Capítulo 6 a 10


 Capítulo 6 Parte 1 – Lisonja Descarada (I)

O criado que acompanhava o gorducho ficou em silêncio ao ouvir a troca de palavras. O que mais se poderia esperar? Aquilo claramente não era uma conversa amistosa.

— Estou te avisando, Yun Fuyi, agora você não tem mais ninguém para te proteger. Aconselho que passe a me tratar com mais respeito — ameaçou o gorducho, embora seu corpo o desmentisse ao recuar para dentro da carruagem, sem ousar sair.

— Quem disse que não tenho ninguém para me proteger? — Fuyi ergueu orgulhosamente o queixo. — Sua Majestade é meu maior apoio.

— Ha — o gorducho inclinou-se para fora da janela da carruagem, com um ar presunçoso. — Não se esqueça, eu sou sobrinho de Sua Majestade! Até seu pai tem que me tratar com respeito e me chamar de "Shizi".¹

Enquanto falava, lançou um olhar furtivo para Yun Fuyi e, ao ver que ela não esboçava nenhum movimento em sua direção, recuperou a confiança. Ora, sua avó era tia do imperador — isso fazia dele um legítimo parente da família imperial. Por que deveria temer Yun Fuyi?

— E daí? Sua Majestade trata seus súditos como filhos — retrucou Fuyi, arqueando uma sobrancelha. — Para ele, sou como uma filha. E você, Gordinho Liu, não passa de um sobrinho distante. Como um sobrinho poderia se comparar a um filho ou filha? Isso simplesmente não existe.

— Você... — A mão de Gordinho Liu tremia enquanto apontava para Fuyi. Não ousava afirmar que o imperador não tratava seus súditos como filhos, mas também não queria deixar Yun Fuyi levar a melhor. Mesmo após um longo tempo, não conseguia pensar em uma resposta à altura.

— Distorcendo as palavras para se beneficiar!

O criado pessoal de Gordinho Liu lançou um olhar compassivo ao mestre. Desde que o Shizi havia sido reduzido a lágrimas e ranho sob os punhos da senhorita Yun, quando ambos tinham seis anos, ele nutria um rancor por ela. Por isso, o Shizi desenvolveu uma rotina: sempre tentava provocar a senhorita Yun, e ela, invariavelmente, o deixava sem palavras com sua língua afiada. Vez após vez, ele arranjava encrenca — apenas para sair humilhado. Nem mesmo uma mariposa atraída pelo fogo demonstrava uma tolice… digo, tenacidade tão incansável quanto a do Shizi!

— Seja um bom irmãozinho e me chame de "irmã mais velha", pode ser?

— Você, você... — Gordinho Liu engasgou, furioso. — Descarada!

— Um irmão mais novo que não segue os bons modos... como poderia eu, a irmã mais velha, ignorar isso? — Fuyi disse calmamente, ajustando as mangas com elegância.

— O que você pensa que vai fazer?! — Gordinho Liu se desesperou, recuando e cobrindo o rosto com as mãos.

— Tsc. — Ao ver a reação covarde do rapaz, Fuyi subiu em sua carruagem e lançou um sorriso brilhante pela janela. — Não se preocupe, irmãozinho. Como sua querida irmã poderia ter coragem de colocar as mãos em você?

— Liu Shizi, está enganado. Nossa jovem senhorita sempre foi gentil; não há motivo para temer — Xiayu, tão experiente quanto Fuyi, fez uma reverência respeitosa a Gordinho Liu, que ainda se encolhia de medo, e então voltou-se para o eunuco responsável por escoltá-las de volta. — Com licença, senhor eunuco, incomodarei vossa senhoria para que acompanhe minha jovem senhorita até em casa.

Depois que a carruagem de Yun Fuyi finalmente partiu, Gordinho Liu se endireitou, tentando recuperar a dignidade.

— Eu sabia que ela não teria coragem de me atacar. Era tudo da boca pra fora.

Ainda assim, não pôde deixar de pensar que a criada de Yun Fuyi era tão descarada quanto a própria. Como alguém como Yun Fuyi podia se dizer gentil?

O criado pessoal de Gordinho Liu fingiu não perceber que as pernas do mestre ainda tremiam.

— É claro, Shizi tem toda razão. Yun Fuyi jamais poderia se comparar à sua nobreza.

Gordinho Liu hesitou antes de voltar a falar:

— Ela não fez nada contra mim hoje... será que está planejando se vingar depois?

— Provavelmente não — respondeu o criado após pensar um pouco. — O senhor só a provocou um pouco, e com o temperamento da senhorita Yun, ela deve deixar passar com alguns insultos.

— Ótimo, isso é... ótimo — Gordinho Liu sacudiu as mangas e tentou manter o semblante severo. — Este Shizi, eu, não ia mesmo me rebaixar por causa de uma ninharia dessas.

— Nosso Shizi é verdadeiramente magnânimo!

O servo acompanhou com destreza, enquanto Gordinho Liu virava o rosto — mestre e criado evitando olhar um para o outro.

Mais um dia, mais uma perda de dignidade!

...

Após se despedir respeitosamente do acompanhante do príncipe, Xiayu correu para alcançar Fuyi.

— Senhorita, o atendente se foi. Não esperava que Sua Alteza Imperial fosse tão cortês.

— Tudo graças à reputação do meu pai — disse Fuyi. Embora ela própria fosse conhecida como uma desordeira preguiçosa, seu pai era um oficial ilustre e íntegro.

— Meu pai sabia ler aos três, escrevia ensaios aos cinco e passou em primeiro lugar nos exames imperiais como Zhuangyuan aos vinte.² Mesmo depois de ser rebaixado a uma região remota por manter sua integridade diante de uma corte corrupta, ainda assim conseguiu trazer prosperidade ao povo local. Ele é o modelo do oficial letrado — comentou Fuyi, apoiando o queixo na mão. — Seu único defeito na vida talvez seja...

Xiayu olhou para Fuyi, e Fuyi olhou de volta para Xiayu. Então, ambas — a dama e a criada — inclinaram a cabeça ao mesmo tempo, mirando o céu, deixando sem palavras aquilo que era melhor não dizer.

...

— Que pena que o Grão-Tutor Yun, com uma reputação tão ilustre por toda a vida, tenha uma filha tão problemática.

No banquete de casamento do Príncipe Ning, alguns convidados estavam bêbados demais e começaram a falar sem filtros.

— Não é tão injusto assim — rebateu outro oficial. — A filha da família Yun pode ter muitos defeitos, mas é extremamente filial. Naquela vez, quando a família do Grão-Tutor Yun foi perseguida por bandidos, ela se ofereceu como isca e quase perdeu a vida para proteger os pais e o irmão. Só isso já compensa inúmeros defeitos.

Diante disso, ninguém teve como rebater. Se seu próprio filho arriscasse a vida para protegê-los em um momento de crise, chegando a cair de um penhasco com a sobrevivência incerta, o tratariam como o maior dos tesouros, independentemente de suas falhas.

— Sua Alteza Imperial, o Príncipe, chegou.

A sala caiu em silêncio enquanto todos se levantavam em sinal de máximo respeito. Ao lado do príncipe estavam um dos atendentes pessoais do imperador e um oficial do Ministério dos Ritos, encarregado de presidir a cerimônia do dia. Após o eunuco ler uma longa lista de concessões feitas pelo imperador, os convidados se admiraram com a generosidade de Sua Majestade para com o Príncipe Ning.

— Não se deve perder a hora auspiciosa — disse Sui Tingheng, ajudando o ajoelhado Príncipe Ning a se levantar. Observando as decorações vermelhas e as lanternas que adornavam o salão, acenou para o oficial responsável. — Hoje é o grande casamento do Tio Imperial; não há necessidade de tanta formalidade. Que a cerimônia prossiga.

Embora o príncipe falasse com naturalidade, o oficial não ousou ser displicente, convidando-o respeitosamente ao assento de honra. Em seguida, os demais convidados também vieram prestar homenagens a Sua Alteza Imperial.

Príncipe Ning observava a cena em silêncio, baixando os olhos para esconder o brilho afiado neles. Estava mais do que acostumado com a hipocrisia das pessoas — os mesmos oficiais que agora adulavam seu sobrinho com tanto entusiasmo eram os que, até poucos anos antes, se curvavam da mesma forma diante dele.

— Wangye, chegou a hora auspiciosa. É hora da cerimônia.

Com Sui Tingheng presente, todos se referiam a ele como "Wangye", em vez de "Sua Alteza Imperial". Tal hipocrisia era apenas mais uma feiura à qual ele já se habituara.


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Notas:

¹ Shizi (世子) – Título dado ao herdeiro de um título nobre, como o filho mais velho de um príncipe ou duque.

² Zhuangyuan (状元) – O candidato que tira a nota mais alta nos exames imperiais do império chinês, um posto de enorme prestígio.

Capítulo 6 Parte 2 – Lisonja Descarada (II)

Após o casamento do Príncipe Ning, alguns oficiais apresentaram uma petição ao Imperador, sugerindo que ele recebesse um cargo na corte. No entanto, o Imperador, comovido pela recente união do sobrinho e relutante em separá-lo da nova esposa, rejeitou o pedido.

Enquanto isso, Yun Wangui, recém-nomeado Ministro da Fazenda, estava tão atarefado que mal tinha tempo para respirar. Liu Qiongzhi administrava os negócios da família, e Yun Zhaobai tinha suas próprias responsabilidades. Assim, em toda a família Yun, apenas Fuyi permanecia ociosa. Passava os dias em passeCapítulo 7 – Só Questão de Prática 

A Imperatriz parecia alheia às emoções conturbadas das madames — ou talvez simplesmente não se importasse. A presença de Fuyi mantinha um sorriso constante em seu rosto, e ela só a deixou ir quando o banquete do meio-dia se aproximava.

— Você mudou bastante.

Fuyi, que havia se afastado da multidão e agora estava sentada, distraída, sob um rochedo artificial, ouviu a voz e se virou para ver quem falava.

— Senhorita Lu.

Lu Yan ergueu cuidadosamente a barra da saia antes de se sentar em uma pedra ao lado de Fuyi. Seus movimentos eram graciosos, embora quase tenha perdido o equilíbrio ao se aproximar da borda. Fuyi se apressou a segurá-la a tempo.

— Cuidado — suspirou Fuyi, sem poder evitar. Notando o frio nos dedos de Lu Yan, pegou o xale das mãos de Xiayu e o colocou sobre os ombros da moça. — Ainda faz frio no começo da primavera. Por que não se vestiu melhor?

Os Lu eram um clã prestigiado com uma história de séculos. O pai de Lu Yan era o Vice-Ministro da Esquerda dos Ritos e havia recebido o título honorário de Grande Mestre Guanglu por seus méritos ao proteger o Imperador dois anos antes.

Fuyi, conhecida na capital por seu espírito livre e tendência a causar encrenca, contrastava bastante com Lu Yan, cuja reputação de jovem refinada e talentosa era amplamente conhecida.

Lu Yan olhou de cima para Fuyi, que, apesar das reclamações, ajeitava cuidadosamente o manto em seus ombros. Não pôde conter um leve riso divertido.

— Eu trouxe roupas extras, mas me separei da criada no caminho.

— Tá bom, tá bom — Fuyi apertou o nó do xale e se levantou. — Está ventando demais aqui. Vou te levar de volta.

— Há gente demais por lá. Eu gostaria de um pouco de sossego — disse Lu Yan, olhando para Fuyi. — Fica comigo mais um pouco?

Com um suspiro resignado, Fuyi voltou a se sentar sobre a pedra.

— Três anos atrás, você não diria aquelas palavras bajuladoras — comentou Lu Yan, voltando o olhar para o lago de lótus ao lado. As folhas ainda não haviam brotado naquela primavera, e a superfície da água parecia árida e desolada.

— Bajuladoras? Eu chamaria de palavras sinceras — Fuyi sorriu, com o mesmo ar despreocupado de sempre. — Fazer a Imperatriz sorrir é uma bênção pra mim.

Lu Yan hesitou, lembrando-se de como suas amigas haviam criticado discretamente a atitude bajuladora de Fuyi mais cedo. Após uma longa pausa, disse:

— Me preocupo que os outros te julguem mal.

— Eu sou só uma desocupada alegre. Não me importo com reputação, então por que me preocupar com o que pensam? — Fuyi lançou um olhar a Lu Yan, notando sua palidez, e a puxou gentilmente para que se levantasse. — Vamos, o banquete vai começar. Não pense demais — pensar demais faz mal pra saúde.

Lu Yan a seguiu obedientemente. Ao se aproximarem do salão principal, Fuyi soltou a mão dela.

— Entra você primeiro. Preciso dizer algo à Xiayu.

— Está bem — Lu Yan assentiu e entrou.

Depois que ela se afastou, Xiayu olhou curiosa para Fuyi.

— Senhorita, deseja me dar alguma instrução?

— Isso foi só uma desculpa — respondeu Fuyi com naturalidade, arqueando a sobrancelha. — As amigas da Lu Yan são todas moças cultas, refinadas, modelos de comportamento. Jamais se misturariam com alguém como eu. Se virem ela comigo, vão dizer que ela não é mais uma companhia apropriada.

— Então por que não a convida para sair algum dia?

— E vou levar ela onde? Ouvir música? Jogar bola? Montar a cavalo? — Fuyi ajeitou o vestido, certificando-se de que estava apresentável. — Vamos entrar.

O banquete ainda não havia começado, mas frutas frescas e vinho fino, enviados pela Administração do Palácio por ordem do Imperador, já haviam chegado — uma grande honra para a Imperatriz. Embora Fuyi não tivesse título ou posto oficial, sua posição familiar lhe garantia um lugar à frente. Ao seu lado estavam Lin Xiaowu e a filha mais nova de outro ministro.

Lin Xiaowu arrastou discretamente sua cadeira para mais perto de Fuyi e sussurrou:

— Eu não esperava que a princesa consorte[1] de Ning Wang fosse tão bonita.

— Ela é do prestigiado clã Lu do norte de Lingbei. O falecido imperador pessoalmente arranjou esse casamento para Ning Wang antes de morrer. Considerando o carinho que tinha por ele, é natural que escolhesse uma consorte bela e talentosa — comentou Fuyi, entregando metade de sua tangerina a Lin Xiaowu. — Prove.

— Que pena — disse Lin Xiaowu, com certa compaixão pela princesa consorte. Se o imperador anterior ainda estivesse vivo, teria sido uma excelente união. Ainda assim, com o atual imperador no trono e Ning Wang em desgraça, o clã Lu teria tido chance de recuar do casamento.

A princesa consorte de Ning Wang comportava-se com toda a graça exigida por sua criação e status. Mesmo em sua posição delicada, sabia como transitar entre as madames tituladas sem jamais escorregar. Ainda assim, as mulheres do clã Lu de Lingbei — sua própria família — eram as que a tratavam com maior frieza, mantendo distância apesar dos laços de sangue.

No meio do banquete, Lin Xiaowu puxou a manga de Fuyi.

— Fuyi, preciso ir ao toalete. Você me acompanha?

Fuyi largou os hashis de prata, levantou-se e saiu do salão com ela. No caminho, ouviram sussurros à beira do lago.

— Como era de se esperar do clã Lu de Lingbei, aceitaram casar uma filha tão excelente com Ning Wang.

— Um cavalheiro cultiva seu coração com sinceridade. Uma família conhecida por sua integridade, como os Lu, jamais voltaria atrás em sua palavra.

— Ai, ai... são mesmo o retrato da virtude nobre.

— Vai na frente, eu te espero aqui — disse Fuyi a Lin Xiaowu, fingindo não ter escutado a conversa.

— Tudo bem, volto rápido — respondeu Lin Xiaowu, reunindo a saia e correndo a passos miúdos.

As vozes das duas assustaram os fofoqueiros, que se dispersaram rapidamente, cobrindo os rostos com as mangas.

Atrás de um rochedo, um leve farfalhar se fez ouvir, mas Fuyi fingiu não perceber e seguiu seu caminho.

— Ela sabe que eu estou aqui — disse a princesa consorte de Ning Wang, saindo de trás das pedras e olhando para a silhueta de Fuyi se afastando. Demorou alguns instantes para se recompor, percebendo que a garota havia, com delicadeza, poupado-a de uma situação constrangedora.

— Wangfei — disse sua criada com preocupação —, por favor, não deixe que as palavras de gente insignificante te afetem.

— Eles elogiaram a integridade do clã Lu. O que mais eu poderia desejar? — A princesa consorte pousou a mão sobre a da criada, endireitou as costas e desceu do rochedo. — Vamos voltar ao salão.


Aqui está a tradução completa do trecho solicitado, em português brasileiro contemporâneo, com fidelidade ao tom original, travessões para diálogos e aspas para pensamentos:


"Então, no fim das contas, não havia mudado." Fuyi refletiu em silêncio. Tomou um gole da bebida à sua frente e soltou um leve suspiro. De fato, não eram as coisas que mudavam, e sim as pessoas. Por exemplo, ela mesma havia se tornado um pouco menos rebelde.

— O clã Lu preza promessas e integridade, mas certas pessoas mudam conforme o vento. Mesmo que ela não sinta vergonha, eu estou constrangida por ela — murmurou alguém ali perto.

— E como alguém tem coragem de falar assim, tão descaradamente, num banquete imperial? Onde está o senso de decoro? — Fuyi pousou a taça e, sem erguer os olhos, comentou: — Veja como a princesa consorte de Ning Wang é elegante. Será que certa pessoa aqui presente não conseguiu aprender nem um décimo de suas maneiras?

Bem... Yun Fuyi podia até ter corrigido alguns de seus maus hábitos, mas com certeza não todos.

A pessoa que havia falado antes pareceu pega de surpresa com a resposta direta de Fuyi naquele tipo de ocasião. Corando, retrucou:

— Eu não estava falando de você. Por que está levando para o lado pessoal?

— E eu também não estava falando de você. Então por que está respondendo? — rebateu Fuyi.

— Isso mesmo, por que está respondendo? — acrescentou Lin Xiaowu, soltando uma risadinha sarcástica. — O que tem a ver com você?

As pessoas ao redor da mulher tentaram acalmá-la rapidamente, temendo que ela resolvesse criar caso com Fuyi.

Alguém sussurrou ao seu ouvido:

— Você nem bebeu. Pra quê dizer essas coisas?!

Outra comentou:

— Vai provocar ela do nada? Está maluca?

— É por causa do seu irmão mais velho, que apanhou recentemente? Mas se ele não tivesse participado daquelas ofensas a uma moça do povo junto com Wang Yanhua, seu pai teria mesmo o punido?

A senhorita Chen jamais imaginou que as jovens com quem mantinha boas relações iriam criticá-la com tanta dureza. Ficou vermelha de raiva, e os olhos se encheram de lágrimas. Yun Fuyi nem sequer era uma princesa — nem título tinha —, então por que tanto receio?

— Há alguns dias, você não ensinou uma lição a uns canalhas e depois os denunciou aos mais velhos da família? — explicou Lin Xiaowu para Fuyi, supondo que ela não reconhecesse a pessoa. — Essa é a irmã de um deles, uma tal de senhorita Chen. A família dela foi transferida para a capital dois anos atrás.

— Ah, agora faz sentido — Fuyi assentiu levemente. Não era de se estranhar que alguém ousasse ser tão passivo-agressiva em um ambiente desses — essa jovem claramente ainda não a conhecia bem o suficiente.

Ao ver o rosto da senhorita Chen avermelhado de raiva, Fuyi inclinou a cabeça com leveza e sorriu com encanto.

— Olha só, agora ela está me zombando! — esbravejou a senhorita Chen, puxando as amigas para desabafar mais uma vez.

— Você está interpretando mal. Ela está sorrindo para você porque… bem, ela simplesmente adora sorrir — disse uma das jovens, tentando apaziguar.

— Isso, exatamente. É do jeitinho dela — todo mundo sabe que a senhorita Yun tem um temperamento alegre. Não pense demais.

Uma das meninas virou delicadamente a cabeça da senhorita Chen para o lado, impedindo-a de continuar lançando olhares para Fuyi. Por sorte, naquele instante, artistas do Departamento de Música Imperial adentraram o salão e deram início às apresentações, criando uma distração bem-vinda que dissipou a tensão.

Por questões de segurança dos convidados de prestígio, muitos objetos eram proibidos no salão de banquetes, por isso as apresentações costumavam ser contidas e formais — nada da emoção vibrante dos espetáculos de rua mais ousados. Fuyi e Lin Xiaowu, duas especialistas em entretenimento e boa vida, acharam tudo bastante entediante.

Contudo, quando um idoso entrou no salão e começou a apresentar um número com pavões, Fuyi subitamente se animou, seus olhos fixos nas duas aves.

Lin Xiaowu ficou confusa — sua família já havia criado alguns pavões antes, e Fuyi nunca demonstrara grande interesse. O que havia nesses em especial para prender sua atenção?

Ao final da dança, um dos pavões sacudiu a cauda colorida, abrindo as penas em um leque deslumbrante, e curvou-se repetidas vezes na direção da imperatriz.

— O pavão, diante da verdadeira fênix, presta sua reverência e deseja à Sua Majestade uma longa vida — declarou o artista, ajoelhando-se em uma reverência profunda. Os dois pavões o acompanharam, ajoelhando-se também. O espetáculo arrancou exclamações de admiração da plateia.

Foi então que um assobio agudo cortou o ar, vindo de fora do salão. Os pavões, que momentos antes exibiam as caudas em leques majestosos, subitamente enlouqueceram, batendo as asas com força e voando direto na direção da imperatriz.

— Protejam Sua Majestade!

No meio do alvoroço, uma figura em vermelho cruzou o salão como um raio, e uma mão esguia agarrou um dos pavões no ar, prendendo-o firmemente contra o chão. A ave só teve tempo de emitir um guincho agudo antes de perder os sentidos.

Com um movimento ágil, ela também segurou o segundo pavão, que debatia furiosamente, fazendo penas voarem por todo lado.

Com uma pegada firme, Fuyi manteve as duas aves sob controle e logo as amarrou com seu próprio xale. Os olhos tomados de preocupação, virou-se para a imperatriz:

— Sua Majestade está bem?

— Não foi nada — respondeu a imperatriz, aproximando-se para inspecionar Fuyi. — Você se feriu?

— Lidar com criaturas emplumadas como essas não é nenhum desafio para esta súdita — respondeu Fuyi, dando leves batidinhas nas penas que haviam grudado em seu vestido.

Ela não havia feito nada de especial — era pura prática. Depois de cair do penhasco anos atrás, não conseguia mais trabalhar no campo. Para não ser vista como um estorvo pelos aldeões, passou os dias ajudando como podia: pastoreando galinhas, pegando patos, enxotando gansos e espantando cães vadios. Desde então, sempre que via uma ave tentando fugir, seu primeiro instinto era capturá-la.

De fato, foi a dureza da vida que moldou seu espírito forte e inabalável.

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Nota da autora:
Fuyi: "O que me tornou forte? Ora, foi a própria vida."

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Nota de tradução:

[1] Wangfei (王妃): Título da esposa principal de um Wang (príncipe ou duque). Aproxima-se do conceito de "Princesa Consorte" em português.

ios com outras jovens desocupadas ou relaxando na propriedade da família nos arredores da cidade, levando uma vida despreocupada e sem obrigações.

— Amanhã é o Festival das Flores. Sua Majestade, a Imperatriz, está organizando um banquete na vila imperial fora da capital, e você deve comparecer — anunciou Liu Qiongzhi ao entrar no cômodo, apenas para encontrar a filha esparramada em um divã macio, lendo um livro de histórias. Ela suspirou e chamou os criados para arrumar o lugar. — Os criados limpam isso aqui todos os dias com todo cuidado, e mesmo assim você consegue deixar essa bagunça. Até uma casinha de cachorro é mais organizada.

Fuyi rapidamente pousou o livro, tirou os petiscos do sofá e os colocou sobre a mesa, então ofereceu um sorriso bajulador enquanto servia chá para Liu Qiongzhi:

— Mãe, tome um chá.

Ao ver os cabelos soltos e o aspecto desalinhado da filha, Liu Qiongzhi suspirou novamente. Sempre ficava apreensiva quando a menina saía, temendo que arrumasse encrenca, mas achava igualmente exasperante quando ela ficava em casa o dia inteiro.

— Nem se dá ao trabalho de pentear o cabelo direito. Está cada vez mais desleixada.

— O coque aperta demais e dói no couro cabeludo — resmungou Fuyi, agarrando-se ao braço da mãe. — Mas não se preocupe, mãe. Sempre que saio, me visto com todo capricho e cuido para não envergonhar a família Yun.

— Não sei se a família Yun ainda tem honra a perder ou não, mas a sua, essa já foi faz tempo — resmungou Liu Qiongzhi com frustração, dando um leve peteleco na testa da filha. Mas ao ver a marquinha vermelha que surgiu, seu coração doeu, e ela começou a massagear o local com carinho. — De qualquer forma, você não pode faltar ao banquete do Festival das Flores amanhã. É um evento especial oferecido pela própria Imperatriz.

— Sua filha compreende, mãe — disse Fuyi, encostando-se ao ombro da mãe. — Amanhã vou ficar com Lin Xiaowu e as outras, e prometo não causar problemas.

Liu Qiongzhi não pareceu muito convencida. Sabia bem que, quando uma filha prometia não causar confusão, normalmente significava que mais dor de cabeça vinha pela frente.

— Espero que sim — disse, mas, para sua surpresa, sentia-se estranhamente em paz. Seria isso a tal força que vem com a maternidade?

Antes do amanhecer, no dia seguinte, Fuyi foi acordada por Qiushuang para se lavar e trocar de roupa. Passou um bom tempo encarando o próprio reflexo no espelho de bronze, murmurando:

— Querida Qiushuang, que penteado você vai fazer em mim hoje?

— Senhorita, por favor, não se mexa — disse Qiushuang, habilidosamente separando uma mecha de cabelo. — Esta criada tem acompanhado as tendências, e parece que o coque cruzado é a nova moda entre as jovens donzelas da capital. Dizem que esse estilo faz o rosto parecer menor.

— Mas como você tem traços tão marcantes, estou fazendo seu cabelo no estilo “imortal voadora”.

— Só porque você não sabe fazer o coque cruzado direito — resmungou Xiayu em voz baixa, entrando com uma bandeja de leite. — Sabia, senhorita? A Qiushuang usou minha cabeça pra treinar, e agora estou quase careca.

Fuyi caiu na risada e logo virou-se para consolar Qiushuang, que estava vermelha de vergonha.

— Não se preocupe, Qiushuang. As outras podem usar coques cruzados, mas com você fazendo meu penteado estilo imortal voadora, sua senhorita vai se destacar com certeza.

— A senhorita está absolutamente certa — concordou Xiayu com um sorriso. — Com qualquer penteado, a senhorita fica linda.

Fuyi pegou duas pulseiras da caixa de joias e colocou uma no pulso de cada criada.

— Bem, vocês duas têm razão. Eu não saberia viver sem vocês.

— Senhorita está nos provocando de novo — disse Qiushuang, tentando manter a seriedade, mas acabou rindo. — Obrigada pelo presente, senhorita.

A reputação da senhorita não era boa, mas para ela, a senhorita sempre seria a melhor pessoa do mundo — quem falava mal dela, é porque não tinha olhos.

O Festival das Flores era uma celebração importante na Grande Dinastia Long. Nesse dia, a própria Imperatriz conduzia a cerimônia em homenagem à Deusa das Flores, pedindo por sua bênção para que flores, frutos e colheitas florescessem em abundância e garantissem fartura no outono.

Durante o reinado do imperador anterior, não havia imperatriz, e a Consorte Nobre mais favorecida não era muito popular. Por isso, o ritual do Festival das Flores era realizado todos os anos pelo Ministério dos Ritos e pela Grande Princesa mais velha, a de maior patente entre as mulheres da família imperial¹.

Levava quase duas horas para viajar da cidade interna até a vila imperial nos arredores da capital. A carruagem da família Yun seguia a procissão da Imperatriz, que havia partido ainda antes do amanhecer.

Ao chegar à vila imperial, a cerimônia começou com oferendas à Deusa das Flores. Em seguida, a Imperatriz liderou o plantio de flores e o arado da terra. Só então o ritual foi considerado completo.

Após a cerimônia, a Imperatriz e as madames tituladas² se reuniram para admirar as flores e conversar tranquilamente. Enquanto isso, as jovens solteiras andavam em grupos pelos jardins do palácio, apreciando a paisagem.

— Que sono~ — murmurou Lin Xiaowu, agarrada ao braço de Fuyi, dividindo com ela um pedaço de bolo de flor que havia trazido. — O Festival das Flores em Chongzhou é igual ao daqui da capital?

— Nem tanto — respondeu Fuyi, dando uma mordida no bolo. — Em Chongzhou, durante o Festival das Flores, as moças jogam fitas vermelhas na Árvore da Deusa das Flores. Quanto mais alto a fita cai, mais favorecida pela deusa a pessoa é.

— E você…?

— Eu amarrei uma pedra na minha fita e joguei no galho mais alto. Isso me torna a favorita da Deusa das Flores, é claro — disse Fuyi orgulhosa, com as mãos na cintura. — Eu só queria ficar mais perto da deusa. Qual o problema?

— Típico de você — riu Lin Xiaowu, quase caindo no lago próximo se Fuyi não a tivesse segurado a tempo.

Do alto da ponte, a Imperatriz observava a cena e sorriu para seu séquito:

— A menina da família Lin e a da família Yun parecem ter laços muito estreitos.

Entre as madames que acompanhavam a Imperatriz estava a mãe de Lin Xiaowu, a Junzhu de Anping, que ficou com o rosto corado de vergonha ao ouvir o comentário. Era notório na capital que sua filha e a moça da família Yun tinham naturezas semelhantes — ambas eram famosas por serem preguiçosas e viverem causando confusão.

— Ver essas meninas alegra o coração — comentou a Imperatriz para uma atendente próxima. — Convide as duas para virem até aqui. Assim podem se juntar a estas tias velhas e bater um papo.

As madames ficaram todas perplexas — não faltavam jovens refinadas e bem-comportadas na capital. Como poderia a Imperatriz ter simpatizado justamente com essas duas encrenqueiras notórias?

Não, não, isso era impossível.

— Esta filha súdita saúda Sua Majestade, a Imperatriz — disse Fuyi ao se aproximar, bem quando uma borboleta passou voando e pousou em uma peônia próxima ao templo da Imperatriz. Seu rosto se iluminou de admiração e reverência ao se curvar e exclamar: — Como era de se esperar de Vossa Majestade! Ouvi dizer que, no dia do Festival das Flores, as borboletas são mensageiras da Deusa das Flores. Ver uma encantada com sua graça de fênix só prova o quanto a deusa lhe concede seus favores.

As madames lançaram olhares para Liu Qiongzhi, que permaneceu em silêncio, depois voltaram a encarar Fuyi, que ostentava uma expressão de pura reverência e admiração. Todas cerraram os dentes por dentro.

Mas que língua afiada! Que adulação descarada!

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Nota da autora:

As Madames: “Adulação e palavras doces? Ha, como se a Imperatriz fosse cair nessa!”

A Imperatriz (comovida): “Ah, Fuyi, que menina sincera ela é.”

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Notas do tradutor:

[1]: Em cada geração, a princesa imperial de mais alta patente é chamada de “Grande Princesa Mais Velha” (大长公主), título geralmente concedido pelo imperador reinante a uma de suas irmãs.
[2]: Madames tituladas: Mulheres que receberam títulos do tribunal imperial, geralmente esposas ou mães de altos oficiais ou membros femininos de ramos colaterais da família imperial. Assim como os títulos masculinos, os femininos também tinham hierarquias e rendas.


Capítulo 8 – Parte 1 – Tão Volúvel (I)

O artista foi contido, e os pavões que haviam atacado a imperatriz foram retirados do salão de banquetes pelos guardas. A imperatriz segurava a mão de Fuyi, os olhos cheios de preocupação.

As madames tituladas se reuniram ao redor da imperatriz, demonstrando preocupação com sua saúde e oferecendo palavras de consolo e apoio, todas exibindo uma postura leal, como se quisessem carregar o choque em seu lugar. Ao verem que a imperatriz ainda segurava a mão de Yun Fuyi, um leve traço de inveja brotou em seus corações. Com tanta gente presente, como é que essa garota conseguiu ganhar o mérito de ter salvado a imperatriz?

— Vossa Majestade — aproximou-se uma dama da corte¹, com expressão solene —, segundo a investigação dos guardas e dos médicos imperiais, foi descoberto que as garras dos dois pavões estavam envenenadas. Trata-se de um veneno incolor e inodoro, cujo efeito só se manifesta após alguns dias. Quando entra em contato com o rosto, provoca feridas e pus na pele.

Todos imediatamente voltaram os olhos para Fuyi, e a imperatriz, aflita, mandou chamar o médico imperial.

— Por favor, não se preocupe, Vossa Majestade. Esta filha súdita está bem. O segredo para lidar com gal… com pavões é evitar as garras afiadas e controlar o pescoço e as asas — Fuyi tranquilizou a imperatriz com um olhar sereno, lançando também um olhar reconfortante à mãe. Em seguida, prosseguiu: — Já que o artista e os pavões foram autorizados a se apresentar diante de Vossa Majestade, devem ter passado por inspeções rigorosas. Então, mesmo que o veneno estivesse nas garras, foi aplicado em um ponto difícil de detectar ou de entrar em contato.

Aquele método de arruinar a aparência de alguém lhe trouxe à mente as disputas entre concubinas nos bastidores do palácio interno.

A imperatriz ordenou imediatamente uma investigação minuciosa, enquanto o médico imperial verificava o pulso de Fuyi. Em pouco tempo, o salão de banquetes voltou à calma, como se a tentativa de assassinato jamais tivesse ocorrido.

As madames admiravam a compostura da imperatriz, encantadas com sua elegância. Como se esperava da Mãe do Mundo — quantas mais poderiam ter tal porte e serenidade? Sua Majestade fora agraciada com dons desde os tempos do pavilhão das donzelas e passara anos ao lado do imperador, suportando as agruras dos primeiros dias do reinado.

Depois que Fuyi trocou de roupa na sala dos fundos do salão e o médico imperial confirmou que ela estava ilesa, a imperatriz finalmente suspirou aliviada.

— Você está na idade em que sua beleza brilha como a lua cheia; deve tomar cuidado para não prejudicar sua aparência — disse ela, voltando-se para Liu Qiongzhi, que estava sentada nas proximidades. — Este Palácio não teve filhas, mas se tivesse, imagino que seria tão encantadora quanto sua Fuyi.

O salão inteiro ficou em choque.

O que foi que Sua Majestade acabou de dizer?

Encantadora? Quem?

As madames mais velhas, em especial, olharam para a imperatriz com incredulidade. Como era possível usar “Fuyi” e “encantadora” na mesma frase?!

Na época em que Sua Majestade ainda era apenas consorte de um Wang sem prestígio, costumava viver reclusa na mansão deles e raramente aparecia em público. Mas ninguém imaginava que sua desconexão com as notícias da capital fosse tão extrema a ponto de ela não saber da infame reputação de Yun Fuyi!

Receber um elogio da imperatriz era uma grande honra. Liu Qiongzhi levantou-se e fez uma reverência:

— Vossa Majestade é bondosa demais. Esta menina é um tanto travessa, embora saiba ser atenciosa de vez em quando.

A princesa Kangyang baixou o olhar, tomando seu chá para esconder o revirar de olhos. “Um tanto travessa?” Sério? Liu Qiongzhi parecia tão esperta e sensata — quem diria que fosse tão cega quando se tratava da própria filha?

Como era de se esperar, meu netinho rechonchudo continua sendo o melhor. Isso sim é que é ser encantador!

O adorável Gordinho Liu, ainda emburrado com sua derrota em uma rinha de galos, andava cabisbaixo pela rua enquanto sua comitiva de criados tentava animá-lo com elogios bajuladores. De repente, o som de cascos trovejando encheu o ar, e uma nuvem de poeira subiu, fazendo os olhos e o nariz de Gordinho Liu arderem. Ele gritou, irritado:

— Quem é o cego que não reconhece este Shizi²…

— Shhh, Shizi, é a Guarda Jinwu! — um criado rapidamente tapou sua boca. — Se a Guarda Jinwu está saindo da cidade, é porque algo sério aconteceu!

Gordinho Liu apertou os olhos, tentando distinguir a figura à frente da tropa a galope — era o próprio Príncipe.

— Vamos, vamos, vamos! Rápido pra casa! — instou aos criados. Se o Príncipe estava liderando pessoalmente a Guarda Jinwu para fora da cidade, era porque algo muito grave havia ocorrido!

De volta à vila imperial, Fuyi já havia trocado de roupa, vestindo agora um vestido esvoaçante de brocado de Shu, uma dádiva imperial. Além disso, seus cabelos estavam adornados com um grampo de fênix de cinco caudas³, colocado pessoalmente pela imperatriz. Estava cercada por donzelas do palácio e eunucos, todos a atendendo com extremo cuidado.

Os demais convidados observavam aquela cena familiar com uma sensação de perplexidade. Como diz o velho ditado, “cada novo soberano traz sua própria corte” — então como Yun Fuyi conseguiu permanecer em favor, mesmo com a mudança de regime?

— Relatando a Vossa Majestade: Sua Alteza Imperial, o Juiz-Chefe do Tribunal de Revisão Judicial, o Vice-Ministro Esquerdo do Ministério da Justiça e o comandante da Guarda Jinwu pedem audiência.

— Concedida.

Pouco depois, o Príncipe entrou a passos largos no salão. Caminhava com pressa, sem perceber que a manga esquerda de sua túnica estava virada.

— Saudações à Vossa Alteza Imperial.

— Dispensem as formalidades!

Apenas ao ver que sua mãe estava sã e salva, Sui Tingheng pôde finalmente suspirar aliviado.

— Agora que vejo que está ilesa, Mãe Imperatriz, este filho pode repousar o coração. O Pai Imperador tem estado preocupado e enviou-me para escoltá-la de volta ao palácio.

— Não se preocupe, estou bem — disse a imperatriz, estendendo a mão para ajeitar a manga de Sui Tingheng. — Seu Pai Imperador sempre faz escândalo por nada. Não havia necessidade de trazer um séquito tão grande.

— Vossa Majestade é a mãe do mundo, e seu bem-estar é também o bem-estar de todos os povos. Além disso, Sua Majestade a preza profundamente, e Sua Alteza Imperial tem por Vossa Majestade o mais elevado respeito — interveio uma das madames.

— A piedade filial de Sua Alteza é verdadeiramente admirável — comentou outra.

Com a ajuda do filho, a imperatriz levantou-se e acenou para Fuyi.

— Fuyi, venha até nós.

Fuyi se apressou, apoiando o outro braço da imperatriz.

— Vossa Majestade, por favor, cuide para não tropeçar nos degraus.

— Foi graças à presença de Fuyi hoje que sua mãe pôde sair ilesa — disse a imperatriz, soltando o braço de Sui Tingheng e dando um leve tapinha afetuoso no braço de Yun Fuyi. — Ela é minha benfeitora salvadora.

— Vossa Majestade — protestou Fuyi —, servir o país é permanecer leal a Sua Majestade, partilhar de suas preocupações. Como súdita, é meu dever protegê-la — não há mérito algum nisso.

— Foi apenas por acaso que esta filha súdita possui alguma habilidade em lidar com aves selvagens, o que me permitiu ajudá-la, Vossa Majestade. A lealdade de todos os presentes não é inferior à minha.

— Tão jovem e já tão atenciosa — como poderia Este Palácio não se afeiçoar a você? — Os olhos da imperatriz percorreram a multidão de convidados. Se todos fossem realmente leais, por que então foi Fuyi a primeira a me proteger, e não outra pessoa?

Quando ainda era apenas a consorte Li Wangfei, quase ninguém lhe dava atenção, graças ao tratamento frio do falecido imperador. Mas desde que se tornara imperatriz, aquelas mesmas nobres senhoras que antes a ignoravam haviam se tornado súbitas entusiastas, sempre prestativas, sempre cuidadosas com suas palavras e gestos.

No entanto, fora Yun Fuyi — apesar de sua reputação infame — quem jamais a desprezara nem por um instante. De fato, essa jovem garota havia até mesmo vindo em seu socorro nos momentos mais embaraçosos…

É sempre mais difícil estender a mão na hora da necessidade do que aplaudir o sucesso de alguém. Ela sabia bem disso. Mas isso não significava que fosse magnânima o suficiente para esquecer o passado. Afinal, ela era apenas uma imperatriz — não alguma Bodisatva sagrada.



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Notas:

¹ Dama da corte: serva de alto escalão no palácio, frequentemente a serviço direto da imperatriz.
² Shizi (世子): título dado ao filho mais velho do herdeiro aparente de um título nobre — ou seja, herdeiro do herdeiro. No contexto, Gordinho Liu é provavelmente filho do filho de um duque ou marquês.

³ Grampo de fênix de cinco caudas: Ornamento de cabelo luxuoso e cerimonial, símbolo de status elevado e honra especial no palácio.


Capítulo 8 - Parte 2 - Tão Volúvel (II)



Quando Fuyi percebeu que a imperatriz a olhava com calor e afeição, ficou um pouco surpresa. Quem diria que Sua Majestade se afeiçoaria tanto a ela depois de apenas alguns encontros? Notando os olhares invejosos e ressentidos na multidão, Fuyi não pôde evitar um súbito sentimento de satisfação. “Ora, ora, agora não é culpa minha, é? Simplesmente sou encantadora demais~”

Os espectadores viram o leve sorriso de Fuyi e respiraram fundo para controlar a irritação. A princesa Kangyang, sem conseguir se conter, murmurou baixinho:

— Ela deve ter tomado pelo menos três bules de chá esta manhã. Caso contrário, como continuaria despejando tanta bobagem uma atrás da outra?

Ao lado da velha princesa, a Wangfei de Ning permaneceu em silêncio, com o olhar fixo na imperatriz sorridente. O Ministério da Justiça e o Tribunal de Revisão Judicial assumiram o comando, iniciando uma investigação minuciosa sobre o caso. O salão do banquete parecia calmo por fora, mas quem sabia quantas pessoas estavam envolvidas por trás das cortinas?

A multidão despediu-se respeitosamente da imperatriz enquanto ela embarcava em sua carruagem-fênix. Os conhecidos seguiram em pequenos grupos rumo às suas carruagens, envolvidos em conversas intensas.

— Sua Alteza Imperial fará a maioridade este ano, e a imperatriz trata Yun Fuyi com tanto carinho. Será que ela está planejando...

— Impossível! Absolutamente impossível. Mesmo que a família Yun seja leal e patriótica, e mesmo que Yun Fuyi tenha ganhado mérito por salvar Sua Majestade, não há chance de uma garota inútil dessas se tornar consorte de Sua Alteza Imperial.

— É verdade. Suas Majestades têm apenas um filho. A futura princesa consorte precisa ser escolhida com o máximo cuidado.

De volta à sua carruagem, Fuyi levantou a cortina da janela para espiar rapidamente lá fora, hesitou e depois ergueu de novo para sorrir para a pessoa do lado de fora.

— Perdoe esta filha súdita, Sua Alteza Imperial. É bastante difícil fazer uma reverência de dentro da carruagem.

O príncipe, montado em seu cavalo e vestido com uma túnica verde adornada com padrões de bambu, com o cabelo preso por um grampo de nuvem auspiciosa e garça voadora, parecia um ser etéreo exilado no mundo mortal.

Ele olhou para ela e assentiu levemente.

— O mentor por trás deste incidente ainda não foi descoberto. Por favor, seja muito cautelosa nos próximos dias, senhorita Yun.

— Agradeço o aviso, Sua Alteza Imperial. Esta filha súdita compreende.
Fuyi era travessa por natureza, mas sempre mantinha respeito por alguém como o príncipe, que possuía caráter e talento excepcionais.

Sui Tingheng manteve-se ereto no cavalo, olhando adiante.

— Faz apenas dois anos desde que o Pai Imperador subiu ao trono, e ainda não descobrimos todos aqueles que escondem pensamentos rebeldes. Felizmente, as ações rápidas da senhorita Yun hoje salvaram a mãe imperatriz deste desastre.

— As damas que servem Sua Majestade são bem treinadas. Mesmo que esta filha súdita não tivesse intervindo hoje, aqueles pavões talvez não a tivessem ferido — comentou Fuyi casualmente. — Esse tipo de método para desfigurar alguém... eu já vi algo parecido no harém do falecido imperador.

O falecido imperador, indulgente e lascivo, tinha inúmeras beldades em seu harém. Essas concubinas não hesitavam em usar todos os truques para conquistar seus favores. Uma tinha o rosto desfigurado hoje, outra caía na água amanhã, e no dia seguinte, alguém sofria um aborto. O harém na época do reinado anterior era tão caótico quanto uma selva selvagem.

— A Consorte Nobre Zeng foi a favorita do falecido imperador em vida, e deve ter presenciado inúmeros desses métodos. Infelizmente, esta filha súdita ouviu dizer que no dia da morte do imperador houve um incêndio em seu palácio, e ela acabou perecendo nas chamas. Caso contrário, talvez pudéssemos ter lhe perguntado algumas coisas — Fuyi sorriu com um toque de pesar. — Fico imaginando se o Wang de Ning sabia um ou dois truques da falecida mãe dele.

Sui Tingheng lançou-lhe um olhar longo e profundo e, após uma pausa, disse:

— Vida e morte são determinadas pelo destino. Está além da capacidade dos mortais. Por favor, não fique presa a isso, senhorita Yun.

— Vossa Alteza Imperial tem razão.

Fuyi observou enquanto Sui Tingheng se afastava a cavalo, abaixando lentamente a cortina.

— Senhorita — Xiayu se inclinou para mais perto —, a senhorita realmente acabou de jogar terra no Wang de Ning assim?

— Que bobagem — Fuyi pressionou a ponta do dedo contra a testa de Xiayu, empurrando-a suavemente para trás —, como filha de um oficial da corte, o que fiz é ser sincera e leal, fazendo o meu melhor para aliviar o fardo do soberano.

Xiayu levou a mão à testa, murmurando baixinho:

— Bem, eu acredito, mas se Sua Alteza Imperial acredita, isso já é outra história.

Duas horas depois, Ning Wang foi convocado ao palácio. O Imperador o tratou com grande afeição, não só presenteando-o com um pergaminho de caligrafia, como também permitindo que levasse consigo vários servos do palácio.

— Aqueles servos foram deixados pela Consorte Nobre Zeng, e o Pai Imperador generosamente os enviou para a Mansão Ning Wang. Se o Tio Imperial hesitar em aproveitá-los, este filho só pode expressar arrependimento em seu nome — Sui Tingheng ajudava o Imperador a organizar os memorials na escrivaninha. — Hoje, este filho notou que a Tia Kangyang pareceu ter engordado um pouco, o que me lembrou uma história engraçada.

— Oh? Que história é essa? — O Imperador ficou intrigado. Não era particularmente próximo da princesa Kangyang e não sentia nenhum remorso por ouvir piadas às suas custas.

Sui Tingheng deu um passo atrás.

— Há alguns dias, o neto dela teve um desentendimento com a filha do ministro da família Yun. Eles discutiram, e ele afirmou que, sendo seu sobrinho, até mesmo o ministro Yun teria que lhe mostrar respeito.

— Ele ousa falar assim do ministro Yun? — O Imperador franziu a testa. — A tia Kangyang estragou seus descendentes além de qualquer conserto.

— Mas a senhorita Yun é muito sagaz. Ela respondeu que, já que Sua Majestade trata o povo como seus filhos, ela é uma de suas filhas, e, portanto, uma filha é mais próxima que um sobrinho, então o primo Liu deveria se dirigir a ela como irmã mais velha.

— Ela não estava errada — afinal, todas as pessoas sob o Céu são meus filhos — o Imperador riu alto, enfiando um memorial nas mãos do filho. Quando Sui Tingheng tentou devolvê-lo, o Imperador o empurrou de volta. — É essa mesma senhorita Yun que corajosamente dominou os pavões hoje?

— Sim, é ela — respondeu Sui Tingheng, um pouco sem jeito. — Pai Imperador, sou apenas um príncipe; não tenho autoridade para revisar memorials. Se os cortesãos descobrirem, podem me criticar.

— É natural que um filho ajude seu pai. Quem poderia ter objeções? — O Imperador arregaçou as mangas com irritação. — Se não fosse por eles dizerem que é inadequado estabelecer um príncipe herdeiro durante os três anos de luto pelo falecido imperador, você, Heng’er, já estaria governando o Palácio do Leste.

— Mas...

— Não precisa me convencer. Seu pai sabe o que estou fazendo — O Imperador fingiu não notar o desconforto do filho. — A filha do ministro Yun salvou sua mãe hoje — isso é um grande mérito na proteção da família imperial. O que acha que seria uma recompensa adequada?

— Este filho se lembra que Vossa Majestade uma vez concedeu ao ministro Yun o título nominal de Marquês Wenyong? — Um título nominal não dava terras nem renda, mas simbolizava a confiança do Imperador.

— Então devo conceder à filha dele um título nominal também? — O Imperador esfregou as mãos, satisfeito. Um título nominal era ótimo — não custava nenhum dinheiro. — Vamos torná-la uma Xiangjun...

— Já que não vai conceder terras, por que não dar o título de Junjun? Isso refletiria melhor seu apreço pela lealdade dela, Pai Imperador.

Pai e filho falaram ao mesmo tempo, e o Imperador, surpreso, disse após uma longa pausa:

— Heng’er, você está incomumente generoso hoje.

Sui Tingheng abaixou o olhar.

— Ela é diferente.

— É verdade — o Imperador concordou com a cabeça. — Afinal, ela salvou sua mãe. Que seja Junjun, então. Não é como se não pudéssemos arcar com isso.

Em seguida, pegou o pincel e começou a redigir o decreto.

Observando a caligrafia torta do Imperador, Sui Tingheng hesitou antes de falar novamente.

— Pai Imperador, permita que este filho escreva para o senhor.

— Hã?!

— Não era você quem dizia que um príncipe não tem autoridade para lidar com essas questões?

— Graças às suas sábias palavras, Pai — Sui Tingheng arrancou o pincel vermelho da mão do Imperador — seu filho mudou de ideia.

O Imperador: “...”

Filho, você está mesmo indeciso hoje.

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Nota do autor:


Sui Tingheng: “A lua muda — por que eu não poderia?”


Capítulo 9 Yun Junjun 

O decreto imperial logo foi entregue do Estudo Imperial ao escritório da Chancelaria. Os oficiais ali examinaram o decreto, intrigados. A caligrafia era muito caprichada para pertencer a Sua Majestade — teria sido alguém do Secretariado quem o redigiu?

A Chancelaria detinha a autoridade para revisar decretos e editais imperiais escritos. Durante o reinado do imperador anterior, seu poder e status eram altíssimos. Contudo, o atual Imperador frequentemente insistia em redigir e selar os decretos pessoalmente, o que gradualmente diminuiu a influência dos Três Departamentos¹. Eles já estavam acostumados com isso. Assim, o simples fato de Sua Majestade seguir o protocolo já era um gesto de respeito para com eles.

Não havia nada de errado com o decreto — seu formato estava correto. Embora a linguagem fosse um pouco excessivamente florida e bastante pomposa, ainda estava dentro de um limite aceitável. O que deixava os oficiais da Chancelaria inquietos era o fato de tal honra ter sido concedida a Yun Fuyi.

— A linguagem pode estar um pouco exagerada, mas sua contribuição para proteger Sua Majestade não pode ser ignorada — disse o Diretor da Chancelaria, que prontamente carimbou o decreto com o selo oficial, sinalizando sua aceitação sem objeções.

Ainda assim, qual cara sem coluna vertebral do Secretariado havia redigido aquela bajulação? A redação era tão refinada, com múltiplas referências a alusões clássicas. Se não fosse pelo fato de que a destinatária desse louvor era uma notória encrenqueira, ele talvez até tivesse elogiado o redator pelo seu talento literário.

Tsc, tsc, que desperdício de talento!

Ao retornar para sua mansão, Ning Wang imediatamente dispensou as pessoas do palácio que o Imperador lhe havia enviado, assegurando rigorosamente que elas não tivessem qualquer acesso ao seu estudo ou às áreas de refeições.

— Wangye, essas pessoas foram deixadas por sua mãe. Por que mandá-las embora? — seu criado de longa data perguntou hesitante. — Estamos com falta de pessoal. Talvez fosse melhor…

— Elas podem ter servido a Mãe Consorte no passado, mas quem sabe onde está sua lealdade agora? — Ning Wang continuava escrevendo caractere após caractere no papel. — Se ainda fossem realmente leais à minha mãe e a mim, será que meu Irmão Imperial teria sido tão generoso a ponto de me entregá-las?

— Hoje eu engolirei essa humilhação, mas um dia… — pressionou o pincel com força, fazendo a tinta escorrer para fora do papel, deixando uma mancha preta e bagunçada sobre a mesa.

Nos arredores da cidade, as flores de damasco estavam em plena floração. Fuyi e seu grupo habitual cavalgavam até o pomar de damasco para apreciar as flores, quando encontraram alguns criados expulsando pessoas, alegando que o pomar era reservado para nobres comporem poesias, e que os outros deveriam procurar outro lugar.

Embora os criados não usassem força para expulsar, suas atitudes eram arrogantes, e Fuyi franziu a testa ao ver uma criança assustada até as lágrimas pelas palavras duras. Suas amigas também ficaram irritadas.

— Este pomar de damasco pertence ao Tribunal do Granário Imperial, e Sua Majestade já decretou há muito tempo que os plebeus podem aproveitá-lo livremente. Como ele se tornou um lugar reservado para nobres? — perguntou uma delas.

— Vamos ver quem são esses caras que estão se achando — disse Fuyi ao desmontar, entregando as rédeas a Xiayu. Empunhando um chicote de montaria, ela e suas amigas entraram decididas no pomar.

Os filhos e filhas das famílias aristocráticas, dos oficiais civis e militares normalmente mantinham seus próprios círculos sociais e raramente se cruzavam — com exceção dos ociosos sem futuro, que pareciam existir em todas as famílias.

O círculo de amigos de Fuyi era amplo, e seu grupo usual era composto por filhos de oficiais militares, aristocratas e funcionários civis. Ainda assim, não importava sua origem, nenhum dos outros círculos gostava muito de se associar a eles. Eles mesmos não se importavam de ser evitados e até se autodenominavam com elegância “cavaleiros errantes”.

Se eram realmente cavalheirescos, isso era discutível, mas certamente dominavam a arte de vagar sem rumo.

Dentro de um pavilhão, um grupo de jovens literatos sofisticados desfrutava das flores em plena floração, escrevendo poesias e, às vezes, tocando alguma melodia para acompanhar as pétalas caindo. A atmosfera era serena até que o barulho chegou aos seus ouvidos, fazendo alguns franzirem a testa. Quem seria tão inconveniente a ponto de arruinar o clima?

Um menino servo logo foi averiguar e retornou com notícias:

— Jovens mestres, jovens senhoritas, há quase dez pessoas que vieram apreciar as flores no pomar.

— E quem são eles?

O criado respondeu:

— A filha de Anping Junzhu, o terceiro filho do General Cao, a filha do Ministro Yun, o segundo filho do Marquês Yang, entre outros...

À medida que o criado recitava a longa lista de nomes, as expressões dos jovens mestres e senhoritas se tornaram complicadas.

Que sorte — eles haviam, de certo modo, despertado o interesse daquele grupo de desocupados prodigiosos.

A vista dali era a melhor, e eles estavam relutantes em partir, mas também não queriam confrontar o outro grupo, conhecido não apenas pela inclinação para causar confusão, mas também por suas origens familiares influentes.

Havia um conhecimento comum na capital — fazer amizade com os desocupados talvez não rendesse nada, mas ofendê-los podia significar que nada mais daria certo dali em diante.

— É um lugar tão encantador. Como podemos permitir que gente inculta, que não sabe apreciar flores, venha causar tumulto?

A multidão ficou atônita — quem teria ousado dizer tal coisa?

Ah, era o recém-nomeado Tanhua, o erudito que havia ficado em terceiro lugar no exame imperial daquele ano.

Quando o Tanhua percebeu que ninguém respondeu ao seu comentário, um desconforto começou a se insinuar em seu coração. "Será que há algo aqui que eu desconheço?"

Ele era de um ramo colateral do clã Lu de Lingbei, onde os estudiosos geralmente desprezavam os dândis desocupados e jamais se misturavam a eles. Seus colegas até se orgulhavam de repreender esse tipo de gente, considerando isso um sinal da integridade de um verdadeiro estudioso.

— Pois bem, você tem razão. Nós somos mesmo grosseiros, incultos e incapazes de apreciar flores.

Uma voz soou de repente. O grupo de literatos se virou e viu Fuyi e seus acompanhantes se aproximando com chicotes de montaria nas mãos. Imediatamente, as recitações poéticas cessaram, a música parou, e um silêncio inquieto pairou sobre o encontro.

Quando literatos se confrontavam, o faziam com palavras; já os descendentes de famílias militares preferiam resolver as coisas com os punhos. Mas o grupo de desocupados de Fuyi era uma categoria à parte. Quem ousasse enfrentá-los precisava estar preparado tanto para palavras afiadas quanto para uma briga de verdade — por isso, a maioria preferia se manter bem longe.

A pessoa sentada mais próxima de Lu Tanhua se levantou discretamente e se afastou, usando ações para provar que não tinha nada a ver com o que fora dito.

Após um breve silêncio, os jovens literatos rapidamente recuperaram a compostura e começaram a cumprimentar o grupo de Fuyi. A atitude deles era clara — "Viram? Fomos nós que os cumprimentamos primeiro, então, por favor, não criem confusão conosco!"

Fuyi ignorou o agora ruborizado Lu Tanhua e foi diretamente até a pessoa de maior status no grupo, fazendo uma reverência cortês:

— Saudações, Jovem Mestre Du.

Jovem Mestre Du rapidamente retribuiu o gesto:

— Saudações, Senhorita Yun.

O Jovem Mestre Du mantinha boas relações com Yun Zhaobai, irmão mais velho de Fuyi, então, por respeito a essa amizade, Fuyi não o colocou em uma posição difícil. Em vez disso, ela voltou o olhar para os demais.

— Há pouco, enquanto passávamos pelo bosque de damasqueiros, vimos vários criados expulsando pessoas, dizendo que figuras nobres estavam compondo poesia aqui e que pessoas comuns não tinham permissão para perturbar. Queríamos entrar para prestar nossos respeitos às figuras nobres. Imagino que nenhum de vocês se ofenderá com nossa intromissão, certo?

— Claro que não! Essas figuras nobres são certamente magnânimas e não se ofenderiam conosco — disse Yang Erlang em tom zombeteiro, girando o chicote de montaria nas mãos. — Não é mesmo, Suas Excelências?

Com um toque de exagero, Lin Xiaowu cobriu os lábios com um lenço e riu com falsa delicadeza.

— Quando voltarmos hoje, faremos questão de espalhar a notícia sobre a generosidade de Suas Excelências para conosco. Não queremos ser privados do prazer de apreciar o bosque de damasqueiros como aqueles plebeus, não é mesmo?

— Expulsar vocês do bosque de damasqueiros? — O Jovem Mestre Du pareceu confuso. — O que quer dizer com isso?

— Ora, ora, que memória curta a de Vossa Excelência — disse Cao Sanlang, o terceiro filho do General Cao. Alto e imponente, quando imitou o tom zombeteiro de Yang Erlang, suas palavras soaram ainda mais cortantes. — Se não tivéssemos visto com nossos próprios olhos, provavelmente você negaria que isso aconteceu.

O Jovem Mestre Du lançou um olhar a Fuyi e, ao ver que ela não negava a acusação, percebeu que devia ser verdade. Voltou-se imediatamente ao seu grupo e exigiu:

— Quem entre vocês foi o responsável por isso?

Os jovens literatos trocaram olhares inquietos. Até Sua Majestade permitia que os plebeus aproveitassem aquele lugar — quem dentre eles teria ousado expulsar o povo?

Alguém notou a expressão desconfortável de Lu Tanhua.

— Lu Tanhua, isso foi obra dos seus criados?

Lu Tanhua não compreendia por que seus novos conhecidos estavam tão nervosos — eram apenas alguns plebeus. Se isso tivesse acontecido em Lingbei, aquelas pessoas de classe baixa teriam saído do caminho sem que fosse preciso dizer nada. Era só na capital que os plebeus eram tão insolentes, obrigando seus criados a intervir.

— Estávamos recitando e compondo poesias aqui. Se esses ignorantes incultos nos perturbassem, não arruinaria a atmosfera? — Lu Tanhua não negou. — Além disso, o bosque de damasqueiros é grande o suficiente. Eles podem ir a outro lugar admirar as flores...

— Ah, então quer dizer que todo o resto do mundo é inculto, e você é uma entidade celestial que não precisa comer nem beber? — disse Fuyi, sarcástica. — Já que é tão divino, por que ainda permanece neste mundo mortal? Por que não ascende logo aos céus, para que nós, os incultos, não maculemos sua presença divina?

— Você! — Lu Tanhua, com seus traços delicados e talento literário, sempre fora muito elogiado, apesar de ser apenas de um ramo colateral do clã Lu. Nunca havia sido zombado por uma mulher daquele jeito, e sua raiva o fazia tremer e ranger os dentes. — Que grosseria vergonhosa para com a civilidade!

— Quantos livros você leu? Para alguém tão erudito, parece que esqueceu a lição de que os que ocupam posições elevadas devem cuidar do povo — Fuyi arqueou uma sobrancelha. — Ou será que toda essa leitura não entrou no cérebro de um humano, mas no estômago de um cão? Se for o caso, em vez de recitar poesia, por que não se põe a latir?

— Vulgar! Desavergonhada! — Lu Tanhua arfava de raiva. — Sou descendente do clã Lu de Lingbei, nomeado pessoalmente por Sua Majestade como o Tanhua deste ano! Quem é você para nos insultar assim?!

Seus amigos literatos imediatamente desviaram o olhar — “Sim, você foi insultado, mas não nos envolva nisso! Não temos nada a ver com isso!”

— Sou apenas uma cidadã do Grande Long, sem título nem posição, apenas uma entre os milhões de plebeus — disse Fuyi, ao desatar o chicote de montaria da cintura. — Você desobedece às ordens de Sua Majestade e expulsa o povo para seu próprio benefício. Qualquer um neste país tem o direito de criticá-lo — como posso estar errada?

— Você é apenas uma mulher, sem nem sequer um título, e ainda ousa desrespeitar um homem e superior. Realmente, falta-lhe senso de decoro — zombou Lu Tanhua, confiante de que aquela mulher insolente não fazia ideia de que ele estava prestes a se tornar o futuro noivo da jovem Junzhu da família do Príncipe Shun. Ofendê-lo seria o mesmo que ofender o próprio Príncipe!

Ao ouvirem a expressão “apenas uma mulher”, várias das jovens que estavam compondo poesia ao lado dele franziram o cenho.

Diferente das moças recatadas, Lin Xiaowu não tinha escrúpulos. Imediatamente saltou e desferiu um chute no joelho de Lu Tanhua, fazendo-o cambalear para trás alguns passos.

— Que tipo de “erudito” é esse? Tem a boca tão suja — Lin Xiaowu sacudiu a saia com naturalidade e então abriu um sorriso radiante para Fuyi. — Fuyi, como foi meu chute? Bem no alvo, né?

— Você ousa agredir um oficial da corte? Com certeza denunciarei isso a Sua Majestade! — Lu Tanhua não esperava que as mulheres da capital fossem tão audaciosas, tratando um Tanhua como ele com tamanho desprezo. Apontando um dedo trêmulo para Lin Xiaowu, balbuciou: — Vocês são selvagens, não passam de ratas!

Fuyi olhou para o dedo estendido e, com um chute certeiro, lançou Lu Tanhua em um fosso lamacento fora do pavilhão, onde ele se debateu inutilmente tentando sair.

— Oh, que cena animada temos aqui — comentou um eunuco do palácio que adentrou o bosque de damasqueiros, claramente de alta patente pela vestimenta. Ignorando Lu Tanhua debatendo-se na lama, sacudiu o espanador de crina e sorriu: — Saudações a todos os jovens mestres e senhoritas. Sua Alteza Imperial chegou — preparem-se para recebê-lo.

Antes que o grupo atônito pudesse questionar por que o Príncipe apareceria ali de repente, apressaram-se em ajustar as roupas e enfeites de cabelo. Logo, viram os Guardas Jinwu abrindo caminho com espadas em punho, seguidos pelos Guardas Imperiais portando sombrinhas ornamentadas, leques de penas de pavão e estandartes bordados com a imagem de uma besta mítica auspiciosa. O Príncipe vinha em um palanquim dourado, sua chegada marcada por uma cerimônia grandiosa.

Ao verem que o Príncipe trazia metade dos símbolos cerimoniais do Príncipe Herdeiro, os dois grupos presumiram que ele devia estar em missão oficial. Curvaram a cabeça e permaneceram em silêncio, sem ousar emitir um som.

Su Tingheng desceu do palanquim dourado, seu olhar passando brevemente pelo fosso alagado antes de se fixar em Fuyi.

— Senhorita Yun, aproxime-se para receber o decreto imperial.

Todos imediatamente se ajoelharam no chão, ainda atordoados, enquanto o Príncipe lia o edito imperial em voz alta. À medida que a voz agradável recitava, palavra por palavra, os elogios floridos, levou um tempo até que compreendessem o que estavam ouvindo.

Um caráter oculto com virtudes como joias preciosas?

Lealdade extrema, inabalável diante do perigo?

Versada tanto em letras quanto em artes marciais?

De quem esse edito estava falando?!

Yun Fuyi?!

— Yun Junjun — Su Tingheng aproximou-se de Fuyi, abaixou-se para ajudá-la a levantar e colocou o edito imperial em suas mãos. — Sua lealdade e retidão são profundamente apreciadas tanto pelo Pai Imperador quanto pela Mãe Imperatriz.

Fuyi segurava o pergaminho, que não era tão pesado assim, completamente atônita. Estivera fora da capital por apenas três anos — as coisas haviam mudado tanto assim? Agora era costume um Príncipe ir até o subúrbio procurar a filha de um marquês pessoalmente, em vez de notificá-la para preparar um altar em casa, ajoelhar-se e receber o edito com reverências formais?

Seria a lealdade inabalável de seu pai que conquistara o favor do Imperador, ou seu ato de salvar a Imperatriz?

— Que criatura é essa naquele fosso? — Su Tingheng virou levemente a cabeça, olhando para a água turva com expressão indiferente, e então ordenou aos Guardas Jinwu: — Javalis selvagens costumam ser perigosos — atirem imediatamente.

Lu Tanhua, que se escondia na água lamacenta por vergonha de mostrar o rosto, congelou instantaneamente de terror.

Sua Alteza... estava se referindo a ele como o javali selvagem?!



Capítulo 10 – Flor de Damasqueiro

— Alteza Imperial, por favor, poupe minha vida! — Lu Tanhua, sem se importar mais com sua imagem, limpou o barro do rosto enquanto tentava subir de volta, temendo que, se se movesse devagar demais, os guardas o transformariam numa peneira. Tentava rastejar de volta até o pavilhão de onde havia sido chutado, mas, com o chão escorregadio e sem força nas pernas, ficava se debatendo na borda como um cão se afogando.

Algumas pessoas quase riram alto, mas ao perceberem que o príncipe ainda estava ali, logo contiveram o riso e disfarçaram com tosses.

Depois de muito esforço, Lu Tanhua finalmente conseguiu rastejar até o pavilhão e se ajoelhou diante de Sui Tingheng.

— Este súdito saúda Vossa Alteza Imperial e implora que Vossa Alteza faça justiça por mim. — Em seguida, lançou um olhar feroz para Fuyi, certo de que, na presença do príncipe, aqueles desordeiros grosseiros não ousariam agredi-lo, um oficial da corte!

— Ele é um oficial nomeado pela corte imperial? — Sui Tingheng não lhe deu permissão para se levantar.

— Respondendo a Vossa Alteza Imperial, este homem é o recém-nomeado Tanhua da província norte de Lingbei e está prestes a assumir um cargo na Academia Hanlin — explicou o eunuco ao lado do príncipe, omitindo o nome de Lu Tanhua, pois alguém que havia perdido suas perspectivas não merecia ter o nome mencionado diante de Sua Alteza Imperial.

— Tendo acabado de conquistar um posto e sem sequer ter assumido ainda sua função na Academia Hanlin, já expulsa plebeus por motivos egoístas. Se viesse a se tornar um oficial local, não exploraria o povo e cometeria toda sorte de maldades?

Essas palavras atingiram Lu Tanhua como um trovão, deixando sua mente zunindo. Já nem pensava mais em exigir punição para Fuyi e os outros. Em pânico, implorou misericórdia a Sui Tingheng:

— Este humilde súdito não ousa! Por favor, Alteza Imperial, peço clemência!

— Tens talento, mas não tens virtude. Um homem assim se tornando oficial seria um desastre para o mundo e para o povo — disse Sui Tingheng, dando meio passo à frente.

Temendo que o barro em si pudesse sujar o príncipe, Lu Tanhua se arrastou de joelhos para trás, às pressas.

— Este humilde súdito jamais ousaria novamente. Por favor, Alteza Imperial, conceda clemência.

Ninguém ousou interceder por Lu Tanhua; todos os presentes sabiam que o príncipe tinha grande compaixão pelo povo comum e desprezava oficiais corruptos que oprimiam os fracos.

Vendo que o príncipe permanecia em silêncio, o eunuco fez um gesto para os guardas de Jinwu.

— Levem-no e aguardem ordens posteriores.

Lu Tanhua tentou implorar por misericórdia mais uma vez, mas o guarda rapidamente tapou sua boca, silenciando-o. Enquanto era arrastado, seus movimentos desesperados deixavam rastros desordenados no chão.

Ao testemunhar a cena, seus amigos literatos abaixaram a cabeça, permanecendo em silêncio. Até o grupo de Fuyi, que vinha se divertindo em silêncio, fechou o sorriso.

— A primavera está em pleno florescer, e o aroma das flores de damasqueiro ainda paira no ar — disse Sui Tingheng, lançando um olhar por entre os presentes. — Se não se incomodarem, acompanhem-me para apreciar as flores nesta montanha.

Quem perderia a chance de admirar flores ao lado do único herdeiro do trono? Até mesmo os desocupados, normalmente sem ambições além de diversão e prazer, agora ansiavam por bajular o príncipe — que dirá aqueles com pretensões a cargos na corte.

— Yun Junjun, permita que este velho servo carregue o edito imperial por você. Pode acompanhar Sua Alteza Imperial na contemplação das flores — disse o eunuco respeitosamente, tomando o edito das mãos de Fuyi e sinalizando para que ela seguisse.

— Agradeço — respondeu Fuyi, acenando para suas amigas, que imediatamente a seguiram até o lado do príncipe.

Os literatos que foram empurrados para o lado pelos desocupados: "..."

Não tinham força física para lutar, tampouco habilidade para vencer nos debates. Que outra opção lhes restava além de suportar em silêncio?

Trocaram olhares entre si: "Calma. Sua Alteza Imperial sempre valorizou os estudiosos. Esses desocupados, que nunca levaram os estudos a sério, não têm nada de talento literário, certo?"

"Ainda há esperança!"

— Ouvi dizer que há uma cachoeira perto do bosque de damasqueiros que é magnífica, como um rio de estrelas despencando do céu. Onde fica? — Sui Tingheng se virou para Fuyi.

— Alteza Imperial, de fato existe uma cachoeira ali por perto, mas para apreciar esse espetáculo é preciso esperar até depois das chuvas de verão — explicou Fuyi. — Além disso, o terreno na montanha dos fundos é complicado, especialmente com a vegetação densa e a presença de feras selvagens. Por que não esperar o verão chegar para então planejar uma excursão? Assim, os Guardas Jinwu poderão fazer os preparativos.

Sui Tingheng estendeu a mão, detendo um galho de damasqueiro acima da cabeça de Fuyi.

— Você já... alguém de vocês já esteve lá?

— Nós já fomos, mas temos o couro grosso. Uma picada de mosquito ou uma queda não nos incomoda — disse Yang Erlang com um sorriso largo, mostrando os dentes brancos. — Mas Vossa Alteza Imperial é precioso demais para ser tratado como a gente.

Lin Xiaowu puxou com força o braço de Yang Erlang e o arrastou para o lado.

— Por favor, perdoe-o, Alteza Imperial. O que Yang Erlang quis dizer é que, por causa de sua posição nobre, não seria sensato correr tais riscos.

Se algo acontecesse ao príncipe, ninguém ali sairia impune.

— Agradeço a boa intenção de vocês — Sui Tingheng soltou o galho florido e cruzou as mãos nas costas. — Já que não estamos destinados a explorar a montanha dos fundos hoje, que tal me contarem algumas histórias interessantes sobre ela?

Os desocupados logo se animaram, começando a relatar suas anedotas divertidas, enquanto os literatos, de pé mais afastados, observavam o príncipe assentir de tempos em tempos, aparentemente apreciando a conversa. Aquela cena era tão insuportável que se recusavam a acreditar no que viam!

"Impossível, absolutamente impossível. Deve ser que Sua Alteza Imperial, com seu caráter nobre e respeito pelo talento, está sendo cortês com esses ignorantes apenas em consideração à origem familiar deles."

— E você, senhorita Yun? — perguntou Sui Tingheng a Fuyi. — Era como eles quando era mais jovem?

Entendido. Aqui está o texto sem comentários:


— E você, senhorita Yun? — Sui Tingheng perguntou a Fuyi. — Era como eles quando era mais jovem?

— Um pouco, mas não exatamente igual — respondeu Fuyi, surpresa por o príncipe ter se dirigido a ela apesar de seu silêncio. Ela pareceu um pouco constrangida. — Esta filha súdita só os acompanhava em subidas à montanha e passeios para apreciar a paisagem.

— Fuyi, lembra quando eu tinha sete anos e fomos à montanha dos fundos procurar ginseng, mas acabamos caindo numa cova? — Lin Xiaowu se animou ao recordar a infância. — Você tentou me puxar pra cima, mas também caiu, e só ao anoitecer é que nossas famílias nos encontraram. Depois, meu pai disse que nossos choros podiam ser ouvidos a cinco milhas de distância, assustando todos os pássaros selvagens da montanha.

Fuyi lançou a Lin Xiaowu um olhar que dizia silenciosamente para ela parar de falar — como é que ela achava que aquilo era algo digno de se vangloriar?

Cao Sanlang também se meteu na conversa, entrando na brincadeira:

— E quando você tinha doze anos, insistiu que tinha habilidade pra acertar uma folha com uma flecha a cem passos de distância, então nos levou pra caçar na montanha dos fundos. No fim, além de não conseguir pegar nem um pardal, ainda nos perdemos...

— Como isso é culpa minha? — Fuyi cerrou os dentes. — Não foi você quem disse que o cavalo da sua família sempre encontrava o caminho e que, se te seguíssemos, daria tudo certo?

"Você também devia parar de falar — isso também não é algo de que se orgulhar!"

— Ele realmente sabia o caminho, eu só esqueci que nunca tinha ido pra montanha dos fundos antes. A culpa foi minha, não do cavalo — disse Cao Sanlang, que, sendo filho de uma família militar, tinha grande afeição pelos cavalos da casa.

— Isso é verdade, seu cavalo é impressionante — Fuyi não discordou, mas isso não significava que deixaria de provocá-lo. — Mais impressionante que você.

Cao Sanlang exibiu um sorriso orgulhoso:

— Claro! Meu pai sempre diz que até a pedra de amarrar cavalos do portão é mais útil que eu, então o cavalo deve ser mais incrível mesmo.

Os literatos ao redor estavam cada vez mais perplexos com o que ouviam. Que tipo de pessoa sensata diria coisas tão autodepreciativas na frente do futuro príncipe herdeiro? Ali estava uma ótima oportunidade de causar boa impressão em Sua Alteza Imperial, e ao invés de mostrarem suas virtudes, estavam escancarando os próprios defeitos? O que diabos era aquilo?

Talvez fosse verdade que o príncipe era tão magnânimo quanto diziam os boatos. Tolerar esse tipo de conversa absurda era prova de uma paciência notável!

— E como vocês voltaram pra casa? — Sui Tingheng interrompeu os passos e se virou para Fuyi.

Fuyi ficou surpresa — não esperava que o príncipe estivesse realmente ouvindo suas histórias. Ergueu um pouco o olhar e notou uma pétala branca de flor caindo sobre o ombro dele. Talvez para ouvi-la melhor, o príncipe tenha se inclinado levemente, fazendo com que a pétala escorregasse de seu ombro e pousasse na bolsinha presa à cintura dela.

— Depois... bem, depois encontramos uma bondosa senhora que colhia ervas. Ela não só nos guiou montanha abaixo como também nos serviu macarrão feito por ela mesma — disse Fuyi, enquanto limpava a pétala da bolsinha e a deixava cair no chão.

— O vento está aumentando — observou Sui Tingheng, olhando para baixo e ouvindo o som do vento soprando entre o bosque.

Fuyi ergueu os olhos para o céu coberto pelas flores de damasqueiro caindo.
— Uau!

Lin Xiaowu acompanhou:
— Uau!

Naquele momento, todos — fossem desocupados perdulários ou jovens literatos promissores — ficaram cativados pela visão deslumbrante da chuva de pétalas que caía ao redor.

— Alteza Imperial? — Fuyi notou que o olhar de Sui Tingheng recaía sobre ela de tempos em tempos.

Sui Tingheng estendeu a mão, fazendo com que Fuyi se inclinasse levemente para trás. Ele abriu a palma, revelando algumas pétalas de flor. Fuyi deu de ombros e sorriu:

— Obrigada, Alteza Imperial.

Um leve sorriso surgiu no rosto de Sui Tingheng enquanto ele cruzava as mãos atrás das costas.

— Já está ficando tarde; devo retornar ao palácio.

Os assistentes trouxeram o palanquim dourado. Sui Tingheng estendeu a mão para ajudar Fuyi enquanto ela fazia uma reverência de despedida, depois se virou e tomou seu assento, deixando o bosque para trás.

Após verem a comitiva imperial desaparecer à distância, o grupo de Fuyi se separou dos literatos.

— Benevolente mas severo, gentil e ainda assim digno — Sua Alteza Imperial é uma figura tão impecável que provavelmente nunca cometeu um erro na vida — murmurou ela suavemente para Lin Xiaowu enquanto voltavam à cidade.

— Todos os cortesãos, civis ou militares, têm grande admiração por Sua Alteza Imperial — acrescentou Yang Erlang. — Até meu pai, que normalmente nem liga pra política, vive dizendo que ele é perfeito demais.

— Mas até o nosso príncipe já cometeu erros — lembrou Lin Xiaowu de um incidente ocorrido antes de o atual imperador ascender ao trono. — Três anos atrás, quando minha mãe me levou para visitar o falecido imperador, vimos Sua Alteza Imperial ajoelhado do lado de fora do estúdio imperial, com sangue escorrendo de um ferimento na testa. Foi uma cena assustadora — ao que parece, o falecido imperador o havia acertado com um peso de papel durante um acesso de raiva. Quando fomos embora, ele ainda estava ajoelhado lá.

— Quem bateu nele foi o falecido imperador, então é difícil dizer de quem foi realmente a culpa — resmungou Cao Sanlang com sarcasmo.

O grupo caiu em silêncio. Apesar de suas palavras soarem desrespeitosas, não estavam isentas de razão. Nos últimos anos de vida, o imperador anterior tornou-se cada vez mais confuso, favorecendo bajuladores e desconfiando de oficiais leais. Houve inúmeros casos de injustiça nesse período, e sempre que se sentia entediado ou irritado, frequentemente descontava sua frustração no filho mais velho — o atual imperador.

O ressentimento e o afeto também vinham por associação — sendo filho de Sua Majestade, Sua Alteza Imperial também era profundamente desprezado pelo falecido imperador.

Fuyi acariciou suavemente o decreto imperial em suas mãos. O falecido imperador havia exilado toda a sua família, enquanto o atual imperador não apenas reintegrara seu pai, como também lhe concedera o título de Junjun. Então, ao saber que o príncipe fora punido pelo falecido imperador, ficou claro para ela quem estava errado — certamente o falecido imperador.

— Wangye, houve um incidente — um atendente entrou apressado no estúdio, o tom urgente. — Lu Tanhua foi levado pelos Guardas Jinwu no bosque de damasqueiros, nos arredores da capital.

— Como ele foi levado? — Ning Wang largou o livro. — Ele é o novo nomeado Tanhua. Como os Guardas Jinwu ousariam agir contra ele? Não têm medo de ofender a comunidade letrada?

— Foi por ordem do Príncipe.

— Este Wang¹ tem um bom sobrinho, que geralmente passa os dias no palácio fazendo o papel de filho piedoso ou estudando no Instituto de Literatura. Por que, de repente, iria visitar um lugar como o bosque de damasqueiros? — Ning Wang franziu o cenho. — E aquele de sobrenome Lu… de onde ele tirou coragem para ofender um príncipe imperial?

O atendente hesitou, sem ousar continuar.

— O que mais houve? Fale.

— Lu Tanhua estava participando de um encontro de poesia hoje, e de alguma forma expulsou todos os plebeus do bosque, mas… mas então… — o atendente gaguejou.

— Mas o quê?

— Mas a senhorita Yun descobriu, e o Príncipe apareceu justamente no bosque para entregar um decreto imperial a ela, então a situação se agravou.

— Que decreto imperial?

— Para conferir à senhorita Yun o título de Junjun.

— Junjun… — Ning Wang se levantou e lançou um olhar à pintura na parede. Ela retratava um damasqueiro em plena floração, com uma chuva de pétalas cobrindo um pipa abaixo dele.

— Alteza Imperial, será que a senhorita Yun já sabia que Lu Tanhua era um dos nossos, e deliberadamente arruinou nossos planos?

Após esse incidente, Shun Wang definitivamente se recusaria a permitir que Lu Tanhua se casasse com sua filha.

Ning Wang acariciou levemente o pipa da pintura. Após uma longa pausa, disse:

— Este Wang entendeu. Pode se retirar.

— Mas, Wangye!

— Quando um decreto imperial é anunciado, o recebedor deve montar um altar, acender incenso e ajoelhar-se para recebê-lo. Para Sui Tingheng, como príncipe, ignorar esse costume é uma ofensa grave — disse Ning Wang friamente. — Não é preciso dizer mais nada; até amanhã, alguém irá denunciá-lo.

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Notas:

¹ Este Wang: forma tradicional de auto-referência usada por nobres, especialmente príncipes, em vez de “eu”.



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