Capítulo 11 a 15


 Capítulo 11  – Eu nunca tive a intenção de te machucar 


Durante a audiência da manhã, todos os oficiais presentes estavam em silêncio e postura solene. Após discutirem assuntos de estado, exatamente quando o imperador pensava que aquele seria mais um dia comum e sem incidentes, um censor avançou de repente para acusar seu querido filho de ser aplicado nos estudos, mas de não ter modos adequados no comportamento.

— O quê? — O imperador pensou que seus ouvidos estavam falhando. Ignorando seu porte imperial, ergueu a cortina de fios da coroa que lhe bloqueava a visão. — Você disse que o filho de Zhen[1] carece de modos?

Sentindo o tom do imperador, o censor se endireitou e repetiu:

— Sua Alteza Imperial é príncipe, um soberano, e a filha do Ministro Yun é apenas uma súdita e mulher. Contudo, Sua Alteza desrespeitou o protocolo ontem, rebaixando sua dignidade imperial para sair da cidade e conceder o édito à senhorita Yun. Isso é um ato de grande desrespeito contra Vossa Majestade.

— … — ‘Você está falando sério?’ — o imperador ficou perplexo. Ele, como pai, não via erro algum no filho, mas aquele mero censor estava ali fazendo escândalo?

Deixou a cortina de fios cair. Enquanto as contas de jade tilintavam, revirou os olhos com irritação exagerada.

Imediatamente, outros oficiais civis se adiantaram:

— Vossa Majestade, acreditamos que o que o Chefe dos Censores disse faz sentido.

O imperador revirou os olhos novamente. Sabia que alguns eruditos pedantes, que falavam o tempo todo de moralidade e decoro, na verdade eram mentalmente instáveis.

— Vossa Majestade, este humilde súdito não ousa discordar — Yun Wangui saiu das fileiras e fez uma reverência formal como oficial da corte. — Esta culpa é inteiramente minha, por forçar Sua Alteza Imperial a se rebaixar.

— Estimado Ministro Yun, o édito foi concedido pelo príncipe sob ordens de Zhen; você não foi informado previamente. Onde está a culpa nisso? — O imperador ergueu a mão. — Levante-se.

O eunuco pessoal do imperador desceu rapidamente os degraus, sorrindo ao ajudar Yun Wangui a se levantar.

— A graça de Vossa Majestade é tão grande que este humilde está tomado de gratidão — Yun Wangui enxugou os cantos dos olhos com a manga, parecendo o súdito leal pronto para dar a vida pelo soberano.

A cena despertou a inveja de alguns oficiais civis. Era bom ver governante e súdito em harmonia — claro que seria ainda melhor se fosse o súdito preferido!

— O Chefe dos Censores não está errado; o decoro dita a hierarquia. Mas eu não sou apenas um príncipe — sou também um filho.

Graças à intervenção de Yun Wangui, os oficiais pararam de focar na forma como o príncipe entregou o édito; agora se perguntavam por que Yun Wangui era tão favorecido pelo imperador. Só quando Sua Alteza Imperial começou a falar, lembraram que ele nem tinha explicado suas ações ainda.

— Posso perguntar a todos presentes: se alguém, em momento de crise, salvasse seus pais, como vocês o retribuiriam?

— Naturalmente, deveriam ser tratados como convidados de honra; até uma gratidão eterna seria insuficiente para expressar nosso agradecimento.

— Se o benfeitor for mais velho, deve ser respeitado como um tio ou tia. Se for mais jovem, tratado como filho ou sobrinho.

Enquanto o príncipe continuava, todos entenderam seu ponto. Quem ousaria dizer que não seria grato a quem salvou seus pais, a menos que fosse desleal?

— Na corte, o Ministro Yun é súdito, e seus filhos também. Mas a lei não ignora a humanidade. Se o benfeitor que salvou a mãe do Chefe dos Censores fosse um plebeu, você exigiria que ele se ajoelhasse, fizesse três reverências e nove prostrações só para reconhecer seu status nobre ao agradecê-lo?

Sui Tingheng não tentou justificar suas ações.

— Minhas ações ontem podem ter faltado decoro, mas aceitei as consequências voluntariamente. Embora o raciocínio do Chefe dos Censores possa ter validade, não é o meu.

— Oh? Eu nunca percebi que o Chefe dos Censores esperava que seu benfeitor se curvasse e se prostrasse diante dele. Estou impressionado — Marquês Yang, que normalmente mantinha perfil discreto, levantou o polegar sarcasticamente. — Você é realmente um estudioso talentoso, versado nos clássicos. Nós, ignorantes, não podemos competir.

— O Chefe dos Censores é mesmo exigente. Eu, por minha vez, só penso em como retribuir ao meu benfeitor, sem me preocupar com status e hierarquia — o General Cao bateu na coxa. — Hoje, Cao aprendeu algo novo.

Os oficiais militares caíram na gargalhada, como se tivessem ouvido a melhor piada do mundo.

O Chefe dos Censores ficou vermelho de vergonha e não conseguiu responder. Como oficial da corte, o que poderia ser pior do que ter a reputação de ‘ser desleal’?

— O príncipe fala bem — o imperador, já irritado com as constantes falas sobre decoro e ética dos censores, agora se deliciava com a derrota deles. — Se o filho de Zhen não fosse príncipe, o benfeitor de sua mãe teria recebido suas reverências ontem.

Os oficiais que acusaram o príncipe: “…”

Resumindo, a filha de Yun Wangui tinha sido injustiçada ontem?

Eles olharam para Yun Wangui, que ainda enxugava as lágrimas com expressão de sincera gratidão, sem a menor intenção de salvá-los daquela situação.

Sem saída, os oficiais tiveram que se ajoelhar e implorar perdão.

Que dia terrível!

O imperador aproveitou para descontar dois meses de salário deles, sentindo enorme satisfação ao encerrar a audiência. Poupar dinheiro para o tesouro sempre fazia seu dia!

— Ministro Yun — quando Yun Wangui saía do palácio, ainda com expressão agradecida, viu o príncipe esperando por ele.

— Saudações, Vossa Alteza Imperial — Yun Wangui juntou as mãos e fez uma reverência.

— Não precisa de tanta formalidade, Ministro Yun — Sui Tingheng estendeu a mão para ajudar Yun Wangui a se levantar. — Desculpe por causar-lhe problemas hoje.

— Vossa Alteza Imperial é filial e bondoso; todos os filhos dutiful do mundo o admiram. Como isso poderia ser considerado um problema? — As palavras de Yun Wangui mal tinham caído quando os oficiais que haviam acusado Sui Tingheng apareceram, a tempo de ouvir.

— Por favor, não entendam mal, senhores — Yun Wangui os cumprimentou com um leve aceno. — Não quis ofender, muito menos sugerir que fossem desleais.

Os oficiais: — Heh.

Humph, como se!

Vendo-os se curvar para o príncipe e depois sair apressados, Yun Wangui suspirou baixinho:

— Essa impaciência não faz bem à saúde deles.

Mo Wen, que atendia o príncipe, quis rir, mas não ousou. Manteve a cabeça baixa e não levantou os olhos.

— Ouvi dizer que o Ministro Yun gosta de chá. Há alguns dias consegui uma caixa de chá fresco — Sui Tingheng entregou uma caixa de brocado a Yun Wangui. — Espero que o Ministro Yun goste.

— Agradeço pela dádiva, Vossa Alteza Imperial — Yun Wangui aceitou respeitosamente com as duas mãos. — Este súdito vai apreciar muito.

— Fico feliz que goste — Sui Tingheng fez um gesto leve. — Permita-me acompanhá-lo para fora do palácio.

Yun Wangui guardou a caixa de chá na manga. Após várias recusas educadas, teve que aceitar o gesto do príncipe de escoltá-lo até o portão do palácio. Graças ao mérito de sua filha por salvar a imperatriz, teve a grande honra de ser pessoalmente escoltado por Sua Alteza Imperial apenas dois meses depois de retornar à capital. Que dia!

— Sua Alteza Imperial pessoalmente me entregou o édito; deve ser um reconhecimento à lealdade do meu pai à nação — Fuyi girava a taça de vinho na mão enquanto conversava com sua turma de sempre. — Eu, simples filha de ministro, tive a sorte de ganhar méritos ajudando a salvar Sua Majestade durante um perigo. A graça excepcional de Sua Majestade ao me conceder o título de Junjun já é uma grande honra; como eu poderia merecer a visita pessoal de Sua Alteza Imperial?

— Chega disso, hoje é uma festa que vocês organizaram para mim, então tenho que beber algumas taças a mais.

Não importava o motivo, Fuyi não queria que o príncipe se envolvesse demais com ela. Ele era o futuro príncipe herdeiro — e um príncipe perfeito. Treinado desde pequeno nas seis artes do cavalheiro[2], elogiado tanto pelos oficiais civis quanto militares. Ser visto com alguém como ela certamente mancharia sua reputação impecável.

— Isso mesmo, hoje bebemos até cair! — Cao Sanlang bateu a taça na mesa. — Coisas que exigem cérebro não são com a gente.

— Tenho uma notícia interessante, relacionada àquele Lu Tanhua que nos insultou ontem — Lin Xiaowu arregaçou as mangas, o olhar cheio de desprezo ao mencionar o nome. — A família Shun Wang está pensando em aceitá-lo como genro.

— De quem vocês estão falando? — Yang Erlang esfregou as orelhas, achando que tinha ouvido errado na sua embriaguez. — Sui Anying está de olho naquele cara?

— Claro que não! — Uma jovem vestida luxuosamente abriu a porta, foi até Fuyi, arrancou a jarra de vinho da mão dela e deu alguns goles largos antes de limpar a boca com a manga. — Eu não faço ideia de qual cachorro latidor meu pai ouviu, insistindo em fazer dele meu marido.

— O gosto do seu pai é mesmo único — Cao Sanlang entregou um par de hashis para Sui Anying, que os pegou e enfiou a cabeça na comida.

— Há quanto tempo você não come? — Fuyi, chocada com o apetite dela, pegou uma tigela de sopa e entregou. — Beba isso primeiro.

Sui Anying engoliu a sopa de uma vez, emocionada.

— Finalmente me sinto viva de novo. Vocês nem imaginam o que passei nesses últimos dias. Para me fazer aceitar casar com aquele Lu, meu pai me trancou em casa, sem deixar eu sair.

— Agora entendo por que o mordomo ficava dizendo que você estava ocupada quando fomos convidá-la para sair esses dias — Lin Xiaowu pegou alguns pedaços de carne com os hashis e colocou no prato dela. — Como você ficou tão faminta?

— Para protestar contra o casamento, fiz uma greve de fome de cinco dias. Se não fosse isso, aquele tal Lu já teria se tornado meu noivo há três dias — Sui Anying agarrou um pastel da mesa e deu uma mordida cheia de garra. — Todas as mensagens que enviei pedindo ajuda para vocês foram interceptadas pelos guardas da mansão — nenhuma chegou.

Ouvindo seu relato triste, todos largaram as taças e começaram a colocar comida na tigela dela.

— Por sorte, ontem Sua Alteza Imperial descobriu que aquele Lu estava maltratando os camponeses no pomar de damascos e o mandou para a prisão — Sui Anying olhou para Fuyi com gratidão. — Fuyi, você é minha salvadora!

— Sua Alteza Imperial prendeu Lu Tanhua, e você está me agradecendo? — Fuyi afagou a cabeça de Sui Anying com olhar solidário. A garota já não era muito esperta e, depois de passar fome vários dias, devia ter perdido ainda mais capacidade mental.

— Se você não tivesse salvo Sua Majestade, por que Sua Alteza Imperial iria ao pomar de damascos? — Sui Anying deixou que Fuyi bagunçasse seu cabelo. — De qualquer forma, você é minha salvadora.

— Se eu soubesse disso, teria chutado aquele cara mais umas duas vezes depois de empurrá-lo para a vala ontem — Fuyi disse, arrependida. Agora que ele estava preso, não havia chance de chutar de novo.

— Vocês também o chutaram? — Os olhos de Sui Anying brilharam. — Do jeito que eu esperava dos meus amigos!

— Então vamos beber! Temos que comemorar que nossa amiga escapou da desgraça!

— Você disse que seu pai te trancou, então como conseguiu sair da mansão?

— Fugi e escalei o muro. Passa mais uns pastéis aqui!

Na sala privada ao lado, uma criada ouviu a bagunça e sussurrou:

— Wangfei, quer que peça para eles fazerem menos barulho?

— Não precisa — Ning Wangfei balançou a cabeça suavemente. — Não me incomoda. Vidas tão despreocupadas e livres — ela nunca viveu assim, mas já invejou profundamente.

Fuyi.

Ela que olhava preguiçosamente para o mundo lá embaixo, escolhendo não voltar, mas sim cavalgar o vento, sua túnica esvoaçando atrás[3].

Que nome bonito.

Após mais um dia de lazer e diversão, Fuyi se preparava para voltar para casa com o anoitecer se aproximando. Mas ao ver a figura bloqueando o caminho da sua carruagem, ela zombou:

— Sui Ruijing, o que exatamente você quer?

— Fuyi, por que as coisas chegaram a esse ponto entre nós? — Os olhos de Ning Wang estavam escuros como tinta, emoções agitando sob a superfície. — Eu não entendo.

— Não entende? — Fuyi retrucou. — Que curioso — pensei a mesma coisa quando alguém quis exterminar minha família inteira naquela época.

— Não fui eu — Ning Wang olhou para Fuyi, esperando encontrar um brilho de confiança em sua expressão, mas não havia nada.

Ele estremeceu — o vento da noite estava insuportavelmente frio.

A lanterna sob o beiral balançava, projetando sombras que se moviam. — Cuidado! — a expressão de Ning Wang mudou de repente ao estender a mão e puxar Fuyi para o lado.

Uma flecha cortou o ar, rasgando o tecido em seu ombro e cravando-se profundamente na coluna de madeira próxima.

— Aquela flecha tinha como alvo você. Cuidado — … Ning Wang arfou de repente, suas pupilas tremendo enquanto olhava para a mão que apertava a ferida em seu ombro. — Fuyi?!

— Uma jogada de automutilação para ganhar simpatia ou uma peça de “herói salvando a beleza”? — O sangue escorria da mão dela, mas Fuyi não soltou o aperto. Ao contrário, ela fincou os dedos ainda mais fundo na ferida no ombro de Ning Wang. — Sui Ruijing, sua mãe usou exatamente essa tática para conquistar o favor do seu pai. Agora você está tentando o mesmo comigo?

Enquanto o sangue jorrava mais rápido da ferida de Ning Wang, Fuyi riu.

— Da capital até a província de Chongzhou, nossa família Yun foi emboscada dezessete vezes. Você está mesmo dizendo que nenhum daqueles atacantes era da sua facção?

— Eu nunca tive a intenção de te ferir — os lábios de Ning Wang ficaram pálidos de dor, mas ele não resistiu. — Nunca.

— Isso importa? — Fuyi retirou a mão da ferida e lhe deu um chute forte, derrubando-o de joelhos, agonizando.

Calmamente, ela limpou o sangue das mãos com um lenço, olhando para o homem em seu estado desgrenhado.

— Quem se dá ao trabalho de discutir com um cão que feriu ele e sua família? Você acha que eu sou idiota?

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Nota da autora:

Fuyi: “Eu pareço fácil de enganar? Sou uma ociosa, não uma idiota.”


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Nota:

[1] Zhen — título honorífico utilizado para se referir ao imperador no texto, equivalente a "Vossa Majestade" ou "Sua Majestade".

[2] As seis artes do cavalheiro — estudos clássicos que tradicionalmente formam a base da educação para a elite masculina na cultura chinesa, incluindo música, arco e flecha, caligrafia, matemática, equitação e ritual.

[3]: Não consigo encontrar a tradução deste poema na internet, mas o nome Fuyi aparece aqui, traduzido como “minha túnica esvoaçando atrás”.



Capítulo 12 – Reportar o Caso à Autoridade 


Fuyi estendeu a mão para puxar a flecha cravada no pilar de madeira. Estava profundamente alojada, e ela teve que usar toda a força para arrancá-la antes de se dirigir lentamente a Ning Wang.

— Senhorita Yun! — vários guardas armados surgiram de uma esquina, e o líder sacou a espada em direção a Fuyi. — Ferir um membro da família imperial é crime punível com a extinção de todo seu clã!

— Cen Chu? — reconhecendo a pessoa, Fuyi parou. Brincou com a flecha na mão e disse: — Já fazem três anos, e você cresceu.

Cen Chu apertou o cabo da espada, abaixou o olhar e curvou a cabeça.

— Senhorita Yun, você é amiga próxima de Sua Alteza Imperial há muitos anos. Deve haver algum mal-entendido.

Fuyi lançou a flecha para Ning Wang, mas um dos seus guardas a cortou ao meio no ar.

— Impressionante — ela zombou friamente. — A Mansão Ning Wang tem mesmo alguns especialistas.

— Pode não acreditar, mas nunca mandei ninguém atrás de você. — Segurando o ombro, sentindo a dor, Ning Wang levantou-se lentamente. A manga estava manchada de sangue e o suor escorria pelo rosto pálido. — Juro...

— Se juramentos servissem para algo, não existiria traição no mundo — Fuyi interrompeu, com ironia na voz. — Sui Ruijing, eu sei que você está fazendo essa farsa para ganhar minha confiança. Você tem medo da família Yun, tem medo de mim.

Ela conhecia Sui Ruijing desde os cinco anos. Cada centímetro do chão do Palácio Chenque carregava as marcas dos seus passos, e todo ano, algumas romãs das árvores do pátio dele acabavam no seu estômago.

Mas o coração humano não é imune ao fascínio do poder.

— O que você quer que eu faça para acreditar em você?!

— Você sabia que, há três anos, o arqueiro mascarado que me atingiu no peito tinha uma pinta preta acima da testa? — Fuyi pegou a flecha quebrada do chão e montou no cavalo. — Essa pinta é exatamente igual à de um eunuco no palácio da Consorte Nobre Zeng.

A cor sumiu do rosto de Ning Wang.

— E mais uma coisa. — Fuyi acariciou a crina do cavalo, olhando para o jovem de rosto pálido. — Pare de agir como se tivéssemos grande afeição um pelo outro. Você não sabe que um homem casado deve ser fiel à esposa? Fingir emoções profundas só me dá nojo. A senhorita Lu é talentosa e bonita, e ser sua Wangfei já é uma enorme injustiça para ela. Você deveria agradecer.

— Wangye... — Cen Chu observou Fuyi partir, atordoado, e se virou para ver seu senhor tossindo sangue. Apressou-se para ampará-lo. — Vamos levá-lo de volta à mansão e chamar o médico imperial imediatamente.

— Não, mantenha silêncio — Ning Wang limpou o sangue no canto da boca, com os dedos trêmulos. — Ninguém pode saber do meu ferimento.

Dada a posição delicada em que se encontrava, se isso se tornasse público, o imperador teria motivo para interferir nos assuntos da mansão e limpar suas forças.

Olhando para o sangue que ainda escorria do ombro, Ning Wang ficou atordoado por um instante, depois sorriu amargamente. Fuyi o conhecia bem demais — sabia exatamente do que ele tinha medo, e era por isso que o tratava com tanta crueldade.

Mas os acontecimentos não mudariam conforme a vontade de Sui Ruijing. Apesar de ele ter mantido o caso em sigilo, Fuyi montou seu cavalo e foi direto ao portão do Tribunal do Magistrado Metropolitano.

— Socorro! Alguém me ajude!

Os guardas do portão viram a mulher chegando a cavalo, com expressão de pânico, até o enfeite de cabelo estava torto. Eles rapidamente avançaram para ajudá-la a controlar o animal.

— Senhores, por favor, ajudem! Alguém está tentando me matar!

Chocados, os guardas abriram os portões para escondê-la e desembainharam as espadas para proteger a entrada.

O magistrado acabara de se deitar para descansar quando ouviu o relato de que uma jovem havia sido perseguida por assassinos na rua. Assustado, levantou-se às pressas e correu para o salão principal.

Ao entrar, ouviu uma mulher chorando, com a mão direita cobrindo o rosto e segurando dois pedaços de flecha quebrada na esquerda.

O magistrado parou. “Por que essa voz me soa familiar?”

Quando ela finalmente levantou a cabeça, suas pernas quase fraquejaram, e teria caído não fosse pelo apoio de um assistente.

— Q-quem deixou essa encarnação do demônio entrar?!

— Senhor!

O magistrado tremia com o som do clamor angustiado dela.

— Senhor, você precisa fazer justiça por mim! Alguém está tentando me matar! — Fuyi chorava ainda mais, deixando claro que não sairia até o culpado ser preso.

O magistrado mandou trazer chá quente. — Senhorita Yun, você tem certeza do que está dizendo?

— Senhor, como eu iria brincar com uma coisa dessas? — Fuyi entregou a flecha quebrada e tomou alguns goles do chá trazido por um servo. — Ontem, Sua Majestade me concedeu o título de Junjun. Hoje, depois de jantar com algumas amigas e sair do restaurante, fui emboscada. Essa é a flecha que usaram para tentar me ferir.

O magistrado se curvou preocupado. “Assassinar no dia seguinte à concessão do título? Isso é um caso grave!”

— Homens, investiguem imediatamente a área onde a Yun Junjun foi atacada. Não deixem passar nenhum suspeito — o magistrado observava a “medo excessivo” de Fuyi com cautela. — Senhorita Yun, conseguiu ver o agressor?

— Vi uma figura à distância, mas não estava claro. — Fuyi se esforçou para lembrar. — A flecha dele errou o alvo e, quando percebeu que eu tinha visto o esconderijo, fugiu. Mas a fuga foi estranha, parecia que o pé esquerdo dele não funcionava direito.

— E a altura e o porte?

— Ele não era muito alto e era magro. — Fuyi entregou a xícara vazia ao magistrado. — Poderia me trazer mais chá, senhor?

O magistrado serviu mais chá. — É um assunto sério, Lady Junjun. Por favor, não saia do Tribunal por enquanto. Vou mandar alguém avisar sua família imediatamente.

— Obrigada, senhor — Fuyi agradeceu. — É sorte ter um oficial justo e íntegro como você no comando do tribunal metropolitano. Se não, eu não saberia onde me esconder diante de tanto perigo.

— Você me elogia demais, Lady Junjun — o magistrado tossiu levemente, acariciando a barba para parecer calmo e digno. Apesar do constrangimento por receber um elogio tão sincero, o fato de até uma conhecida ociosa como a senhorita Yun considerá-lo justo e confiável mostrava que sua reputação entre o povo era boa!

— Pode ter certeza, nosso Tribunal vai prender esse vilão! — O magistrado sentiu um ímpeto de energia subir, o sangue fervendo. “Este caso eu vou resolver! O agressor tem que ser punido!”

Menos de uma hora depois, Yun Zhaobai chegou ao portão do Escritório do Magistrado, tendo corrido para lá assim que foi informado. Vendo vários servos armados com bastões de madeira seguindo os oficiais da justiça, ele perguntou rapidamente:

— Com licença, meu nome é Yun Zhaobai. Posso saber para onde vocês estão indo?

— O magistrado enviou pessoas para capturar o agressor. Ele teme que não haja mãos suficientes, então estamos indo ajudar — respondeu um dos servos solenemente, arregaçando as mangas. — Pode ficar tranquilo, Jovem Mestre Yun. Nosso magistrado é justo e destemido; não deixará o canalha que ousou ferir a senhorita Yun escapar.

Yun Zhaobai apressou-se a entrar no pátio interno atrás do salão principal do escritório e viu Fuyi sentada à mesa de pedra, com alguns refrescos à sua frente. O magistrado animadamente contava os casos bizarros que havia resolvido ao longo dos anos.

Ao ver essa cena, a ansiedade e preocupação de Yun Zhaobai desapareceram na hora.

— Tio, você é incrível! Até criminosos tão astutos não conseguem escapar de você. Seu trabalho duro deve ter beneficiado muita gente.

— Ah, não é nada. Estudar e se tornar um oficial é para proteger o povo.

— Seu único defeito, tio, é ser humilde demais. Se todos os oficiais do país fossem como você, que mundo maravilhoso seria.

— Sobrinha, você me elogia demais, demais.

Yun Zhaobai: “...”

— Ah, meu querido sobrinho chegou, venha, venha, sente-se.

Vendo o magistrado tão entusiasmado, Yun Zhaobai lembrou que, três dias atrás, o mesmo homem o chamara educadamente de “Jovem Mestre Yun”.

Num piscar de olhos, ele já tinha virado “querido sobrinho”.

A bajulação realmente é uma espada afiada que pode destruir a determinação de alguém!

Na Mansão Ning Wang.

— Wangye, notícias terríveis! — Um criado ajoelhou-se ao lado da cama de Ning Wang. — Wang San foi preso.

Ning Wang, febril por causa da ferida, abriu os olhos e sentou-se, o rosto sem expressão.

— Como foi capturado?

— Depois que se separou de Yun Fuyi na noite passada, ela não voltou para casa, mas foi direto ao Escritório do Magistrado. Com o relato dela, os oficiais fizeram uma busca durante a noite e, antes do amanhecer, Wang San foi encontrado — o criado estava furioso. — Yun Fuyi claramente quer nos prejudicar! Wangye, essa mulher não pode ser poupada.

Numa situação dessas, sempre é olho por olho. Quem, afinal, iria denunciar honestamente às autoridades?!

Ela deve estar louca!

O quarto estava escuro, sem uma única vela acesa.

— Saiam! — Ning Wang apertou a ferida latejante.

Do lado de fora da porta, a voz de um eunuco soou:

— Wangye, Sua Alteza Imperial, o Príncipe, enviou um mensageiro para convidá-lo ao Escritório do Magistrado Metropolitano.

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Nota do Autor:

Fuyi: “Quando estiver em apuros, vá às autoridades. Onde eu errei?”


Capítulo 13 Parte 1 – Um Cavalheiro de Virtude (I)

O fato de o assassino que atacou Yun Fuyi ser um eunuco tornava o caso ainda mais complicado, e a situação logo foi relatada ao Tribunal de Revisão Judicial, ao Ministério da Justiça e ao Palácio Imperial.

Fazia apenas alguns dias desde que Yun Fuyi havia conquistado o mérito de salvar a Imperatriz e recebido o título de Junjun, e agora alguém tentava matá-la. Não apenas o magistrado, mas até mesmo os enviados do Tribunal de Revisão Judicial e do Ministério da Justiça suspeitavam que os dois incidentes estavam relacionados.

Os oficiais dos dois órgãos haviam acabado de chegar ao Escritório do Magistrado da Capital e nem sequer haviam tomado um gole de chá quando um oficial irrompeu para anunciar a chegada de Sua Alteza Imperial.

Quando Yun Zhaobai se levantou para prestar reverência, lançou um rápido olhar para sua irmã mais nova, que piscou de volta com uma expressão inocente.

Antes que os oficiais pudessem correr até a entrada, Sua Alteza Imperial já havia entrado no salão principal.

— Seus humildes súditos saúdam Vossa Alteza Imperial.

— Não precisam de formalidades, senhores — disse Sui Tingheng, passando por eles a passos largos e se dirigindo aos irmãos Yun. — A senhorita Yun está ferida?

— Agradeço a preocupação de Vossa Alteza Imperial, esta filha súdita está ilesa — respondeu Fuyi, fazendo uma reverência.

— Fico feliz que esteja a salvo — disse Sui Tingheng com a voz profunda e serena, parando a três passos de distância, mantendo uma distância respeitosa. — Sentem-se, todos.

— Vossa Alteza Imperial! — Mo Wen entrou apressado, carregando um manto nas mãos. — Os dias de primavera ainda são frios. Vossa Alteza se recuperou da enfermidade há poucos dias, não deve resfriar-se novamente.

Foi só então que Fuyi notou que o Príncipe vestia uma túnica casual azul-clara, com uma mancha de tinta do tamanho de um grão de soja na extremidade da manga direita. A cintura estava desprovida dos habituais pingentes de jade e sachês perfumados.

Claramente saiu às pressas, sem sequer trocar de roupa.

— Isso não é necessário — Sui Tingheng levantou a mão, sinalizando para que Mo Wen recuasse, e voltou-se para o magistrado. — Senhor, pode me contar mais sobre este caso.

— Imediatamente, Vossa Alteza Imperial. Por favor, sente-se, e este humilde súdito explicará tudo em detalhes. — Ao fazer uma reverência cortês, o magistrado pensava consigo mesmo: Com minha querida sobrinha presente, por que Sua Alteza viria me perguntar? Será que ouviu falar da má reputação dela e quer manter distância?

Sentiu então um ímpeto de defender Fuyi. Embora sua sobrinha fosse travessa e frequentemente mal compreendida por isso, era perspicaz e sincera de verdade. Não havia nada de errado com ela!

Com isso em mente, o magistrado não apenas apresentou o caso em detalhes, mas também entremeou sua explicação com elogios a Fuyi, esforçando-se ao máximo para desfazer qualquer preconceito que o Príncipe pudesse ter contra ela.

Quando o magistrado mencionou como Fuyi fugiu apavorada até o Escritório do Magistrado, buscando ajuda em prantos, as pálpebras de Sui Tingheng estremeceram. Ele voltou-se para Fuyi:

— A senhorita Yun deve ter se assustado muito.

Fuyi forçou um sorriso constrangido, sem saber como responder. Os eventos da noite passada a fizeram parecer tão frágil assim?

— Senhorita Yun, depois que saiu do restaurante, encontrou mais alguém? — O olhar de Sui Tingheng passou pela xícara de chá nas mãos dela. — O chá da senhorita Yun esfriou. Tragam-lhe uma xícara nova — ordenou a Mo Wen.

— Não há necessidade de incomodar-se, Vossa Alteza Imperial — Fuyi ergueu a xícara e tomou um gole. — Esta filha súdita não é exigente com chá.

Ao dizer isso, percebeu que o Príncipe lhe lançou um olhar penetrante. Fuyi franziu o cenho e olhou para sua xícara. Há algo errado com ela?

— Seu chá, Junjun — Mo Wen colocou uma xícara fumegante ao lado de Fuyi, recolheu a fria e curvou-se antes de se retirar.

Os outros oficiais, ao verem suas próprias xícaras também sendo substituídas por chá quente por outros eunucos, sentiram-se profundamente tocados. A consideração de Sua Alteza Imperial era realmente admirável! Se não fosse pelo momento inadequado, teriam expressado sua sincera gratidão!

— Bem, para dizer a verdade, havia outra pessoa comigo durante o ataque — confessou Fuyi, tomando um pequeno gole do chá. Esse sabor… é chá calmante para os nervos?

— Quem era?

— Foi Ning Wang, Vossa Alteza Imperial — Fuyi olhou para o homem de túnica cinza amarrado no chão. — Se não fosse pela ajuda de Ning Wangye, a flecha teria me atingido.

Clanc.

O som da tampa raspando na borda da xícara ecoou, e algumas gotas de chá quente espirraram, escaldando a mão de Sui Tingheng ao pingarem na mesa de madeira.

— Este servo vil merece punição. Esqueci que o chá estava fervendo — Mo Wen apressou-se a se desculpar ao ver a mão do Príncipe avermelhada pela queimadura.

— Não é nada — Sui Tingheng pousou a xícara suavemente, enxugando a mão com um lenço. Seus olhos pararam brevemente na mancha de tinta na manga. — Traga o manto.

— Chamem o Tio Imperial — disse Sui Tingheng ao prender o manto. De repente, pareceu lembrar-se de algo e chamou o mensageiro, que estava prestes a sair. Voltando-se para Fuyi, perguntou:

— Senhorita Yun, tem alguma objeção?

— Nenhuma, Vossa Alteza Imperial — Fuyi balançou a cabeça. — Com a ajuda de Ning Wangye, o caso pode ser resolvido mais rapidamente.

Claro que isso fazia parte do plano de Fuyi. Como ela conseguiria fazer o caso explodir na corte inteira se Sui Ruijing não fosse chamado? Nos últimos dois anos, ele vinha mantendo um perfil discreto e conquistando boa reputação, mas ela queria ajudá-lo a recuperar a mesma atenção que recebia três anos atrás, com toda a capital de olho em seus movimentos e feitos. Se o Imperador e a Imperatriz soubessem de suas ações, ela acreditava que a elogiariam por ser tão prestativa.

Sui Tingheng baixou as pálpebras e não disse mais nada, apenas ergueu a mão para autorizar o mensageiro a ir até o Palácio de Ning Wang.

Vendo que o Príncipe havia silenciado, os oficiais começaram a pensar rapidamente e ofereceram suas opiniões sobre o caso, tentando demonstrar suas habilidades. Infelizmente, o humor de Sua Alteza Imperial parecia obscurecido pela ousadia da tentativa de assassinato, e ele não demonstrava nem um traço de sorriso.

— Ning Wang chegou.

Com o anúncio, todos se levantaram novamente. Agora que o caso envolvia um eunuco e Ning Wang, já não era mais uma questão simples que pudessem resolver por conta própria.

— Lamentamos profundamente incomodar Vossa Alteza logo de manhã, Tio Imperial — disse Sui Tingheng, oferecendo uma saudação respeitosa como júnior. — No entanto, a situação é urgente. Antes de sair de sua residência, Vossa Alteza explicou a situação claramente à Tia Imperial? Devo enviar alguém para lhe dar mais explicações?

Ao ouvir “tia”, Ning Wang lançou um olhar instintivo a Fuyi, mas ela estava de pé atrás de Yun Zhaobai, com a cabeça baixa, o rosto oculto dele.

— Não há necessidade — Ning Wang desviou o olhar, sorrindo gentilmente. — Sua Tia Imperial é sempre gentil e atenciosa; nunca me causa dificuldades.

— Tio Imperial e a Tia Imperial realmente compartilham um laço profundo — comentou Sui Tingheng, fazendo um gesto com a mão. — Por favor, sente-se.

— Primeiro você, sobrinho.

O tio e o sobrinho sentaram-se juntos, mas quando Sui Tingheng se moveu, esbarrou acidentalmente no ombro ferido de Ning Wang, que suou frio de dor.

— Tio Imperial, está ferido? — A expressão de Sui Tingheng escureceu imediatamente. Ele olhou para o homem de túnica cinza amarrado no chão. — Tio Imperial, este homem atacou uma Junjun designada pela corte e feriu um Qinwang. Que punição acredita ser apropriada?

Ning Wang apertou o ombro, de onde a dor irradiava após o esbarrão não intencional de Sui Tingheng. Esse cara é feito de ferro ou o quê?! Quis fazer uma careta, mas esforçou-se ao máximo para manter a compostura. Após inspirar fundo, mal conseguiu se recompor.

— Este é o homem que atacou a senhorita Yun?

— Wangye não o reconhece?! — Fuyi arregalou os olhos, surpresa. — Talvez devesse olhar mais de perto para refrescar a memória.

— O que quer dizer com isso, senhorita Yun? — Ning Wang olhou para Fuyi e notou o leve curvar de seus lábios. Conhecia bem aquela expressão — era a mesma que ela costumava fazer no passado sempre que planejava arruinar alguém.

Capítulo 13 Parte 2 – Um Cavalheiro de Virtude (II)

— O que quer dizer com isso, senhorita Yun? — Ning Wang olhou para Fuyi e percebeu o leve curvar de seus lábios. Conhecia bem aquela expressão — era a mesma de quando ela estava prestes a ferrar alguém no passado.

— Esta filha súdita não quer dizer nada com isso, Ning Wangye. Por favor, não leve a mal — Fuyi esfregou o queixo. — Desde que o oficial mencionou que o agressor era um eunuco, venho tentando lembrar onde o vi. Graças à presença de Ning Wangye, finalmente me lembrei.

Com suas palavras, vários oficiais se recordaram de como Ning Wang e Yun Fuyi já haviam sido muito próximos, e que até houvera rumores sobre ela se tornar sua esposa.

— Mesmo que Ning Wangye tenha se esquecido, felizmente, esta filha súdita lembra. Na época, havia um eunuco no Palácio Xiangkun com uma pinta na testa, e este homem era seu aprendiz. — Fuyi caminhou até o homem de túnica cinza e se agachou para examinar seu rosto de perto. — Você cometeu um erro naquela época, e eu supliquei por você. Por que agora quer me matar?

— Mmm! Mmm! — O homem de túnica cinza ficou atônito por um momento, depois olhou na direção de Ning Wang. Mas, com a boca cheia de tecido, não conseguia dizer uma palavra.

A expressão de Ning Wang permaneceu impassível.

— Este Wang não se lembra deste homem. No entanto, atentar contra um membro da família imperial é um crime grave. Se ele for o culpado, ele e toda a sua família devem ser executados.

Os rostos dos oficiais demonstraram expressões mistas. O Palácio Xiangkun fora a residência da falecida Nobre Consorte Zeng, mãe biológica de Ning Wang. Como podia ser que a senhorita Yun reconhecesse o homem, mas Ning Wang não se lembrasse dele?

Poucos dias antes, Sua Majestade havia sido alvo de uma tentativa de assassinato, e o mandante era um velho eunuco do palácio. Agora, o homem que tentara matar a senhorita Yun também era um ex-eunuco do Palácio Xiangkun. Seria possível uma coincidência dessas?

— O que mais tem a dizer? — Fuyi retirou o pano da boca do homem de túnica cinza.

— Foi mesmo você quem intercedeu por mim naquela época? — O homem ainda se lembrava vividamente do incidente, ocorrido quando ele acabara de entrar no palácio. Havia quebrado um incensário por acidente e fora punido pelo eunuco chefe a ajoelhar-se na neve. A neve caía forte naquele dia, e o vento castigava todo o seu corpo. Quando achou que morreria, alguém o puxou e lhe envolveu com um manto grosso.

Depois, foi enviado ao Palácio Xiangkun, onde foi adotado como filho por um eunuco sênior que servia diretamente à Nobre Consorte Zeng. Só então soube que quem havia intercedido por ele fora o filho da consorte nobre.

Seguiu seu padrinho com dedicação, determinado a retribuir a bondade de Sua Alteza. Passou a odiar o imperador atual, que tomara o trono de seu verdadeiro dono, e odiava Yun Fuyi ainda mais por ter partido o coração de Sua Alteza. E agora, a pessoa que tanto desprezava dizia ter sido sua salvadora.

— Oh? — Fuyi ergueu uma sobrancelha. — Minha reputação não é das melhores, mas nunca reivindico méritos alheios. Se não tivesse visto você naquele dia na neve, como teria notado mais tarde que se tornara aprendiz de outro eunuco?

Wang San olhou para Fuyi, chocado. Depois de uma longa pausa, finalmente disse:

— Senhorita Yun, este servo cometeu um erro terrível.

Todos os anos de gratidão e devoção agora pareciam uma piada. Tentou fazer uma reverência de desculpas, mas não conseguiu se mover por estar amarrado.

— Por favor, permita que eu retribua sua bondade na próxima vida.

— Não precisa esperar a próxima vida. Pode me retribuir agora mesmo — Fuyi segurou o queixo de Wang San, impedindo-o de morder a língua. — Diga-nos: quem lhe deu a ordem e por que tentou me matar?

— Foi um erro meu. Este servo, tolo, acreditou em boatos e entendeu tudo errado sobre você, senhorita Yun — Wang San confessou sem hesitar.

— E quem eram essas pessoas que espalharam boatos para você? — Sui Tingheng levantou-se e caminhou até o lado de Fuyi, com expressão sombria.

— Eram… alguns conhecidos antigos do Palácio Xiangkun — respondeu Wang San com sinceridade. — Depois que a Nobre Consorte Zeng faleceu, este servo foi transferido para o Tribunal de Armamentos Imperiais, mas ainda mantinha contato com outros eunucos que serviram no Palácio Xiangkun.

Ele sempre considerara Ning Wang seu benfeitor. Ultimamente, ouvia com frequência seus antigos colegas se queixarem de Yun Fuyi, dizendo como ela fora cruel com Sua Alteza e o magoara profundamente.

Ontem, estava de folga e saiu para beber com um eunuco da Mansão Ning Wang. Ao ver que Yun Fuyi jantava no mesmo restaurante, quis lhe dar uma lição.

Por sorte, Wangye apareceu a tempo, impedindo que ele ferisse justamente a benfeitora que desejava proteger.

Após ouvir o relato de Wang San, o magistrado perguntou, curioso:

— Se só saiu para beber com um amigo, de onde tirou o arco e as flechas?

— Peguei em uma residência particular minha. Foi uma herança deixada por meu padrinho antes de falecer — como se rompesse uma represa, Wang San confessou tudo, revelando não apenas o endereço da residência, como também a identidade dos antigos colegas com quem ainda mantinha contato.

— Mo Wen, envie ordem aos Guardas Jinwu para prender todos esses indivíduos e conduzir uma investigação completa — ordenou Sui Tingheng, antes de se voltar para Ning Wang. — Tio Imperial, todos esses serviram à Nobre Consorte Zeng. O senhor se opõe?

— De modo algum — Ning Wang sorriu. — Este Wang compartilha da mesma opinião. Devemos capturar imediatamente esses criados desrespeitosos e traiçoeiros.

— Este sobrinho se alegra por não se opor, Tio Imperial — Sui Tingheng assentiu. — Garantirei que os Guardas Jinwu inspecionem a Mansão Ning Wang com rigor. Não podemos permitir que indivíduos mal-intencionados permaneçam ocultos e ponham sua segurança em risco.

— Vossa Alteza é realmente atencioso. Deve se importar muito com Ning Wangye — comentou Fuyi, sorrindo como o sol da manhã ao fazer uma reverência. — Não é de se admirar que todos o tenham em tão alta consideração.

O olhar de Sui Tingheng suavizou-se.

— Senhorita Yun, está me lisonjeando.

Os oficiais: “…”

De fato… é muito “atencioso” da parte de Sua Alteza aproveitar a ocasião para vasculhar até o último canto da Mansão Ning Wang.

Fuyi endireitou a postura e virou-se para encarar Ning Wang. Inclinou levemente a cabeça, seu sorriso ainda mais radiante.

*“Não é tarde para que um cavalheiro se vingue em dez anos — mas eu, Yun Fuyi, não sou um cavalheiro. Minha vingança é rápida e impiedosa.”*¹

— Vossa Alteza, embora este homem tenha tentado me assassinar, demonstrou arrependimento. Poderia poupar sua vida e permitir que colabore com os Guardas Jinwu na captura dos demais?

— Sendo um pedido da senhorita Yun, vamos dar-lhe uma chance de redimir seus crimes — disse Sui Tingheng, sinalizando para que os Guardas Jinwu levassem Wang San. — A senhorita Yun passou por um grande susto e passou a noite em claro. Permita-me acompanhá-la de volta para descansar.

Yun Zhaobai: “…”

Com licença, Vossa Alteza, mas eu, o irmão dela, ainda estou bem aqui.

— E o Jovem Mestre Yun também, vamos juntos — Sui Tingheng assentiu levemente para Yun Zhaobai antes de se dirigir aos oficiais. — Agradeço a todos os senhores pelos esforços neste caso.

— Servir a corte e ao povo é nossa maior honra, Vossa Alteza! — responderam os oficiais, observando o Príncipe partir com os irmãos Yun. Não puderam deixar de se admirar mais uma vez — que príncipe benevolente, tratando com tanto cuidado a salvadora de sua mãe. De fato, um verdadeiro cavalheiro de virtude!


¹ “Não é tarde para que um cavalheiro se vingue em dez anos” (君子报仇十年不晚): expressão idiomática semelhante ao ditado “a vingança é um prato que se come frio”.



Capítulo 14 Parte 1 – De Partir o Coração, Verdadeiramente de Partir o Coração (I) Na Dinastia Long, os príncipes não possuíam cargos nem títulos específicos, mas eram tratados com os mesmos privilégios de um qinwang. Contudo, o atual imperador só tinha esse único filho, a quem prezava profundamente. Após subir ao trono, emitiu um decreto especial permitindo que seu filho desfrutasse do tratamento reservado a um príncipe herdeiro. No entanto, ao entrar na carruagem de Sui Tingheng, Fuyi notou que ela seguia estritamente as especificações de um veículo de qinwang. Não havia motivos de dragão dourado — exclusivos do príncipe herdeiro ou do imperador — e era até menos luxuosa do que a carruagem de Ning Wang, conforme ela se recordava. Enquanto ouvia a conversa entre o Príncipe e seu irmão mais velho, Fuyi se recostou na lateral da carruagem e fechou os olhos para descansar. Quando o veículo passou por uma rua movimentada, o aroma de comida chegou até ela. — Os habitantes de Chongzhou falam mandarim? — perguntou Sui Tingheng. — Respondendo a Vossa Alteza Imperial, Chongzhou é uma província remota, com muitas montanhas altas e estradas longas. Os moradores não apenas não falam mandarim, como até mesmo vilarejos distantes apenas algumas dezenas de li têm sotaques distintos — explicou Yun Zhaobai educadamente, unindo as mãos. — Felizmente, o povo local é leal ao imperador e patriótico. Depois que nosso pai assumiu o cargo em Chongzhou, fomos recebidos com muita cordialidade, e aos poucos, criamos bons laços com os habitantes. — Foram também os locais que encontraram e salvaram minha irmã, que estava gravemente ferida. Devido ao terreno traiçoeiro e à barreira linguística, só recebemos notícias dela um ano e meio depois — ao relembrar aquele período, Yun Zhaobai não pôde evitar olhar várias vezes para Fuyi, só se sentindo aliviado por vê-la ali, diante de si. Sui Tingheng também a olhou. — A senhorita Yun... sofreu muito durante esse tempo? Fuyi abriu os olhos, percebendo que tanto o Príncipe quanto seu irmão a encaravam. Endireitou-se para parecer mais composta. — Na verdade, não foi tão difícil assim. Esta filha súdita permaneceu naquela aldeia remota e, após alguns meses, conseguiu compreender minimamente a língua local. Contudo, os aldeões nunca haviam saído das montanhas e não sabiam o caminho até a capital provincial. Além disso, eu estava ferida na perna e não podia fazer a longa jornada... Antes de completar quinze anos, Yun Fuyi era destemida. Só após cair de um penhasco foi que aprendeu, de fato, a ter cautela. A única estrada que saía da vila se agarrava à encosta do penhasco, estreita a ponto de só permitir a passagem de uma pessoa por vez. Ela reuniu coragem para escalá-la diversas vezes, mas, em todas, os aldeões tiveram de resgatá-la, tremendo, enquanto a xingavam e a levavam de volta. Até hoje, só de pensar naquela estrada, suas pernas ficavam bambas. — Os aldeões tinham a língua afiada, eram realmente bons em xingar. Eu não ousava retrucar — Fuyi, uma jovem criada com todos os mimos da capital, jamais havia experimentado algo como as brigas verbais da aldeia, que podiam durar do amanhecer ao anoitecer. Depois de uma soneca, eles voltavam a gritar montanha acima enquanto cultivavam. Comparado às habilidades dos aldeões em praguejar, seus métodos de lidar com canalhas como Li Erlang simplesmente não valiam nada. — E como reencontrou sua família depois? Fuyi ergueu os olhos e encontrou o olhar do Príncipe, que inclinou ligeiramente a cabeça, desviando os olhos. Ela riu por dentro. Afinal, até mesmo o aluno modelo de Sua Alteza tinha seus momentos de curiosidade! — Ninguém conseguia deixar as montanhas, nem mesmo enviar uma carta era possível. Por isso, esta filha súdita pretendia se recuperar completamente antes de pensar numa solução. Mas no verão seguinte, vieram chuvas pesadas constantes. As colheitas apodreceram nos campos antes de serem recolhidas, e inundações repentinas destruíram muitas casas — Fuyi sorriu, depois suspirou. — Eu não podia simplesmente vê-los morrer de fome — havia tantas crianças na aldeia... Em regiões tão remotas, onde o povo das montanhas nem mesmo constava nos registros oficiais do censo, um desastre natural talvez nem fosse notado pelas autoridades locais. E mesmo que fosse, não havia garantias de que agiriam. — Apesar de meu pai ter sido rebaixado, ele ainda era o Inspetor Regional de Chongzhou, o que lhe conferia algum prestígio. Esta filha súdita acreditava que seu nome ainda possuía peso. — Fuyi não se lembrava de como havia conseguido acompanhar os aldeões, se arrastando pela trilha traiçoeira da montanha, tampouco sabia quanto tempo a escalada levara. Só recordava o vento forte levando as lágrimas de seus olhos. — Éramos cinco, nenhum sabia o caminho, então precisávamos perguntar conforme avançávamos. Num momento, todos reclamavam de cansaço; no seguinte, uma matilha de cães selvagens nos perseguiu, e de repente estávamos todos correndo por nossas vidas. Felizmente, o tempo que ela havia passado correndo atrás de galinhas e patos na vila servira de algo, e ela conseguiu correr mais que os cães. Ao lembrar-se de si mesma, desesperada, correndo e gritando pela própria vida, Fuyi caiu na risada. — Se não fossem aqueles cães selvagens, eu nunca teria descoberto que podia correr tão rápido. Fuyi notou de repente que seu irmão e o Príncipe haviam ficado em silêncio. Esfregou o rosto, dolorido de tanto rir. — Foi realmente um pouco difícil naquela época, mas tivemos sorte e, eventualmente, encontramos a estrada para a cidade. O nome de meu pai, felizmente, teve utilidade — não apenas os oficiais locais cederam novas terras aos aldeões, como também ajudaram na reconstrução das casas. Depois disso, os moradores não precisaram mais escalar penhascos para ir à cidade, nem arriscar a vida durante desastres naturais. Yun Zhaobai olhou para a irmã, leve e sorridente, mas sentia o coração pesado e apertado. Abriu a boca para falar, mas sua garganta estava tão embargada que não conseguiu emitir uma só palavra. — Mais cedo, Vossa Alteza perguntou se eu sofri. O que esta filha súdita quer mesmo dizer é que os aldeões viveram nas montanhas por gerações, sem jamais ver o mundo lá fora. Esta filha súdita nasceu em meio à riqueza e privilégios, então não chamaria minhas experiências de sofrimento — Fuyi virou-se para Sui Tingheng. — Sua Majestade e Vossa Alteza Imperial certamente tornarão a vida deles melhor, não é? Yun Zhaobai não esperava que a irmã falasse com tamanha ousadia. Levantou-se rapidamente e se curvou diante de Sui Tingheng. — Perdoe as palavras impulsivas de minha irmã, Vossa Alteza. É culpa deste súdito por não tê-la disciplinado devidamente. — Não se preocupe, Jovem Mestre Yun. A senhorita Yun não está errada — disse Sui Tingheng, impedindo Yun Zhaobai de se ajoelhar. Depois, voltou-se para Fuyi. — Um governante deve sempre priorizar o bem-estar do povo. Compartilho de seus sentimentos. Ele não fez grandes declarações, tampouco discursos longos, mas Fuyi viu sinceridade e solenidade nos olhos de Sui Tingheng. Pela primeira vez, ela o observou de verdade. Desde seu retorno à capital, ouvira muitos elogios sobre ele, mas para ela, eram apenas palavras vazias, distantes demais para tocarem seu coração. Foi nesse momento que ele finalmente se tornou real para ela — um príncipe compassivo e humano, em vez de uma figura perfeita e distante, como uma estátua num pedestal.


Capítulo 14 Parte 2 – De Partir o Coração, Verdadeiramente de Partir o Coração (II)

— Esta humilde súdita saúda Vossa Alteza Imperial. Que tenha paz e saúde.

Gordo Liu, junto com Wang Yanhe e os outros, havia avistado a carruagem do Príncipe de longe. Cuidadosamente ajeitaram suas vestes, preparando-se para causar uma boa impressão. Quando a carruagem finalmente se aproximou, correram para saudá-la.

— Que surpresa ver você por aqui, Gordo Liu.

Para sua surpresa, quando a cortina da janela da carruagem foi levantada, revelou um rosto que eles definitivamente não queriam ver.

— Yun Fuyi? Por que é você?! — Gordo Liu encarou horrorizado a pessoa que se inclinava para fora da janela. Por que Yun Fuyi está na carruagem do Príncipe?!

— Meu querido irmãozinho, é assim que você cumprimenta sua irmã mais velha? Sem reverência, sem palavras educadas? — Fuyi sorriu e inclinou a cabeça. — Faz só alguns dias que nos vimos e você já esqueceu todas as boas maneiras?

Atrás de Gordo Liu, seus comparsas Wang Yanhe e Chen Yuanzhi deram dois passos para trás imediatamente, e até o grande cachorro preto que seguravam encolheu o rabo entre as pernas, tentando desesperadamente se esconder.

—V-você não me assusta! Hoje eu trouxe um monte de gente, eu... — Gordo Liu lançou um olhar para trás, apenas para ver que todos os seus bons companheiros haviam se afastado uns bons dez metros. Quando os encarou, todos evitaram contato visual, com a cabeça abaixada.

Essa traição atingiu o coração de Gordo Liu com mais força que a tempestade de inverno. Cerrando os dentes, ele virou-se lentamente de volta, tentando manter uma aparência de bravura enquanto encarava o olhar provocador de Fuyi.

— V-você tem tanta audácia a ponto de ocupar a carruagem do Príncipe?

Fuyi: "..."

Deixe que ela diga mais uma vez: "Sou uma desocupada, não uma tola!"

— Não, espere um minuto — continuou Gordo Liu —, não disseram que você fez muitos inimigos, e que alguém contratou assassinos durante a noite para te matar? Disseram que você correu para o Escritório do Magistrado e ficou escondida lá, com medo demais para sair.

Mas ela parece totalmente normal?

— Você realmente acredita nesses rumores? — Fuyi revirou os olhos. — Se quiser ver algo interessante, devia ir direto para a Mansão do Príncipe Ning.

Algo grande estava acontecendo no território de Sui Ruijing, é claro que ela tinha que divulgar!

Do interior da carruagem, ouviu-se uma leve tosse. Mo Wen, que estava discretamente de pé nas proximidades, deu um passo à frente e se dirigiu a Gordo Liu:

— Com licença, Liu Shizi, Yun Junjun ficou assustada e precisa descansar. Sua Alteza Imperial está no momento escoltando-a de volta para casa. Se desejar conversar, por favor, escolha outro momento.

O quê?! O Príncipe também está na carruagem?!

Gordo Liu assentiu, atônito, e só depois que a carruagem se afastou é que voltou a si, batendo na própria coxa com força ao perceber:

— Isso é péssimo! Ela já está agarrada na coxa de Sua Alteza Imperial!

— Você não ouviu falar que Yun Fuyi ganhou mérito ao salvar Sua Majestade? Como assim você não sabia? — Wang Yanhe cutucou Gordo Liu com o cotovelo. — Ouve aqui, Liu Shizi, aceita meu conselho: pare de tentar enfrentar Yun Fuyi. — Ele falou seriamente, com um olhar que dizia o que as palavras não disseram: "Todos esses anos, você já venceu dela alguma vez?"

— Não fica exaltando o moral do inimigo enquanto esmaga o meu — Gordo Liu cerrou os punhos. — Um dia, um dia, vou recuperar cada humilhação que sofri!

Wang Yanhe: "..."

Você realmente tem ambição, mas... não era isso que você dizia há três anos?

Três anos se passaram, e depois mais três... você é teimoso mesmo.

Depois de sua declaração solene, Gordo Liu virou-se e começou a correr na direção da Mansão do Príncipe Ning:

— Esquece, vamos logo ver o que está acontecendo por lá primeiro!

...

A carruagem parou na entrada da Mansão Yun. Fuyi desceu da carruagem enquanto a cortina atrás dela era baixada.

— Senhorita Yun.

Fuyi parou e olhou para trás, na direção da carruagem. Como a cortina estava abaixada, ela não conseguia ver o rosto do Príncipe.

— Cuide-se até nos encontrarmos novamente.

— Agradeço a Vossa Alteza Imperial por escoltar estes irmãos até em casa. Desejo uma viagem segura — disse Fuyi, fazendo uma reverência impecável. Quando ergueu o olhar novamente, a carruagem já se afastava lentamente, a silhueta do príncipe ainda ereta no interior.

— Que sono... — murmurou, apoiando-se em Xiayu, que a esperava no portão. — Não me acorde para o almoço. Vou dormir.

...

Não muito depois que Fuyi acordou de sua soneca após o almoço, as recompensas do palácio chegaram. O Imperador havia lhe presenteado com uma peça de sua caligrafia pessoal, mas comparado ao ouro, prata, jade e ervas medicinais que a imperatriz enviara, o presente do imperador parecia bem modesto.

— A caligrafia de Sua Majestade é tão... — Fuyi encarou o pergaminho por quase o tempo de queimar meio bastão de incenso, até finalmente encontrar a imagem adequada: — É como um redemoinho no verão e folhas caindo no inverno... cheio de liberdade majestosa e ousadia.

Yun Wanggui, que havia voltado às pressas do Ministério da Receita, entendeu perfeitamente o que sua filha realmente queria dizer e pigarreou:

— Sua Majestade perdeu a mãe ao nascer. O imperador anterior, influenciado por ministros perversos, acreditava que ele trazia má sorte para os pais e o manteve fora do palácio. Como resultado, Sua Majestade não teve muita educação na infância.

— Sua Majestade gosta de presentear seus cortesãos com caligrafias durante feriados e festivais. Parece ter bastante confiança em sua pena — acrescentou Yun Zhaobai. — Na verdade, quem não tem ao menos algumas peças da escrita pessoal de Sua Majestade em casa mal pode se considerar um cortesão valorizado.

— Hmm... — Fuyi coçou o queixo, pensativa. — Não seria possível que Sua Majestade seja apenas... econômico?

Havia uma palavra mais comumente usada para "econômico": mesquinho.

...

— Tudo isso foi enviado para a garota da família Yun? — O imperador estava sentado de pernas cruzadas na cama da imperatriz, tremendo ao segurar a lista de presentes nas mãos. — Tudo isso?

— Sim — disse a imperatriz, retirando os grampos do cabelo e entregando um pente de jade ao imperador. — Vamos, vamos, largue a lista e me ajude a soltar os cabelos.

Pegando o pente, o imperador começou a escovar os cabelos da esposa amada.

— O Ministro Yun sempre foi leal a mim, e Yun Fuyi conquistou mérito ao salvar sua vida. O ataque de ontem nos deu um pretexto para limpar a corte dos aliados do imperador anterior e da família Zeng. Dar a ela algumas joias é mais do que apropriado, mais do que apropriado... — Ele continuou resmungando, como se quisesse se convencer. — Mas aquele leque de tela de jade... Heng'er gostava tanto dele. Como pôde ter dado aquilo?

— É mesmo? — A imperatriz se sentou, intrigada. — Mas quando ele voltou ao palácio e viu a lista de presentes que preparei, não só não disse nada como ainda acrescentou duas fileiras de contas de jade.

O imperador: "..."

Então, enquanto ele economizava penosamente escrevendo caligrafia, seu filho distribuía casualmente contas de jade caríssimas?

O coração de um pai dói quando o filho é ingrato!

De partir o coração, verdadeiramente de partir o coração!

Capítulo 15 Parte 1 - Soltem o Cão! (I)



— Senhorita, está planejando sair? — Xiayu perguntou ao ver Fuyi andando de um lado para o outro perto do portão principal da Mansão Yun, repetidas vezes. — As senhoritas Lin e as outras estão esperando pela senhorita?

— Minha querida Xiayu, você me conhece tão bem. — Fuyi se agachou ao lado do muro do pátio com um olhar de filhote abandonado. — Se eu não assistir à desgraça dos meus inimigos, com certeza não vou conseguir dormir esta noite.

— Isso não é porque a senhorita dormiu demais durante o dia? — Xiayu cobriu a boca e riu baixinho. — A senhora disse que a senhorita pode sair, mas deve levar esta criada com você.

— Então o que estamos esperando? Rápido, rápido, vamos logo. — Fuyi se levantou e puxou Xiayu enquanto saíam pelo portão principal. Andaram ao longo do muro por uma boa distância até encontrarem Lin Xiaowu e o grupo de sempre agachados em um canto, à sua espera.

— Chefe, até que enfim chegou! — Yang Erlang esfregou as pernas dormentes enquanto se apoiava na parede para se levantar. — Mandei alguém se informar agora há pouco. Hoje de manhã, os Guardas Jinwu cercaram a Mansão de Ning Wang, mas pararam no portão. Mais ou menos uma hora atrás, tanto o Ministério da Justiça quanto a Corte de Revisão Judicial também mandaram gente pra lá.

— Temos que nos apressar. Não podemos perder uma cena tão grande! — Cao Sanlang liderou os colegas até uma carruagem. Todos se sentaram juntos em uma, enquanto outras duas seguiam atrás, transportando seus criados.

— Será que estamos indo longe demais com isso? — Lin Xiaowu levantou a cortina, um pouco preocupada. Sua família era aparentada com o clã materno de Ning Wang, então, se descobrissem que ela estava se misturando ao povo pra ver a desgraça dele, seria bastante embaraçoso.

— Não se preocupe, o Gordo Liu também está lá. — Fuyi tirou um pedaço de carne seca da bolsa e entregou a Lin Xiaowu. — Com ele por perto, ninguém vai notar você.

Afinal, o famoso Liu Shizi era extremamente chamativo — tanto no tamanho quanto na presença.

— As informações dele chegam até mais rápido que as nossas? — Yang Erlang ficou surpreso.

— Fui eu quem contou. — O sorriso de Fuyi irradiava calor e doçura. — Assistir a um espetáculo só é divertido com bastante plateia.

Yang Erlang: ...

— Fuyi, o assassino que tentou te matar... foi mesmo aquele bast—... — Cao Sanlang se lembrou da ligação entre Lin Xiaowu e Ning Wang e engoliu o resto da frase. — Ouvi dizer que ontem à noite estavam envolvidos a Corte de Revisão Judicial, o Ministério da Justiça e até o príncipe?

— Ele com certeza está envolvido. — Lin Xiaowu não teve piedade dos próprios parentes. — O assassino que tentou matar Fuyi já trabalhou no Palácio Xiangkun.

— Que desprezível! — O rosto de Cao Sanlang escureceu. Na época, assim que a Nobre Consorte rebaixou a família de Fuyi para Chongzhou, ela correu para arranjar uma esposa adequada para Ning Wang. Além disso, havia uma coisa que eles não ousavam contar a Fuyi, com medo de despertar lembranças desagradáveis — quando chegou à capital a notícia de que ela havia caído de um penhasco durante a tentativa de assassinato, foram até Ning Wang, esperando que ele enviasse alguém para procurá-la por causa do vínculo que tinham no passado, mas nem sequer conseguiram vê-lo pessoalmente.

— Tem um restaurante na diagonal da Mansão de Ning Wang, é da família da Princesa Consorte Shun. Anying já reservou um quarto com vista pra rua pra gente. Podemos fazer uma grande refeição com direito a espetáculo. — Yang Erlang rangeu os dentes. — Amanhã de manhã, vou garantir que toda a capital saiba da desgraça de Ning Wang!

Assim que Fuyi e seu grupo entraram no restaurante, viram que o andar térreo já estava lotado de gente, todos esticando o pescoço para tentar espiar a Mansão de Ning Wang. Ao chegarem ao segundo andar, reconheceram muitos rostos parados do lado de fora dos quartos privativos — criados de várias famílias conhecidas.

— Fuyi, aquele rapaz ali não parece ser da casa do Grande Preceptor Du? — Lin Xiaowu apontou para um jovem servo escondido em um canto.

Na mesma hora, a porta de um dos quartos privados se abriu e surgiu a figura do jovem erudito em ascensão, Jovem Mestre Du.

Os dois lados se encararam. Depois de uma breve e silenciosa pausa, o Jovem Mestre Du recuou discretamente para dentro do quarto e fechou a porta com uma expressão rígida.

Fuyi: ...

Por mais divertido que seja compor poesias e escrever ensaios, ainda não se compara a ver a desgraça alheia!

— Gente, vocês finalmente chegaram! — Sui Anying saiu de um dos quartos e acenou para eles. — Por aqui! Consegui o melhor quarto, com a melhor vista!

Fuyi entrou no quarto, foi até a janela e olhou casualmente para fora. As mansões magníficas vizinhas à de Ning Wang pertenciam todas a parentes imperiais, e agora estavam cheias de... pessoas penduradas nos muros?

Meu Deus, metade da nobreza da Rua Leste veio assistir ao espetáculo também!

A Mansão de Ning Wang estava com os portões bem fechados, e seu intendente-chefe postado na entrada, enfrentando os Guardas Jinwu.

— Peço desculpas, senhores, mas nosso Wangye é o irmão caçula mais amado de Sua Majestade. Sem um edito imperial, este servo não pode permitir a entrada.

— O Ministério da Justiça, a Corte de Revisão Judicial e o Magistrado Metropolitano estão lidando conjuntamente com o caso. Segundo as leis da nossa dinastia, não é necessário edito imperial. Além disso, Sua Majestade está preocupado com a segurança do Wangye de Ning e ordenou especificamente que os Guardas Jinwu o protejam de possíveis perigos. Foi uma grande graça — por que rejeitariam a boa vontade de Sua Majestade? — O Vice-Ministro da Justiça franziu a testa. — Ou estão sugerindo que o pessoal da Mansão de Ning Wang pretende desobedecer à ordem de Sua Majestade?

— Por favor, tenha piedade, senhor. Nosso Wangye ficou ferido na noite passada. Desde que voltou do Gabinete do Magistrado hoje, tem estado com febre e está inconsciente neste momento. Suplico que esperem até ele recobrar a consciência para prosseguir. — O intendente-chefe curvou-se repetidas vezes. — Sou apenas um humilde servo, não me atrevo a tomar decisões. Por favor, senhor, não dificulte as coisas para mim.

Fuyi observava o impasse com grande interesse. Ning Wang havia ido ao gabinete do magistrado mais cedo naquela manhã, e pouco depois, o Príncipe deu ordem para cercar sua mansão. Agora, com gente do Ministério da Justiça, da Corte de Revisão Judicial e do Magistrado Metropolitano presentes, o que o intendente poderia fazer? Mesmo que conseguisse ganhar algum tempo, isso não duraria muito.

Ele está tentando ganhar tempo?

O olhar de Fuyi percorreu os arredores da Mansão de Ning Wang até se fixar em uma loja de roupas ali perto.

— Anying, de quem é aquela loja de roupas?

— Loja de roupas? — Sui Anying encarou o local indicado por Fuyi, pensativa. — Aquela loja já está aberta há quase dois anos, mas nunca teve bom movimento. Não sei de quem é.

A maioria dos moradores da Rua Leste eram nobres e dignitários que tinham alfaiates particulares. Mesmo quando encomendavam roupas de fora, era tudo feito sob medida, então não frequentavam lojas de roupas prontas. Que tipo de "comerciante" abriria um negócio em um ponto tão nobre, onde cada centímetro de terra custa uma fortuna, mesmo sabendo que não teria lucro?

— É raro ver uma loja de roupas na Rua Leste. Vamos dar uma olhada. — Fuyi se levantou. — Vamos todos juntos.

— Hã? — Yang Erlang, mastigando um doce, ficou confuso. — Já está escurecendo, e você quer visitar uma loja de roupas?

— Pode haver uma surpresa. — Fuyi ergueu a barra da saia e rapidamente desceu as escadas correndo.

...

Quando o Gordo Liu viu Fuyi passar correndo por ele, ficou atônito por um instante.

— Pelo menos nós estamos assistindo da janela do restaurante pra manter as aparências. Será que ela vai mesmo se agachar bem na frente do portão de Ning Wang?

Como Yun Fuyi ousava ser ainda mais ousada do que ele? Isso ele não admitia!

— O que Yun Fuyi ousar fazer, Este Shizi ousa também! Gente, vamos atrás dela! Precisamos ver o que ela está aprontando!

Capítulo 15 Parte 2 - Soltem o Cão! (II)



— Wangfei, os criados no pátio do Wangye disseram que ele ainda não acordou — disse a criada, enquanto terminava de pentear o cabelo de Ning Wangfei, o tom carregado de preocupação. — Se a senhora deixar os Guardas Jinwu entrarem agora, não vai irritar o Wangye?

Ning Wangfei se levantou, erguendo levemente o queixo.

— O Wangye está inconsciente, então é meu dever assumir o comando da mansão em seu lugar. Transmita minha ordem: abram os portões principais e recebam os Guardas Jinwu e os oficiais para que investiguem o caso.

— Wangye, há notícias do pátio da Wangfei. Ela quer abrir o portão e permitir a entrada dos Guardas Jinwu na mansão — anunciou o eunuco, curvando-se profundamente ao lado da cortina da cama. O quarto estava impregnado com o cheiro amargo de remédio, misturado a uma fumaça esverdeada que saía de um incensário no canto.

Ning Wang estava recostado na cabeceira da cama, o rosto um pouco pálido.

— Façam os arranjos para que aquelas pessoas saiam pelo túnel secreto, usando a escuridão da noite como cobertura. Eles não devem, sob nenhuma circunstância, ser capturados pelos Guardas Jinwu.

— Como ordenar — o eunuco se retirou às pressas, sem ousar perder um segundo. Felizmente, já estava escuro lá fora, então ninguém notaria algumas pessoas escapando pelo túnel secreto.

...

Assim que o portão principal se abriu, ninguém percebeu três figuras discretas pulando para dentro de um poço seco e abandonado, no fundo do pátio interno da Mansão Ning Wang.

— Cof, cof, que fedor! Quantos ratos mortos tem nesse túnel? Que nojo — o homem à frente balançava os braços para afastar as teias de aranha. — Quando sairmos daqui, vou dar uma boa lição nesses que ousam se opor ao nosso Wangye.

— Para de falar besteira! — uma mulher lhe deu um chute por trás. — Quando sairmos da cidade, é melhor ficarmos quietos nos arredores por um tempo. Nada de causar problemas para o Wangye.

O terceiro do grupo, um homem magro, puxou um isqueiro de pederneira do cinto, mas, quando estava prestes a acendê-lo, levou um tapa da mulher.

— Não acende fogo, idiota! Quer que nos peguem?!

O homem magro levou a mão ao rosto, tremendo de medo, enquanto o homem da frente parou de repente.

— Quietos... já estamos quase saindo — ele empurrou cuidadosamente a laje de pedra acima de si e espiou o lado de fora. Depois de confirmar que não havia ninguém por perto, puxou os outros dois. — Rápido.

— Ei, o que vocês estão fazendo aí? Brincando de esconde-esconde?

Os três congelaram na hora, olhando para cima, assustados, vendo uma jovem mulher aparecer de repente no topo do muro. Ela se inclinou levemente, a cabeça inclinada, sorrindo de forma doce e brilhante, como se estivesse apenas curiosa com o que faziam.

— Irmão... — o magrelo engoliu em seco, sentindo o suor frio escorrer pelas costas. — O que a gente faz?

O líder rangeu os dentes e puxou um punhal escondido na bota.

— Só homens mortos não contam histórias.

— Uau, ele tem uma faca! — outra cabeça surgiu no alto do muro.

— Onde, onde? Quem tá com faca? — logo, uma terceira cabeça apareceu, depois uma quarta, e então uma quinta...

Num piscar de olhos, uma longa fileira de pessoas surgiu ao longo do muro — todos eles jovens mestres e senhoritas famosos, acompanhados de seus criados, obviamente reunidos para assistir a um bom espetáculo. O trio se sentiu de repente como macacos no picadeiro, se apresentando para o público.

— Olha, Xiaowu, as expressões deles estão assustadoras. Você acha que querem nos matar? — Fuyi cruzou os braços. — Ai, que medo~

— Covarde — resmungou o Gordo Liu, arfando enquanto subia no muro, e então bufou com arrogância, querendo demonstrar coragem. — Wang Yanhe, solte o cachorro!

...

Após receber o relatório de que Ning Wang estava inconsciente e que a mansão se recusava a abrir os portões, Sui Tingheng pegou um decreto escrito do Imperador e saiu galopando do palácio em direção à Mansão Ning Wang. Assim que desmontou, ouviu ao longe o grito de uma mulher:

— Um ladrão! Tem um ladrão na loja de roupas!

Aquela voz...

Sui Tingheng pulou de volta no cavalo, chicoteou as rédeas e disparou na direção do grito.

— Alteza! — os guardas e oficiais que tinham vindo recebê-lo correram atrás.

Sui Tingheng chegou à loja de roupas, desmontou do cavalo em movimento e arrombou a porta dos fundos, que dava para o pátio interno...

— Gordo Liu, segura eles! Não deixa escaparem!

— Traz o xale, enrola bem pra ela não fugir!

— Ai, ai, ai, Yun Fuyi, tá cega?! Pisou no pé deste Shizi!

— Esse magrelo tá tentando fugir — Blackie, pega ele! Morde a bunda!

— Au, au, au!

— Aaaaah!

Gritos, latidos e gemidos se espalhavam por todo o pátio, uma confusão generalizada onde vadios e nobres, cachorros e humanos, criados e senhores se embolavam num só caos. Quando ouviram a porta sendo arrombada com um estrondo, todos viraram a cabeça para ver Sui Tingheng entrando.

No mesmo instante, o pátio mergulhou num silêncio absoluto.

Mo Wen, que vinha tentando acompanhar seu mestre, finalmente alcançou o local. Quando viu a cena, ficou tão atônito que não conseguiu dizer nada por um bom tempo.

Ali estava a senhorita Yun, segurando firmemente um xale, cuja outra ponta estava amarrada a uma figura imunda que provavelmente era uma pessoa? Era difícil dizer — principalmente porque o corpo rechonchudo de Liu Shizi estava sentado em cima da criatura, mais pesado que um rochedo.

Um homem magro jazia no chão, chorando, com as nádegas cobertas de sangue, enquanto um cachorro preto o mordia pela perna, impedindo sua fuga.

A única que parecia um pouco melhor era a mulher vestida como camponesa, embora estivesse completamente amarrada, com até o cabelo preso a um poste. Só de olhar já dava dor no couro cabeludo.

— Senhores, senhoritas... — o Vice-Ministro da Justiça finalmente conseguiu falar após um longo silêncio, desviando o olhar da visão lamentável dos três capturados. — Vocês estão... fazendo exercício?

O trio, que mal havia escapado da Mansão Ning Wang só para cair nas mãos desse grupo de lunáticos, lançou olhares fulminantes para o vice-ministro.

— Abre esses olhos e olha com a consciência, seu idiota! Isso aqui te parece exercício?!

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