzhong — disse ela, tirando o pé das costas dele com nojo. — Seu rosto é tão largo que cavalos podem correr sobre ele, ou tão grosso que pode servir de escudo contra invasores estrangeiros, é isso? Como ousa ameaçar minha família?
O homem de roxo, que tentava se livrar, congelou ao ouvir aquilo. Olhou com cautela nos olhos por trás do véu:
— Q-quem é você?
Era impossível para alguém comum saber tanto sobre sua família. Mas, em toda a capital, qual dama nobre ousaria agredir os quatro?
O jovem de azul logo percebeu que havia algo errado ao ver o arrogante Wang Yanhe murchar de repente. Assustado, começou a recuar com o rosto inchado.
Mas a mulher de vermelho percebeu o movimento e lançou-lhe um olhar casual. Ele congelou no mesmo instante.
Boom! Do lado do palácio, um grande fogo de artifício explodiu no céu.
— Que bonito — murmurou a mulher. — Os fogos de artifício da capital realmente não têm igual.
Uma rajada de vento noturno ergueu seu véu. O homem de roxo a encarou, e após um longo momento, começou a tremer:
— E-eu ouvi que o Marquês Wenyong, o tutor do Príncipe Herdeiro, v-voltou hoje à capital?
A mulher olhou para ele de cima.
— V-você é... é... Yun... Fuyi?
Ao ouvir o nome "Yun Fuyi", os dois outros homens pararam de gemer e ficaram imóveis como sapos assustados.
O beco mergulhou em silêncio aterrador.
— Sim, sou eu, Yun Fuyi — ela retirou o véu e se inclinou para mostrar um sorriso gentil aos “dândis” apavorados. — Já se passaram três anos, e pelo visto, vocês ficaram ainda mais ousados.
Os três homens balançaram a cabeça freneticamente.
O rapaz de azul estava completamente confuso e olhou para os companheiros apavorados, sem entender — “Do que tanto têm medo?”
— Assediando uma moça comum?
O de roxo balançava a cabeça com desespero:
— Eu errei, eu errei! Estava só brincando com ela, juro! Não ousei fazer nada além disso!
Yun Fuyi se virou para os outros dois:
— Cúmplices?
Eles seguiram o exemplo, abanando a cabeça:
— Não tivemos nada a ver com isso! Foi tudo ideia do Wang Yanhe!
— A capital está sob os olhos do imperador. Vocês têm coragem, hein? — O sorriso dela desapareceu. — Se houver uma próxima vez, eu quebro as pernas inúteis de vocês.
Os três assentiram repetidamente:
— Não ousamos, não ousamos!
— Entreguem — disse Yun Fuyi, estendendo a mão para o homem de roxo.
Sem hesitar, ele desamarrou a bolsinha da cintura e a colocou nas mãos dela com reverência:
— Isto é compensação para a jovem.
Ao ver isso, os outros dois apressaram-se a fazer o mesmo. Um deles notou que o amigo de azul ainda estava parado, atônito, e sinalizou desesperadamente com os olhos — “O que você tá esperando? Quer morrer? Entrega logo a bolsa!”
Embora o rapaz de azul não soubesse exatamente o motivo de tanto medo, ainda assim desamarrou sua bolsa com jeito atrapalhado e a entregou à mulher com cautela.
Yun Fuyi arqueou uma sobrancelha e apontou o queixo para a jovem encostada no canto.
Captando o gesto, o de roxo engatinhou até a moça, limpou o sangue da testa e se curvou várias vezes em pedido de desculpas — um contraste grotesco com a tirania arrogante de antes.
A moça, assustada demais para aceitar, escondeu-se atrás de Yun Fuyi, pálida.
— Se algo acontecer com ela ou com a família dela, eu responsabilizo você — alertou Yun Fuyi, empurrando todas as bolsas nas mãos da florista. Mas a moça tentou recusar, apavorada.
— Pegue. Esses canalhas podem ser imundos, mas a prata deles ainda vale — disse Yun Fuyi, pressionando as bolsas contra as mãos da moça. Depois a puxou para cima do cavalo e sorriu: — Vamos, eu te levo pra casa.
A jovem segurou o manto quente sobre os ombros. Do alto do cavalo, olhou para os nobres que a haviam assediado. Agora estavam todos de cabeça baixa — até o cachorro preto, imóvel com as orelhas caídas e o rabo enfiado entre as pernas, parecia mais uma estátua de pedra.
“Então... essas pessoas também podem parecer tão pequenas e insignificantes...” — murmurou em silêncio, ainda sem acreditar.
— Vamos, eu te levo pra casa.
Ao ouvir a voz suave e reconfortante, a jovem corou. Era a primeira vez que conhecia alguém tão corajoso, salvando os outros como uma deidade descida dos céus.
— Ela se foi? — Só depois que o som dos cascos desapareceu, o homem de roxo desabou no chão, exausto.
— Foi, foi — responderam os outros dois, sentando-se ao lado.
— Por que vocês estão com tanto medo dela? — perguntou o rapaz de azul, ainda segurando o rosto inchado. — Quem é ela, afinal?
— Você só está na capital há dois anos, então não conhece bem. Ela é Yun Fuyi.
— Sim, aquela Yun Fuyi — “Ela que mata um a cada passo e enterra todos com um toque de suas vestes.”³
— Hã?! — O rapaz de azul ficou ainda mais confuso. Embora não fosse grande estudioso, sabia que o poema dizia: “Ele que mata um a cada dez passos; sem deixar rastro por mil léguas. Após o feito, com um sopro nas vestes, parte sem deixar nome.”⁴
“Bem” — pensou ele — “Esses caras são piores em literatura do que eu. Dá pra entender porque erraram o verso!”
》❈《
Notas:
[1]: Yamen: Designação dada às unidades administrativas de nível mais baixo, geralmente no nível distrital. Era responsável por funções administrativas e policiais básicas nas comunidades.
[2]: Juren: Título concedido àqueles que passavam no exame imperial em nível provincial. É um posto superior ao de shengyuan, mas inferior ao de jinshi, que é o grau mais alto (fonte: Wikipedia).
[3]: O nome Yun Fuyi (云拂衣): Yun significa “nuvem” e Fuyi significa “pincelar as vestes” ou “sacudir a túnica”. Seu nome foi retirado de um poema, o que mais tarde contribuiu para a criação de sua “lenda”.
[4]: "Ode à Valentia" (Ode to Gallantry), do poeta Li Bai: Tradução aleatória encontrada no Google (poesias não são meu forte...), levemente modificada para se adequar à narrativa.
Capítulo 2, Parte 1 – As Coisas Já Não São Como Antes (I)
— Senhorita, minha casa fica no distrito sul... — A garota vendedora de flores falou timidamente ao notar que Yun Fuyi cavalgava na direção da Rua Leste, onde moravam os nobres. Ela temia que sua condição humilde causasse problemas à sua benfeitora.
— Não se preocupe. Vou ajudá-la a extravasar sua raiva primeiro, depois a levo pra casa. — Yun Fuyi lançou um olhar em direção ao Portão Dongfeng, o portão leste principal do palácio imperial. Àquela altura, o banquete real já deveria ter terminado.
"Extravasar a raiva?" A vendedora de flores tocou as bolsas pesadas em seus braços. "A surra que demos naquele grupo e o dinheiro que tomamos deles já não foram o bastante?"
Ao entrarem no distrito aristocrático da Rua Leste, a via — apesar das belas lanternas alinhadas — estava bem mais silenciosa do que as outras ruas. De tempos em tempos, carruagens puxadas por cavalos passavam: luxuosas e requintadas. A garota nem ousava olhar em volta, com medo de ofender alguma figura nobre.
Quando uma carruagem vermelha passou, Yun Fuyi ajustou o manto sobre a cabeça da garota para esconder seu rosto. Em seguida, desmontou do cavalo e rapidamente se aproximou da carruagem, fazendo uma reverência educada:
— Saudações ao Duque de Chengzhong.
O Duque, que acabara de sair do banquete no palácio, estava meio sonolento. Foi despertado pelo súbito parar da carruagem. Ao ouvir a voz de uma jovem o cumprimentando, levantou a cortina, confuso:
— E quem seria você?
A moça lhe parecia vagamente familiar, como se já a tivesse visto antes.
— Esta jovem se chama Yun Fuyi, filha de Yun Wanggui. Faz três anos desde minha última visita à capital. Ao ver hoje a carruagem de Vossa Excelência, não pude conter a alegria e vim prestar meus respeitos. Espero que possa perdoar minha ousadia.
Ao ouvir o nome Yun Fuyi, uma enxurrada de lembranças invadiu a mente do Duque de Chengzhong. Dificilmente havia alguém no círculo aristocrático da capital que não tivesse ouvido esse nome — ela havia insultado publicamente o filho mais velho de Lorde Li, puxado os cabelos do filho mais novo de Lorde Zhang e espancado o neto de Lorde Wang. Conhecida como a maior encrenqueira da capital, sua fama vinha de aprontar travessuras junto a um grupo de jovens vagabundos e desocupados.
A família Yun tinha uma reputação de gerações de homens e mulheres virtuosos. Ninguém conseguia entender como haviam produzido uma desordeira como Yun Fuyi.
Lembrando que a garota ainda era jovem e quase havia perdido a vida ao cair de um penhasco três anos antes, o Duque decidiu ser paciente e trocar algumas palavras com ela. Notando que Yun Fuyi estava mais contida e falava com modos apropriados, ele assentiu discretamente, aprovando. "Parece que amadureceu após aquela experiência de quase morte."
Seu olhar pousou sobre o cavalo atrás de Yun Fuyi, onde uma jovem com o rosto coberto pelo manto estava sentada.
— E essa jovem, quem é? — perguntou educadamente o Duque.
— É uma vendedora de flores dos becos. Passei por acaso e vi seu neto, Wang Yanhe, a importunando. Intervim e a trouxe comigo, para que o nome da sua família não fosse manchado.
— O quê?! — Ao ouvir que seu neto havia assediado uma plebeia, o rosto do Duque escureceu.
Yun Fuyi sorriu.
— Não fique bravo, Duque. Criança travessa, uma bronca leve já resolve. Não precisa bater — se ele se machucar, nem vai conseguir sair de casa.
— Obrigado por me avisar, Senhorita Yun. — O Duque estava furioso. "Não precisa bater? Ha! Hoje eu quebro as pernas daquele moleque!"
A carruagem partiu, levando consigo o duque enfurecido, e Yun Fuyi acenou alegremente:
— Se cuide, senhor!
A vendedora de flores hesitou:
— Senhorita...
— Calma, calma — respondeu Yun Fuyi, virando-se para cumprimentar outra carruagem que passava. — Saudações, Lorde Chen!
...
Depois de levar a vendedora de flores até sua casa na movimentada Rua Sul, Yun Fuyi se despediu, deixando a garota e sua família cheios de gratidão.
A Rua Sul era onde viviam os plebeus da capital. Mesmo tarde da noite, as ruas permaneciam animadas. Yun Fuyi caminhava lentamente pela multidão, conduzindo seu cavalo com uma mão e segurando alguns petiscos na outra. Ao atravessar a Rua Sul e voltar à Rua Leste, notou que alguém estava trocando as lanternas decorativas por lanternas vermelhas vibrantes.
Um transeunte perguntou, curioso:
— O Festival das Lanternas ainda não acabou. Por que já estão pendurando lanternas vermelhas?
— Sua Alteza, o Príncipe Ning Wang¹, vai se casar em três dias. Sua Majestade, lembrando que ele era o filho mais novo favorito do falecido imperador, ordenou pessoalmente que lanternas vermelhas fossem penduradas ao longo do caminho do cortejo para celebrar.
— Sua Majestade é realmente bondoso com o irmão mais novo.
— De fato. Somos afortunados por ter um imperador tão benevolente.
Ouvindo a conversa, Yun Fuyi não pôde deixar de sorrir. Dois anos atrás, o atual imperador havia subido ao trono aos mais de quarenta anos. Governava o país com compaixão e integridade, e de fato se importava com o povo.
Alguém por perto deixou cair uma lanterna das mãos, e o vento soprou a lanterna vermelha até os pés de Yun Fuyi. Ela se abaixou, pegou-a e a entregou à pessoa que a procurava.
— Obrigado, senhorita — disse a pessoa, agradecida.
Yun Fuyi sorriu e montou em seu cavalo. Não muito longe, uma carruagem do Palácio de Ning Wang passava, escoltada por guardas e seguida por criadas carregando lanternas, em um desfile grandioso. Yun Fuyi soltou um sorriso irônico, deu um leve tapinha em seu cavalo e desapareceu na escuridão.
A carruagem parou, e Ning Wang espiou através da cortina na direção de um beco escuro, seus olhos sombrios cintilando levemente.
— Wangye? — Um criado curvou a cabeça e perguntou — Há alguma ordem?
Ao ver as lanternas de casamento vermelhas penduradas pela rua, Ning Wang baixou ligeiramente as pálpebras.
— Nada. Vamos voltar para o palácio.
...
Depois de levar o cavalo ao estábulo, Fuyi caminhou de fininho até a entrada do pátio principal dos pais, deu uma olhada rápida e suspirou de alívio. Estava prestes a fugir de volta para o seu próprio pátio quando—
— Onde você foi?
Fuyi congelou, o corpo enrijeceu. Olhou para a velha árvore no pátio e quase caiu de joelhos por reflexo condicionado. Mas logo lembrou que não havia causado problemas naquela noite — pelo contrário, até salvara alguém. Então endireitou a postura, forçou um sorriso e foi até a família:
— Pai, mãe, irmão mais velho, boa noite.
— Fale. Onde estava essa noite em vez de comparecer ao banquete do palácio? — Yun Wanggui apontou para o assento vazio à mesa de pedra.
Fuyi se sentou rapidamente no banco de pedra e, empolgada, tirou alguns docinhos de sua bolsa:
— Mãe, você precisa experimentar esses.
Liu Qiongzhi mordeu um dos docinhos e sorriu:
— Biscoitinhos de flor de pêssego daquela loja da Rua Oeste?
— Exatamente. — Fuyi pegou o bule de chá da mesa e serviu chá quente para a família. — No caminho de volta à capital, a senhora mencionou essa loja várias vezes, não foi? Eu me lembrei direitinho.
Liu Qiongzhi se derreteu com o carinho da filha. Sorriu satisfeita e não tocou mais no assunto da volta tardia.
Yun Wanggui suspirou, impotente:
— Quando entrei no palácio hoje para informar minha volta, Sua Majestade deu a entender que pode me nomear Ministro das Finanças.
— Ministro das Finanças? — Fuyi bebeu um gole de chá. — Pai, isso é incrível. Sua Majestade realmente o valoriza.
Os lábios de Yun Wanggui se curvaram num leve sorriso antes de rapidamente reprimi-lo:
— Bajulação não funciona com seu pai.
— Que bajulação? Estou sendo sinceríssima, pai. — Fuyi se virou para o irmão, Yun Zhaobai. — Irmão, não é verdade?
Yun Zhaobai sorriu, mas preferiu não comentar.
Os lábios de Yun Wanggui se curvaram de novo antes que ele retomasse o tom sério:
— A Imperatriz pediu para vê-la amanhã. Então vá dormir cedo hoje. Nada de acordar tarde.
— A Imperatriz quer me ver? — Fuyi murmurou, confusa. — Pai, tenho quase certeza de que não ofendi nenhum dos filhos dela... né?
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Notas:
[1]: Wang (王) ou Qinwang (亲王): Príncipe de Primeira Ordem.
Um título concedido aos filhos adultos de um imperador.
Um wang é tratado com cortesia como Wangye (王爷), o que pode ser traduzido como “Sua Alteza”.
Sua esposa principal é chamada de Wangfei (王妃), que equivale aproximadamente a “Princesa Consorte”.
Capítulo 2, Parte 2 – As Coisas Não São Mais Como Antes (II)
— A Imperatriz quer me ver? — murmurou Fuyi, confusa. — Pai, tenho quase certeza de que não ofendi o filho de Sua Majestade... certo?
Embora Fuyi sempre tivesse sido ousada e impulsiva, ela nunca atacava pessoas inocentes. Antes de Sua Majestade subir ao trono, ele não era favorecido pelo falecido imperador, o que também fez com que tanto a imperatriz quanto o filho deles fossem tratados com frieza. Na verdade, algumas pessoas chegavam ao ponto de menosprezar a família de Sua Majestade para bajular o filho favorito do falecido imperador. Fuyi sempre desprezara esse tipo de comportamento. Embora tivesse pouco contato com o príncipe atual, com certeza nunca o havia prejudicado.
Yun Wanggui quase engasgou ao ouvir as palavras da filha. Que tipo de jovem decente, ao ser convocada pela imperatriz, pensaria imediatamente se havia ou não intimidado um príncipe?
— Se você cometeu alguma ofensa, vá se desculpar — disse Yun Wanggui, exasperado. — Pare de causar problemas pro seu pai todo dia.
Yun Fuyi olhou para ele com olhos suplicantes, o brilho no olhar tão reluzente quanto estrelas, como se tivesse sofrido uma tremenda injustiça.
Ao encarar os olhos da filha, Yun Wanggui se lembrou do que aconteceu três anos atrás.
Para permitir que sua família escapasse da perseguição, Fuyi arriscou a vida para atrair os assassinos e acabou caindo de um penhasco. Durante o período agonizante em que não sabiam se ela estava viva ou morta, toda a família viveu em angústia constante. Ele nunca foi de acreditar em deuses ou Budas, mas depois que a filha desapareceu, passou a rezar para todas as divindades e figuras sagradas que conseguia encontrar, desesperadamente esperando que ela ainda estivesse viva.
— Já que Sua Majestade pretende me confiar tais responsabilidades, a Imperatriz não será muito severa com você — suavizou Yun Wanggui. — Se realmente ofendeu o príncipe, eu mesmo irei com você pedir desculpas.
A vida de Sua Majestade antes de subir ao trono estava longe de ser fácil. Ele e a imperatriz haviam se apoiado mutuamente nos anos difíceis. O afeto do casal continuava forte até hoje, e tinham apenas um único filho.
Fuyi se levantou e foi até Yun Wanggui, agarrando a manga de sua túnica e sacudindo-a de forma brincalhona.
— Obrigada, pai. Eu sabia que o senhor sempre seria o melhor pra mim!
— Mantenha a compostura — repreendeu Yun Wanggui suavemente, embora não tenha afastado a manga das mãos da filha.
…
O majestoso palácio imperial, imponente e fortemente guardado, era um lugar que a maioria das pessoas jamais sonharia em entrar — mas para Yun Fuyi, que visitava o palácio frequentemente durante o reinado do falecido imperador, aquilo não era nenhuma novidade.
A carruagem parou no Portão Dongfeng, onde alguns criados do palácio já a aguardavam. Ao ver Yun Fuyi descer, o eunuco responsável rapidamente se adiantou para cumprimentá-la com um sorriso:
— Saudações, Senhorita Yun.
— Não precisa de tanta formalidade — respondeu Yun Fuyi, descendo com a ajuda do eunuco. — Obrigada por me guiar — acrescentou, sorrindo.
— É uma honra para este humilde servo, Senhorita Yun — disse o eunuco, conduzindo-a até a liteira preparada. — A distância entre o Portão Dongfeng e o Palácio Zhaoyang é considerável. Sua Majestade, preocupada com sua saúde frágil, concedeu o uso da liteira especialmente para a senhorita. Por favor, sente-se.
Embora a palavra “frágil” não se aplicasse exatamente a Fuyi, ela já estava acostumada a usar a liteira em suas visitas ao palácio desde criança. Assim, após agradecer à imperatriz pela gentileza, sentou-se confortavelmente.
Durante o trajeto pelo palácio, o eunuco manteve-se especialmente atento, apontando ocasionalmente qual residência pertencia a quem. Vários criados que cruzavam o caminho a reconheciam. Ao vê-la sentada com tanta graça na liteira, não conseguiam evitar um suspiro silencioso — após a troca de regime, muitos nomes outrora poderosos haviam caído no esquecimento. E, no entanto, ali estava a Senhorita Yun, retornando após três anos, ainda capaz de cruzar o palácio em uma liteira.
— Por que o Palácio Chenque está lacrado? — Fuyi perguntou, curiosa, ao olhar para o palácio à sua esquerda.
— O Palácio Chenque foi renomeado como Palácio Chenxi¹ e concedido a Sua Alteza Imperial². Sua Majestade, sabendo do apreço de Sua Alteza por bambus, ordenou que o palácio fosse reconstruído ao gosto dele. Ainda está em reforma, por isso o cercado — explicou o eunuco, observando cuidadosamente a expressão de Yun Fuyi, esperando que ela perguntasse mais.
Mas, para sua surpresa, Fuyi apenas assentiu, sem demonstrar curiosidade.
— Entendo.
O eunuco ficou um pouco surpreso. O Palácio Chenque fora, um dia, a residência de Ning Wang, e a Senhorita Yun era próxima dele antes de deixar a capital. Agora que o palácio havia mudado de dono, ela não estava nem um pouco curiosa?
Justo quando ele pensava em Ning Wang, o próprio príncipe apareceu, caminhando em direção a eles com dois atendentes atrás. O eunuco curvou-se depressa:
— Este humilde servo cumprimenta Ning Wang.
Ning Wang parou, lançando o olhar na direção da figura sentada na liteira. Naquele dia, ela usava um vestido amarelo-claro de estilo palaciano, bordado com pardais, e a testa adornada com um ornamento floral brilhante que cintilava sob o sol — tão deslumbrante quanto era três anos atrás.
Yun Fuyi ergueu os olhos para Ning Wang e desceu da liteira:
— Esta filha súdita cumprimenta Ning Wang — disse, abaixando a cabeça e fazendo uma reverência formal.
Após um breve silêncio, Ning Wang se aproximou para ajudá-la a se levantar.
— Não precisa de tanta formalidade.
— As coisas não são mais como antes — disse Fuyi, dando um passo para trás. Seu sorriso era educado, porém distante, e não havia brilho algum em seus olhos. — Não concorda, Wangye?
A expressão de Ning Wang mudou sutilmente.
— Esta filha súdita ainda precisa prestar respeitos a Sua Majestade. Se Wangye não tiver mais assuntos, perdoe-me pela descortesia, mas me retiro primeiro — disse Fuyi, virando-se e sentando-se novamente na liteira, sem a menor preocupação com o possível constrangimento que causava.
O eunuco abaixou ainda mais a cabeça. A Senhorita Yun tinha razão — os tempos haviam mudado. Três anos atrás, Ning Wang era o filho mais amado do falecido imperador, e ninguém ousaria desafiá-lo. Mas agora, Sua Majestade governava o império, e Ning Wang era o perdedor da disputa pelo trono.
— Fuyi... — começou Ning Wang.
— Wangye — interrompeu Yun Fuyi, erguendo uma sobrancelha —, o senhor está noivo. Seria impróprio chamar uma jovem donzela pelo nome.
“Que falta de virtude masculina!”
— Ah, e a propósito — disse ela, lançando um olhar de lado para o rosto bonito do homem —, sabe qual foi meu último pensamento quando caí daquele penhasco, três anos atrás?
O rosto de Ning Wang empalideceu.
— “Se eu sobreviver, farei com que o canalha que destruiu minha família Yun viva uma vida pior que a morte!”
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Nota da Autora:
Yun Fuyi: “Não sou uma donzela frágil. Tenho força e meios para lidar com qualquer canalha!”
Este é um mundo fictício, e o status das mulheres pode ser comparado ao dos períodos prósperos da Dinastia Tang e Wu Zhou~
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Notas de tradução:
Chenque (宸雀): “Chen” significa “aposento imperial”, e “Que” significa “pardal”.
Chenxi (宸玺): “Chen” significa “aposento imperial”, e “Xi” significa “selo do governante”.Príncipe ou Filho Imperial (皇子): Todos os filhos nascidos de um imperador são chamados de “príncipe”, mas isso não é um título. Ao atingirem a idade adulta, recebem o título de Wang.
Um filho imperial é tratado com cortesia como Dianxia (殿下), que pode ser traduzido como “Sua Alteza Imperial”.
Sua esposa principal é chamada de Huangzifei (皇子妃) ou simplesmente Princesa Consorte.
Capítulo 3 Parte 1 – “E daí? Eu bato nele se eu quiser.” (I)
— Como ousa falar com tamanha falta de respeito a Sua Alteza Imperial! — repreendeu em voz alta o eunuco que seguia Ning Wang. — Este é o palácio imperial, Senhorita Yun, por favor, tome cuidado com suas palavras!
— Eu estou xingando o filho da mãe que tentou assassinar minha família. Por que você está pulando para defender seu Wangye? Está sugerindo que seu Wangye está por trás disso? — Fuyi respondeu na lata. — Você é uma pessoa, não um cachorro, e ainda assim aqui está, latindo para todo mundo que vê.
— Você! — O rosto do eunuco ficou vermelho de raiva, encarando Fuyi. — Senhorita Yun, Sua Alteza Imperial nada teve a ver com o assassinato! Vocês são amigos há anos, e agora que ele caiu em desgraça, você age como aqueles covardes oportunistas, chutando-o enquanto está no chão. Nós subestimamos você o tempo todo!
— Caiu em desgraça? — Antes que alguém pudesse reagir, Fuyi já tinha dado um passo rápido à frente e estapeado o eunuco com força no rosto. — Sua Majestade enfeitou as ruas com lanternas de celebração para o casamento de Ning Wang. Essa grandiosidade demonstra o profundo afeto pelo seu irmão mais novo. Toda a corte está comovida com o cuidado de Sua Majestade, e aqui está você, confidente de Ning Wang, cheio de ressentimento. Eu não consigo deixar de me perguntar — quem colocou essa ideia traiçoeira na sua cabeça?!
O tapa foi desferido com toda a força, e todos presentes ficaram boquiabertos ao ver o eunuco voar pelo ar e bater pesado contra as paredes vermelhas do palácio.
O eunuco que acompanhava Fuyi engoliu em seco — “S-Senhorita Yun é muito forte!”
— Obrigado, Senhorita Yun, por repreender um subordinado tolo que falou fora de hora — disse Ning Wang, sabendo que seria ele quem ficaria em desvantagem se a situação escalasse. Nos últimos dois anos, ele vinha agindo com cautela, jamais ousando ultrapassar seus limites.
— Eu sou lerda demais para saber se ele falou fora de hora ou simplesmente disse a verdade — retrucou Fuyi, esfregando o pulso com um sorriso sarcástico. — Não há necessidade de explicar para uma simples filha súdita, Wangye. O que é certo e errado será julgado por Suas Majestades.
Ela recostou-se na cadeirinha de mão. — Sua Majestade é bondosa e compassiva. Esta filha súdita está com pressa para cumprir o horário marcado e não pode atrasar mais. Permita-me me retirar!
O eunuco de Fuyi olhou para o eunuco caído, depois se curvou para Ning Wang antes de se virar para a cadeirinha, dizendo: — Senhorita Yun, estamos partindo.
Ning Wang observou a cadeirinha sumir à distância, com as mãos apertadas dentro das mangas.
— Vossa Alteza Imperial — disse outro eunuco de Ning Wang, indignado — quem poderia imaginar que a Senhorita Yun fosse tão fria e ingrata? Ela poderia ostentar seu poder na capital por anos graças à sua proteção. Agora, para agradar o novo imperador, ela te abandona como um sapato velho. Uma pessoa tão volúvel e falsa não merece sua tristeza.
Ning Wang fechou os olhos e logo recuperou sua calma habitual. — Não é sua vez de falar da Senhorita Yun. Ajude-o a se levantar. Preciso ir pedir desculpas ao Irmão Imperial.
…
Por gerações, o Palácio Zhaoyang sempre fora a residência da imperatriz. Quando o falecido imperador ainda reinava, ele pretendia conceder o palácio à mãe de nascimento de Ning Wang, então Consorte Nobre [1]. Porém, muitos ministros veteranos se opuseram veementemente, então o palácio permaneceu vazio. Agora, com um novo imperador no trono, esse palácio, que esteve silencioso por quase uma década, finalmente recebeu outra imperatriz e ganhou vida.
Yun Fuyi desceu da cadeirinha e subiu os degraus. Ao chegar, os atendentes da entrada não a fizeram esperar pelo chamado, levando-a diretamente ao salão interno onde a imperatriz já a aguardava.
Assim que entrou, Yun Fuyi fez uma profunda reverência sem esperar a fala da Imperatriz. — Esta filha súdita chegou atrasada. Por favor, me perdoe, Vossa Majestade.
— Boa garota, levante-se rapidamente — disse a Imperatriz, sinalizando para sua dama de companhia ajudar Fuyi a sentar-se. — Faz três anos. Você cresceu em altura, mas também emagreceu — observou, olhando Fuyi com calor.
Yun Fuyi não esperava tal gentileza íntima da Imperatriz. Tentou se levantar e fazer uma pequena reverência em resposta, mas a Imperatriz segurou sua mão gentilmente. — Não precisa de formalidades. Vamos conversar sentadas.
— Obrigada, Vossa Majestade. — Vendo que a Imperatriz não questionava seu atraso, Fuyi abordou o assunto. Afinal, ela, Yun Fuyi, não perdia uma chance de reclamar. Guardar mágoas era sua especialidade.
— Ao saber que Vossa Majestade me convocara, esta filha súdita ficou radiante. Levantei-me antes do amanhecer para preparar cada detalhe, mas no caminho encontrei um eunuco desrespeitoso da Mansão Ning Wang, o que causou o atraso — Fuyi fingiu uma expressão de culpa. — A culpa foi minha. Agi impulsivamente e causei uma cena.
Isso era novidade para a Imperatriz. Ao ouvir que Fuyi tinha se envolvido em conflito com os homens de Ning Wang, ela mandou chamar o eunuco que acompanhara Fuyi e o interrogou pessoalmente. Ao saber que Fuyi tinha se apressado para encontrá-la, sem se importar com a dignidade de Ning Wang, um sorriso surgiu discretamente no canto dos seus lábios. Ela teve que repetir silenciosamente várias vezes "a cunhada mais velha é como uma mãe" [2] para conseguir conter o sorriso.
Quando ouviu que Fuyi havia estapeado o eunuco insolente e o repreendido em voz alta, seu sorriso reapareceu plenamente. Nenhuma “compostura de imperatriz” ou “dever materno da cunhada” poderia detê-la agora.
— Como simples filha súdita, agi precipitadamente. Por favor, me puna, Vossa Majestade. — Fuyi olhou para a mão, ainda firmemente segurada pela Imperatriz. Incapaz de retirá-la sem parecer rude, abaixou a cabeça em sinal de “arrependimento”.
— É bom que uma jovem mostre espírito. Além disso, o eunuco estava errado. Você defendeu a honra de Sua Majestade — onde está o erro nisso? Ainda assim… — A Imperatriz abriu a palma da mão de Fuyi e examinou cuidadosamente. — Mas deve tomar cuidado para não machucar suas mãos delicadas. Essas pessoas mesquinhas não valem a pena.
Boa bronca, bom tapa, muito bem!
Depois que os atendentes serviram chá e refrescos, a Imperatriz mandou uma dama buscar alguns potes de pomada para Fuyi. — Estes são bálsamos para cuidar da pele e manter suas mãos macias e suaves. Leve-os para casa e use-os.
— Obrigada pelo presente generoso, Vossa Majestade — disse Yun Fuyi, olhando os potes. Sua suspeita se confirmou — claramente, a Imperatriz ficou bastante satisfeita com suas ações.
》❈《
Notas:
[1] No sistema do harém imperial chinês, o palácio interno é liderado pela imperatriz, seguido pelas Quatro Consortes, que são: Consorte Nobre (贵妃; Guifei), Consorte Shu (淑妃, Shufei), Consorte De (德妃) e Consorte Xian (贤妃, Xianfei). Nem todas as dinastias tiveram uma Consorte Imperial Nobre, e na ausência dela, a Consorte Nobre liderava as quatro consortes, ficando em segundo lugar apenas atrás da imperatriz.
[2] Um antigo ditado na China. Na ausência dos pais, o irmão mais velho e sua esposa assumem a responsabilidade parental pelos irmãos mais novos.
Capítulo 3 Parte 2 – “E daí? Eu bato nele se eu quiser.” (II) — Por que você não trouxe nenhum dos seus atendentes? — perguntou a Imperatriz, notando pela primeira vez que Fuyi havia vindo sozinha, franzindo levemente a testa. — Sua Majestade é bondosa, e Vossa Majestade é benevolente. Esta filha súdita estava ansiosa para prestar meus respeitos e não quis que meus atendentes perturbassem minha primeira visita à senhora — explicou Fuyi. A convocação da Imperatriz não era algo para se levar na brincadeira. A menos que explicitamente permitido, ela jamais teria ousado trazer outras pessoas para o palácio. Ela era uma dândi, uma jogadora, não uma tola. Uma verdadeira dândi sempre sabia quais linhas não ultrapassar. A resposta de Fuyi lembrou à Imperatriz de um banquete no palácio alguns anos atrás. Naquele tempo, aquela garota tinha cerca de treze ou quatorze anos, cercada por duas criadas de confiança e um grupo de servos e eunucos do palácio, cheia de jovialidade e charme. — Este palácio[1] lembra que você sempre teve duas criadas fiéis ao seu lado. Da próxima vez que vier ao palácio, traga-as para cuidar de você devidamente — disse a Imperatriz, batendo suavemente na mão de Fuyi. — Embora os eunucos sejam competentes, ninguém conhece melhor suas necessidades do que seu próprio pessoal. — Obrigada pela sua graça, Vossa Majestade — disse Fuyi, emocionada. Ela não esperava que o favor do pai na corte fosse tão grande a ponto de beneficiar também a filha. A Imperatriz continuou conversando com Fuyi sobre diversos assuntos. Talvez para poupar seus sentimentos, evitou cuidadosamente mencionar a queda do penhasco três anos atrás. Em vez disso, perguntou sobre o tempo que Fuyi passou na Província de Chongzhou, discutindo costumes e histórias locais. Chongzhou era um lugar áspero e remoto. Três anos atrás, o falecido imperador ficou furioso quando Yun Wanggui se opôs a fazer Ning Wang príncipe herdeiro, então exilou toda a família Yun para Chongzhou. No caminho, sofreram várias tentativas de assassinato e, mesmo após chegarem, o mentor por trás dos ataques não desistira. Se Fuyi não tivesse arriscado a vida para proteger a família, os quatro poderiam estar enterrados lá há muito tempo. — Chongzhou é bastante remoto, mas a vida lá não foi tão difícil. As pessoas eram honestas e simples, e apoiavam totalmente as reformas do pai. Quando saímos, nossa carruagem estava transbordando de frutas e outros produtos locais presentesados pelos moradores — Fuyi sorriu ao falar do tempo passado em Chongzhou. — As mulheres de lá são especialmente fortes e capazes. Fuyi compartilhou algumas histórias engraçadas de Chongzhou, fazendo a Imperatriz rir com vontade. Ela ficou tão contente que insistiu para Fuyi ficar para o almoço, presenteando-a com inúmeros tesouros antes de mandar um eunuco escoltá-la para casa. Menos de uma hora após o retorno de Yun Fuyi, a notícia de que ela havia estapeado o eunuco de Ning Wang, sido convidada para almoçar com a Imperatriz e recebido presentes preciosos se espalhou por toda a capital. O grupo de dândis ociosos, em especial, ficou impressionado. Como esperado da sua grande chefe! Após três anos fora, Yun Fuyi voltou e imediatamente adicionou mais um feito lendário ao seu nome. Os que foram oprimidos pela facção de Ning Wang sentiram-se vingados, enquanto os que o apoiavam ficaram indignados. Yun Fuyi já fora muito próxima de Ning Wang, então por que agora estava bajulando a atual imperatriz? — Ela é uma oportunista de duas caras, muda conforme o vento sopra. A filha de Yun Wanggui não tem a integridade da família — resmungou um jovem de vestes azuis, ainda mancando da surra que o pai lhe dera, enquanto visitava Wang Yanhe na Mansão do Duque Chengzhong. Wang Yanhe estava ainda pior, ainda acamado pela surra que recebera do avô. — Shh! Cale a boca! — Wang Yanhe gemeu de dor. — É melhor você tomar cuidado com o que fala. Se ela ouvir, vai causar uma catástrofe ainda maior. Ele não esperava que, depois de apanhar de Yun Fuyi, ela fosse até seu avô e o denunciasse, resultando numa surra ainda mais brutal. Não era à toa que ela o poupou com apenas alguns chutes! Na hora, achou estranho — dado o estilo dela, foi bem leniente. Mas, na verdade, havia outra armadilha esperando por ele em casa! — Irmão Wang, que tipo de habilidades Yun Fuyi tem que fazem você — vendo o olhar de Wang Yanhe, Chen Yuanzhi corrigiu rapidamente — nos deixar tão cautelosos com ela? — Você nunca teve contato com ela, então não sabe o tipo de desastre ambulante que ela é. Em particular, pode chamá-la pelo nome, mas na presença dela, é melhor ser educado. Chame-a de Senhorita Yun ou Jovem Senhora Yun — Wang Yanhe gemeu, ainda sentindo dor nas nádegas, mas não resistiu em contar algumas conquistas passadas de Yun Fuyi. — Você conhece Li Erlang, da família Li, certo?[2] Chen Yuanzhi assentiu. Li Erlang era o segundo jovem mestre da família Li, cujo avô era o Ministro dos Trabalhos Públicos. Sua avó materna era uma Junzhu[3], o que o tornava par imperial. Mesmo Wang Yanhe, neto de um duque, tinha que mostrar respeito a ele. — Alguns anos atrás, Li Erlang bebeu demais e acabou assediando verbalmente a filha de um vice-ministro. Infelizmente para ele, Yun Fuyi presenciou tudo. Ela passou meia hora repreendendo-o publicamente. No mês seguinte, ela e seu grupo de amigas acamparam em frente à mansão Li, zombando dele sem parar. Toda a capital riu de Li Erlang por um mês inteiro — lembrando da situação miserável de Li Erlang, Wang Yanhe estremeceu. — Desde então, Li Erlang evita a Yun Fuyi a todo custo e tem pavor de ofender qualquer mulher com quem fale. — Como um escândalo tão grande aconteceu sem a família Li intervir? — Chen Yuanzhi ficou chocado. Não conseguia imaginar alguém tão ousado a ponto de bloquear a porta da casa alheia e humilhar o neto de um ministro e par imperial. — Quem disse que eles não tentaram? — suspirou Wang Yanhe. — Mas você acha que Yun Fuyi é do tipo que escuta? No fim, não só Li Erlang foi humilhado, mas o ministro Li e a Junzhu perderam a cara também. Desde então, a avó Junzhu de Li Erlang fica amarga toda vez que alguém menciona Yun Fuyi. — Por que ela age tão imprudentemente? Será que não existe ninguém na capital que a controle? — Chen Yuanzhi ficou pasmo. Essa Senhorita Yun era realmente… um desastre ambulante! — Ahem. — Wang Yanhe acenou para os servos saírem da sala, então se inclinou e sussurrou misteriosamente: — Três anos atrás, circulou um boato na capital de que Ning Wang gostava de Yun Fuyi. — O quê?! — Chen Yuanzhi ficou completamente chocado. Após uma longa pausa, disse: — Jamais teria imaginado que Ning Wang, que sempre parecia tão refinado, teria gostos tão incomuns. — Você não entende — Wang Yanhe bufou. — Yun Fuyi pode ser feroz, mas também é bonita. Chen Yuanzhi encarou o amigo horrorizado. Será que Wang Yanhe ficou com o cérebro danificado de tanto apanhar? — Infelizmente, Yun Wanggui não apoiou Ning Wang para ser príncipe herdeiro, o que desagradou o falecido imperador e a consorte nobre, e toda a família foi banida para um lugar remoto. No caminho, a família Yun sofreu várias perseguições. Quem você acha que enviou o assassino? … — E daí se ele é o eunuco de Ning Wang? Eu bato nele se eu quiser. Meu pai é um ministro leal a Sua Majestade. Como filha da família Yun, como posso permitir que falem mal de Sua Majestade? — disse Fuyi, tirando seus enfeites e acessórios enquanto contava os acontecimentos do dia para Liu Qiongzhi e Yun Zhaobai. — Se não fosse pelo status de Ning Wang, eu também teria batido nele. — Muito bem, irmãzinha, muito bem! — riu Yun Zhaobai, batendo palmas. — Mas você percebe a quem suas ações hoje se parecem? — A quem? — Com o vilão daqueles livros de história — quando o protagonista cai em desgraça, você vira as costas para ele e faz sua vida miserável. — Como se aquele lixo de Ning Wang merecesse ser o protagonista — zombou Yun Fuyi com desdém. — Se para ser uma boa pessoa é preciso ser paciente, compreensivo e perdoador, então eu prefiro ser uma vilã vingativa. Ser chamada de vilã pode parecer ruim, mas é tão satisfatório! 》❈《 Nota da autora: A graciosa e gentil Imperatriz: “Muito bem! Excelente trabalho! Da próxima, bate mais forte.” Yun Fuyi: “Vilã? Que vilã?” 》❈《 Notas: [1] 本宫 (běngōng) — termo usado por imperatrizes, consortes de alta patente e princesas imperiais para se referirem a si mesmas. [2] Erlang (二郎) não é um nome, mas uma forma de tratamento que significa ‘Segundo Filho’. Veja o glossário para explicação detalhada. [3] Junzhu (郡主): Princesa de Terceira Classe. Título geralmente concedido à filha de um Wang (príncipe).
Capítulo 4 – Sua Alteza Imperial
— Bobagem — disse Yun Zhaobai, dando um leve peteleco na testa da irmã. — Você deve estar cansada depois da visita ao palácio. Jante e vá dormir cedo.
— Tá bom — respondeu Fuyi com um bocejo, se espreguiçando preguiçosamente contra o encosto da cadeira. — Sua Majestade me tratou com bastante carinho. Parece que não ofendi o príncipe, afinal.
— Quanto mais você fala, menos sentido faz — comentou Liu Qiongzhi suavemente enquanto alisava os cabelos soltos de Fuyi. — Se está cansada, pode ir descansar. Chamaremos você quando o jantar estiver pronto.
— Mhm — murmurou Fuyi, virando o rosto de lado e esfregando a bochecha na palma da mãe. — Mãe, vou pro meu quarto.
Depois que Fuyi saiu, a expressão gentil no rosto de Liu Qiongzhi desapareceu lentamente.
— O casamento do Príncipe Ning é depois de amanhã. Você deveria passar mais tempo com sua irmã nesses próximos dias.
— Mãe, está preocupada com a maninha? — Yun Zhaobai serviu chá e entregou uma xícara à mãe. — Pode ficar tranquila, isso não vai afetar ela.
— Se for mesmo assim, então tudo bem — respondeu Liu Qiongzhi, finalmente se sentindo um pouco mais tranquila com as palavras do filho.
…
Quando o dia amanheceu, Fuyi ainda dormia profundamente, mas começou a ouvir vagamente as vozes de suas servas pessoais, Qiushuang e Xiayu.
— Senhorita, por favor, acorde. A senhorita Lin e o jovem mestre Yang estão ansiosos pra vê-la.
— Quem? — Fuyi sentou-se, abraçada ao cobertor, enquanto Qiushuang lavava seu rosto com um pano embebido em água morna.
— Aqueles dois que você conhece desde criança. O segundo jovem mestre Yang e a quinta senhorita Lin.
— O quê?! — Fuyi despertou na hora, pulou da cama, vestiu um robe às pressas e saiu correndo.
— Senhorita, os sapatos! — Qiushuang correu atrás dela com os sapatos, enquanto Xiayu levava o manto externo.
— Chefe!
— Yang Er! Lin Xiaowu! — Fuyi correu até eles, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Lin Xiaowu a envolveu num abraço apertado.
— Chefe, você finalmente voltou! — Os olhos de Lin Xiaowu estavam marejados. — Sabe como a gente sobreviveu esses três anos sem você?
Fuyi olhou para os rostos bem mais redondos de Lin Xiaowu e Yang Erlang e hesitou.
— Comendo, bebendo e se divertindo todo dia?
— Como se fosse possível! Sem você por perto, não tínhamos ânimo pra nada — Lin Xiaowu lançou um olhar para o roliço Yang Erlang e suspirou. — Sempre que sentíamos sua falta, afogávamos a tristeza na comida. Olha o tamanho que o Yang Er ficou.
Fuyi: "..."
Ela empurrou Lin Xiaowu com desdém.
— Já chega.
— É, engordamos um pouco, mas sentimos sua falta de verdade — disse Yang Erlang, se aproximando com um sorriso de orelha a orelha. — Quando soubemos que você tinha voltado, corremos ontem mesmo pra cá, mas você estava no palácio. Então decidimos madrugar hoje pra ser os primeiros a te ver. Isso sim é amizade de verdade, né?
— Bom, vocês chegaram cedo mesmo — respondeu Fuyi com um bocejo. — Esperem aqui, vou me arrumar rapidinho.
— Ok — disse Lin Xiaowu, sentando-se numa cadeira. — Qiushuang, traz alguma coisa pra comermos. Acordamos tão cedo que nem tomamos café.
— Por favor, aguardem um momento, senhorita Lin e segundo jovem mestre Yang. Esta serva vai avisar à cozinha para preparar o desjejum agora mesmo — respondeu Qiushuang com um sorriso, instruindo uma criada mais nova a ir buscar a comida enquanto ela permanecia ali para servir os convidados.
Quando Fuyi voltou, Yang Erlang e Lin Xiaowu já estavam sentados diante de uma mesa cheia de pratos, conversando com Qiushuang sobre a queda dela do penhasco. Fuyi se sentou entre os dois com um suspiro.
— Vocês nunca param de falar nem pra comer?
— Estávamos esperando você! — Yang Erlang prontamente serviu uma tigela de mingau pra ela. — Aqui, chefe, aproveita.
— Come bem, você precisa se nutrir — acrescentou Lin Xiaowu, enchendo o prato de Fuyi com acompanhamentos, com os olhos ainda úmidos. — Estamos só felizes que você esteja bem.
— Só comam — disse Fuyi, rindo ao ver os rostos emocionados dos amigos. — Mandei presentes pra vocês de Chongzhou nos últimos dois anos, não mandei? Por que essa choradeira agora?
— Só ficamos tranquilos depois de ver você com nossos próprios olhos — resmungou Lin Xiaowu, segurando um pedaço de bolo. — Mas por causa dos nossos títulos, não podíamos sair da capital sem permissão. Se não fosse por isso, Yang Erlang e eu teríamos ido correndo até Chongzhou há três anos.
— Ainda bem que vocês tiveram o mínimo de juízo pra não vir — disse Fuyi, um pouco sem jeito diante dos olhares lacrimosos. Ela serviu mingau para os dois. — Agora vamos comer.
Lin Xiaowu e Yang Erlang trocaram um olhar rápido, decidindo não contar que, na verdade, haviam tentado fugir da capital naquela época, mas foram pegos e arrastados de volta pelas próprias famílias logo depois.
As emoções passaram tão rápido quanto vieram. Depois do café da manhã, os dois já estavam de volta ao habitual espírito brincalhão, insistindo pra levar Fuyi pra se divertir.
Do lado de fora do portão, Yun Zhaobai, ouvindo as risadas vindas do pátio da irmã, perguntou ao porteiro:
— Os amigos da minha irmã estão aqui?
— Sim, jovem mestre. O segundo jovem mestre Yang da casa do Marquês e a senhorita Lin, da casa da Junzhu de Anping, vieram logo cedo visitá-la.
Ao ouvir as gargalhadas alegres da irmã, Yun Zhaobai sorriu com um suspiro e, de mãos cruzadas nas costas, virou-se e foi embora.
…
Depois do café, Fuyi foi levada da Mansão Yun por Yang Erlang e Lin Xiaowu, indo direto para a Rua Sul.
— Todo mundo ficou animado quando soube que você voltou. Reservamos algumas mesas no Pavilhão Caiyin, na Rua Sul, só esperando sua chegada — disse Lin Xiaowu, levantando a cortina e espiando pela janela da carruagem. — Não se preocupe. A comida, a bebida e a música são todas as suas preferidas.
Antes que Fuyi pudesse responder, a carruagem parou de repente.
— O que foi? — Yang Erlang levantou a cortina e perguntou ao cocheiro.
— Segundo jovem mestre, tem um cortejo de dote logo à frente — respondeu o cocheiro. Era costume na Dinastia Dalong ceder passagem para cortejos de casamento ou funerais.
— É da... família Cui? — Yang Erlang olhou adiante. Ao se lembrar de que Fuyi também estava na carruagem, abaixou a cortina depressa e falou com as meninas:
— É um cortejo de dote. Vamos ter que esperar passar.
Ao ver Fuyi prestes a levantar a cortina, ele a impediu rapidamente.
— Não tem nada de interessante, de verdade.
Diante do nervosismo crescente de Yang Erlang, Fuyi sorriu de forma sugestiva. Ela abaixou a mão e disse:
— Você tem razão. Nada que valha a pena ver.
Yang Erlang suspirou de alívio e pediu ao cocheiro que pegasse outro caminho.
Quando chegaram ao Pavilhão Caiyin, Fuyi mal teve tempo de descer da carruagem antes de ser cercada por um grupo de jovens folgados, que a receberam com tanto alvoroço que metade da rua virou para olhar.
— Quem é essa? — cochicharam curiosos. — Tantos jovens nobres vindo recepcioná-la... Que fanfarra impressionante.
— Não consegui ver direito. Vamos dar mais uma espiadinha.
— Aquele jovem com jaqueta vermelha... Não é parente da família imperial?
— Uau, que prestígio!
— Fuyi, experimenta esse chá!
— Esquece o chá, prova esse vinho novo!
— Dono da casa, que comece a música e a dança! Hoje é dia de comemoração — vamos animar isso aqui!
Cercada por pessoas falando todas ao mesmo tempo, Fuyi acabou com um doce na boca, uma xícara de chá numa mão, e vários petiscos e lembranças pendurados por todo lado. Felizmente, ela já estava acostumada com esse tipo de situação e logo se enturmou, conversando e rindo como se os três anos de ausência nunca tivessem existido.
Todos estavam em ótimo humor. À medida que o clima esquentava, alguns subiram ao palco para cantar, outros dedilhavam o pipa¹, e até Yang Erlang tentou tocar o guqin². Mas a música foi tão ruim que ele foi vaiado e expulso do palco.
— Tsk, tsk, tsk — Fuyi fez uma careta, tapando os ouvidos com as mãos. — Em três anos, vocês até cresceram, mas as habilidades continuam no mesmo lugar — balançou a cabeça, suspirando.
Yang Erlang riu, sem o menor sinal de arrependimento.
— A gente é só um bando de folgados, que habilidade você esperava que a gente desenvolvesse?
Ele virou o copo de uma vez só. Fuyi se levantou e foi até o palco, onde um músico tocava o pipa. Fez um gesto, e o músico prontamente lhe entregou o instrumento.
Assim que o primeiro acorde ecoou, o salão inteiro silenciou.
Yang Erlang se virou para Lin Xiaowu e murmurou:
— Eu fui um idiota. Esperava o quê mesmo? — "Pássaros da mesma plumagem voam juntos", pensou. Preguiçosos como eles eram, nenhum conseguia tocar uma música decente. Claro que isso incluía a chefe deles!
Fuyi já estava um pouco bêbada. Sem ligar para as opiniões dos amigos, tocou até o final da melodia, encerrando com um estrondo antes de descer do palco com leveza.
— Faz tempo que não toco, estou meio enferrujada — disse com um sorriso humilde.
— Que peça vigorosa! — comentou Yang Erlang, fazendo sinal de positivo. — Sua interpretação artística é indescritível — cheia de intenção assassina e extremamente tensa!
— Olha só, obrigada pelo elogio, mas não foi nada demais — respondeu Fuyi com um sorriso malicioso. Uma garota de túnica verde lhe entregou uma taça, que ela esvaziou de um gole só. — Esse vinho tá mais gostoso que antes. Deve ser porque foi você que trouxe pra mim?
— Sai daqui — retrucou a moça de verde, empurrando Fuyi de leve, o rosto um pouco corado. As outras meninas viram isso, riram e logo ergueram suas taças também, cercando Fuyi.
— Vai, experimenta o nosso também! Vamos ver qual tem o melhor sabor!
Percebendo que tinha se metido numa enrascada, Fuyi se levantou rápido e ergueu as mãos em rendição.
— Eu errei, eu errei! Tenham piedade de mim, irmãs queridas!
As garotas riam, mas não estavam prontas para deixá-la escapar tão fácil. Encurralada, Fuyi girou nos calcanhares e disparou para fora do pátio privado que haviam alugado.
— Cuidado! — Já um pouco embriagada, ela quase esbarrou em alguém. Rapidamente se agarrou a uma romãzeira para se equilibrar e se desculpou: — Desculpa, não estava prestando atenção... Te assustei?
— Yun Fuyi, para de correr! — seus amigos gritavam atrás, prontos para alcançá-la. Mas no instante em que viram quem estava debaixo da romãzeira, congelaram, os sorrisos brincalhões desaparecendo na hora. O grupo de jovens folgados escondeu rapidamente as taças e copos nas mangas e se curvou em uníssono:
— Saudações, Alteza Imperial.
— Esta filha súdita saúda Vossa Alteza — Fuyi logo fez o mesmo. Inclinou a cabeça, os olhos levemente turvos pelo álcool, seu olhar caindo sobre o padrão de nuvens auspiciosas douradas bordado na barra da túnica do príncipe. O trabalho artesanal era impecável. Como único filho do imperador, era praticamente certo que, ao fim do luto de três anos pelo falecido imperador, ele seria nomeado príncipe herdeiro.
Fuyi não sabia muito sobre esse príncipe. Apenas que, desde pequeno, era elogiado por sua autodisciplina e dedicação aos estudos. Os ministros o respeitavam bastante. Sem dúvida, alguém como ele era de um mundo completamente diferente dos jovens problemáticos como ela e seus amigos. Talvez eles nem existissem aos olhos dele.
— Não há necessidade de tanta formalidade — disse o príncipe suavemente, com uma voz tão amena quanto a brisa da primavera. Apesar das risadas e da algazarra que faziam momentos antes, ele não demonstrava nenhum sinal de incômodo ou desaprovação.
— Obrigada, Alteza — Fuyi se endireitou. Deu alguns passos para trás, com a cabeça ainda baixa, demonstrando respeito.
Ping... ping... Alguém havia quebrado seu cantil de vinho, que agora vazava pela manga, deixando gotas no chão. Fuyi, discretamente, ajustou sua posição para encobrir a poça com o pé, protegendo o desastrado.
O pátio permaneceu em silêncio tenso. Após um momento, o príncipe voltou a falar:
— A senhorita Yun ficou fora da capital por muito tempo, e hoje é seu reencontro com os amigos. Fiquem à vontade para aproveitar — não tenho intenção de interromper.
Fuyi finalmente ergueu os olhos e viu a silhueta do príncipe se afastando. Curvou-se mais uma vez:
— Agradeço, Alteza.
— É tão raro ver o príncipe passar pelo Pavilhão Caiyin — sussurrou Lin Xiaowu, puxando a manga de Fuyi enquanto observavam o príncipe se afastar. — É a primeira vez que o vejo num lugar como esse.
— Quase não reconheci — comentou outra garota. — Ouvi dizer que o príncipe não gosta de roupas chamativas, mas hoje ele estava usando um manto roxo com dourado. Achei estranho.
— Hmm? — Fuyi pensou na figura do príncipe se afastando e arqueou uma sobrancelha com um leve sorriso. — Estava bonito — por que ele não gostaria?
— Não sei bem — a garota deu de ombros. — Talvez algo da infância... — e parou, hesitante. O imperador atual era o primogênito, com o direito mais forte ao trono. No entanto, era de conhecimento geral que o falecido imperador não gostava dele — e esse desgosto se estendia à esposa e ao filho. Todos sabiam das dificuldades enfrentadas por essa família durante o reinado anterior, mas escândalos imperiais não eram assuntos para jovens folgados comentarem abertamente.
Quando tiveram certeza de que o príncipe já havia partido, o grupo retomou a diversão, que seguiu até o cair da noite. Só quando as famílias enviaram criados para buscá-los é que se despediram a contragosto. De volta à carruagem da família Yun, Fuyi se recostou na almofada macia, de olhos fechados, tentando descansar. Tinha bebido demais naquele dia e sentia a cabeça zonza.
No meio do caminho, a carruagem parou de repente. Fuyi se sentou com dificuldade e perguntou, sonolenta:
— O que foi?
— Senhorita — respondeu Qiushuang, levantando a cortina com uma expressão preocupada. — O Príncipe Ning está logo à frente.
Ning Wang estava parado diante da carruagem, sua figura parecendo solitária sob o véu da noite. Ao notar a movimentação da cortina, ele se preparava para falar—
— Sai da frente, seu desgraçado! — A cortina voou quando Fuyi enfiou a cabeça para fora, seguida de um jarro de vinho lançado na direção dele.
— Senhorita, a senhora está bêbada!
— Alteza, por favor, nossa senhorita bebeu demais e não está raciocinando direito. O jovem mestre vai pedir desculpas pessoalmente amanhã.
— Vamos, vamos!
A carruagem da família Yun partiu às pressas, deixando para trás apenas o jarro quebrado e a figura solitária de Ning Wang.
》❈《
Notas:
Xiaowu: significa "quinta filha" (e geralmente a mais nova).
Erlang: significa "segundo filho".
Pipa: instrumento musical tradicional chinês de cordas, semelhante a um alaúde.
Guqin: instrumento tradicional chinês de sete cordas, com timbre suave e melancólico.
Capítulo 5 – Hábitos Há Muito Perdidos
— A noite já vai alta, e amanhã é seu grande casamento. Por que o Tio Imperial ainda está aqui fora?
Em algum momento, uma carruagem havia parado à beira da estrada. Atordoado, Ning Wang voltou à realidade e encarou o jovem que descia da carruagem. Seus movimentos eram graciosos, cada passo perfeitamente medido — nem rápido, nem lento — a encarnação perfeita de um cavalheiro refinado. O que o diferenciava era o manto de brocado com fios dourados que usava naquele dia. Contrastava com sua habitual elegância sóbria e dava ao seu rosto de jade um raro toque de extravagância.
— Tingheng? — Ning Wang sorriu gentilmente. — Você sempre preferiu azul-claro. Esse manto dourado com roxo fica realmente chamativo em você.
— Como sobrinho, é apenas apropriado me vestir de forma festiva para o casamento do Tio Imperial — respondeu o jovem com um cumprimento refinado, digno da geração mais nova, ignorando completamente o jarro de vinho estilhaçado no chão. — Só vim compartilhar da boa fortuna.
— Então seu Tio Imperial agradece pelas palavras auspiciosas — disse Ning Wang, o sorriso adquirindo um toque amargo ao encarar os padrões dourados de nuvens auspiciosas que brilhavam sob a luz das lanternas.
— Estou realmente feliz por seu casamento, Tio Imperial.
Ning Wang assentiu levemente. Havia uma grande diferença de idade entre ele e o atual imperador, mas ele era apenas seis anos mais velho que seu sobrinho, Tingheng. Antes da morte de seu pai, o falecido imperador, ele nunca levou esse sobrinho a sério. Em toda a capital, até mesmo os principais servos do Palácio de Ning Wang tinham mais prestígio que o neto imperial mais velho.
— Está tarde. Você deveria retornar ao palácio antes que seus pais comecem a se preocupar — disse Ning Wang, com calma. — Sua posição é extremamente nobre, e nenhum infortúnio deve acontecer com você.
— Agradeço pela preocupação, Tio Imperial. O senhor também deveria voltar para casa e descansar cedo. — Sua postura era impecável, como se realmente tivesse apenas passado por acaso e desejado oferecer algumas bênçãos.
Com isso, o príncipe retornou à carruagem. Uma risada suave escapou de trás da cortina enquanto o veículo começava a se afastar, acompanhado por eunucos que carregavam lanternas para iluminar o caminho.
Ning Wang: "..."
"Aquela família de três, dos pais ao filho, são todos absurdamente pretensiosos."
…
No dia do casamento de Ning Wang, metade da capital fervilhava de animação. O povo não sabia das disputas ocultas envolvendo o trono; tudo o que viam era o casamento luxuoso, o cortejo grandioso e a procissão nupcial aparentemente interminável.
Onde o dinheiro flui, as intenções seguem — as pessoas entendem isso. Se um homem estava disposto a investir tanto esforço e riqueza no casamento do meio-irmão, então ele devia ser um bom irmão.
— Depois de hoje, qualquer um que ousar dizer que Sua Majestade trata mal Ning Wang vai parecer um completo idiota — comentou Fuyi, divertida, observando a procissão da janela. — Com um casamento tão grandioso, daqui a dez anos o povo ainda vai cantar louvores.
Sua Majestade, que assumiu o trono em meio a circunstâncias difíceis, sabia mesmo como agir. Essa estratégia era muito mais eficaz do que ficar criando problemas para Ning Wang.
— Senhorita, a senhorita não está pensando em causar problemas para Ning Wang hoje, está? — Ao ver Fuyi tão entretida com a procissão, Xiayu ficou apreensiva.
— Já te disse antes — sua jovem senhorita aqui é uma desocupada, não uma tola. — Fuyi apoiou a mão, traçando o padrão da xícara de chá com um sorriso. — Como súdita leal, devo ajudar a aliviar os encargos de Sua Majestade, não aumentá-los.
— Ah. — Xiayu assentiu, subitamente compreendendo. Embora não entendesse completamente, isso não a impediu de elogiar sua senhorita. — A senhorita está absolutamente certa.
Na procissão, os servos jogavam moedas de casamento, e as crianças corriam pelas ruas para pegá-las. A cena fez Fuyi sorrir.
— Senhorita — disse Xiayu —, está barulhento aqui, e não há muito o que ver. Que tal irmos ao Pavilhão Caiyin para nos divertir um pouco?
— Não. — Fuyi alisou as mangas e se levantou. — Mas de fato está barulhento. Vamos voltar.
— Sim, senhorita. — Xiayu levantou-se rapidamente, ansiosa para escoltá-la de volta à mansão o quanto antes.
Enquanto mestre e serva desciam as escadas, encontraram a entrada lotada de curiosos, sem espaço para passar. Fuyi esperou até que a multidão se dispersasse um pouco, seguindo então a procissão nupcial e saindo discretamente da casa de chá.
Clinc. Uma moeda de casamento escorregou por entre as frestas do pavimento e rolou até seus pés. Fuyi se abaixou, pegou a moeda e a entregou a uma criança próxima que havia se separado da multidão.
— Aqui está.
A criança a recebeu com alegria, sorrindo de orelha a orelha.
— Obrigado, irmã fada!
O sorriso de Fuyi se alargou com o comentário. "Crianças sinceras sempre me agradam."
— Com licença, senhorita Yun. Meu nome é Mo Wen — um homem de túnica cinza se aproximou. — Já está quase na hora do almoço, e meu mestre a convida para subir e comer com ele.
O homem tinha a pele clara, sem nenhum pelo no rosto, e sua voz era aguda e estridente. Fuyi imediatamente o reconheceu como um eunuco do palácio e lançou um olhar ao restaurante do outro lado da rua. Alisando as roupas, respondeu:
— É claro que não recusarei um convite tão gentil vindo de seu mestre.
Na capital, sua reputação era amplamente conhecida — ninguém desconhecia suas façanhas. Aqueles que tinham amizade com ela não a convidariam de forma tão cerimoniosa, e aqueles sem ligação alguma provavelmente nem se incomodariam. Mesmo os que desejassem fazer sua amizade não escolheriam justo o dia do casamento de Ning Wang para isso.
"Será uma armadilha para me ridicularizar?" Fuyi ponderou, mas logo descartou a ideia. "Improvável — quem ousaria correr esse risco?"
O homem de túnica cinza a conduziu até o último andar do restaurante. Xiayu o seguiu de perto, mantendo uma postura respeitosa, mas observando discretamente os arredores. No segundo andar, mais de uma dúzia de especialistas em artes marciais estavam espalhados — evidentemente muito habilidosos.
— Senhorita Yun, chegamos — disse o homem, parando diante de uma cortina de contas. Ele se curvou e a ergueu para ela, mas não entrou.
— Obrigada. — Fuyi entrou no cômodo. A primeira coisa que notou foi o leve aroma de incenso. Lançando um olhar ao lado, viu um elegante incensário de jade em forma de garça, com o incenso já pela metade.
Como se sentisse sua presença, houve um leve movimento por trás do biombo. Um jovem surgiu, vestindo um manto de brocado prateado e vermelho e um cocar adornado com joias.
"Que figura elegante!", Fuyi admirou-se em silêncio. Prateado com vermelho era uma combinação ousada e chamativa, geralmente considerada espalhafatosa nos homens. Anos atrás, a cor havia sido uma tendência passageira na capital, mas a maioria dos homens que a usava acabava se tornando um desastre ambulante. Fuyi se lembrava bem de como seus olhos sofreram por muitos dias. Felizmente, a moda passou — até hoje. Ao ver aquele homem agora, ela percebeu que o problema não era a cor… e sim quem a usava.
Ele lhe parecia vagamente familiar, embora não conseguisse lembrar de onde o conhecia. No entanto, considerando os guardas disfarçados no andar de baixo, sua identidade não era difícil de adivinhar.
— Esta filha súdita saúda Vossa Alteza Imperial — Fuyi fez uma reverência formal e uma mesura elegante.
Apenas alguém de seu status viajaria com um séquito tão numeroso de guardas, e como havia apenas uma pessoa na família imperial com quem ela não tinha familiaridade, esse só podia ser o príncipe imperial disciplinado e refinado.
— Não há necessidade de formalidades, senhorita Yun.
Fuyi ergueu os olhos e viu um sorriso no rosto do príncipe. Ela não ouvira dizer que esse príncipe sorrisse com frequência — seria por estar de bom humor devido ao casamento de Ning Wang?
"Desde quando Ning Wang e esse príncipe são tão próximos?" Fuyi não se lembrava disso — talvez tenha acontecido durante os três anos em que esteve fora.
— Beber sozinho é entediante. Quando vi a senhorita Yun passando, convidei sem pensar muito. Espero que perdoe minha ousadia — disse o príncipe com educação, fazendo um gesto em direção à mesa. — Por favor, sente-se.
Fuyi curvou-se novamente em agradecimento.
— É uma honra ser convidada por Sua Alteza Imperial.
O príncipe não parecia ser alguém de muitas palavras. Após se sentarem, ele falou apenas algumas vezes. Quando os pratos foram servidos, Fuyi esperou educadamente que ele pegasse os hashis antes de levantar os seus.
Uma criada lhe serviu uma taça de vinho, e Fuyi sentiu uma leve fragrância de pera. Vendo que ela deu apenas um gole, o príncipe finalmente falou:
— O vinho não é do seu agrado?
— Infelizmente, não tenho grande resistência ao álcool. É uma honra rara dividir a mesa com Sua Alteza Imperial. Como súdita imperial, não ouso perder a compostura diante de Vossa Alteza — respondeu Fuyi, empurrando levemente a taça para o lado. Para suavizar o ambiente, brincou: — Se meu pai soubesse, me puniria com cópias intermináveis de caligrafia.
— Beber faz mal ao corpo; é verdade que não se deve exagerar. Alguém, tragam à senhorita Yun uma infusão de ervas — ordenou o príncipe, erguendo ligeiramente o dedo. Os servos prontamente removeram o vinho e as taças.
— Este servo ouviu dizer que a senhorita Yun gosta de flor de pêssego. Por favor, experimente esta e veja se agrada ao seu paladar — disse Mo Wen, entrando com uma bandeja e oferecendo-lhe uma xícara de água de flor de pêssego.
— Obrigada — disse Fuyi ao aceitar a xícara.
— Não me atrevo — respondeu Mo Wen prontamente.
— "Flores de pêssego espalham-se ao longe, pêssegos pendem pesados nos galhos..."¹ — recitou Fuyi enquanto tomava um gole da água, tentando se lembrar do restante do poema. Infelizmente, os versos seguintes escaparam-lhe da memória, então desistiu.
Depois que ela bebeu, Mo Wen perguntou com cautela:
— Há algo de que a senhorita Yun não tenha gostado?
— De modo algum — respondeu Fuyi com um sorriso, terminando a bebida. — Não precisa ser tão cauteloso. Anos atrás, eu era uma garota ignorante e cheia de frescuras com comida. Agora... esses maus hábitos ficaram para trás há muito tempo.
Mo Wen lançou um olhar ao príncipe. Como Sua Alteza permaneceu em silêncio, ele apenas fez uma reverência e afastou-se.
O ambiente voltou a ficar silencioso. Fuyi lançou um olhar ao príncipe, cuja postura era impecável — elegante e ereta, sem uma única falha. Ela serviu-lhe uma xícara de água de flor de pêssego.
— Sua Alteza Imperial, por favor, experimente também.
Mo Wen olhou para a xícara de água doce e estava prestes a dizer algo, mas ao ver o príncipe estender a mão para pegá-la, abaixou rapidamente a cabeça, tornando-se novamente invisível.
A fragrância de flores de pêssego encheu o ambiente, adicionando um toque de doçura ao ar.
Após a refeição, Fuyi olhou pela janela e viu que dali se tinha uma vista ampla de toda a Rua Leste. Ela semicerrava os olhos diante da luz do sol e sorriu.
— É raro um dia tão ensolarado no frio do primeiro mês. Agradeço, Sua Alteza Imperial, por me trazer a um lugar tão agradável.
O ruído vindo da rua aumentou com a volta da procissão nupcial trazendo a noiva. Fuyi lançou um olhar casual para fora e viu o noivo, Ning Wang, montado em um alto cavalo em trajes de casamento. Com o sol às costas, sua expressão estava obscurecida pelo brilho.
— Normalmente estou ocupado no palácio e não venho aqui com frequência, mas se desejar, senhorita Yun, sinta-se à vontade para trazer suas amigas — disse o príncipe, erguendo a mão para bloquear a luz ofuscante.
Mo Wen apressou-se em fechar parte da janela.
— O sol do meio-dia está forte. Por favor, cuidado, senhorita Yun, para que seus olhos não se machuquem.
Fuyi lançou um olhar ao rosto do príncipe, notando um leve rubor em sua pele normalmente pálida — "Seria queimadura de sol?", pensou.
Como uma verdadeira e qualificada desocupada, Fuyi sabia exatamente quando entrar no jogo e respondeu prontamente:
— Agradeço o lembrete, eunuco. O sol lá fora está mesmo um pouco forte.
Claro que não havia vergonha em bajular o futuro príncipe herdeiro. Mesmo que Mo Wen tivesse dito que o sol da primavera estava muito quente, ela teria concordado com prazer, dizendo que até já estava suando.
"Espera... Qual é o nome dele mesmo? Tingheng ou Boheng?"
O som das comemorações aos poucos se afastava. O príncipe empurrou a janela, permitindo que a luz do sol mais uma vez banhasse Fuyi. Ele a olhou, com voz calma e gentil:
— Não é má ideia tomar um pouco de sol nessa primavera inicial.
O calor era tão aconchegante que Fuyi não resistiu a sorrir.
— Sua Alteza tem razão.
Mo Wen lançou um olhar furtivo a Yun Fuyi. Ela realmente fazia jus à sua reputação — aquela que conseguia fazer até o falecido imperador rir com facilidade. Suas palavras mudavam tão rápido quanto o vento.
— Esta filha súdita perturbou Vossa Alteza Imperial por tempo demais. Peço desculpas — disse Fuyi, presumindo que o príncipe ainda teria de comparecer ao banquete do casamento de Ning Wang naquela noite, e decidiu retirar-se com tato.
— Não foi perturbação alguma — respondeu o príncipe, olhando para ela. — Está retornando à sua residência, senhorita Yun?
— Sim, Sua Alteza. Já é hora de regressar.
Ele assentiu lentamente, alisando os vincos da manga antes de olhar para fora.
— Mo Wen.
— Sim, Sua Alteza Imperial.
— Acompanhe a senhorita Yun até em casa.
— Agradeço por sua hospitalidade, Sua Alteza Imperial. Esta filha súdita retira-se agora — disse Fuyi, fazendo uma reverência e recuando dois passos. Ao se virar para sair, percebeu que o príncipe ainda a observava.
Insegura, lançou outro olhar rápido. Tudo certo — nenhum sinal de desagrado ou aborrecimento. Aliviada, deixou o restaurante.
Ao sair, o nome do príncipe finalmente lhe veio à mente: Sui, o sobrenome imperial, e Tingheng, seu nome de cortesia.²
Heng — que significa equilíbrio e justiça. Um bom nome que combinava perfeitamente com ele.
Ela ergueu os olhos para a janela onde estiveram e viu um vislumbre de tecido prateado e vermelho.
— Yun Fuyi, é você mesma? — Uma cabeça gorda surgiu repentinamente de uma carruagem que passava. — Você veio... assistir ao casamento de Ning Wang?
— Quem é você? — respondeu Fuyi ao ouvir o tom sarcástico, cruzando os braços, sem pressa de entrar em sua carruagem. Ela se virou para Xiayu e disse:
— Xiayu, vá ao yamen e chame um oficial.
O sujeito gordo pareceu confuso, sem entender a reação. Nem sequer tinha começado a zombar dela ainda — por que chamar um oficial?
— Criar gado não é fácil para o povo comum. Não podemos deixá-lo perambulando pelas ruas. Melhor capturar e devolver ao estábulo.
"Que sorte a minha — ele veio até mim de bandeja!"
Levou um tempo até o sujeito perceber que estava sendo insultado.
— Está me chamando de gado?!
》❈《
Notas:
¹ Poema de Xin Qiji (辛弃疾), poeta da dinastia Song.
² O nome de cortesia (字, zì) é um nome adicional concedido na idade adulta, usado em situações formais.
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