Capítulo 11 – Sala de Estudos
Quando o Príncipe Jing retornou, ninguém ousou respirar. Até mesmo Zhao Zixun abaixou a cabeça e não teve coragem de se endireitar. Tang Shishi lançou um olhar furtivo para os lados, pensando que deveria esperar e não chamar atenção em um momento como aquele.
Tang Shishi falou com delicadeza:
— Príncipe Jing, o senhor entendeu mal. Esta jovem veio prestar-lhe respeito. Se o senhor ainda não tivesse retornado, esta jovem continuaria aqui esperando. Eu costumava vir sozinha, mas não esperava encontrar hoje a Irmã Zhou e a Irmã Ren aqui. O Shizi achou coincidência, então parou e nos fez algumas perguntas.
Tang Shishi pisoteava Zhou Shunhua e Ren Yujun em cada frase, e falava de forma tão explícita que as duas entenderam claramente que sabiam, desde o início, que o Shizi viria cumprimentar o Wangye — e que fingiram vir “encontrá-lo por acaso”. Os olhos de Ren Yujun se arregalaram ao ouvir isso. Zhou Shunhua, por sua vez, não hesitou em rebater:
— Esses dias temos vivido no pátio Liuyun e não saímos da residência. Como poderíamos saber o que acontece fora? Já que estamos aqui para servir Sua Alteza, o Príncipe Jing, e ainda não fizemos nada, a Irmã Ren e eu nos sentimos culpadas. Viemos hoje com ousadia para ver se podíamos fazer algo pela mansão. Eu, tola, esperei na residência. Naturalmente, não sou tão esperta quanto a Senhorita Tang e só hoje pensei em compartilhar os encargos da mansão.
Tang Shishi havia insinuado que Zhou Shunhua tinha segundas intenções, e Zhou Shunhua devolveu a provocação com a mesma moeda. Zhou veio com um propósito — e Tang Shishi, não?
Zhao Chengjun inicialmente interrogava Zhao Zixun, mas este nada explicou. Por outro lado, as mulheres disputavam entre si para se sobressaírem. Zhao Chengjun não se interessava por aquelas pequenas artimanhas e, na verdade, até achava que havia sido um erro parar para falar com Tang Shishi. Retirou o olhar e entrou diretamente no pátio sem dizer uma palavra.
Ao ver isso, Zhao Zixun não ousou se demorar e apressou-se para acompanhá-lo.
Tang Shishi estava prestes a discutir com Zhou Shunhua, mas antes que pudesse começar, seu alvo já havia partido. Ela se surpreendeu por um instante, logo abandonou Zhou Shunhua e, contente e prestativa, seguiu Zhao Zixun para dentro.
As pessoas do pátio Yan’an ficaram espantadas ao ver Tang Shishi entrar. Ela agiu como se nada estivesse acontecendo e, descaradamente, seguiu Zhao Zixun para dentro do cômodo. Zhao Zixun olhou para trás, surpreso. Tang Shishi já havia encontrado um lugar, posicionando-se discretamente em um canto, como se fosse parte da decoração.
Zhao Zixun nem sequer reagiu à naturalidade com que Tang Shishi se instalou. Não sabia se aquilo era ousadia ou esperteza.
Como Zhao Chengjun já havia tomado o assento principal, Zhao Zixun não se atreveu a demorar e entrou às pressas. Tang Shishi ouviu a voz do Príncipe Jing através da porta de repartição, dizendo com calma:
— Como estão seus estudos nestes últimos dias?
— Pai, este filho não ousa relaxar. Escrevi ontem um discurso sobre política...
Um incensário dourado em forma de dragão sobre a mesa exalava uma fumaça suave. A voz de Zhao Zixun, misturada ao aroma, parecia ter se tornado etérea e suave. Sem perceber, Zhou Shunhua e Ren Yujun estavam ao lado de Tang Shishi. Ren Yujun zombou em voz baixa:
— A visão da Irmã Tang é realmente admirável.
A ironia era densa nas palavras de Ren Yujun. Tang Shishi, como se não percebesse o sarcasmo, aceitou o “elogio” com um sorriso:
— Obrigada pelo elogio. Você vai continuar me admirando no futuro.
Lá dentro, após Zhao Zixun terminar seu discurso sobre política, Zhao Chengjun não lhe deu muita atenção e apontou diretamente os pontos em que ele havia falhado. Tang Shishi nunca havia estudado a teoria em oito partes e nada entendia daquilo. No entanto, apenas ouvindo os comentários do Príncipe Jing, ela já podia sentir que seu nível literário estava muito acima do de Zhao Zixun.
Tang Shishi ficou um tanto surpresa. O Príncipe Jing havia sido designado para o Noroeste, e ela imaginava que todos os oficiais da fronteira fossem homens militares. Mas não era surpresa que o Príncipe Jing não fosse um general comum — ele era um príncipe de primeira classe, filho biológico do Imperador Shizong. Desde o nascimento, já tinha direito ao trono. Não precisava estudar para os exames imperiais e podia fazer o que quisesse — mas isso não significava que tivesse pouca educação.
Até mesmo os eunucos do palácio eram letrados, e o príncipe mais ignorante, sob a influência do ambiente, ainda era superior aos eruditos oriundos de famílias pobres.
Tang Shishi se lembrou de repente de Qi Jingsheng. A família Qi também era de comerciantes. A família toda mal sabia ler algumas palavras, e não esperavam que, nesta geração, surgisse um talento como Qi Jingsheng. O velho mestre da família Qi ficou imensamente feliz e o considerou a esperança da família desde a infância, tratando-o com o melhor de tudo. Quando os feitos de Qi Jingsheng se espalharam entre os vizinhos, todos ficaram muito invejosos. Quando Tang Shishi era criança, ela realmente achava que Qi Jingsheng seria um marido excelente.
Se não tivesse sido vítima das tramas da concubina Su e de Tang Yanyan, em vez de casar com Qi Jingsheng como prometido, provavelmente ela teria mantido esse pensamento por toda a vida. Como todos na família Qi, ela olharia para Qi Jingsheng com admiração até o fim da vida, contando com ele para obter um sucesso brilhante. Se pudesse ser esposa de um Juren, essa seria provavelmente a maior aspiração de sua vida.
(*Juren – título conferido a candidatos aprovados nos exames imperiais em nível provincial)
Ao ouvir os conselhos do Príncipe Jing a Zhao Zixun sobre os estudos, Tang Shishi foi transportada de volta ao passado. Havia tantos Jinshi na capital — e quanto aos Juren? O erudito Wen Yuange, ao encontrar um eunuco do palácio, também demonstraria a mesma reverência.
(*Jinshi – título dado aos aprovados no mais alto nível dos exames imperiais)
Tang Shishi sabia que não podia mais voltar atrás. Quando seu retrato foi entregue ao emissário de Flores e Pássaros, ela estava destinada a seguir um caminho completamente diferente.
Com a orientação de Zhao Chengjun, Zhao Zixun ficou espantado com os inesperados elogios e anotou tudo, palavra por palavra. Após relatar seus estudos, pai e filho não tinham mais nada a dizer. O silêncio se instalou por um momento, e Zhao Zixun começou a procurar uma oportunidade para se retirar. Quando estava saindo, espiou através de uma cortina e viu, vagamente, várias mulheres atrás da porta de repartição, suas silhuetas suaves e graciosas meio encobertas.
Zhao Zixun hesitou por um instante, parou no meio do caminho e disse a Zhao Chengjun:
— Pai, Wutong é desajeitada e frequentemente se confunde com os livros. Este filho gostaria de encontrar duas criadas letradas e habilidosas para me acompanharem à escola e me auxiliarem.
Tang Shishi ainda pensava em Qi Jingsheng. Ao ouvir vagamente algo sobre “escola”, recobrou a consciência na hora. Ficou em alerta — o enredo estava prestes a começar.
Essa era uma oportunidade única na vida. Não apenas Tang Shishi estava em alerta — Zhou Shunhua e Ren Yujun também estavam. As duas trocaram um olhar discreto. O requisito era: letrada, atenta, habilidosa, e de preferência com uma base literária razoável. As duas se encaixavam perfeitamente.
Zhou Shunhua não tinha certeza se queria se destacar. Queria viver de forma discreta, mas também não podia permitir ser passada para trás. Uma oportunidade tão boa — se a deixasse escapar, talvez nunca surgisse outra...
Enquanto Zhou Shunhua hesitava, de repente viu Tang Shishi avançar um passo e fazer uma reverência para os que estavam dentro da sala.
— Esta jovem, Tang Shishi, aprendeu os Quatro Livros e os Cinco Clássicos em casa, reconhece a maioria dos caracteres e consegue recitar poemas comuns. Esta jovem não é talentosa, mas está disposta a dividir as preocupações do Shizi.
A audácia de Tang Shishi surpreendeu todos os presentes. Zhou Shunhua ficou pasma e, por algum motivo, sentiu o coração afundar. Enquanto ela ainda hesitava, ponderando se devia se oferecer, Tang Shishi já havia se adiantado e se recomendado. Em termos de conhecimento, Tang Shishi certamente era inferior a Zhou Shunhua. Por que então ela tinha tanta coragem?
Zhou Shunhua se questionou pela primeira vez. Antes, sempre se achara inteligente e equilibrada, diferente das demais mulheres. As irmãs ignorantes e incapazes da família Zhou, as damas medianas e sombrias do palácio, e até mesmo as belezas da mansão do Príncipe Jing que só sabiam competir por favores — todas elas, aos seus olhos, eram muito inferiores. Agora, porém, Zhou Shunhua começava a duvidar de si mesma.
Enquanto Zhou Shunhua ainda estava perturbada, outra pessoa ao seu lado também avançou e disse:
— Esta jovem, Ren Yujun, está disposta a servir o Shizi.
Zhou Shunhua olhou para Ren Yujun, surpresa. Ren Yujun permanecia imóvel, com os olhos baixos, fixos no chão, como se não sentisse o que acontecia ao redor. Zhou Shunhua encarou o rosto pálido da outra e percebeu, pela primeira vez, que talvez tivesse tomado muitas coisas como garantidas.
Zhao Zixun realmente não esperava que, no fim, fossem justamente aquelas duas que se apresentariam. Especialmente Tang Shishi, que teve coragem de falar primeiro. Zhao Zixun lançou um olhar para Zhou Shunhua e perguntou:
— Ouvi dizer que você é a segunda filha da Mansão do Duque Cai e presumi que tivesse estudado os clássicos confucionistas. Já que as duas estão dispostas, por que só você não reagiu?
Zhou Shunhua forçou um sorriso amargo. À toa fingia-se mais nobre que as outras e até se compadecia das mulheres ao seu redor. Na verdade, ela era a mais digna de pena. Não era resoluta nem fria como Tang Shishi — e nem sequer conseguia enxergar quem era de fato sua boa irmã.
Em vão abrira o coração e tratara Ren Yujun com sinceridade, como se fosse uma verdadeira irmã.
Zhou Shunhua abaixou a cabeça, fez uma reverência e disse em voz baixa:
— Esta jovem é desajeitada e não ousa se expor ao ridículo. Se o Shizi não se importar, esta jovem está disposta a servi-lo com lealdade.
Zhao Chengjun, sentado no assento principal, lançou um leve olhar para Zhao Zixun e entendeu imediatamente sua intenção. Zhao Zixun forçou um sorriso e disse:
— Oh? Que pena, o número ideal na escola são duas pessoas. Mas agora, há três de vocês. Como devo escolher?
Tang Shishi suspirou internamente diante da boa estratégia de Zhao Zixun — usar duas pêssegos para matar três estudiosos*. Não era de se admirar que Zhou Shunhua passasse a vida inteira lutando no harém. Com um imperador assim, não havia necessidade de criar disputas entre mulheres — as disputas surgiriam naturalmente.
(*Expressão chinesa que significa “usar uma isca para provocar disputa entre muitos por pouco”)
Mas Tang Shishi não era o tipo de mulher fraca e sentimental que só sabia chorar escondida depois de ser injustiçada. Ela sempre fora direta — coisas como dignidade e sacrifício não se aplicavam a ela.
Tang Shishi respondeu imediatamente:
— Tenho o maior conhecimento entre as três. O Shizi poderia considerar a mim primeiro.
Zhou Shunhua e Ren Yujun olharam para Tang Shishi, surpresas. Zhao Chengjun, que estava espumando o chá, ao ouvir isso não pôde deixar de erguer a cabeça e lançar-lhe um olhar.
Ela teve coragem de dizer isso?
Tang Shishi respondeu com calma, sem nem piscar:
— Depois que esta jovem entrou no palácio, a Imperatriz Viúva selecionou as melhores candidatas para serem preparadas no Palácio Chuxiu. Durante os três anos em que estive lá, estive sempre entre as mais bem colocadas. A própria Imperatriz Viúva e a Mamãe Feng me designaram como líder das outras moças quando viemos ao feudo do Príncipe Jing. As palavras da Imperatriz Viúva não podem ser forjadas, certo? Portanto, se digo que estou em primeiro lugar em conhecimento, há algum problema nisso?
Zhou Shunhua e Ren Yujun engasgaram ao mesmo tempo. Todos na sala sabiam que Tang Shishi estava mentindo — a classificação não era feita daquela forma. Mas mesmo que todos soubessem que estava errado, ninguém podia refutar, pois aquelas palavras vinham da Imperatriz Viúva.
Tang Shishi não apenas calou Zhou Shunhua e Ren Yujun — nem Zhao Zixun pôde recuar com elegância. Ele havia reconhecido naquela mulher extraordinária — que o protegera sozinha naquele dia — uma oportunidade para ajudar Zhou Shunhua. Jamais cogitara permitir que uma mulher vulgar como Tang Shishi se aproximasse. No fim, todo seu plano original fora completamente bagunçado por ela.
Contudo, as palavras da Imperatriz Viúva não podiam ser questionadas por um simples Shizi como Zhao Zixun. Só lhe restava aceitar Tang Shishi e puxar Zhou Shunhua junto. Estava prestes a falar quando uma voz ressoou do alto.
Zhao Chengjun interrompeu as palavras que Zhao Zixun estava prestes a dizer:
— Com o comentário de ouro da Imperatriz Viúva, naturalmente, quem ela escolheu é extraordinária. Já que a Senhorita Tang é excelente em literatura e, coincidentemente, estou precisando de mais uma pessoa para a minha sala de estudos, então que seja você.
Tang Shishi ficou atônita, paralisada por um bom tempo, até erguer os olhos, incrédula:
— Hã?
Um criado de aparência modesta abaixou a cabeça, tossiu discretamente, lançou um olhar a Tang Shishi e murmurou em voz baixa:
— O Wangye concedeu-lhe um favor. Senhorita Tang, por que não demonstra logo sua gratidão?
Capítulo 12 – Dar Azar à Esposa
Zhao Chengjun afastava lentamente a espuma do chá com a tampa da xícara, em um gesto despreocupado. Sua expressão era extremamente distante — até mesmo indiferente — por entre o vapor denso que subia do chá quente.
Tang Shishi olhava para o Príncipe Jing no alto, completamente atônita. Havia previsto muitas situações, e até preparado desculpas uma por uma, mas jamais imaginou que o próprio Príncipe Jing interviria.
E mais ainda — que ela seria transferida para a sala de estudos dele. Ela fora enviada pela Imperatriz Viúva Yao... por que Zhao Chengjun faria isso?
Liu Ji tossiu novamente, e Tang Shishi despertou subitamente. Suspirou em seu coração por um longo tempo — estava obviamente relutante —, mas ainda assim precisava se mostrar surpresa e agradecida:
— Obrigada, Príncipe Jing.
Ao se prostrar, Tang Shishi sentiu muitos olhares sobre si. Zhao Zixun, Zhou Shunhua, Liu Ji... e até mesmo os olhos de Zhao Chengjun estavam sobre ela.
Zhao Chengjun não lhe disse para se levantar. Tang Shishi manteve-se curvada em silêncio por um tempo, até ouvir uma voz indiferente vinda de cima:
— Levante-se.
— Agradeço, Wangye.
Tang Shishi passou então a servir Zhao Chengjun em sua sala de estudos. Naturalmente, Zhou Shunhua e Ren Yujun acompanharam o Shizi. Essa deveria ser uma situação satisfatória para todos — Zhao Zixun conseguiu escolher as pessoas que queria, e Zhou Shunhua e Ren Yujun não precisaram disputar entre si. No entanto, Zhao Zixun, Zhou Shunhua e os demais não estavam contentes.
Zhao Chengjun seguia calmamente mexendo na espuma do chá, e sua fala não parecia ter nenhuma intenção verdadeira. Colocou a xícara sobre a mesa e começou a tamborilar os dedos. Zhao Zixun reagiu imediatamente, fez uma reverência com as mãos postas e disse:
— O pai ainda tem assuntos a tratar. Este filho não ousa incomodar, então vou me retirar primeiro.
Zhao Chengjun assentiu levemente, sem impedi-lo:
— Não se distraia e concentre-se nos estudos.
— Este filho obedece às ordens.
Zhao Zixun retirou-se, seguido pelos outros. Ao sair do quarto de Zhao Chengjun, seu semblante finalmente se esfriou. Lançou um olhar gélido a Tang Shishi e disse:
— Não tente nenhuma artimanha. Caso contrário, eu não terei piedade.
Tang Shishi continuou sorrindo e respondeu com respeito:
— Esta jovem teve a sorte de servir o Wangye e, naturalmente, fará o seu melhor. Como poderia esta jovem usar de truques?
Zhao Zixun bufou friamente, sacudiu a manga com força e se afastou com passos largos. Após sua saída, Zhou Shunhua e Ren Yujun lançaram um olhar discreto para Tang Shishi, baixaram a cabeça e também seguiram atrás dele.
Tang Shishi ficou sozinha na porta, observando as duas seguirem os passos de Zhao Zixun. Ele era bonito, e as duas — uma elegante, a outra deslumbrante — caminhavam ao seu lado. Um homem bonito com belas mulheres ao redor... havia uma beleza silenciosa naquele instante de juventude.
O sorriso no rosto de Tang Shishi aos poucos se desfez. Ela se lembrou de que estava no pátio Yan’an, sob os olhos vigilantes do Príncipe Jing. Rapidamente retomou sua expressão sorridente e retornou ao quarto com os ânimos revigorados.
A notícia de que Tang Shishi e Zhou Shunhua iriam servir moendo tinta se espalhou rápido. Quando as outras beldades do pátio Liuyun ouviram, foi como jogar lenha na fogueira — o local entrou em alvoroço.
O pátio Liuyun estava um caos. Tang Shishi já podia imaginar a situação que Zhou Shunhua e Ren Yujun enfrentariam ao voltar, mas aquilo não tinha nada a ver com ela. Tang Shishi se preocupava apenas com seus próprios assuntos e, nas horas vagas, limpava o pátio com dedicação. Inesperadamente, naquela mesma tarde, uma visita surpresa apareceu.
Tang Shishi arqueou ligeiramente as sobrancelhas ao ver quem era:
— Feng Qian?
— Irmã Tang. — Feng Qian vestia roupas simples, e seu queixo estava quase mais pálido do que o tecido. Ela parou na porta, cobriu levemente a boca e tossiu algumas vezes antes de erguer o rosto e sorrir. — Não é por acaso que estou aqui. É conveniente para a Irmã Tang?
Depois da breve surpresa inicial, Tang Shishi logo retomou sua compostura. Sorriu e disse:
— É claro. Ouvi dizer que você estava doente recentemente, e lá fora está ventando. Entre.
Feng Qian agradeceu e entrou com passos suaves. Tang Shishi a conduziu até o leito de arhat e fez sinal para que a criada servisse chá.
— Aqui é tudo muito simples, por favor, perdoe qualquer descuido.
Os olhos de Feng Qian percorreram todo o ambiente. A residência de Tang Shishi não era grande, mas os três cômodos principais eram claros e espaçosos, com biombos, mesas, cadeiras e prateleiras para porcelanas e objetos antigos. Tudo o que se podia desejar, estava ali. Não havia luxo, mas havia aconchego.
Comparado ao pátio Liuyun, onde nove mulheres se espremiam em um espaço, a diferença era abissal — como o céu e a terra.
Feng Qian cobriu os cantos dos lábios com um lenço e sorriu levemente:
— Irmã Tang, o que está dizendo? Se aqui ainda é rudimentar, então imagine o nosso lado... O Wangye é realmente muito bondoso com a Irmã Tang.
Tang Shishi arqueou as sobrancelhas e retrucou:
— Que bobagem está dizendo? Estamos todas aqui para servir na mansão do Príncipe Jing. O Wangye me favoreceu por respeito à Mamãe Feng, mas não posso me deixar levar por isso. Sou igual a todas as outras.
— A Irmã Tang tem razão. Foi apenas um escorregão da minha língua — respondeu Feng Qian, sorrindo. — Ainda assim, é a Irmã Tang quem tem a mente mais ampla.
Feng Qian parecia mesmo debilitada. Já adoecera várias vezes mesmo durante a viagem até ali, e agora, mesmo após a chegada à mansão, sua saúde não mostrava sinais de melhora. Apesar do sorriso no rosto, exibia um semblante claramente doente.
Tang Shishi reparou em sua aparência e perguntou:
— Moro um pouco afastada, então certas notícias não chegam com facilidade. Ouvi dizer que você pegou um resfriado nos últimos dias. Já está melhor?
Feng Qian abaixou a cabeça e suspirou, desolada:
— Continua como antes. Estou apenas levando os dias como posso, com meu corpo nesse estado...
Tang Shishi sorriu e disse:
— Você ainda é jovem, não pode dizer essas palavras tão deprimentes. É só um resfriado, logo vai melhorar.
— Obrigada, Irmã Tang. — Feng Qian olhou para Tang Shishi com gratidão. Segurou a mão dela e disse, com tristeza: — Entre as dez moças do nosso grupo, a que mais admiro é a Irmã Tang. A Irmã Tang consegue se sair bem em tudo o que faz. Diferente de mim, que sofro com doenças e desventuras desde que nasci. Não tenho energia para nada, sou fraca de corpo e sem ambição. Fico muito satisfeita se puder apenas viver em paz assim.
Por que ela está dizendo isso? Tang Shishi não respondeu de imediato. Apenas a consolou com calma:
— Você ainda é jovem, não pode se deixar abater.
Feng Qian balançou a cabeça lentamente, com uma expressão solitária:
— Eu conheço meu corpo. Sei quais são minhas limitações e que tipo de vida posso levar. Sou desajeitada, doente, fraca... e minha personalidade não agrada. Sou alguém que nunca vai se destacar. Não tenho expectativas de sobressair. Já fico muito feliz se puder viver tranquilamente. Às vezes, acho que Ji Xinxian faz escândalo à toa. Outras vezes, invejo a vitalidade dela. Provavelmente, só alguém saudável como ela, mimada desde pequena, tem coragem de fazer tanto alarde.
Tang Shishi fez uma pausa e perguntou em tom neutro:
— Ji Xinxian está fazendo confusão agora no pátio Liuyun?
— Como ela poderia ficar quieta? — Feng Qian suspirou, impotente, e sorriu com amargura. — Quando soube que a Irmã Zhou e a Irmã Ren iriam servir o Shizi, ela se exaltou e exigiu servir também. Eu estou em recuperação e não consigo suportar tanta agitação, então vim me esconder aqui com a Irmã Tang. Agradeço por me acolher.
Tang Shishi ignorou as palavras educadas de Feng Qian — o que lhe chamou atenção foi outra mensagem, escondida.
Ji Xinxian também gosta do Shizi? Antes, já eram Tang Shishi, Zhou Shunhua e Ren Yujun... agora somava-se Ji Xinxian. Todas tinham como alvo o Shizi.
Mas claramente, ali era a mansão do Príncipe Jing, e o poder estava com ele. Por que, então, todas escolhiam se apegar ao Shizi, e não ao próprio Wangye?
Tang Shishi se contentava com o segundo lugar porque já conhecia a história e sabia que o Shizi era jovem e mais fácil de manipular. Mas as outras não sabiam o que o futuro reservava. Por que faziam o mesmo?
Ela perguntou em voz baixa:
— Por que Ji Xinxian está fazendo confusão no pátio Liuyun? O Shizi só precisa de duas pessoas, e as vagas já foram preenchidas. Já o Príncipe Jing ainda está sem ninguém. Se ela realmente quer fazer algo, por que não vai atrás dele? Talvez ainda tenha chance.
Ao ouvir isso, Feng Qian olhou para fora. Tang Shishi percebeu e perguntou:
— O que foi?
Feng Qian fez sinal para que Tang Shishi se aproximasse. Quando ela se inclinou, Feng Qian abaixou a voz e disse:
— Irmã Tang, admiro sua competência, então só vou contar isso a você. Ji Xinxian só se aproximou do Shizi porque não ousa chegar perto do Príncipe Jing.
— Por quê?
Feng Qian olhou discretamente para os lados. Depois de se certificar de que não havia ninguém por perto, falou num tom pesaroso:
— Porque o Príncipe Jing traz azar para a esposa.
Azar para a esposa? Tang Shishi não sabia nada disso. Afinal, crescera em Linqing. Havia uma distância entre o mundo dos oficiais e o dos comerciantes. Não sabia que muitas filhas de famílias oficiais tinham ouvido esse boato desde pequenas.
Tang Shishi olhou diretamente para Feng Qian. Seus olhos brilhantes refletiam claramente o rosto da outra.
— Isso é verdade?
Feng Qian respondeu em voz baixa:
— Naturalmente, eu não ousaria inventar esse tipo de rumor.
Tang Shishi mergulhou em pensamentos. O pai de Feng Qian era um oficial civil da Academia Imperial. Se até Feng Qian sabia, então aquilo não era segredo algum. A fama de que o Príncipe Jing trazia azar à esposa devia circular entre as famílias de oficiais da capital.
Isso também explicava por que Ren Yujun e Zhou Shunhua, mesmo entrando na mansão do Príncipe Jing, não demonstraram nenhum interesse por ele — e sim por Zhao Zixun desde o início.
Tang Shishi descascou algumas frutas para Feng Qian, colocou-as em um pratinho diante dela e disse com suavidade:
— Senhorita Feng, amanhã passarei a servir o Príncipe Jing, e ele é extremamente imparcial. Temo fazer algo errado e acabar tocando em algum tabu dele. Não sei nada sobre isso... então peço que me ajude. O que houve com a esposa dele?
— É um prazer poder ajudar a Irmã Tang. — Feng Qian cobriu a boca com o lenço, se aproximou e sussurrou suavemente: — Quando eu ainda estava na capital, ouvi dizer que não há nenhuma Wangfei na mansão do Príncipe Jing, e ele também não tem intenção de se casar. Mesmo tendo tido dois noivados antes, ambas as noivas morreram antes do casamento. Uma era a filha mais velha da família Xi e a outra, a neta mais velha do General Li.
Tang Shishi foi subitamente atingida por uma revelação. Desde o início, ela se perguntava por que o Príncipe Jing não tinha uma esposa legítima e por que a Imperatriz Viúva havia enviado as beldades até ali. Afinal, todas as candidatas a Wangfei haviam morrido.
Tang Shishi perguntou:
— As duas Wangfei faleceram por doença?
Feng Qian balançou a cabeça. Aquilo era um segredo da família imperial, e ela não conhecia os detalhes.
Tang Shishi se despediu de Feng Qian. Naquela noite, ao abrir o livro, viu que a história havia sido atualizada.
Ela olhou fixamente para o título do próximo capítulo:
“Na escola não há suspeitas, e o amor floresce pela primeira vez na vida.”
No início do capítulo, o livro descrevia os dias de estudo de Zhou Shunhua e Zhao Zixun.
Naquela época, Zhou Shunhua ainda não sabia que estava prestes a viver o melhor período da sua vida. Muitos anos depois, já como imperatriz, sentada sozinha no Palácio Kunning, ela frequentemente se lembraria com saudade daqueles dias da juventude. Na época, era apenas uma humilde criada, Zhao Zixun um jovem cheio de vigor, e Ren Yujun, sua melhor irmã. Sua maior preocupação diária era como o Shizi tentaria provocá-la de propósito. Diferente do futuro, quando as irmãs se tornariam rivais, o casal seria como estranhos e até mesmo seu filho teria um abismo entre eles.
Tang Shishi bufou e fechou o livro com raiva. O melhor tempo da juventude, irmãs íntimas, um jovem bonito provocando a mulher que ama…
Por que ela nunca havia sido tratada com tanto carinho? Ela também tivera um amor de infância, também estudara por causa de Qi Jingsheng, mas nunca soube o que era ser mimada assim.
Ela se esforçava tanto.
Tang Shishi fechou o livro, sem vontade de continuar lendo. Sabia que não havia substituto para o amor juvenil. Depois de perder o período escolar, mesmo que conseguisse conquistar Zhao Zixun no futuro, sempre estaria atrás de Zhou Shunhua e Ren Yujun.
Tang Shishi rangeu os dentes só de pensar nisso. Hoje, ela poderia ter conseguido.
Engoliu a raiva e foi dormir. No dia seguinte, quando se sentou num canto da sala de estudos, ainda se sentia injustiçada.
Tang Shishi olhou para a pilha grossa de livros à sua frente, depois para Liu Ji, e perguntou educadamente:
— Liu Gonggong*, isso é…
(*Gonggong – forma de tratamento usada para eunucos)
Liu Ji fez um gesto com a mão e respondeu com tranquilidade:
— Esses livros são preciosos, exemplares únicos. Wangye levou muito tempo para reuni-los. Eu não sei quantos grandes estudiosos da Academia Imperial dariam tudo para poder lê-los.
Tang Shishi começou a sentir um pressentimento ruim.
— Então… o que Wangye quer que eu faça com eles?
Liu Ji sorriu e disse:
— Wangye disse que, já que a senhorita Tang tem o maior talento entre todas do harém, esse talento não deve ser desperdiçado. Por isso, o melhor é que copie todos esses livros novamente. Assim, poderá aprofundar sua compreensão literária. Quando terminar essa leva, pode ficar tranquila que virá outra.
Tang Shishi não conseguiu nem manter o sorriso no rosto. Tentou forçar os lábios, cerrou os dentes e disse:
— Agradeço a graça de Wangye.
Capítulo 13 – No Passado
Quando Tang Shishi colocou o pincel de lado, nem teve tempo de massagear o punho dolorido e já ergueu a barra da saia, apressada para sair.
No entanto, mal havia passado pelo pavilhão, foi detida por Liu Ji.
— Senhorita Tang. — O gonggong olhou para ela e sorriu, dizendo algo nada agradável: — A senhorita ainda não terminou de copiar o livro. Para onde está indo?
Tang Shishi deu um passo para o lado e apontou para a mesa ao fundo:
— Gonggong, já terminei de copiar os dois livros que me entregou. Posso voltar?
Liu Ji lançou um olhar para o interior do cômodo e viu duas pilhas de papel colocadas com cuidado sobre a escrivaninha, claramente recém-escritas. Ele comentou com serenidade:
— A senhorita copia os livros até mais rápido do que os estudiosos que trabalham com isso lá fora. Pode descansar um pouco, mas não tem permissão para sair.
Os olhos de Tang Shishi se arregalaram.
— Por quê? Eu claramente terminei de copiar.
— Ainda há mais livros. — Liu Ji respondeu com um sorriso. — Este servo foi descuidado e não preparou tudo a tempo. Peço que tenha paciência. Irei buscar outras cópias para a senhorita.
Tang Shishi entendeu naquele momento: copiar livros era apenas fachada. Na verdade, estavam tentando prendê-la ali. Independente de terminar ou não, ela não teria permissão para sair.
Tang Shishi conteve o riso e perguntou:
— Esta jovem é tola. Gonggong poderia me dar uma resposta clara? Por que está me retendo aqui?
Liu Ji balançou a cabeça com um sorriso, como se deixasse algo nas entrelinhas:
— Senhorita, a senhorita chegou há pouco tempo e ainda não aprendeu como servir às pessoas. Como nós, meros servos, poderíamos sair antes do Mestre?
Tang Shishi ficou atônita. Liu Ji lançou um olhar para o interior do pavilhão e sorriu:
— Senhorita, o mais importante ao servir é ser flexível, prestativa e saber como aliviar as preocupações do Mestre.
Tang Shishi compreendeu. Forçou um sorriso e respondeu:
— Esta jovem entendeu. Agradeço o conselho, Gonggong.
— Este servo sabia que a senhorita era inteligente. — Liu Ji ainda sorria, mas suas sobrancelhas não se moviam nem um milímetro. Seu tom, no entanto, era firme: — Senhorita Tang, por favor.
Tang Shishi voltou ao pavilhão, e logo um jovem servo trouxe mais livros. Dessa vez, era uma pilha enorme — com certeza não haveria tédio.
Mas dessa vez, Tang Shishi não estava com pressa de copiar. Afinal, não importava o quanto se esforçasse, teria que passar o dia inteiro naquela sala de estudos. Qual o sentido disso? Era melhor enrolar o dia todo e, perto do fim, copiar algumas páginas apenas para constar.
Seus movimentos eram lentos e despreocupados. Agora ela entendia que o Príncipe Jing não queria que ela o servisse de verdade — queria apenas mantê-la presa ali. Com tantos olhos ao redor da sala de estudos, Tang Shishi não podia fazer nada. Assim, o Príncipe Jing não precisava se preocupar com o Shizi sendo enfeitiçado por ela.
Para ser justa, Tang Shishi estava realmente sendo injustiçada. Só porque era bonita, não significava que fosse uma sedutora. A verdadeira sedutora claramente era Zhou Shunhua.
Zhou Shunhua e Zhao Zixun passavam o dia todo juntos. Por que o Príncipe Jing só a vigiava, e não Zhou Shunhua?
De fato, os céus não têm justiça!
Tang Shishi moía a tinta com raiva, cada traço pesado como se descarregasse sua frustração no papel. Como o Príncipe Jing não saía, ninguém podia sair da sala de estudos. Ela também tinha que continuar no pavilhão, sem nem poder voltar para descansar. No início, ainda fingia trabalhar. Quando percebeu que ninguém a observava, começou a enrolar abertamente — até cair no sono sobre a mesa.
A sala de estudos do Príncipe Jing era um pátio independente. Havia cinco cômodos conectados à frente da sala principal, ocupando uma grande área, com divisórias internas que permitiam a conexão entre os espaços sem comprometer a privacidade. Nos fundos, havia três outros cômodos, construídos em formato de pavilhão. Era nesse pavilhão dos fundos que Tang Shishi estava.
O lugar era sombreado, a iluminação fraca, e o teto baixo. Quando a porta se fechava, ninguém percebia que havia alguém lá dentro. Em geral, era usado como depósito ou como salão budista. Após cair no sono, Tang Shishi ficou em completo silêncio. Quem passava nem lembrava que ela estava ali.
À noite, a sala de estudos estava quieta. Zhao Chengjun, cansado de analisar mapas, fechou o livro e repousou os olhos. Embora parecesse relaxado, sua mente ainda traçava mentalmente os terrenos.
Ele pensava em como posicionar as tropas em Suzhou. O outono se aproximava e era preciso se precaver contra possíveis ataques surpresa dos Tártaros. Além disso, Anji Timur havia se reunido várias vezes em segredo com os Tufan — era preciso ficar atento também ao Hami Wei.
Enquanto mergulhava nessas preocupações, Zhao Chengjun de repente ouviu uma respiração vinda da sala de estudos. Abriu os olhos na hora. Havia um brilho intenso em seu olhar — nada de cansaço.
Ergueu-se com expressão séria e caminhou silenciosamente na direção do som. Já tinha a mão sobre o sabre e até cogitava mentalmente quem poderia ser. Um assassino enviado por Anji Timur? Não, ele não teria essa ousadia. Tártaros? Tufan? Zhao Chengjun até pensou na Imperatriz Viúva Yao.
Parou diante do pavilhão e empurrou a porta sem avisar.
Tang Shishi dormia profundamente. Ao ouvir o barulho surdo da porta sendo aberta, acordou assustada. Quando abriu os olhos, viu um homem parado na porta. Não conseguia enxergar bem quem era e encarou a figura por um bom tempo. Por fim, seu cérebro sonolento começou a funcionar de novo.
Tang Shishi se ajoelhou rapidamente e saudou:
— Saudações ao Wangye.
Enquanto falava, seu corpo ainda tremia. Tinha acabado de acordar, estava desorientada e quase caiu no chão. Endireitou-se apressadamente e manteve a cabeça abaixada.
Zhao Chengjun a observou por um longo tempo antes de perguntar:
— Por que está aqui?
Tang Shishi hesitou por um instante e respondeu baixinho:
— Foi por ordem de Vossa Alteza que esta jovem copiasse os livros aqui.
Zhao Chengjun pensou um pouco e vagamente se lembrou de ter dito casualmente que Tang Shishi deveria copiar livros ali, sem sair até terminar. Inesperadamente, ela realmente estava copiando livros ali esse tempo todo.
Depois de toda aquela desconfiança e tensão, no fim tudo não passava de um mal-entendido. Zhao Chengjun não sabia se ficava irritado ou aliviado. Fitou Tang Shishi, que não demonstrava nenhuma emoção.
Tang Shishi não sabia o que ele estava encarando. Será que dormi com a cara no livro e agora estou horrível? Ai não… será que meu rosto ficou marcado?
Discretamente, levantou a mão para esfregar a bochecha.
Zhao Chengjun a observou de relance, aproximou-se silenciosamente e olhou o papel e a tinta atrás dela. Assim que ele se afastou, Tang Shishi aproveitou para pegar um espelhinho e conferir o próprio rosto.
— Você escreveu tudo isso?
Tang Shishi ajeitava os cabelos quando ouviu a voz de Zhao Chengjun. Respondeu por reflexo, mas logo se deu conta e corrigiu-se apressadamente:
— Peço perdão a Vossa Alteza. Sim, tudo isso foi copiado por esta jovem.
Zhao Chengjun examinou os escritos e reparou na variação da intensidade da tinta. Era evidente que os textos tinham sido escritos ao longo do dia. Ela realmente havia dormido de cansaço.
Isso o tranquilizou um pouco. Pegou a pilha de papéis, folheou algumas páginas, olhou para uma em particular e perguntou:
— Você estudou os Quatro Livros e os Cinco Clássicos?
Tang Shishi não entendeu o motivo da pergunta e respondeu por impulso:
— Sim.
Depois de falar, estranhou e perguntou com cautela:
— Por que Vossa Alteza quer saber?
Zhao Chengjun apontou para uma linha no papel e disse:
— Isto era originalmente uma frase do “Doutrina do Meio”. A edição original estava com erro. Você a corrigiu aqui. Presumi que provavelmente já estudou o “Doutrina do Meio” antes.
Tang Shishi ficou surpresa. Nem ela havia notado isso, mas não esperava que Zhao Chengjun reconhecesse à primeira vista. Ela perguntou:
— Como Vossa Alteza soube que o original estava errado?
Zhao Chengjun lançou um olhar de lado para Tang Shishi. Embora não dissesse nada, ela inexplicavelmente leu naquele olhar uma certa desaprovação.
Parecia que sua pergunta havia sido tola.
Zhao Chengjun devolveu seu manuscrito para a mesa e comentou com naturalidade:
— Este é meu livro. Naturalmente, já o li.
Tang Shishi ficou estupefata por um longo momento e, contrariada, elogiou:
— Vossa Alteza tem uma excelente memória. Esta jovem o admira muito.
Zhao Chengjun não respondeu, apenas sorriu suavemente. Era evidente que conhecia bem os truques femininos. Crescera no palácio, acostumado a ver mulheres de fala doce e coração ardiloso fazendo todo tipo de manobra para conquistar favores. Aquela bajulação era apenas mais uma entre tantas.
Como o alarme dessa noite fora falso, Zhao Chengjun relaxou a guarda e, raramente, disse mais algumas palavras:
— Você de fato leu os Quatro Livros e os Cinco Clássicos. Não que eu queira menosprezá-la, mas... você realmente não parece o tipo.
Tang Shishi levantou-se do chão, com as mãos posicionadas de lado. Ao ouvir as palavras de Zhao Chengjun, deu uma risadinha:
— Vossa Alteza tem razão. Esta jovem realmente não é uma amante de livros ou pessoa erudita. Li os Quatro Livros apenas para agradar meu noivo.
Zhao Chengjun ficou levemente surpreso.
— Noivo?
— Não mais agora. É apenas um ex-noivo. — Tang Shishi abaixou os olhos e disse: — Antes de entrar no palácio, esta jovem teve um casamento arranjado desde a infância. O noivo era filho de uma amiga de juventude da minha mãe. Ele sempre foi aplicado e estudioso, lia muito bem. Para agradá-lo e mostrar que eu era diferente da minha irmã, me forcei a terminar os Quatro Livros. Infelizmente...
Tang Shishi não concluiu a frase, mas Zhao Chengjun já sabia o desfecho. Mais tarde, Tang Shishi foi escolhida como dama da corte e enviada à Corte Imperial. Uma vez que entrava-se no portão do palácio, nada mais podia ser feito — lá dentro era como o fundo do mar. O noivado deixava de existir, a família deixava de ser família, até os pais deixavam de ser pais.
A luz no pavilhão era tênue. A lamparina sobre a mesa apagara-se enquanto Tang Shishi copiava os livros, restando apenas o brilho vindo de fora. Ela estava em pé entre luz e sombra, como porcelana fina. Afinal, era uma mulher jovem e bela. Zhao Chengjun sempre achara que Tang Shishi era ambiciosa e impiedosa, capaz de qualquer coisa por sucesso. Mas agora, vendo seu semblante calmo e sobrancelhas ligeiramente caídas, ele realmente sentiu uma pontada de ternura por ela.
Tang Shishi era uma moça moldada desde cedo para agradar aos outros. Também possuía uma suavidade juvenil, e seu coração era facilmente tocado. Lia os mesmos livros que o irmão mais velho do amigo da família, trilhava o mesmo caminho que ele — tudo para se aproximar dele. Uma pena que o destino brinca com as pessoas, e no fim, ela foi forçada a chegar até aqui.
Ela também era uma peça no tabuleiro, incapaz de decidir por si mesma. Fora selecionada para o palácio, depois enviada à propriedade, e então apresentada ao Príncipe Jing — nada disso foi escolha sua. Tudo o que fazia era apenas para viver um pouco melhor.
O tom de Zhao Chengjun suavizou-se aos poucos:
— Se ainda o ama, espere mais dois anos. Posso permitir que deixe a mansão antes do tempo.
Quando uma dama do palácio completava 25 anos, poderia ser libertada e se casar. Embora Tang Shishi não fosse tecnicamente uma dama do palácio, já havia sido entregue ao Príncipe Jing. Se ele consentisse que ela saísse um ou dois anos antes, bastava uma única palavra.
Ao ouvir isso, Tang Shishi permaneceu em silêncio por um momento e então sorriu:
— Agradeço a Vossa Alteza. Mas não há necessidade. Ele já se casou com outra mulher muito bela.
Zhao Chengjun ficou surpreso e ouviu Tang Shishi acrescentar:
— É minha irmã.
Zhao Chengjun arregalou os olhos, depois franziu o cenho.
— Absurdo. Como seus pais permitiram isso?
— Por que não permitiriam? — Tang Shishi respondeu com tom indiferente. — Criar uma filha para conseguir um bom genro não é esse o objetivo? Uma filha foi enviada ao palácio para tentar a sorte; a outra se casou com o velho amigo da família para consolidar alianças sociais. Com sorte, terão um genro que vire oficial no futuro. Qual comerciante recusaria um negócio desses — sem capital, mas com grandes lucros?
Zhao Chengjun ficou sem palavras. Ela contava seu passado em um tom tão leve que era impossível ignorar. Após um silêncio, ele perguntou:
— E sua mãe?
Apenas uma esposa legítima podia ser chamada de “mãe”. Pelo modo como Tang Shishi falava, sua mãe biológica devia ser a esposa legítima. Seu pai era comerciante, voltado aos lucros. Mas e sua mãe? Não se importava?
— Mamãe? — Ao mencioná-la, Tang Shishi se distraiu por um instante. Após três anos de separação, ela nem se lembrava mais de Lin Wanxi com frequência. Logo voltou a si, curvou-se com respeito e disse: — Minha mãe é frágil. Aos olhos das damas nobres da capital, provavelmente inútil. Ela tentou resistir e lutar, mas achei desnecessário, então entrei no palácio por conta própria.
Zhao Chengjun não conhecia a fundo a situação da família Tang, nem tinha interesse em entender, mas com aquelas palavras já podia imaginar em que tipo de ambiente Tang Shishi crescera. Cercada por lobos — não era de se admirar que tivesse se tornado quem era.
Ele nada disse. Viu Tang Shishi pegar o pincel novamente, como se fosse continuar copiando.
— Não precisa continuar. Pode voltar.
— Mas o Liu Gonggong disse...
— Se ele perguntar, diga que foi ordem minha.
Tang Shishi curvou-se em saudação:
— Sim. Agradeço a Vossa Alteza.
Depois de falar, Zhao Chengjun virou-se e voltou para a sala de estudos, sem prestar mais atenção nela. Tang Shishi permaneceu meio ajoelhada no chão até que ele se afastasse completamente. Só então se levantou, arrumou o pincel e a tinta com descuido e virou-se para sair.
Ela achava que Zhao Chengjun permitir que voltasse mais cedo era uma rara demonstração de compaixão. Não esperava que, ao sair, uma criada com uma lanterna curvasse-se para ela com gentileza:
— Boa noite, Senhorita Tang. Esta serva foi enviada por ordem do Wangye para acompanhá-la até seu pavilhão.
Tang Shishi ficou surpresa. Virou-se e viu que a luz da sala de estudos ainda estava acesa — e provavelmente permaneceria por muito tempo. Como Wangye, ele era mais diligente que os próprios oficiais sob seu comando.
Apenas lançou um olhar antes de desviar o olhar. Assentiu levemente para a criada:
— Agradeço por me acompanhar.
— Por aqui, senhorita.
Era tarde. Havia muitas árvores na mansão do Príncipe Jing, e a estrada estava escura e um tanto assustadora. A criada levava uma lanterna, como um grão de soja pendurado, balançando ao vento. Na curva do corredor, uma pessoa vinda na direção oposta não percebeu sua presença e colidiu diretamente com elas.
Tang Shishi foi empurrada e quase caiu. A outra pessoa a segurou rapidamente, manteve a cabeça abaixada e, sem dizer uma palavra, saiu correndo.
A criada que carregava a lanterna ficou furiosa e xingou:
— Quem é você? Não sabe andar com os olhos abertos?
Tang Shishi a conteve:
— Não importa. Já está tarde. Vamos continuar. Podemos conversar depois.
A criada abaixou a cabeça e concordou. Quando retornaram ao pavilhão, as outras criadas, ao ouvirem que Tang Shishi havia voltado, correram para recepcioná-la. Tang Shishi caminhou apressada para dentro do quarto. Agradeceu brevemente à criada da lanterna e a dispensou, junto com o restante da criadagem.
Depois que todos se foram, Tang Shishi foi até o quarto interior, abriu a palma da mão...
E havia um bilhete nela.
Capítulo 14 – Sondagem
Tang Shishi encarou a palma da mão. Olhou por um longo tempo e, lentamente, abriu-a.
Havia apenas uma frase curta escrita no bilhete: “Espere a oportunidade, procure uma chance de ler as correspondências dele.”
Era evidente quem era o “ele” mencionado ali.
Tang Shishi enrolou o bilhete, levou-o até a vela e observou as palavras enegrecidas pela tinta se transformarem em cinzas. Era inevitável que a Imperatriz Viúva Yao tivesse infiltrado alguém na mansão do Príncipe Jing, mas parecia que suas mãos ainda não alcançavam o pátio principal.
Afinal, a Imperatriz Viúva Yao era uma mulher casada. Mesmo sendo Imperatriz Viúva, não poderia usar criadas ou servos para interferir em assuntos militares. Ela queria que o Príncipe Jing defendesse o Noroeste, mas não confiava nele, por isso inventou esse estratagema de usar mulheres para espionar em seu lugar.
Talvez não fosse exatamente uma ideia estúpida. E se realmente existisse uma mulher no mundo por quem Jing Wang se apaixonasse, mesmo sabendo que ela era uma espiã meticulosa? Tang Shishi não sabia se tal mulher existia, mas, claramente, essa mulher não era ela.
Tang Shishi só queria tornar-se Imperatriz e ter uma vida tranquila. Que importância tinham para ela as disputas entre a Imperatriz Viúva Yao e o Príncipe Jing? Que brigassem entre si — Tang Shishi queria apenas cuidar do próprio futuro.
Quanto à Imperatriz Viúva Yao, ela trataria com a devida superficialidade.
Os dias em que Tang Shishi saía cedo e voltava tarde duraram por vários dias. Aos poucos, ela se acostumou a ir para a sala de estudos logo cedo e passar o dia toda entorpecida no pavilhão. Quando não havia nada a fazer e o dia escurecia, encerrava os trabalhos e voltava para casa. Exceto pelo primeiro dia e mais algumas ocasiões, Tang Shishi não viu mais o Príncipe Jing.
Seus dias estavam até tranquilos, como se ela vivesse isolada do mundo. Porém, na trama, o progresso entre o protagonista masculino e a protagonista feminina avançava rapidamente. Toda noite, ao voltar para casa, Tang Shishi via que vários novos capítulos haviam sido desbloqueados — às vezes até vários em um único dia.
A maioria deles narrava a rotina diária dos personagens — quem encontrou quem, o que foi dito a Shizi, quais sugestões políticas o mestre organizava e assim por diante. Às vezes, Shizi perguntava a Zhou Shunhua e Ren Yujun o que elas pensavam sobre determinado assunto. Ren Yujun não ousava opinar, mas Zhou Shunhua sempre conseguia apresentar novas ideias.
A atitude de Zhao Zixun com relação às duas também começava a mudar, ainda que, do ponto de vista de Tang Shishi, ele já tivesse tomado partido desde o início. Zhao Zixun claramente viera por Zhou Shunhua, enquanto Ren Yujun era apenas figurante. No entanto, do ponto de vista de Ren Yujun, a história era diferente.
Ela sabia apenas que tanto ela quanto Zhou Shunhua foram designadas para servir a Shizi. O que Zhou Shunhua podia fazer, ela também podia. No começo, eram três pessoas. Mas Zhao Zixun estava gradualmente se apaixonando por Zhou Shunhua.
Pobrezinha! Tang Shishi virou uma página e refletiu sobre o próprio caminho. Que pena que as irmãs, Ren Yujun e Zhou Shunhua, acabariam rompendo a relação. Nesse caso, que Tang Shishi fosse a encarregada de aplicar toda a retribuição.
Se ela conseguisse conquistar o favor de Zhao Zixun e deixasse Zhou Shunhua e Ren Yujun de lado, isso não seria justo?
Ela era mesmo uma gênia de bom coração.
Tang Shishi folheou os capítulos que perdera. Sentiu-se angustiada ao lê-los, mas se consolou pensando que eram apenas detalhes sem grande impacto. Quando virou para a parte mais recente, deparou-se com o título do próximo capítulo: “Beber vinho morno juntos em um dia chuvoso, romance no ar.”
Folheou para trás e para frente, e percebeu que a palavra “chuva” aparecia no título. Tang Shishi murmurou, pensativa.
Se fosse uma vez só, poderia ser coincidência. Mas com a “chuva” aparecendo repetidamente... será que ao menos uma das cenas românticas dos protagonistas ocorreria em um dia chuvoso?
Tang Shishi ergueu o rosto e olhou pela janela. O vento soprava forte — parecia que ia chover em breve.
Será que seria amanhã?
Logo pela manhã, Dujuan entrou carregando uma bacia com água. Enquanto esfregava os braços, resmungava:
— Que incômodo... Está chovendo de novo. Em dia de chuva não dá pra fazer nada.
Dujuan resmungava, mas não parava de trabalhar. Depois de ajustar a água quente, olhou para trás e viu Tang Shishi parada junto à janela, olhando para fora, absorta.
Sem saber o que pensar, Dujuan falou mais suavemente:
— Senhorita, no que está pensando?
— Está chovendo... — murmurou Tang Shishi.
— Sim. — Dujuan começou a tagarelar — Começou de repente no meio da noite passada, e não parou até agora de manhã. Está até estranhamente frio. Senhorita, não se esqueça de levar sua capa ao sair hoje. Se voltar tarde, cuidado com o vento.
Enquanto Dujuan entrava para pegar a capa, Tang Shishi vestia-se, mas seus pensamentos já estavam bem longe.
Hoje, preciso vigiar Zhou Shunhua e Zhao Zixun. Se não houver oportunidade... então vou criar uma.
Na sala de estudos, Tang Shishi tirou a capa na porta e uma criada prontamente se aproximou para pegá-la. Com a capa retirada, revelou-se sua roupa leve e confortável, com sapatos de sola macia. Ela entrou na sala.
— Wangye está aqui hoje? — perguntou.
A criada apontou para dentro e balançou a cabeça, sem ousar dizer mais nada. Tang Shishi compreendeu e agradeceu com um sorriso:
— Entendi. Obrigada por me avisar.
Ela entrou no pavilhão e passou o dia inteiro copiando. Hoje, não apenas Tang Shishi estava distraída — o movimento do lado de fora também não parecia tão tranquilo.
Durante a manhã, vários grupos de pessoas entraram e saíram da sala de estudos. Tang Shishi prestava atenção nos sons ao redor e percebeu que as vozes iam ficando cada vez mais baixas. Por fim, passos apressados passaram, e tudo ficou em completo silêncio.
Ela caminhou até a porta com cautela e empurrou uma fresta. Espiou por um tempo e então saiu.
A sala de estudos estava vazia — até os servos tinham sumido. Era uma chance caída do céu. Tang Shishi pegou sua capa e vestiu-a rapidamente. Quando foi pegar o guarda-chuva, percebeu que a porta da sala de estudos de Jing Wang estava escancarada.
Virou-se e viu, pela primeira vez, o local onde Zhao Chengjun cuidava de seus assuntos oficiais, através das divisórias. A sala, assim como seu dono, era austera e digna. As estantes de livros estavam organizadas, cheias de volumes, e havia cartas empilhadas de forma descuidada sobre a mesa de sândalo vermelho.
Tang Shishi deu apenas uma olhadela e logo desviou o olhar com calma. O que os assuntos do Príncipe Jing tinham a ver com ela? Estava com pressa para acompanhar o enredo — não tinha tempo para se intrometer na vida alheia.
Abriu o guarda-chuva e correu rapidamente pela chuva intensa.
A chuva daquele dia era pesada, trazida pelo vento, e logo a barra da saia de Tang Shishi estava encharcada. Ela apertou a capa em volta do corpo, agarrou uma criada que passava pelo corredor e perguntou:
— Wangye me pediu para entregar algo a Shizi. Onde ele está agora?
A criada não desconfiou e apontou numa direção:
— Shizi está no pavilhão do lago.
Tang Shishi agradeceu e correu na direção indicada. O noroeste era uma região seca, mas o Príncipe Jing conseguiu desviar um curso d’água e construir um pavilhão bem no centro do lago. Zhao Zixun estava de bom humor e levou as beldades para apreciar a chuva ali, no meio das águas.
No momento, cortinas de bambu pendiam por todos os lados do pavilhão sobre o lago, e até mesmo um pequeno fogareiro havia sido colocado num canto para dissipar o frio vindo da água. Zhao Zixun estava sentado diante do fogareiro, aquecendo o vinho com habilidade. Olhou para as pessoas atrás de si e acenou:
— Não há mais ninguém aqui, vocês não precisam se conter. Venham sentar e tomar um gole comigo.
Ren Yujun era naturalmente rígida e instintivamente respondeu:
— Shizi, isso vai contra as regras…
— Regras, regras. Você é tão jovem e já parece um velho pedante cheio de normas. — Zhao Zixun zombou e disse — Em dias comuns tudo bem seguir essas formalidades, mas hoje é uma ocasião rara. Não me decepcione.
Ren Yujun mordeu os lábios, percebendo que havia falado demais. Enquanto ela hesitava, Zhou Shunhua se adiantou e sentou-se à frente de Zhao Zixun com naturalidade:
— Obrigada, Shizi. Este vinho é Sangluo?
Zhao Zixun arqueou levemente as sobrancelhas.
— Você entende de vinho?
— Não exatamente. Quando era pequena, morei na casa do meu avô. Ele adorava vinho, então acabei aprendendo uma coisinha ou outra.
Ren Yujun sentou-se lentamente ao lado de Zhou Shunhua, ouvindo os dois conversarem sobre tudo — desde degustação até fabricação de vinho e lembranças da infância. Ela, que nada sabia sobre o assunto, sequer conseguia participar da conversa.
Abaixou os olhos, sentindo-se desconfortável. Embora Zhao Zixun fosse um Shizi, crescera entre os plebeus e não gostava do estilo cerimonioso da mansão do Príncipe Jing nem do Palácio Imperial. Preferia viver de forma livre e despreocupada. Zhou Shunhua, por sua vez, era nobre e virtuosa, orgulhosa e reservada. Sua leve rebeldia tornava-a ainda mais atraente aos olhos de Zhao Zixun.
Ren Yujun percebeu claramente que Shizi preferia Zhou Shunhua a ela — que sempre o aconselhava a se empenhar nos deveres.
Com a conversa animada enchendo seus ouvidos, Ren Yujun manteve os olhos baixos, tornando impossível decifrar a expressão em seu rosto. Quando Zhou Shunhua terminou de contar uma história de infância sobre escalar árvores, Zhao Zixun riu e comentou:
— Realmente, uma garota muda dezoito vezes entre a infância e a idade adulta. Agora você parece tão elegante e bela... quem diria que, quando criança, era tão travessa. Quando eu tinha sete anos, também subi numa árvore e meu pai...
Zhao Zixun interrompeu-se de repente. Zhou Shunhua esperava que ele continuasse e, ao notar o silêncio, perguntou:
— Shizi, o que foi?
Zhao Zixun rapidamente retomou o controle e balançou a cabeça.
— Nada. — Recusou-se a continuar naquele assunto.
Zhou Shunhua não entendeu, então mudou de assunto com delicadeza. Ela não percebeu sua mudança repentina, mas Ren Yujun entendeu tudo de imediato.
Zhou Shunhua vinha de uma família privilegiada, fora mimada desde criança e ousava até subir em árvores para fazer travessuras na casa do avô. Naturalmente, não tinha como compreender o sentimento sutil e fragmentado de inferioridade que existia no pátio de uma família rica.
Mas Ren Yujun compreendia — por isso notou imediatamente o deslize de Zhao Zixun. Um filho criado verdadeiramente na mansão do Príncipe Jing jamais teria o hábito de escalar árvores. Zhao Zixun fora adotado por Jing Wang aos oito anos. Antes disso, vivia como uma criança comum: subia em árvores, cavava o chão, rolava na lama... porque seu pai não era o Príncipe Jing.
Na verdade, seu pai biológico era Xu Jing.
Foi só depois da adoção que Zhao Zixun realmente passou a conhecer o modo de vida dos ricos. Descobriu que aquelas roupas de algodão simples que a família Xu usava no Ano Novo eram o tecido mais grosseiro da realeza — tecido que até as criadas de menor escalão desprezavam. Descobriu que os ricos nunca precisavam trabalhar e que até mesmo uma criada de terceiro nível da mansão tinha mãos mais delicadas que as de sua própria mãe.
E o Príncipe Jing, nascido da mais nobre linhagem imperial, dono de todas as terras sob seus pés — ele era uma existência que Zhao Zixun jamais ousara imaginar. As terras do Noroeste e até mesmo o povo que nelas vivia eram propriedade de Jing Wang.
Sim, propriedade.
Desde que passou a usar o sobrenome Zhao, Zhao Zixun nunca mais mencionou sua vida anterior. Agia como se tivesse nascido na mansão de Jing Wang. Como se desde pequeno estivesse acostumado com taças preciosas, jogos de chá refinados e antiguidades. Se não fosse pela conversa de hoje com Zhou Shunhua, talvez tivesse esquecido completamente — e não teria deixado escapar a menção a outro pai.
Pela primeira vez, Ren Yujun descobriu uma vantagem sobre Zhou Shunhua. Depois que Zhao Zixun mencionou pai, tentou disfarçar imediatamente. Ainda atordoado, perdeu o interesse pelo vinho e sequer se deu ao trabalho de continuar conversando com Zhou Shunhua. Ela tentou, em vão, manter o assunto — mas o ambiente esfriou gradualmente.
Os três ficaram sentados frente a frente, e a atmosfera se tornou cada vez mais constrangedora. Zhou Shunhua já buscava uma desculpa para se retirar quando, de repente, ouviram passos do lado de fora.
Todos olharam ao mesmo tempo e viram uma mulher se aproximando do lago com um guarda-chuva. Em meio àquela chuva pesada, ela parecia ser a única cor vibrante do mundo. Quando chegou ao pavilhão, Tang Shishi naturalmente entregou o guarda-chuva à criada e desatou a capa com elegância. Tudo aconteceu de maneira fluida, como se ela tivesse nascido para ser servida por uma dúzia de criadas.
Apesar de estar com guarda-chuva, Tang Shishi inevitavelmente se molhara no caminho. Seu coque estava levemente úmido e algumas mechas de cabelo grudavam em sua face, conferindo-lhe um ar de beleza renovada, ainda mais encantadora em seu estado ligeiramente desgrenhado.
Zhao Zixun endireitou-se inconscientemente. Olhou para Tang Shishi e franziu o cenho lentamente:
— O que está fazendo aqui?
Tang Shishi havia corrido o caminho todo. Nesse momento, ofegava e não sabia se havia chegado a tempo do trecho certo da trama. Respirou fundo, entrou no pavilhão e saudou Zhao Zixun:
— Saudações ao Shizi. Shizi, vim a mando de Wangye para lhe passar uma mensagem.
Ao ouvir o nome do Príncipe Jing, o semblante de Zhao Zixun mudou de imediato:
— Pai tem algo a dizer?
Enquanto isso, na sala de estudos, Zhao Chengjun caminhava até a mesa e folheava as cartas com desatenção.
Nenhum indício de que algo havia sido tocado. Como Tang Shishi resistiria a uma oportunidade dessas?
Zhao Chengjun perguntou:
— Onde ela está?
Não era preciso especificar a quem se referia. Liu Ji respondeu prontamente:
— Wangye, pouco depois de sua saída, a Senhorita Tang correu para fora, na chuva. A criada informou que ela está no pavilhão do lago.
— O que ela foi fazer no lago com uma chuva dessas?
Liu Ji pareceu um pouco constrangido e disse em voz baixa:
— Shizi saiu mais cedo da escola hoje e está aproveitando a chuva com vinho quente no meio do lago.
Zhao Chengjun entendeu. Tamborilou os dedos sobre a carta e a atirou num canto:
— A Imperatriz Viúva esperava que ela fosse uma espiã meticulosa... que pena. Ela se entregou à fantasia. Só busca vantagens e se alia a quem lhe parecer mais útil. Um tipo assim não é confiável. Com o tempo, os julgamentos da Imperatriz Viúva Yao têm se tornado cada vez mais tolos.
Liu Ji comentou:
— Naturalmente, ninguém tem o discernimento de Wangye ao traçar estratégias.
A bajulação de Liu Ji era evidente demais. Zhao Chengjun a ignorou, mas de repente disse:
— Prepare um guarda-chuva. Vamos dar uma olhada no jardim.
Capítulo 15 – Expor
O vento soprou sobre o lago, trazendo a chuva para dentro do pavilhão, tornando o ambiente bastante frio. Tang Shishi puxou as mangas em silêncio, sem alterar a expressão, e disse:
— Sim. Muitos vieram visitar o Wangye hoje, e ele não pôde dispor de tempo. Por isso, pediu que eu transmitisse algumas palavras ao Shizi.
A expressão de Zhao Zixun ficou nitidamente tensa.
— O que meu pai disse?
Os olhos de Tang Shishi varreram as pessoas atrás de Zhao Zixun. Zhou Shunhua e Ren Yujun também estavam nervosas. No entanto, Tang Shishi alegremente se recusou a dizer. Ela lançou vários olhares a Zhou Shunhua, revelando um ar de constrangimento.
— Isso... o Príncipe Jing disse para falar com o Shizi em particular. Receio que não seja apropriado com outras pessoas por perto.
Zhao Zixun olhou para o lado e disse:
— Vocês duas podem voltar. Não precisam me servir hoje.
Zhou Shunhua e Ren Yujun encararam Tang Shishi, expressando ressentimento.
Tang Shishi era mesmo astuta. Zhou Shunhua suspeitava que aquilo fora intencional. Tang Shishi as afastara de propósito para depois ficar a sós com o Shizi. Mas Zhou Shunhua não tinha provas, e tampouco podia dizer algo. Afinal, Tang Shishi estava ali em nome do Príncipe Jing para transmitir uma mensagem. Zhou Shunhua ousaria questionar o Wangye?
Não ousaria. Mesmo que Zhao Zixun também achasse estranho, não se atreveria a desobedecer abertamente às ordens do pai. Zhou Shunhua e Ren Yujun saíram a contragosto. Ao passar por Tang Shishi, Ren Yujun não se conteve e lançou-lhe um olhar furioso.
Tang Shishi percebeu. Virou levemente o rosto e retribuiu com um sorriso ameaçador — lindo e provocante.
Zhao Chengjun observava tudo de um ponto mais alto. Bateu levemente os dedos no parapeito e perguntou aos que estavam atrás dele:
— Há tantos documentos confidenciais na sala de estudos, e ela nem sequer olhou. Correu para cá só para afastar as criadas de Zhao Zixun. Digam-me, o que exatamente ela quer?
Aquilo… Liu Ji ficou em apuros. Mesmo que soubesse, não ousaria dizer.
Liu Ji respondeu com um sorriso:
— A Senhorita Tang tem um espírito grande, fora do comum. Este velho escravo não sabe dizer.
Zhao Chengjun riu ao ouvir isso e comentou sem hesitar:
— Não se trata de espírito grande. O que ela tem mesmo é uma cobra no coração. Vamos, desçamos e vejamos com nossos próprios olhos.
Tang Shishi viu Zhou Shunhua e Ren Yujun relutarem, mas acabarem obedecendo suas ordens. Estava muito satisfeita. Ergueu ligeiramente o queixo, esperando que as derrotadas se retirassem e abrissem espaço para ela e Zhao Zixun.
Tang Shishi era uma pessoa proativa. Como personagem feminina vilã, não tinha chances de ficar sozinha com o protagonista no romance. Tudo bem. Se não havia oportunidades, ela mesma as criaria.
Viera até ali o mais rápido que pôde e acreditava que o enredo ainda não havia começado. O mesmo lugar, o mesmo evento. Se expulsasse a protagonista e a coadjuvante, o papel da protagonista não acabaria sendo dela?
Quanto mais pensava, mais se sentia esperta. Eu nasci para ser Imperatriz Viúva. Queria que Zhou Shunhua e Ren Yujun se retirassem logo, mas os passos atrás dela pararam logo depois. Impaciente, Tang Shishi se virou e disse:
— Não vão se apressar? Nem escutam o que o Wangye disse?
Assim que terminou de falar, suas pupilas se dilataram lentamente.
— Wangye?
Vários guardas bloqueavam o caminho até o centro do lago de forma firme. Liu Ji segurava respeitosamente um guarda-chuva para o homem à frente, enquanto outro eunuco cobria Liu Ji. Havia muitas pessoas ali, mas a superfície do lago permanecia serena — só se ouvia o plic-ploc da chuva.
Zhao Chengjun estava à frente do grupo, com uma postura calma e contida. Ao ouvir as palavras de Tang Shishi, sorriu levemente.
— Oh, minhas palavras?
Zhao Zixun imediatamente se curvou e o saudou:
— Pai.
Tang Shishi xingava Zhao Zixun de canalha, inúmeras vezes, em sua mente. Como estava de costas para a passarela, não conseguia ver o movimento atrás de si. Mas Zhao Zixun, que estava de frente, com certeza vira o Príncipe Jing se aproximar. E mesmo assim, não dissera nada, deixando-a continuar com sua encenação ridícula.
Um frio percorreu o corpo de Tang Shishi, mas ela ainda queria manter a pose de quem não se surpreendia, como se estivesse tudo sob controle. Saudou Zhao Chengjun com serenidade:
— Wangye.
Quando Zhao Chengjun entrou no pavilhão, seus criados o seguiram rapidamente. Em poucos instantes, retiraram as taças e rearrumaram os assentos com eficiência. Liu Ji se preparava para remover o fogareiro de vinho, mas Zhao Chengjun levantou a mão:
— Não é necessário. Deixe aí.
Liu Ji lançou um olhar rápido a Zhao Zixun e assentiu com um aceno. Zhao Chengjun sentou-se no lugar em que Zhao Zixun estivera antes, pegou a taça de vinho, virou-se e ergueu o olhar, observando calmamente os presentes ao seu redor.
Tang Shishi imediatamente se afastou e disse:
— Wangye, este vinho era do Shizi e de suas servas. Esta jovem chegou agora e não sabe de nada.
Zhao Zixun não acreditou e lançou-lhe um olhar sombrio. Essa mulher mudou de lado com uma facilidade inacreditável, sem o menor senso de vergonha. Há pouco, ela expulsara Zhou Shunhua. Agora que o Príncipe Jing aparecera, apressou-se em se desvincular e o jogou direto para o sacrifício.
A expressão de Zhao Zixun não era nada boa. Zhao Chengjun sorriu, colocou a taça sobre a mesa e disse:
— Zhao Zixun não é mais uma criança. Beber um pouco não é nada grave, não há por que evitar. Apenas Hedong tem o melhor vinho Sangluo. Na próxima vez, pedirei ao magistrado de Puzhou que envie um pouco.
Zhao Zixun ficou extremamente aliviado, sua expressão relaxou. Inclinou-se com gratidão:
— Agradeço, pai.
Enquanto Zhao Zixun se acalmava, Tang Shishi não conseguia sequer fingir um sorriso. Era impossível adivinhar o que se passava na mente do Príncipe Jing. Ela pensara que ele iria puni-los e, por isso, tratara de se salvar primeiro. Inesperadamente, Zhao Chengjun controlava com rigor os estudos do filho, mas não se importava com sua bebida.
Se o Wangye tivesse dito antes que não haveria punição, por que eu teria me exposto? Ótimo… acabei de ofender o protagonista outra vez.
Zhao Chengjun lançou-lhe um olhar e percebeu que, embora Tang Shishi mantivesse a cabeça baixa, seus olhos se moviam constantemente. Claramente, ela ainda estava tramando algo. Já havia chegado a esse ponto e, mesmo assim, não conseguia viver em paz. Zhao Chengjun não sabia se ela era persistente… ou simplesmente tola.
Depois que Zhao Zixun se acalmou, teve coragem de perguntar outra coisa:
— Pai, ouvi dizer que esteve muito ocupado hoje?
Zhao Chengjun permaneceu em silêncio.
— Por que pergunta?
— Tang Shishi disse que o senhor estava ocupado e não podia sair. Por isso confiou a ela a tarefa de transmitir uma mensagem a este filho. Gostaria de saber… o que o senhor desejava dizer?
Tang Shishi percebeu que havia algo errado logo na primeira frase. Mas, diante do Príncipe Jing, não podia interromper. Assistiu, impotente, enquanto Zhao Zixun expunha sua mentira. Quando Zhao Chengjun voltou o olhar para ela, seus joelhos fraquejaram — quase caiu de joelhos ali mesmo.
Acabou. Estou perdida.
Zhao Chengjun soltou uma risada — de raiva. Inesperado. Realmente inesperado! Ainda subestimara Tang Shishi. Pensara que ela só jogava truques simples… mas ela ousava até forjar palavras em seu nome.
Sem palavras, Zhao Chengjun a encarou longamente. Sob o olhar incisivo do Príncipe Jing, Tang Shishi baixou ainda mais a cabeça, desejando poder cavar um buraco e se enterrar. Zhao Zixun percebeu que o clima azedara, olhou para o pai e depois, pensativo, voltou o olhar para Tang Shishi.
Antes que ela pudesse se ajoelhar para pedir perdão, Zhao Chengjun falou. Seu tom era leve, como se nada tivesse acontecido:
— Anteontem, você não escreveu corretamente o discurso sobre a administração do Estado. Esse tipo de método de governo não se explica daquela forma.
— Como não? — Zhao Zixun pareceu surpreso e até animado. — Foi uma obra de que este filho se orgulha. O mestre também disse que estava bem escrito, organizado, grandioso... e que as estratégias de avanço e recuo estavam bem equilibradas...
— Não tem a ver com a forma como você escreveu, e sim com a estrutura. — O tom de Zhao Chengjun não era alto, mas cada palavra carregava peso, e ele imediatamente interceptou Zhao Zixun: — É necessário que um superior saiba administrar pessoas, e mais ainda, que saiba tolerá-las. Em todo o seu texto, você escreveu sobre como controlar e como usar jogos de poder para fazer dois oficiais entrarem em conflito, mas negligenciou o aspecto mais fundamental.
Zhao Chengjun se levantou. Era mais alto que Zhao Zixun, com uma postura adulta, ombros largos e corpo esguio. Quando ficou diante do outro, sua presença opressora o subjugou completamente.
Parou diante de Zhao Zixun, olhou-o de cima e disse lentamente:
— O jogo de poder do Imperador era mais eficaz não porque ele dominava a arte da política, mas porque quem o executava era o próprio Imperador. O jogo de poder não é errado — mas se ele ignora os fundamentos e foca apenas no brilho da cereja no topo, o superior perde sua magnanimidade.
Assim que terminou de falar, Zhao Chengjun ignorou Zhao Zixun e saiu do pavilhão com passos largos. Liu Ji correu para segurar um guarda-chuva sobre sua cabeça. Tang Shishi lançou um olhar furtivo para Zhao Zixun e, atordoada, seguiu Zhao Chengjun.
Tang Shishi não sabia como era o relacionamento entre Zhao Chengjun e Zhao Zixun em particular. No entanto, com base em suas observações anteriores, Zhao Chengjun era de fato um pai extremamente rígido. Em vez de orientar o filho pacientemente, ele parecia mais treiná-lo.
O olhar de Zhao Chengjun para Zhao Zixun não era o de um pai para seu filho, mas o de um tutor olhando para seu sucessor. Não era de se admirar que Zhao Zixun o temesse. Tang Shishi escutava, sem ousar respirar. Para piorar, quando pais comuns educam seus filhos, por mais que o filho os decepcione, ainda assim entendem que é seu próprio sangue — e, no fundo, não o abandonariam de verdade. Mas não era assim na mansão do Príncipe Jing.
Tang Shishi sentiu pena de Zhao Zixun. Com um pai adotivo como aquele… não sabia se isso era bom ou ruim. Contudo, logo perdeu o ânimo para sentir pena dos outros. Zhao Chengjun retornou ao seu escritório em silêncio, ergueu as vestes e sentou-se atrás da mesa.
Tang Shishi ajoelhou-se imediatamente, sem dizer uma palavra, quase chorando:
— Wangye, por favor, ouça minha explicação.
Seu rosto mostrava um ar choroso, mas seus olhos se mexiam tão rápido que quase escaparam palavras para se justificar. Zhao Chengjun manteve-se calmo:
— Vá em frente.
— Eu… eu na verdade me preocupo com o Shizi. — Tang Shishi rapidamente organizou seu discurso: — O senhor está tão ocupado todos os dias, enquanto o Shizi aproveita a paisagem e se entrega a romances. Estava chovendo hoje, e ele nem pensou em quantas pessoas foram afetadas pela chuva forte. Em vez disso, levou duas servas para beber vinho aquecido. Qual é o sentido disso? Esta jovem não pôde ficar de braços cruzados e usou o nome do Wangye para alertá-lo.
Zhao Chengjun escutava, e aos poucos, um sorriso surgiu em seu rosto. Era impressionante como ela conseguia inventar uma história dessas e ainda fazê-la parecer plausível. Ele serviu-se de uma xícara de chá e disse:
— É realmente um desperdício enviar você para a mansão do Príncipe Jing. Você deveria estar na prisão imperial como mais uma integrante da Garra da Águia da guarda real.
Tang Shishi forçou um sorriso:
— Wangye está brincando. Sou apenas uma mulher frágil, não ouso me comparar com os guardas imperiais.
Zhao Chengjun pousou a xícara de chá. As folhas dentro giravam suavemente de um lado para o outro.
— Por quê?
Tang Shishi não ousou responder diretamente e perguntou com cautela:
— O que Wangye quer dizer?
Inicialmente, Zhao Chengjun queria perguntar por que ela prestava tanta atenção a Zhao Zixun. No entanto, quando estava prestes a dizer isso, sentiu que tal pergunta era indigna de seu status. Então, reformulou:
— Por que você tem tanta hostilidade pelas duas servas que acompanham Zhao Zixun? Parece que se chamam Zhou Shunhua e Ren Yujun?
Tang Shishi levou a mão à boca em fingida surpresa e exclamou, chocada:
— Wangye, como sabe os nomes delas?
As sobrancelhas de Zhao Chengjun se contraíram. Aquela era a primeira vez que alguém não levava suas palavras a sério desde que ele crescera — e ainda ousava responder com uma pergunta. Zhao Chengjun sorriu:
— Está tentando me provocar? O último que tentou me ensinar a fazer as coisas foi Sua Majestade Sejong.
— Eu não ousaria. — Tang Shishi imediatamente abaixou a cabeça, levou o dorso da mão à testa, fez uma reverência e disse: — Esta jovem ultrapassou os limites. Peço perdão ao Wangye. Wangye entendeu mal, esta jovem não tem hostilidade por Zhou Shunhua. É só que… homens e mulheres devem ser separados a partir dos cinco anos. Elas ficam o dia inteiro grudadas no Shizi, e receio que isso o atrapalhe nos estudos.
Tang Shishi falou com tanta seriedade que quis observar a reação de Zhao Chengjun, mas não ousou levantar os olhos. Ele permanecia sentado na cadeira principal, girando lentamente a xícara de chá nas mãos, sem se manifestar.
Como Zhao Chengjun não perceberia que Tang Shishi estava mentindo? Ele crescera na corte imperial — talvez fosse ainda mais familiar do que ela com essas artimanhas de disputas veladas, intrigas e brigas por atenção.
Sua mãe biológica, a Concubina Imperial Gonglie, fora ao mesmo tempo vencedora na luta interna do palácio e vítima da disputa por poder. Comparado a isso, os métodos de Tang Shishi não passavam de truques infantis.
Zhao Chengjun ficou um tanto surpreso ao perceber que Tang Shishi era, na verdade, uma mulher obcecada por amor. Seu noivo anterior fora um jovem erudito, gentil e modesto. Nesse sentido, Zhao Zixun também era assim.
Esse tipo de homem era, provavelmente, o tipo que Tang Shishi gostava. Zhao Chengjun, como pai, não deveria se meter nos assuntos amorosos do filho. No entanto… qualquer uma servia — menos Tang Shishi.
— Tang Shishi — disse Zhao Chengjun de repente —, eu já escolhi a esposa legítima de Zhao Zixun. A Shizifei não será nenhuma de vocês.
(*Shizifei – esposa legítima do Shizi, ou Concubina Imperial do herdeiro).
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