Capítulo 131: Proibição Marítima
Agora, ela o tratava à distância, chamando-o apenas de Marquês de Zhenyuan. Fu Tingzhou olhou entre Wang Yanqing e Lu Heng, ainda franzindo a testa, e disse:
— Isso é loucura, esta prisão abriga os piores criminosos da corte. Você tem ideia do quão perigoso é aqui?
— Tenho. — Desta vez, quem respondeu foi Wang Yanqing. Ela juntou as mãos e ficou em silêncio, dizendo: — Está um pouco úmido aqui, estou ficando desconfortável. Podemos começar logo?
Os dois homens ficaram em silêncio imediatamente. Quando Fu Tingzhou ouviu que ela estava desconfortável, quis sugerir que a escoltassem para fora, mas Lu Heng interrompeu-o de repente, falando:
— Tragam um braseiro para manter a Madame aquecida.
O uso do termo “Madame” por Lu Heng foi como um espinho invisível, que perfurou o coração de Fu Tingzhou, e o resto das palavras morreu em sua garganta. Que direito ele tinha de escoltá-la agora? Ela já tinha um marido e ele havia tomado uma nova esposa. Pela razão e decoro, Fu Tingzhou deveria manter distância.
Emudecido, Fu Tingzhou só pôde assistir enquanto Lu Heng reorganizava a masmorra. Quando o braseiro foi trazido, a cela clareou consideravelmente e a umidade remanescente parecia recuar. Sem querer perder tempo com os dois homens, Wang Yanqing perguntou diretamente:
— Onde fica a cela de Wu Sheng?
Lu Heng apontou para a mais interna. Sem esperar escolta, Wang Yanqing avançou em direção a ela. Lu Heng logo a seguiu, e Fu Tingzhou não teve escolha a não ser ficar para trás.
A expressão de Fu Tingzhou era gelada enquanto ele sussurrava:
— Que tipo de marido é você, trazendo ela para um lugar desses?
A pergunta tocou fundo. Suprimindo sua própria raiva, Lu Heng respondeu friamente:
— Marquês de Zhenyuan, vou lembrar-lhe novamente: eu decido como o interrogatório prossegue. Eu sou o marido dela, e a conheço melhor que ninguém.
Havia camadas de significado nas palavras de Lu Heng que Fu Tingzhou não compreendia. Antes que pudesse processar, Lu Heng já havia passado por ele, alcançando Wang Yanqing. Reunindo-se, Fu Tingzhou decidiu esperar e observar por enquanto.
Ao entrar na cela, o olhar de Wang Yanqing pousou imediatamente em um homem sujo e desleixado. Seus pulsos e tornozelos estavam acorrentados, suas roupas rasgadas e manchadas com sangue seco e escuro.
Fu Tingzhou, que ficou para trás, franziu a testa ao ver aquilo. Como alguém acostumado a prisões, estava habituado a cenas assim — afinal, o estado de Wu Sheng era em parte culpa dele. Mas como Wang Yanqing poderia estar exposta a tamanha brutalidade e sujeira?
Ela deveria estar envolta em sedas finas, lendo perto de um incenso em um quarto aquecido. Seu mundo deveria ser cheio de flores de primavera e luas de outono, poesia e versos, nunca a escuridão deste lugar.
Não deveria estar em uma masmorra fria. Até homens comuns acham cenas de prisão perturbadoras, uma mulher não seria assombrada por pesadelos?
Fu Tingzhou estava prestes a pedir para colocar uma cortina para bloquear o horror, quando Wang Yanqing levantou o véu e calmamente absorveu a cena. O fedor de sangue estava pesado no ar, mas ela nem sequer se mexeu.
Ela retirou o véu e o segurou ao lado como se fosse a coisa mais natural do mundo. Lu Heng o aceitou suavemente, como um atendente silencioso.
Fu Tingzhou lançou um olhar de soslaio a Lu Heng, perplexo com o que o tinha possuído. Enquanto isso, Wang Yanqing se aproximou de Wu Sheng e o cumprimentou educadamente:
— Chefe Wu, já ouvi muito sobre você.
Wu Sheng abriu um olho para lançá-la um olhar, antes de recostar contra a parede, ignorando-a por completo. Sem se abalar, Wang Yanqing se virou para o carcereiro:
— Se vou falar com o Chefe Wu, como podemos deixar nosso convidado acorrentado? Tire essas correntes.
O carcereiro se assustou, olhando instintivamente para a porta. Lu Heng deu um leve aceno. Fu Tingzhou ficou imóvel. Sem escolha, o carcereiro hesitante destrancou as algemas de Wu Sheng, mas não ousou tocar nas tornozeleiras.
— Tire essas também — disse Wang Yanqing. — O Chefe Wu sofre de gota. Mesmo sem as correntes, ele não conseguiria andar muito.
Todos na cela ficaram tensos. Wu Sheng levantou a cabeça rapidamente, lançando um olhar feroz:
— Vocês têm me investigado?
— Os Guardas Imperiais são formidáveis, mas nem eles conseguem descobrir detalhes de quem está fora do território Ming. — Wang Yanqing sorriu. — A dor está escancarada no seu rosto, Chefe Wu. Nenhuma inteligência era necessária, só olhos para ver.
A expressão do carcereiro ficou sutilmente confusa. Será mesmo? Por que ninguém de nós percebeu?
A testa de Fu Tingzhou ainda não havia relaxado desde que entrara. Ele lançou a Lu Heng um olhar interrogativo, perplexo com o jogo que estavam jogando. Mas Lu Heng fez um leve movimento de cabeça, sinalizando silêncio para todos.
Após sua primeira resposta, Wu Sheng recaiu na indiferença, como desafiando-os a tentar mais. Os braseiros extras no corredor iluminavam a cela, clareando o espaço. Wang Yanqing estudou Wu Sheng e disse:
— Chefe Wu, você navega pelos mares há mais de vinte anos, talvez tenha passado mais tempo à deriva do que em terra. E ainda assim se irrita quando insinuo que você não é um homem da Dinastia Ming?
Quando Wu Sheng viu que traziam uma mulher, zombou da desespero da corte. Achavam que usar uma beleza daria certo? Agora, ele entendia o motivo de tê-la enviado.
Uma feiticeira. Ela devia usar artes obscuras.
Wu Sheng manteve o rosto impassível, mas os leves espasmos nos músculos e a tensão na mandíbula estavam expostos diante do olhar de Wang Yanqing.
Ela continuou lentamente:
— Embora você e seu irmão mais novo compartilhem sangue, seus temperamentos não poderiam ser mais diferentes.
Um músculo no rosto de Wu Sheng contraía, ele cerrava os dentes, segurando as emoções. Wang Yanqing prosseguiu:
— Conheci o Segundo Chefe uma vez. Ele falava japonês perfeitamente, e alguém poderia até confundi-lo com um nativo. Sua lealdade era totalmente ao Mar do Leste, sem nenhuma para a Dinastia Ming. Mas você é o oposto. Não posso deixar de pensar. Você criou seu irmão como um filho, mas o viu esquecer a língua dos ancestrais, sua terra natal, até o sangue em suas veias. Me diga, Chefe Wu, como foi isso para você?
A contenção de Wu Sheng se rompeu. Ele ergueu a cabeça e rosnou:
— Saia.
— Talvez você não queira ouvir, mas eu direi mesmo assim. Se os piratas não forem detidos e lhes for permitido dominar nossas costas, muitos mais filhos crescerão como seu irmão, envergonhados de suas raízes, desesperados para abandonar sua própria pele. É esse o futuro que você deseja?
Wu Sheng zombou:
— Que me importa? Sou apenas mais um homem levado ao limite pela proibição marítima, forçado a deixar sua casa para sobreviver. Imperadores matam seus irmãos e pais, depois exigem lealdade e piedade filial do povo. Que serventia têm virtudes vazias? Enchem a barriga?
Sua percepção era afiada, sua rebeldia inabalável. Wang Yanqing desistiu de discutir e mudou de assunto:
— E os inocentes, os idosos, as meninas da costa? O que fizeram para merecer ser vítimas de seus lucros?
A tática funcionou. Wu Sheng ficou em silêncio. Para homens que valorizavam a irmandade acima de tudo, seu único calcanhar de Aquiles eram os fracos e inocentes. Wang Yanqing falou:
— Chefe Wu, você pode achar que viveu com honra entre seus companheiros. Mas por causa dessa honra, famílias foram destruídas. Os que não puderam se defender, se foram para sempre. A Ilha Jintai caiu. Você não deve nada a ninguém agora. Durante a batalha naval, um grupo de japoneses fugiu de barco. Para onde foram?
O rosto de Wu Sheng endureceu feito pedra. Wang Yanqing se inclinou, observando-o atentamente:
— Condado de Changguo? Beiji? Nanji…?
Ela fez uma pausa e disse com compreensão:
— Nanji, então. Eles chamarão reforços?
— Quem os espera lá? Japoneses? Ocidentais? Mais piratas? As forças deles são mais fortes que as suas?
Wu Sheng se recusou a falar, mas a mulher lia seus pensamentos com precisão impressionante. Finalmente, ele apertou os olhos, inundando a mente com pensamentos desconexos. Se ele não escutasse, ela não venceria.
Com suas defesas erguidas, a vantagem de Wang Yanqing diminuiu. Seu método dependia do elemento surpresa; quanto mais assustado o sujeito, mais sua face se entregava. Dado tempo para se preparar, até ela teria dificuldade em arrancar verdades.
No entanto, as informações que reuniu já eram suficientes. Wang Yanqing se virou, mas antes que pudesse falar, Lu Heng já havia avançado, ajeitando cuidadosamente o véu dela antes de pegar suas mãos para aquecê-las:
— Está com frio?
— Um pouco.
— Então vamos.
Lu Heng escoltou Wang Yanqing para fora, com Fu Tingzhou seguindo silenciosamente atrás. A testa dele permaneceu franzida durante todo o caminho, e o olhar sempre se voltava para as costas de Wang Yanqing, como se quisesse dizer algo, mas não pudesse.
Quando finalmente saíram da masmorra para a luz do sol, Wang Yanqing suspirou aliviada.
Ela realmente detestava o ambiente opressor e desesperador lá embaixo; parecia que a própria morte havia penetrado seus ossos. Ansiosa para trocar de roupa, perguntou por trás do véu:
— Vocês ouviram tudo agora. Não preciso repetir, certo?
Lu Heng respondeu:
— Você trabalhou bastante hoje. Deixe-me levá-la de volta.
— Esperem. — Fu Tingzhou interrompeu os dois. Com a expressão ainda franzida, perguntou: — O que foi aquilo há pouco? Como explica?
Lu Heng virou a cabeça, lançando-lhe um olhar frio:
— Por que eu deveria explicar os assuntos da minha esposa para você?
O tom era cortante, mas Fu Tingzhou não recuou. Em vez disso, pressionou:
— Ela consegue ler as expressões das pessoas a ponto de entender os pensamentos de um prisioneiro sem que ele fale?
Afinal, ela fora como uma irmã para ele por dez anos. Fu Tingzhou sempre soube que Wang Yanqing era excepcionalmente perceptiva, às vezes tanto que parecia compartilharem a mente, alcançando entendimentos silenciosos sem palavras. Mas hoje, ao vê-la interrogar Wu Sheng com facilidade, conduzindo gentilmente, porém implacavelmente, o endurecido líder pirata até o limite, Fu Tingzhou percebeu de repente. Talvez não fosse que suas mentes estivessem sincronizadas. Talvez ela apenas o lesse o tempo todo, atendendo-o deliberadamente.
O pensamento daqueles dez anos lhe causou um calafrio na espinha. Ela teria estado o agradando assim o tempo todo? Teria visto cada desprezo de Chen Shi e dos servos, suportando tudo em silêncio?
Será que ela já fora feliz na casa dos Fu?
Fu Tingzhou a fitou intensamente, seu olhar atravessando o véu como se tentasse encontrar seus olhos. Wang Yanqing, escondida atrás das camadas de gaze branca, não respondeu. A paciência de Lu Heng se esgotou. Ele agarrou o pulso dela, puxando-a para trás de si num gesto descaradamente possessivo, bloqueando a visão de Fu Tingzhou:
— Marquês de Zhenyuan, esta é minha esposa. Você não tem o direito de interrogá-la.
Com Lu Heng no caminho, Fu Tingzhou só pôde ver as bordas tremulantes do véu dela. Ele queria nada mais do que puxá-la para trás, levantar aquele véu e exigir a verdade, mas sabia que não podia. Ela era casada agora e já não era mais sua irmã.
Rangeu os dentes contra a dor no peito e forçou a voz para algo frio e distante:
— Este é um campo de batalha. Cada passo que damos afeta dezenas de milhares de vidas. Não posso simplesmente correr riscos. Preciso confirmar a precisão da inteligência.
Wang Yanqing soltou uma risada suave e sem humor:
— Acredite ou não, faça o que quiser.
Dito isso, virou-se e saiu sem olhar para nenhum dos dois.
Uma brisa mexeu as bordas do véu dela como uma névoa ao sol. Lu Heng e Fu Tingzhou seguiram com os olhos o tecido branco, mas nenhum se moveu.
Só quando ela ficou fora do alcance da voz Fu Tingzhou falou de novo:
— Todos aqueles casos que você resolveu com uma visão aparentemente divina, foi por causa dela? Foi ela quem arrancou a verdade para você?
Lu Heng sorriu com sarcasmo:
— Só porque você é incompetente, Marquês, não significa que todo mundo seja. Eu, Lu Heng, nunca precisei de ajuda externa para resolver meus assuntos.
Parecia que Lu Heng não conseguia falar sem torcer a faca, mesmo quando se gabava, a provocação à política do casamento de Fu Tingzhou era evidente. Este não quis prolongar a discussão e perguntou friamente:
— Então me diga, você nunca usou ela para alcançar seus objetivos?
— Expliquei tudo a ela antes. Ela escolheu participar por vontade própria, qual é o problema? — Heng rebateu. — Minha esposa e eu compartilhamos os mesmos ideais. Trilhamos caminhos diferentes, mas chegamos ao mesmo fim. Diferente de você. Não projete seus fracassos conjugais em nós.
— Ela nunca foi boa em negar as pessoas. Prefere sofrer a decepcionar. Tem certeza que foi escolha dela e não só submissão a você?
— Você me diga. Pelo que viu hoje, acha que ela atuou por minha causa, ou porque gostou?
Fu Tingzhou hesitou. A forma como Wang Yanqing comandava o interrogatório, passo a passo, não tinha nada a ver com a garota quieta que ele lembrava. Aqueles olhos penetrantes, a confiança inabalável — será que tudo não passava de uma atuação para agradar um homem?
O silêncio caiu. Lu Heng decidiu que não havia mais o que discutir:
— Ela nasceu perceptiva, e a infância forçou que aprimorasse essa habilidade para sobreviver. Desenvolveu suas capacidades muito além das pessoas comuns. Embora eu lamente o sofrimento que suportou, agora que tem esse dom, não deveria desperdiçá-lo agradando sogras e maridos em algum aposento interno. Até o imperador sabe e permite tacitamente sua participação em certos casos confidenciais. Se você realmente se importa com ela, nunca mais pronuncie o nome dela. E controle-se. Mantenha distância dela em público.
Lu Heng lançou-lhe um olhar afiado e gelado:
— Não esqueça, você está casado agora, sobrinho do Marquês de Wuding.
·
Wang Yanqing não andara muito sozinha antes que passos apressados a alcançassem. Quando Lu Heng tentou pegar sua mão, ela desviou, mas ele insistiu teimosamente, entrelaçando os dedos apesar da resistência dela. Incapaz de se soltar, ela cedeu com um suspiro quieto.
Lu Heng falou devagar:
— Qing Qing, se está brava com ele, precisa descontar em mim?
— Não estou.
— Não está brava ou não está descontando em mim?
Wang Yanqing permaneceu em silêncio. Lu Heng continuou:
— Qing Qing, eu nunca duvidaria de você. Agiria imediatamente diante de qualquer informação sua. Mas Fu Tingzhou? Ele é mesquinho, teimoso, arrogante, cheio de certezas...
Sem piscar, Lu Heng disparou uma série de acusações contra Fu Tingzhou, aproveitando a oportunidade para ajustar contas pessoais sob o pretexto de assuntos oficiais. Wang Yanqing não pôde evitar um riso baixo.
Ela não estava chateada por sua boa vontade ter sido recebida com ceticismo. Foi o olhar surpreso de Fu Tingzhou que a fez lamentar sua própria ingenuidade passada. Dez anos, e só hoje ele percebeu que ela era diferente. Se ela não tivesse caído do penhasco, se não tivesse perdido a memória, ele teria passado a vida inteira a tomando como garantida?
Compreensiva, gentil, adaptável, uma confidente doce... Ha.
Seu humor estava pesado, e nem mesmo a presença de Lu Heng conseguia levantá-lo imediatamente. Mas vendo-o aproveitar cada oportunidade para falar mal de Fu Tingzhou, jogando qualquer insulto que viesse à mente, ela de repente achou tudo aquilo sem sentido.
O que passou, passou. O marido dela agora era Lu Heng. Por que se apegar ao que já foi?
— Chega. Não me importo se você duvidou de mim. Como comandante, ele carrega toda a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso. É natural que queira verificar as informações do inimigo.
No meio da frase, os dedos de Lu Heng apertaram os dela, pressionando até doer. Sua voz ficou perigosamente leve:
— Qing Qing. Você está defendendo ele?
— Não estou. Só estou dizendo a verdade.
Ótimo. No começo, Lu Heng estava preocupado com os sentimentos dela. Mas agora, era ela quem estava bem — e ele, quem estava furioso.
···
Depois que Lu Heng executou dois altos funcionários, ninguém no Sul ousou se opor novamente ao Governador. A vitória de Fu Tingzhou na Ilha Jintai virou grito de guerra, elevando o moral das tropas e silenciando qualquer fala desdenhosa entre os oficiais.
Ou talvez o silêncio viesse do medo. Funcionários pró-paz começaram a morrer em circunstâncias misteriosas, e os que ainda respiravam só precisavam olhar para os corpos, depois para Lu Heng, passeando tranquilamente por Nanjing ao lado da esposa, para engolir qualquer palavra de discordância.
Após a tática de intimidação de Lu Heng, o ar na burocracia ficou mais limpo. Sem apoio aos opositores, o exército logo entrou em sintonia. O verdadeiro perigo na guerra não era a derrota, mas o moral vacilante. Aproveitando o momento, Fu Tingzhou dissolveu e reorganizou unidades existentes, recrutando milicianos ferozes entre os nativos.
Nunca subestime os civis. O terreno acidentado de Jiangsu formava vilarejos isolados e unidos, onde as rixas entre clãs faziam as escaramuças de campo parecerem brincadeira.
Profissionais não superavam mercenários, e mercenários não superavam quem lutava pela emoção da luta. Esses recrutas, organizados em unidades especializadas, elevaram instantaneamente a eficácia das forças antipirataria.
Nos combates seguintes contra os piratas, surgiram comandantes excepcionais: Hu Zongxian, um estudioso que dominava estratégia militar; Qi Jiguang, herdeiro de uma família militar de Dengzhou; Yu Dayou e Lu Tang, veteranos das campanhas de Zhu Wan...
No dia seguinte, o exército cercaria um dos dois mais temidos chefes piratas — Xu Hai. Agora, os piratas estavam divididos entre Xu Hai e Wang Zhi. Eliminar ambos reduziria o restante a um bando disperso e sem liderança.
A guerra havia chegado à fase decisiva. Já não enfrentavam bandidos desorganizados, mas facções disciplinadas e bem armadas. A vitória sobre Xu Hai permitiria focar apenas em Wang Zhi, aumentando drasticamente as chances da corte. Mas, se o dia seguinte falhasse... Xu Hai e Wang Zhi se uniriam, forçando as forças imperiais a lutar em duas frentes, algo impossível de sustentar.
Portanto, a batalha de amanhã era crucial.
Na véspera, Wang Yanqing e Lu Heng saíram da cidade, subiram uma colina e contemplaram o mar vasto e sem limites.
O mar era de um azul profundo e misterioso, e as ondas se chocavam contra a costa. O som contínuo da maré era suave e pacífico. Wang Yanqing suspirou:
— Eu realmente não quero imaginar, mas amanhã este lugar estará manchado de fumaça, tiros e cadáveres. Nunca mais voltará a este momento de calma e beleza.
Lu Heng disse:
— A natureza é impiedosa. Não mudou por ninguém em milhares de anos. Em um único dia, o oceano voltará ao seu estado original. Só as pessoas não conseguem voltar atrás.
Os dois ficaram no alto da colina, com milhares de luzes atrás e o oceano infinito à frente. A brisa do mar vinha de todas as direções, fazendo suas roupas farfalharem alto. Wang Yanqing segurou o cabelo e perguntou:
— A guerra vai acabar?
Vai acabar? Dessa vez, Lu Heng não teceu um sonho bonito para ela, mas respondeu:
— Eu não sei.
A ganância humana é infinita. Enquanto houver lucro, haverá conflito. E enquanto houver ganância, a guerra nunca terá fim.
Lu Heng perguntou:
— Sabe por que existem piratas japoneses?
— Por causa das lutas internas nas Ilhas do Leste, o povo vivia em miséria e muitos japoneses fugiram.
— Não.
— Porque os ocidentais construíram grandes navios capazes de cruzar o oceano até nossas costas, e alguns, movidos pelo lucro, começaram a negociar com eles?
— Também não. — disse Lu Heng. — Isso são apenas fatores externos. Quantos japoneses havia? Quantos conseguiam fugir? A costa está aqui, e, se não fossem os ocidentais, seriam outros. Se eles não construíssem navios, não haveria conflito no litoral? A causa raiz dos piratas japoneses é, na verdade, a proibição marítima.
— Por quê?
— As regiões costeiras são diferentes do interior. Têm população grande e pouca terra para cultivo. Desde a Dinastia Song, muitos em Zhejiang e Fujian sobreviviam do comércio. Depois que o governo impôs a proibição marítima, perderam o sustento. Não tiveram escolha a não ser vaguear de lugar em lugar, contrabandeando mercadorias em segredo para escapar dos oficiais. Isso, aos poucos, evoluiu para a pirataria. Se o conflito entre pessoas e terra não for resolvido, mesmo que eliminemos este grupo de piratas japoneses, em algumas décadas, novos problemas surgirão.
—Se é assim, por que não suspender a proibição marítima? —perguntou ela.
Lu Heng balançou a cabeça:
—Governar um país não é tão simples quanto responder uma pergunta de múltipla escolha. Imperadores anteriores foram afrouxando a proibição marítima e instalaram postos alfandegários ao longo da costa. O número de piratas japoneses errantes diminuiu, mas surgiram problemas como invasão de terras e conluio entre oficiais e comerciantes. Quando o atual imperador subiu ao trono, dois enviados dos xogunatos japoneses se encontraram no posto alfandegário de Ningbo. Eram hostis um ao outro e lutaram ferozmente, desencadeando um massacre em grande escala. Os dois lados queimaram, mataram e saquearam pelo caminho, tirando a vida de muitos civis e oficiais. Depois desse incidente, o imperador fechou as alfândegas em Zhejiang e Fujian e proibiu a entrada de japoneses em terra firme. Sem canais oficiais, eles foram obrigados a negociar com particulares, e isso acabou evoluindo para o problema dos piratas japoneses.
Durante seu tempo em Jiangnan, Wang Yanqing havia conhecido todo tipo de gente. Percebeu que aqueles piratas à deriva no mar, que haviam se tornado bandidos, não eram necessariamente maus por natureza. Wu Sheng estava certo: quando uma pessoa mal consegue sobreviver, como falar em lealdade, piedade filial, benevolência e retidão?
Wang Yanqing perguntou com sinceridade:
—Então… a proibição marítima é mesmo o certo a se fazer?
—Não sei —Lu Heng se virou, sorrindo enquanto a olhava.— Essa é uma questão que o imperador deve considerar, como eu poderia saber? Um país deste tamanho, se você controla demais, ele sufoca; se solta demais, vira caos. Tantos heróis da história lamentaram que conquistar o mundo é fácil, mas governá-lo é difícil. Que qualificação eu teria para responder a isso?
Wang Yanqing sentiu-se confusa. Não conseguia chegar a uma conclusão. Ficou em silêncio ao lado de Lu Heng, olhando o mar infinito junto dele.
Era uma era sangrenta, com intensas disputas políticas e guerras constantes. Todos os dias, oficiais se envolviam em intrigas palacianas e morriam. Mas também era uma era de estrelas brilhantes: Zhu Wan, Qi Jiguang, Hu Zongxian, Yu Dayou e, na capital, o imperador, Xia Wenjin, Zhang Jinggong… e talvez fosse justo acrescentar Fu Tingzhou e Lu Heng.
O surgimento de talentos era um dos sinais de prosperidade. Cada um deles extremamente inteligente, reunidos no mesmo palco, admirando-se e competindo entre si. Ela se considerava afortunada por viver nessa época, testemunhando a ascensão e queda desses gênios.
—A batalha contra os piratas japoneses teve impactos profundos e, no futuro, certamente será uma parte importante da história —disse Wang Yanqing.— Mas os livros vão registrar apenas Hu Zongxian supervisionando Zhejiang, usando estratégias engenhosas para capturar os bandidos, Qi Jiguang e Yu Dayou defendendo o país… heróis e generais. Talvez nunca mencionem você. Não vai se sentir ressentido?
Lu Heng soltou uma risada baixa:
—Se, depois de tantas décadas, a pessoa ainda não entendeu a própria vida, de que adianta se preocupar com o legado? Para o Comandante Supremo da Guarda Imperial, fama nem sempre é algo bom. Prefiro que todos me esqueçam.
—Você realmente não se importa?
Lu Heng olhou para o horizonte distante, onde o mar encontrava o céu e a brilhante Via Láctea parecia prestes a se derramar no oceano. A vastidão do mundo fazia os seres humanos parecerem insignificantes.
—No momento, a Dinastia Ming está próspera. As pessoas vivem em paz e contentamento, e isso já basta —disse ele.
Alguns brilham intensamente, deixando um legado duradouro; outros permanecem nas sombras, carregando fardos em silêncio. Uma era florescente não se sustenta apenas em seu esplendor visível —muito dele se esconde na lama, apodrecendo e criando vermes. Alguém precisa remover a carne podre e seguir em frente.
Mas, no fim, o que as pessoas lembrarão será o brilho e o poder dessa era.
A brisa marítima ficou mais fria e, se esperassem mais, os portões da cidade se fechariam. Lu Heng e Wang Yanqing desceram juntos a montanha. Seus cavalos, amarrados às árvores, pastavam por perto. Ao vê-los voltar, relincharam animados.
Lu Heng desamarrou o cavalo de Wang Yanqing e lhe entregou as rédeas. Ela montou com habilidade e, depois que se acomodou, ele fez o mesmo. Sem trocar mais palavras, Lu Heng deu um leve toque nas rédeas e partiu em galope na direção dos portões da cidade, com Wang Yanqing logo atrás.
Não haviam chamado criados; cavalgavam sozinhos rumo aos portões.
Atrás deles, a lua crescente pendia como um gancho, o vento frio assobiava. À frente, os imponentes portões da cidade brilhavam sob incontáveis luzes.
Naquele momento, eram apenas os dois.
Capítulo 132: Pulso de Gravidez
A campanha contra os piratas japoneses ganhava, pouco a pouco, cada vez mais força. Fu Tingzhou se baseava na estratégia militar tradicional. Embora não tivesse experiência em guerra naval, era excelente em posicionar talentos.
Hu Zongxian era hábil e cheio de manobras astutas; Qi Jiguang criou a “Formação Pato-Mandarim”, adaptando táticas às condições locais; Yu Dayou era conhecido pelo estilo agressivo e impetuoso… Ao longo da história, reunir milhares de soldados fora tarefa fácil, mas encontrar um general competente era raridade. Agora, com tantos comandantes excepcionais surgindo, parecia que até o Céu favorecia a dinastia Ming.
Porém, Lu Heng não podia esperar até o fim da guerra. O campo de batalha agora pertencia às forças regulares; ele havia cumprido sua missão e podia se retirar com honra.
Ele avaliou seu pessoal e se preparou para liderar os Guardas Imperiais de volta à capital. Antes de partir, perguntou a Zhu Yuxiu quais eram seus desejos. Ela, sem querer ir à capital e recusando ofertas para se unir a parentes, escolheu permanecer em Suzhou para cumprir o luto pelo pai e pela avó.
Durante o incidente do Festival Qixi, os traidores haviam se concentrado em Zhu Yuxiu e sua avó, poupando o velho servo da família. Agora, ele retornava para cuidar da jovem senhora, e os dois passariam a depender um do outro em sua solidão. Respeitando a decisão dela, Lu Heng não insistiu. Em vez disso, redigiu um memorial ao imperador, pedindo reconhecimento imperial e apoio para ela.
Lu Heng também providenciou a emancipação de Yuzhong. Nascida num bordel, ela fora registrada como cortesã por padrão. Contudo, suas informações sobre funcionários corruptos haviam sido inestimáveis na campanha contra os piratas. Em reconhecimento à sua contribuição — e para protegê-la de retaliação —, Lu Heng apagou seu registro original e criou uma nova identidade para ela.
Para uma mulher do mundo do prazer, isso era nada menos que um renascimento, uma reinvenção completa.
Com os Guardas Imperiais de Nanjing sob seu comando, alterar alguns registros era tarefa trivial para Lu Heng. Porém, Yuzhong, que nunca conhecera o pai nem o próprio sobrenome, precisava escolher um. Quando lhe perguntaram que nome queria adotar, ela respondeu, após um momento de reflexão:
— Não tenho sobrenome, mas minha irmã mais nova, vendida ao bordel por nosso tio, nasceu com o nome Yin. Vou adotar o dela. De agora em diante, sou Yin Yuzhong.
Assim, a famosa cantora Yuzhong desapareceu, e em seu lugar surgiu uma mulher comum chamada Yin Yuzhong.
Com essas questões resolvidas, Lu Heng se preparou para voltar à capital. Muitos disputavam a chance de oferecer-lhe banquetes de despedida, que ele aceitava publicamente. Mas, no dia da partida, partiu sem alarde.
Uma chuva leve caía quando Wang Yanqing ergueu as saias para subir ao navio. Uma criada a protegia cuidadosamente com um guarda-chuva, apressando-a:
— Senhora, a chuva está ficando mais forte. Vamos para a cabine.
Wang Yanqing assentiu com um som e estava prestes a entrar quando, através da cortina de chuva enevoada, viu uma carruagem parada no cais. Ao lado dela estava uma mulher, com a barra da saia molhada pelo tempo, claramente esperando havia muito.
Yin Yuzhong, ao saber que Lu Heng partiria em breve, mas sem saber o dia exato, vigiava o porto todos os dias. A sorte lhe concedera esse último vislumbre.
Seus olhares se cruzaram à distância. Yin Yuzhong não se aproximou; em vez disso, fez uma profunda reverência, desejando em silêncio a Wang Yanqing uma boa viagem. Wang Yanqing retribuiu o gesto com um sorriso.
Essa despedida provavelmente seria a última. Cada uma só podia desejar à outra uma vida inteira de paz e felicidade.
Notando a pausa de Wang Yanqing, a criada seguiu seu olhar e chamou suavemente:
— Senhora…
Wang Yanqing desviou o olhar e respondeu com calma:
— Vamos.
Yin Yuzhong observou a frota cortar as correntes do rio, abrindo vento e ondas até desaparecer na névoa. O rio estava coberto de bruma e, logo, os barcos sumiram de vista. Limpando a umidade dos cílios, ela se virou e entrou na carruagem.
Após anos nos aposentos do prazer, havia economizado uma quantia modesta, suficiente para viver confortavelmente se fosse cuidadosa. Porém, essa liberdade repentina a deixava à deriva, sem saber para onde ir.
Ela se lembrou do sonho da irmã: quando tivessem prata suficiente para comprar a liberdade, iriam para Hangzhou. Lá, acordariam no ritmo do sol e, nos dias de chuva, cruzariam o Lago Oeste num barco pintado, contemplando como sua beleza não precisava de adornos nem exageros. Decidida, Yin Yuzhong optou por ir para Hangzhou.
Em vida, sua irmã brincara com seus nomes — Yin Qin (Cítara) e Yuzhong (Sino de Jade) — dizendo: Não é o destino que eu segure minha irmãzinha, Yuzhong? Foi uma piada, mas a irmã levou a sério, insistindo em comprar bolinhos de jade naquele dia fatídico.
Hoje, embora Yuzhong tivesse conquistado sua liberdade, não havia mais ninguém para dividir um barco com ela.
No navio, a criada guardou o guarda-chuva. Quando voltou com chá quente, encontrou a senhora ainda sentada junto à janela, olhando para o cais. Espiando para fora, pegou um manto e disse:
— Senhora, os ventos do rio estão fortes e a chuva entra pela janela. Vai acabar pegando um resfriado, por favor venha mais para dentro.
Wang Yanqing murmurou em concordância, fechou a janela pela metade e se levantou para entrar. Enquanto servia o chá, a criada arriscou:
— Senhora, estava preocupada com aquela mulher? Não há necessidade. O Comandante apagou todos os rastros, ninguém vai encontrá-la. Para uma cortesã de alto nível como ela, ganhar uma fortuna em uma única noite não é problema. Ela já economizou bastante; não teria com o que se preocupar, mesmo que nunca se casasse.
— Eu sei — disse Wang Yanqing. — Ainda assim, tendo cruzado nossos caminhos, espero que ela encontre felicidade.
Adeus, Zhu Yuxiu, Yin Yuzhong e Jiangnan.
A viagem de volta, ao contrário da perigosa jornada rumo ao sul, foi tranquila. Haviam partido no auge do verão e agora viajavam sob o domínio do inverno. O canal do norte estava completamente congelado, forçando-os a seguir por terra.
Mesmo assim, chegaram à capital antes do fim do ano. Depois de escoltar Wang Yanqing para casa, Lu Heng trocou de roupa imediatamente e correu ao palácio para relatar ao imperador.
Enquanto as notícias da guerra vinham de Fu Tingzhou e Hu Zongxian, o relatório de Lu Heng focava no caso de Zhu Wan, nos piratas e nos funcionários corruptos de Jiangnan.
Sua narrativa, cuidadosamente moldada para exaltar suas ações, apresentava as mortes de Pang Yunqi e Chen Ming como necessárias. O imperador não se importou — só queria resultados. Desde a chegada de Lu Heng a Jiangnan, a maré havia virado na guerra contra os piratas japoneses, e as vitórias se acumulavam uma após outra, com vários generais se destacando.
Antes, só enfrentavam derrotas; agora, sob nova liderança, dominavam completamente, com até novos talentos surgindo. Isso não era prova suficiente? O imperador só se importava com o resultado, não com os meios para alcançá-lo.
Entre soberano e súdito, havia um entendimento tácito. O fato de Lu Heng ter executado oficiais imperiais sem decreto explícito foi discretamente abafado. Livre desse peso, ele passou a outro triunfo.
Ele havia apreendido um grande número de espingardas estrangeiras, talvez seu ganho mais significativo na campanha do sul. Investigar funcionários corruptos fazia parte de seu dever, mas conseguir armas ocidentais era um mérito além do esperado. Isso explicava seu entusiasmo no ataque à Ilha Jintai, onde sua primeira ordem ao desembarcar fora garantir as armas.
Ao ouvir o relatório, o imperador imediatamente mandou trazer as espingardas para inspeção. Os Guardas Imperiais fizeram uma demonstração no pátio do palácio. Impressionado com o poder de fogo, o imperador ordenou estudos para replicação, pretendendo substituir as armas chinesas ultrapassadas assim que a produção fosse viável.
Lu Heng voltou dos Palácios Ocidentais tarde naquela noite. Estava de ótimo humor. Mesmo após um dia inteiro de viagem, não conseguiu esconder o brilho nos olhos. Wang Yanqing não precisou de explicações e perguntou:
— Outra promoção?
Para sua surpresa, Lu Heng assentiu, sem falsa modéstia:
— Mmm.
Ela assimilou aquilo com calma, chegando até a fingir preocupação:
— Se você for promovido de novo, vai chegar à primeira patente. Logo alcançará o topo, e aí? O que vai fazer?
Divertido com a preocupação dela, Lu Heng entrou no jogo:
— É verdade. Talvez subir rápido demais seja uma maldição por si só… depois não sobra mais espaço para aspirar a nada.
Wang Yanqing lhe lançou um olhar e o ignorou. Alimentar a vaidade de um homem assim só piorava as coisas.
Dias depois, chegou o decreto imperial. Lu Heng foi promovido a Comandante-Geral Associado de Primeira Classe, assumindo o comando do Escritório Militar Traseiro.
Embora o decreto não desse nenhuma justificativa, ele havia desaparecido da capital por meio ano. Para quem vivia ali, não era difícil adivinhar que sua promoção provavelmente tinha relação com o campo de batalha contra os piratas japoneses no sudeste. Muitos suspiraram diante das reviravoltas do destino: o que outros não conseguiam em toda uma vida, Lu Heng tratava como rotina. Aos vinte e seis anos, chegava à primeira patente e estava prestes a atingir o posto mais alto. Um feito simplesmente impressionante.
Mas, nos corredores do poder, vinte e seis anos ainda eram só o começo.
Deixando de lado o abalo que sua promoção causou na burocracia, o próprio Lu Heng estava plenamente satisfeito. Antes, apesar da autoridade considerável, seu alcance se limitava à Guarda Imperial. Agora, como Comandante-Geral Associado, ele entrava no Escritório Militar Traseiro.
O Departamento Militar Regional era a maior autoridade em uma região, mas a defesa nacional ficava sob os Cinco Escritórios Militares: Central, Esquerdo, Direito, Frontal e Traseiro. Entre eles, o Escritório Militar Traseiro cuidava de Zhili do Norte, Prefeitura de Daning, Prefeitura de Wanquan, Prefeitura de Shanxi e Prefeitura de Shanxi Xing. Sua jurisdição incluía a região da capital e territórios estratégicos ao norte, sendo o mais importante entre os cinco.
A Guarda Imperial operava como comando independente, fora dos Cinco Escritórios. Como ex-comandante dessa força de elite, Lu Heng já detinha poder. Agora, como Comandante-Geral Associado, tornava-se vice-chefe do Escritório Militar Traseiro, mantendo o controle da Guarda Imperial — estendendo sua influência do policiamento secreto para todo o aparato militar.
Essa transição da Guarda Imperial para a estrutura central de comando marcava uma mudança clara. Depois de receber o decreto, Lu Heng estava em ótimo humor. Notando sua satisfação quase incontida, Wang Yanqing provocou:
— Parabéns pela ascensão, marido. Os eunucos trouxeram hoje à tarde suas novas vestes de Primeira Classe Associada. Venha, vamos ver se servem.
As vestes oficiais variavam conforme o posto e não podiam ser feitas por encomenda; eram emitidas pela corte. Normalmente, conseguir um novo conjunto levava de dez dias a meio mês. Mas os eunucos, sempre atentos à direção do vento, entregaram as de Lu Heng no mesmo dia.
A cada patente mais alta, os bordados ficavam mais elaborados. Wang Yanqing observava as vestes cada vez mais ornamentadas com um ar divertido:
— A juventude tem suas vantagens, ainda dá pra usar uns desenhos assim. Fique parado, a cintura precisa de ajuste. Vou pedir à bordadeira para corrigir depois.
Ela pinçou o tecido extra na lateral dele, medindo com cuidado. Quando ouviu Wang Yanqing mencionar juventude, Lu Heng sentiu um leve azedume — seria uma provocação disfarçada?
Parece que vou ter que provar com ações, pensou. Com o olhar fixo no lóbulo de orelha alvíssimo dela, murmurou:
— Para uma promoção tão significativa, não tem nada a dizer?
Concentrada nas medidas, Wang Yanqing respondeu brevemente:
— Parabéns, marido. Impressionante.
— Presente sem graça — Lu Heng a repreendeu. — Só palavras, sem conteúdo. Não é assim que você se comporta em banquetes.
Ocupada anotando as medidas, ela só murmurou um “hum” de concordância. Lu Heng a envolveu por trás e esperou até ela largar o pincel antes de declarar:
— Então está combinado.
Wang Yanqing se enrijeceu:
— Combinado o quê?
— Você concordou em começar o treinamento hoje à noite.
Ela franziu o cenho. Estava distraída, mas tinha certeza de que seu consentimento vago não tinha nada a ver com treinamento… certo?
Ao se virar, encontrou o rosto sorridente dele a poucos centímetros do seu ombro, os cílios tão próximos que dava para contar. Perguntou devagar:
— Que treinamento?
— Treino de resistência — Lu Heng respondeu sério. — Você não se lamentou pela queda nas suas habilidades marciais? Especialmente na resistência. Antes, tive pena do seu esforço e peguei leve durante as viagens. Mas agora já descansou vários dias. Melhor começar já do que esperar.
Ela olhou para o céu escurecendo:
— Agora?
— Persistência traz maestria. Como alcançar resultados se você fica escolhendo hora?
Ao ouvir isso, Wang Yanqing logo se corrigiu:
— Minha falha. Como vamos treinar?
— Você escolhe — ele disse, o hálito quente roçando seu pescoço. — Qualquer lugar que preferir.
Quanto mais ouvia, mais crescia uma suspeita incômoda:
— Espere… que treino você está falando?
— O que você acha? — Ele envolveu a cintura dela e a colocou facilmente sobre a mesa redonda. — Vamos aquecer primeiro, assim não vai doer depois. Da última vez meu braço estava machucado e tivemos que parar. Agora, em casa, não precisamos nos preocupar com barulho. Vamos sem reservas.
Lembranças daquele momento tingiram o rosto dela:
— Você não pode estar falando sério…
— Você foi péssima por cima — ele disse, olhando-a com decepção. — Preciso treinar você direito. Se o mestre não estiver satisfeito, não tem diploma.
Wang Yanqing já não sabia por que ainda acreditava em qualquer palavra dele. Ela se ajoelhou sobre a colcha de brocado, as mãos segurando o encosto da cama com pouca força, a respiração ofegante e a cabeça baixa. O cabelo caía como uma cascata por um lado, negro contra a pele alva, um contraste que despertava vontade de explorar a maciez escondida.
Os fios próximos à testa e ao pescoço estavam úmidos, grudando na pele e delineando seu pescoço longo e gracioso. Inclinada para frente, seus cabelos roçavam o peito dele, as pontas tocando levemente a cada respiração — um toque que fazia a coceira se infiltrar até os ossos.
Lu Heng estava recostado na cama, apreciando em silêncio a cena diante dele: pele como neve, cabelos longos sobre os ombros, brilhando de suor. A cintura fina, firme e ao mesmo tempo macia. Ele passou a mão pela lombar dela e murmurou baixinho:
— Qing Qing, a aula ainda não acabou.
Wang Yanqing cerrou os dentes:
— Acho que você nunca vai se dar por satisfeito.
— Verdade — ele concordou. — Você ainda é jovem, não há pressa pra terminar. Vá com calma.
Nesse ponto, ela se mantinha ereta apenas com a força da cintura. As pernas tremiam, mas não conseguia sentar nem se afastar. Cada movimento ressaltava a presença dominante dele. Ela perguntou, mordendo o lábio:
— O que exatamente você quer?
— Simples — Lu Heng continuou apertando suavemente os músculos da cintura dela. — Sua voz é tão doce… aposto que fica ainda melhor se você chamar.
— Não!
— Então não posso fazer nada — ele disse, com falsa resignação. — Se o professor dá a resposta e você não copia, vai ter que achar sozinha como passar na prova.
Cortinas vermelhas tocavam o chão, velas em forma de flor choravam lágrimas de cera. Atrás do dossel, duas figuras se enfrentavam, visíveis apenas como silhuetas difusas. A chama tremulava, e um suspiro abafado de mulher ecoava. Sua silhueta arqueava numa curva de tirar o fôlego, a respiração tornando-se cada vez mais descompassada.
No barco, Lu Heng precisava se preocupar com os guardas do lado de fora. Na estalagem, precisava se preocupar com as paredes finas. Nos últimos seis meses, ele vinha se contendo. Agora, de volta à própria residência, finalmente podia fazer o que quisesse.
Com o feriado de Ano-Novo, Lu Heng tinha tempo de sobra para se atualizar com Qing Qing.
Na manhã seguinte, Wang Yanqing acordou com a voz rouca. Ao se lembrar da cena final da noite anterior, cobriu os olhos, sem coragem de encarar a lembrança.
Lu Heng realmente era o tipo de homem que conseguia tudo o que queria.
Com suas interrupções constantes, suas manhãs quase sempre se atrasavam, e ela ainda não tinha voltado aos treinos de artes marciais. Talvez por causa dos excessos dele, estava começando a dormir demais, sentir preguiça e ficar sem forças. Lu Heng ia para o escritório durante o dia, e ela normalmente almoçava sozinha. Naquele dia, mal tocou na comida, sem apetite, e acabou mandando os criados levarem a refeição embora.
Voltando para o quarto, deitou-se novamente. Dormiu pesado e, quando acordou grogue, as cortinas da cama já estavam fechadas. O quarto estava na penumbra; ela não conseguia saber que horas eram. Só queria tirar um cochilo rápido e não tinha fechado as cortinas. Quem fez isso?
Ela se sentou para beber um pouco de água, e, nesse momento, passos soaram do lado de fora. Um par de mãos longas e claras levantou a cortina e a prendeu com cuidado, antes de se sentar ao lado da cama. Ao vê-lo, Wang Yanqing perguntou:
— Eu dormi até a noite?
— Voltei mais cedo. — Lu Heng a olhou, e, por algum motivo, seus olhos estavam sérios. — Qing Qing, você lembra quando era para vir a sua menstruação este mês?
Ela mordeu o lábio, pensando, mas, antes que pudesse responder, Lu Heng disse:
— Se não me engano, era para ter vindo por volta do dia dois.
Wang Yanqing ficou em silêncio. Já era o dia dezesseis do segundo mês. Sua menstruação estava quase duas semanas atrasada.
Seu ciclo sempre fora irregular, mas agora estava casada, e, ultimamente, também vinha sentindo náuseas e fadiga.
Ela não se atrevia a pensar na possibilidade. Lu Heng pegou sua mão com cuidado, apertando-a de leve:
— Não tenha medo. Vou chamar um médico em segredo para examiná-la. Uma criança é uma bênção. Seja verdade ou não, está tudo bem de qualquer jeito.
Aquele dia, Lu Heng tinha voltado mais cedo depois de ouvir dos criados que Wang Yanqing não havia comido e tinha ido dormir. Ling Xi e Ling Luan vinham observando-a discretamente e suspeitavam que ela pudesse estar grávida.
Quando Lu Heng soube da notícia, não ousou ignorá-la e voltou correndo para a mansão. Chamou um médico e esperou até que Wang Yanqing acordasse para pedir que examinasse seu pulso. O médico colocou um pano sob seu punho e começou a sentir a pulsação. Lu Heng e Wang Yanqing o observavam fixamente, sem piscar. Sob aquele olhar intenso, o médico ficou nervoso e, com medo de errar, manteve o exame por mais tempo que o habitual.
Notando a demora, o coração de Lu Heng foi se apertando sem perceber. Sob o peso do olhar inabalável dele, o couro cabeludo do médico formigava. Por dentro, estava dividido: achava que era pulso de gravidez, mas, vendo a seriedade com que o Comandante Supremo tratava a questão, duvidou que fosse algo tão simples.
Reuniu toda a sua habilidade, mas não encontrou outro problema. Finalmente, sob o olhar opressor de Lu Heng, levantou-se e gaguejou:
— P-parabéns, Comandante Supremo. O pulso da madame está escorregadio, o que provavelmente indica gravidez.
Na maioria das casas, ouvir “pulso escorregadio” traria grande alegria. Mas o rosto de Lu Heng ficou ainda mais sério:
— Provavelmente?
O médico imediatamente começou a duvidar de si mesmo e respondeu com cautela:
— Não ouso afirmar com certeza. Às vezes, mulheres com constituição fria ou deficiência de sangue também apresentam pulso escorregadio. O ideal é esperar até três meses, quando a gestação se estabiliza, para confirmar.
Lu Heng assentiu e fez sinal para Ling Xi conduzir o médico para receber o pagamento:
— Volte daqui a um mês e meio para examinar novamente.
— Claro.
Wang Yanqing apertou os dedos com força. Desde o momento em que ouviu “pulso escorregadio”, ficou atônita. Nem percebeu quando o médico foi embora. Quando voltou a si, notou que Lu Heng havia colocado uma almofada macia atrás de sua cintura e retirado todos os objetos pontiagudos por perto:
— Não fique nervosa. Se daqui a um mês e meio descobrirmos que não é gravidez, significa que sua saúde está boa, e isso já é uma bênção. Mas, se for, então vamos ter um filho, e será uma bênção ainda maior.
Sua mão pousou instintivamente no baixo-ventre. Ainda lhe parecia irreal. Será que já havia uma vidinha crescendo ali dentro?
Ela se apavorou:
— Mas eu não sei nada sobre isso...
— Não tem problema. — Lu Heng colocou a mão sobre a dela, protegendo ao mesmo tempo a esposa e o possível filho. — Eu também não sei nada. Vamos aprender juntos.
Embora o Ano-Novo tivesse acabado de passar, o frio da primavera ainda persistia. Toda a capital parecia envolta numa preguiça branda, mas a Mansão Lu estava em alerta máximo, guardada como se fosse para a guerra. Lu Heng até começou a deixar de lado assuntos no Escritório Militar Traseiro, correndo para casa sempre que tinha um momento livre.
Para alguém tão obcecado pelo trabalho quanto Lu Heng, aquilo era extremamente incomum. Todos ao redor ficaram discretamente atentos, suspeitando que houvesse algum motivo oculto. Então, justamente quando a primavera começava a florescer, espalhou-se repentinamente a notícia alegre: a Senhora Lu estava grávida.
Após a execução do líder pirata Xu Hai, as costas leste e sul continuaram em combate por mais um ano. Chen Dong foi capturado, Wang Zhi se rendeu e, por fim, a aliança com os piratas costeiros foi rompida, permitindo uma campanha total para eliminar a ameaça. Com a pacificação quase completa, Fu Tingzhou foi chamado de volta à capital. Hu Zongxian o sucedeu, sendo promovido a Governador, supervisionando a província de Zhili do sul.
Os generais Yu Dayou e Qi Jiguang tornaram-se nomes conhecidos nos últimos dois anos. As tropas sob seu comando foram apelidadas de Exército Yu e Exército Qi, com o povo chamando-os respeitosamente de “Dragão Yu” e “Tigre Qi”. Suas ferozes campanhas contra os piratas lhes renderam grande admiração popular.
Fu Tingzhou retornou à capital durante a primeira neve de Zhili do norte. Saindo do frio úmido de Jiangnan para o gelo cortante da capital, até ele sentiu certa estranheza. Guo Xun liderou pessoalmente a comitiva para recebê-lo no portão da cidade. Ao vê-lo, não conteve o riso:
— Muito bem! Sua vitória já correu por toda a capital, foi uma bela campanha!
Fu Tingzhou respondeu com um sorriso contido:
— Obrigado, Marquês de Wuding. Foi um esforço coletivo.
Guo Xun dispensou a modéstia, batendo com força em seu ombro:
— Mesmo assim, foi graças ao seu comando como Governador. É claro que o maior crédito é seu. Vá primeiro se apresentar no palácio e, quando terminar, venha direto para a Mansão do Marquês de Wuding, que vou dar um banquete para você!
Fu Tingzhou sorriu e concordou. Na Mansão do Marquês de Zhenyuan, Hong Wanqing esperara ansiosa o dia inteiro, mas Fu Tingzhou ainda não havia voltado. Incapaz de conter a inquietação, chamou um criado e perguntou:
— Onde está o marquês? A carta não dizia que ele chegaria hoje? Já está escurecendo, por que ele ainda não voltou?
O criado correu ao pátio da frente para se informar e voltou com a resposta:
— Senhora, o marquês foi para a Mansão do Marquês de Wuding depois de sair do palácio. O Marquês de Wuding está oferecendo um banquete esta noite. Muitos nobres e oficiais militares estão presentes. É provável que o marquês não volte para casa hoje.
Hong Wanqing suspirou, desapontada, mas Madame Chen, ao ouvir a notícia, ficou satisfeita por seu filho ser o convidado de honra. Sorriu radiante:
— Então ele está na Mansão do Marquês de Wuding. Vocês deviam ter me avisado antes. Mandem uma mensagem para que o marquês aproveite o banquete em paz. Digam que não há nada urgente em casa.
Ao saber que Fu Tingzhou voltara são e salvo, Madame Chen ficou tranquila. Seu filho estava em casa; que mal havia em não vê-lo por mais um dia? Por que atrapalhar a comemoração dos homens? As jovens damas da família Fu também estavam radiantes. Com o irmão tendo conquistado tanto mérito militar, suas próprias chances de casamento subiriam junto. Toda a casa estava em festa, até as criadas sorriam. Apenas Hong Wanqing permanecia sentada em silêncio na sala principal, destoando da alegria geral.
Na Mansão do Marquês de Wuding, o vinho corria e a música dançava. O salão estava repleto de nobres e oficiais militares. Naturalmente, havia dançarinas para animar o ambiente. Guo Xun, conhecedor dos prazeres, havia organizado tudo com esmero. Logo, muitos homens já estavam bêbados e paquerando as artistas.
Duas belas dançarinas serviam Fu Tingzhou, uma de cada lado — uma lhe servia vinho, a outra lhe colocava comida. Alguém próximo riu alto:
— O Marquês de Zhenyuan está aproveitando bem, com esquerda e direita a seu dispor!
As duas dançarinas ouviram aquilo e baixaram o queixo timidamente, embora o canto dos olhos lançasse olhares furtivos para Fu Tingzhou, carregados de afeição e charme sedutor. Guo Xun, sentado à cabeceira da mesa, ouviu e logo falou na direção de Fu Tingzhou:
— Se o Marquês de Zhenyuan gostar delas, as duas são suas. Você passou anos fora em campanhas militares, ficando dois ou três anos ausente de cada vez. Está na hora de ter um herdeiro.
O herdeiro do Marquês de Yongping estava sentado não muito longe e, ao ouvir as palavras de Guo Xun, permaneceu calado. Era irmão mais velho de Hong Wanqing e, naturalmente, sabia que sua irmã ainda não tinha filhos. Mas para um homem, ter três ou quatro esposas era algo comum. Iria ele criar uma cena com Fu Tingzhou, durante um banquete, por causa de uma irmã que já estava casada?
Além disso, as dançarinas tinham sido enviadas por Guo Xun, o próprio tio materno de Hong Wanqing. Claramente, aos olhos de Guo Xun, o vitorioso Fu Tingzhou valia muito mais do que sua sobrinha.
Outros também entraram na conversa:
— É isso mesmo, até o Comandante Supremo Lu já tem um filho. Se você não agir logo, será o último da elite da capital.
Fu Tingzhou sempre jogava bem o jogo social, participando pela metade e se mantendo à parte. Mas, ao ouvir aquilo, ficou subitamente atônito e perguntou:
— Lu Heng tem um filho?
Ele sabia que Lu Heng havia sido promovido, mas não que estava esperando um herdeiro. No ano em que esteve fora da capital, teria perdido tantas coisas assim?
Outro convidado disse, em tom animado:
— Sim, você voltou tarde demais. Se tivesse chegado alguns dias antes, teria participado do banquete de um mês de vida do filho dele.
Muitos à mesa estavam embriagados e, sob o efeito do álcool, deixavam escapar coisas que, sóbrios, jamais ousariam dizer:
— Já está nessa idade e só agora teve um filho. Casou-se tarde e, mesmo depois de casado, passaram-se anos sem sinal de criança. Eu, sinceramente, achei que ele não era muito capaz. Nunca imaginei que acabaria tendo um filho.
— Ouvi dizer que a esposa dele tinha constituição fraca, difícil de engravidar, e que tomava remédios em segredo.
— Então por que não tomou uma concubina?
— Quem sabe?
Fu Tingzhou ouviu aquilo e perguntou:
— A esposa dele tomava remédios? O que aconteceu?
Os homens à mesa se entreolharam, visivelmente constrangidos por discutir assuntos íntimos da esposa de outro homem. Um deles deu de ombros e respondeu vagamente:
— Não sei dos detalhes. Minha esposa comentou por alto. Dizem que a senhora Lu se machucou quando era mais jovem e quase perdeu a capacidade de ter filhos. Mas agora Lu Heng tem um filho, e o menino parecia bem forte no banquete de um mês, então imagino que ela tenha se recuperado.
O coração de Fu Tingzhou se contraiu como se estivesse preso por uma mão, tremendo tanto que quase derramou o vinho.
Ela se machucou quando jovem e quase perdeu a capacidade de conceber?
Quando isso aconteceu?
Uma dor profunda tomou conta de Fu Tingzhou. Ele quase arruinara o futuro dela sem nem saber.
Se ela não tivesse passado por aquele acidente e tivesse permanecido na Mansão do Marquês de Zhenyuan, incapaz de ter filhos… Mesmo que Fu Tingzhou nunca se importasse muito com os assuntos internos da casa, sabia que tal destino traria sofrimento sem fim para uma mulher. Pensando no temperamento de sua mãe, de repente sentiu alívio por ela ter ido embora.
Ela perdera os pais ainda muito jovem; talvez fosse a vontade da família já falecida protegê-la, fazendo-a esquecer o passado e começar de novo. Casar-se com Lu Heng realmente a tornara muito mais feliz do que se tivesse se casado com ele.
Fu Tingzhou virou de uma vez uma taça de vinho. A cortesã ao seu lado se assustou com a brusquidão. Ela tinha a intenção de provocá-lo, mas, ao erguer os olhos e ver a expressão de Fu Tingzhou, ficou com medo e não ousou mais se agarrar a ele.
Lu Heng era um assunto proibido na capital; ninguém se atrevia a fofocar sobre ele. Raramente participava de banquetes e tinha fama de ser distante. Mas, com o vinho correndo solto, as pessoas não conseguiam se conter:
— Ele foi promovido ao mais alto posto ainda na casa dos vinte anos, transferido para o Escritório do Exército da Retaguarda e, mesmo assim, continua com poder sobre a Guarda Imperial. O imperador confia demais nele.
— É o único que ainda consegue se encontrar com o imperador regularmente. Mesmo quando o Auxiliar-Chefe Xia pede audiência, precisa esperar, mas Lu Heng entra e sai do Palácio Oeste livremente. Até as Fábricas do Leste e do Oeste repetem suas palavras. O que alguém pode fazer?
— Tem um cargo altíssimo, uma esposa virtuosa e, agora, um filho. Não é à toa que vive sorrindo. Ouvi dizer que o próprio imperador escolheu o nome do menino.
Ninguém sabia dizer se havia mais inveja ou ciúme naquelas falas, mas o tom azedo era evidente. Fu Tingzhou vinha ouvindo tudo em silêncio, até que perguntou de repente:
— Qual é o nome da criança?
Os presentes se surpreenderam, sem entender muito bem:
— O quê?
— O filho deles. Qual é o nome dele?
Trocaram olhares e, por fim, alguém respondeu, incerto:
— Acho que é Lu Xuan.
Fu Tingzhou, em silêncio, encheu de novo a taça e bebeu tudo de uma vez só.
A mesa estava cheia de convidados nobres, mas nenhum deles entendeu se o “deles” ao qual ele se referia era de um homem ou de uma mulher.
Bom. Agora ela era esposa de um alto funcionário. Com marido e filho, teria uma vida estável pela frente. O futuro que um dia sonharam quando eram crianças… pelo menos ela havia alcançado.
Depois disso, Fu Tingzhou caiu em um silêncio incomum, bebendo taça após taça. As duas dançarinas não ousaram mais se aproximar. Guo Xun, ao vê-lo beber com um semblante sombrio, presumiu que estivesse incomodado por causa de Lu Heng.
— Vocês, jovens, ainda têm um longo caminho pela frente, não precisam competir por vitórias de curto prazo. Você é dois anos mais novo que ele. Se voltar pra casa hoje à noite e engravidar uma mulher de um filho homem, já vai ter superado ele.
A mesa inteira explodiu em gargalhadas cúmplices. Nobres jovens, criados nesse ambiente, aprendiam piadas grosseiras desde cedo. Fu Tingzhou crescera nesses círculos e já estava acostumado. Enquanto zombavam dele falando de mulheres, Fu Tingzhou se lembrou, de repente, de uma ocasião muitos anos atrás, no banquete de aniversário de seu avô, quando um jovem nobre havia feito uma piada obscena. Todos riram, mas Wang Yanqing claramente não gostou; suas orelhas ficaram vermelhas de vergonha.
Tantos anos tinham passado num piscar de olhos. Será que ela ainda ficava tão facilmente constrangida assim?
De repente, Fu Tingzhou falou, interrompendo as risadas ao redor da mesa:
— Receio que não consiga superar o Comandante Supremo Lu. Na audiência de hoje com o imperador, ele expressou a intenção de me enviar para Gansu. Partirei em breve e temo que não haja tempo para pensar em ter filhos.
Todos à mesa ficaram em silêncio. Guo Xun perguntou, com seriedade:
— O imperador quer nomeá-lo general de Gansu?
Fu Tingzhou assentiu. Guo Xun bateu palmas e riu com entusiasmo:
— Recém-saído de uma vitória militar e agora confiado com poder de verdade, realmente impressionante para alguém tão jovem. Vamos, brindemos todos ao Marquês de Zhenyuan!
Um grupo de homens se reuniu sem reservas, festejando a noite inteira. Só na segunda metade da noite cada um levou alguém e se retirou para seus aposentos.
Na tarde seguinte, o herdeiro do Marquês de Yongping finalmente voltou para casa. A marquesa de Yongping, ao ver o filho, apressou-se em perguntar:
— Por que só voltou agora? O que seu tio disse ontem?
O Marquês de Yongping estivera ocupado com assuntos oficiais no dia anterior e, por isso, enviara o filho para representá-lo no banquete. O herdeiro tomou um gole de chá, forçando a descer o amargor na garganta, depois pousou a xícara e disse, de repente, com expressão séria:
— Mãe, Fu Tingzhou vai para Gansu depois do Ano-Novo. Minha irmã ainda não tem um herdeiro legítimo. Não deveríamos começar a pensar em algo?
A marquesa de Yongping ficou atônita:
— Esses… assuntos do quarto conjugal… que solução poderíamos, nós, a família dela, encontrar?
********************
|| Nota da Autora:
Pequeno e propenso a duvidar de si mesmo, um certo alguém de sobrenome Lu:
Quando outros dizem que ele é mais velho que a esposa – Lu Heng: Ela deve estar me zombando por eu ser velho.
Quando a esposa diz que ele fica bem com roupas juvenis – Lu Heng: Ela com certeza está insinuando que eu sou velho.
Capítulo 133: Criança
À noite, Hong Wanqing estava deitada sozinha na cama, rolando de um lado para o outro. Seu marido estivera fora de casa por um ano e meio e, agora que retornara em triunfo, ela não fora a primeira pessoa a vê-lo. Mesmo quando enviou alguém para perguntar sobre o paradeiro de Fu Tingzhou, foi repreendida pela Senhora Chen, que disse que ela estava sendo insensível e atrapalhando os assuntos importantes de um homem.
Mas ela era sua esposa.
Hong Wanqing não conseguia dormir. Fitando as flores da árvore-de-seda sobre a cama, não pôde evitar o pensamento: o banquete desta noite estava cheio de oficiais militares, será que ele passaria a noite com alguma das dançarinas? E em Jiangnan, um lugar cheio de bordéis, será que ele havia tomado uma amante nos últimos dois anos?
Quanto mais pensava, mais ansiosa ficava. Virou-se e revirou-se por um bom tempo, até finalmente adormecer no meio da noite.
No dia seguinte, levantou-se cedo para arrumar o cabelo e se maquiar. Nem mesmo no dia do casamento havia se vestido com tanto cuidado. Esperou ansiosamente até o meio-dia, quando, de repente, uma criada entrou correndo para anunciar:
— Senhora, o marquês voltou.
Hong Wanqing saltou imediatamente de pé e correu para o espelho para verificar os enfeites no cabelo:
— Onde ele está agora? Já entrou?
A criada hesitou, depois abaixou a cabeça e disse:
— O marquês foi ao pátio da Velha Senhora prestar seus respeitos.
Hong Wanqing apressou-se para os aposentos da Senhora Chen e, no caminho, encontrou suas cunhadas, que também tinham vindo cumprimentá-lo. Constrangida, juntou-se ao grupo e, ao entrarem, ouviram alguém lá dentro dizer:
— … Vai para Gansu? Você acabou de voltar, por que já vai partir de novo?
— É ordem do imperador. Partirei depois do Ano-Novo.
Ao ouvir isso, a Senhora Chen ficou ainda mais aflita:
— Qual a pressa? Ao menos fique até o fim do primeiro mês.
Fu Tingzhou respondeu calmamente:
— Ordem militar não se desobedece.
A Senhora Chen suspirou. Se o imperador já havia ordenado, o que poderia fazer? Nesse momento, viu Hong Wanqing e as outras damas chegarem e acenou para que entrassem:
— Vocês já ouviram, não é? O marquês logo irá para a linha de frente. Se têm algo a dizer a ele, falem agora, enquanto ainda há tempo.
Quando Hong Wanqing ouviu que ele partiria de novo depois do Ano-Novo, foi como se um raio caísse sobre sua cabeça. Sentou-se ao lado da Senhora Chen com as outras, forçando um sorriso no rosto. Mas, no fundo, remoía-se. Já estava casada havia quase três anos e ainda não tinha filhos. Agora que Fu Tingzhou deixaria a capital mais uma vez, quem sabia quando retornaria? Será que eu deveria acompanhá-lo nessa nova missão?
Mas Gansu era desolada e remota, com ventos ferozes e tempestades de areia. Só de pensar em viver num lugar assim, Hong Wanqing sentia-se profundamente relutante. Com tantas preocupações na cabeça, não tinha ânimo para participar da conversa com a Senhora Chen e as outras. Ainda assim, parecia que elas tinham assunto de sobra, tagarelando sem parar com Fu Tingzhou. Forçada a sentar e ouvir, Hong Wanqing sentiu-se uma tola, suportando em silêncio mais de uma hora de conversa vazia que só a deixou ainda mais irritada.
Quando finalmente conseguiu se retirar, já estava ficando tarde. Depois de um ano e meio fora, Fu Tingzhou certamente voltaria para o quarto principal. Hong Wanqing caminhou ao lado dele, eufórica, e assim que chegaram ao aposento, ela imediatamente chamou as criadas para trazerem chá e doces, dando instruções animadamente.
Fu Tingzhou queria dizer para não se incomodarem, pois pretendia apenas sentar por um momento antes de sair. Mas, ao ver o entusiasmo dela, não teve coragem de falar nada. Apenas abaixou a cabeça e tomou um gole de chá, evitando conversa. Sentada à sua frente, Hong Wanqing presumiu que ele tivesse gostado do chá e, assim que ele colocou a xícara de volta, ela logo a encheu novamente:
— Marquês, este é chá Liu’an colhido na primavera, especialmente de Monte Qiyun.
Fu Tingzhou respondeu com um leve “hum” e ficou girando a xícara lentamente, sem dizer mais nada. Hong Wanqing esperou um pouco, tentando puxar conversa:
— Ontem, depois de sair do palácio, por que foi direto para a Mansão do Marquês de Wuding, sem passar em casa para trocar de roupa? Já faz tempo que não visitamos meu tio, como ele está?
— O Marquês de Wuding está bem.
— Marquês, o senhor vai para Gansu? É tão longe… Quanto tempo ficará lá?
— Seguirei as ordens da corte.
Quando um homem não quer conversar, não há ambiguidade. Se quisesse, encontraria algo para dizer até para a mais fria das belezas. Se não quisesse, por mais assuntos que lhe apresentassem, ignoraria todos.
Hong Wanqing tentou mais uma vez, mas não encontrou como prosseguir. Planejava usar o assunto de Gansu para, aos poucos, introduzir a ideia de acompanhá-lo, mas Fu Tingzhou não colaborava. O que poderia fazer?
Ela disse:
— De qualquer forma, o senhor ficará em casa por um mês. Ao menos poderá descansar. Marquês, a Quarta Irmã vai se casar durante o Ano-Novo. Não sei se o senhor poderá ir. Aqui, este é o presente de casamento que preparei para ela. O que acha?
Pediu à criada que trouxesse um conjunto de enfeites de cabelo de ouro maciço da caixa de joias. Fu Tingzhou deu apenas uma olhada rápida, assentiu e disse:
— Você é a cunhada mais velha dela, deixo isso aos seus cuidados.
Ao falar sobre joias, Hong Wanqing finalmente encontrou um assunto que dominava e começou a falar com entusiasmo:
— Estamos quase no fim do ano, e há tantos banquetes na capital… até o palácio está preparando eventos. Uma nova joalheria abriu este ano, e os fios de ouro deles são tão finos e uniformes. Os desenhos de flores e pássaros que fazem são lindos. Não há outra loja assim na capital e cada lançamento é vendido imediatamente. A Quarta Irmã é jovem e uma noiva nova, então comprei para ela um conjunto com borboletas e flores. Para mim, guardei um conjunto de fênix segurando uma pérola. Infelizmente, o mais bonito de todos — ouro incrustado com jade — já tinha sido reservado pela família Lu…
Fu Tingzhou ouvia sem muito interesse, mas, ao saber que a família Lu também havia encomendado um conjunto, finalmente ergueu os olhos e examinou o trabalho da peça.
A joia era de fato primorosa. Os fios de ouro finíssimos eram tecidos em borboletas e pétalas, com camadas ricas em detalhes vívidos. Apesar de ser ouro puro, não tinha aparência vulgar. Tinha elegância e imponência. Fu Tingzhou imaginou como ficaria com incrustações de jade. Certamente, alcançaria um equilíbrio perfeito entre delicadeza e nobreza.
Com certeza ficaria linda nela.
Hong Wanqing ainda reclamava, murmurando como havia chegado primeiro, estando ali pessoalmente, mas o criado da família Lu pegou o conjunto diante de seus olhos. Suas palavras estavam carregadas de ressentimento e, de repente, Fu Tingzhou disse:
— É só um conjunto de joias. Deixe para ela.
Hong Wanqing estava apenas desabafando. O episódio já havia acontecido fazia tempo e, na verdade, ela não se importava mais; só sentia um leve incômodo ao lembrar. Mas Fu Tingzhou, com clara impaciência, cortou suas palavras e disse, de forma direta, que desse a Wang Yanqing.
Como se fosse natural que Wang Yanqing merecesse algo melhor do que ela.
Hong Wanqing ficou imóvel. Quando finalmente entendeu suas palavras, todas as mágoas e a raiva reprimidas desde o dia anterior transbordaram sem controle. Sua expressão se fechou:
— O que quer dizer com isso, Marquês? Eu sou sua esposa legítima. A Marquesa de Zhenyuan, e ainda assim, em seu coração, não valho mais que uma estranha?
Uma estranha. Fu Tingzhou achou essas palavras duras como lâmina e seu tom também esfriou:
— Se sabe que é a Marquesa, por que está sendo tão irracional? Que vergonha.
— O senhor acha que estou sendo irracional? — Hong Wanqing o encarou, incrédula. Uma onda de tristeza a dominou, e as lágrimas começaram a cair. — Eu tinha apenas dezessete anos quando nosso noivado foi acertado. Mas o senhor cumpriu luto, depois seguiu o imperador na Patrulha do Sul e, mais tarde, foi para Datong. Esperei três anos inteiros até finalmente nos casarmos. Eu alguma vez reclamei? Depois do casamento, o senhor nunca entrou nos aposentos internos. Viajou por terras distantes, guerreando, enquanto eu cuidava da casa, honrava seus pais e avó, e organizava os casamentos de suas irmãs mais novas.Desde o dia em que entrei para a família Fu, trabalhei duro e fiz tudo sozinha. Agora, só por causa de uma joia, você me acusa de ser irracional?
Assim que começou a chorar, não conseguiu mais parar. Todas as mágoas que engolira desde o casamento vieram à tona. Fu Tingzhou observou suas lágrimas e sentiu uma pontada de culpa — mas era apenas culpa.
Um dia, ele acreditara que um homem jamais poderia suportar ver uma mulher chorar. Quando Qing Qing se entristecia, mesmo que levemente, seu coração doía. Se os olhos dela se enchiam de lágrimas, ele sentia como se sua alma fosse dilacerada e jurava nunca mais fazê-la chorar. Mas agora, vendo Hong Wanqing chorar diante dele, percebeu que lágrimas não tinham nada de belo. Qualquer pessoa que perdesse o controle das próprias emoções ficava feia.
Ele sabia que havia magoado Hong Wanqing, mas culpa não era afeto, e responsabilidade não podia se transformar em amor.
Fu Tingzhou sentou-se em silêncio diante dela. Depois de um momento, levantou-se e disse:
— Não fique imaginando coisas. Você cumpriu muito bem o seu papel como marquesa consorte, e ninguém vai ameaçar sua posição. Não chore, pegue um lenço e seque essas lágrimas.
Dito isso, foi embora.
Hong Wanqing sentiu o momento em que ele se virou para sair e, instintivamente, levantou o rosto, surpresa. Mas só conseguiu ver de relance suas costas enquanto ele erguia a cortina para deixar o aposento. Ficou sentada, imóvel, no divã luohan, incapaz de reagir por um longo tempo.
Como ele podia ser tão frio e sem coração? Ela estava enganada. Num mundo cheio de casais que apenas mantinham as aparências, por que achara que seria a exceção? Que apenas ter o título de esposa dele um dia lhe traria seu amor?
Pela ordem dos pais e pelas palavras da casamenteira, o que ela havia “casado” nunca fora realmente uma pessoa; apenas assumira o título de marquesa consorte de Zhenyuan. Uma união entre famílias — esse casamento sempre fora um acordo entre ele, seu pai e seu tio. Nunca tivera nada a ver com ela!
Ao perceber isso, Hong Wanqing chorou ainda mais, soluços rasgando-lhe o peito.
A notícia se espalhou rapidamente pela Mansão do Marquês de Zhenyuan. Depois de voltar da guerra, o marquês havia ficado menos de um quarto de hora no quarto da senhora Hong antes de sair. Depois disso, a marquesa consorte permaneceu lá dentro chorando por um longo tempo. Não era preciso perguntar: todos sabiam que o casal havia brigado novamente.
Os criados sussurravam com pena, mas ninguém ousava dizer muito. A discussão causou tanto alvoroço que, de alguma forma, a família materna da marquesa — a Mansão do Marquês de Yongping — também soube. A própria marquesa consorte de Yongping veio, o rosto cheio de preocupação ao olhar para a filha:
— Ouvi dizer que você brigou com o marquês por causa de uma joia de ouro?
Hong Wanqing respondeu com um murmúrio sem vida. Não tinha sido por causa da joia, mas também não era errado dizer que sim. A marquesa de Yongping sentiu-se angustiada. Alternava entre broncas e tentativas de consolo, incapaz de entender como a filha, antes obediente e cheia de vida, havia se tornado tão difícil depois de casada.
Após uma longa rodada de conselhos sem efeito visível, sua expressão endureceu:
— Não leve isso de forma leviana. Seu pai está furioso depois de saber o que você fez. Fazer birra com o marido por causa de enfeites de ouro e prata... é assim que uma esposa deve se comportar?
— Não foi por causa da joia! — Hong Wanqing gritou, frustrada, mas ao encarar o olhar da mãe, engoliu o resto das palavras. Será que meus pais não sabem qual é o verdadeiro problema? Não, eles sabiam — apenas não se importavam.
Aos olhos deles, ela havia se casado com o marido ideal: jovem, promissor, com um futuro brilhante, além de bonito e imponente. O que mais ela poderia querer? O fato de Fu Tingzhou não amá-la não tinha importância alguma. Desde que o casamento gerasse um herdeiro, isso bastava.
Só Hong Wanqing sabia como era doloroso viver com um homem que não a amava. E o que mais doía era que sua própria mãe não entendia sua tristeza — apenas achava que a filha estava exagerando.
Vendo a filha finalmente quieta, a marquesa de Yongping suavizou o tom e ofereceu conselhos mais brandos:
— Eu sei que você é orgulhosa e teimosa, mas casamento é assim mesmo. Sabe por que dizem que a lua de mel é doce? Porque nos três primeiros meses ainda existe harmonia. Quando a novidade acaba, os homens sempre vão procurar outra mulher. O que você deve fazer é manter as outras sob controle, fazê-las entender que é você quem manda, em vez de competir com elas. E, principalmente, não brigue com seu marido — isso só o afasta mais.
Hong Wanqing permaneceu em silêncio. A marquesa de Yongping olhou para a filha, antes tão altiva e cheia de energia, agora apática e sem brilho depois de apenas alguns anos de casamento, e não pôde deixar de suspirar. Lembrando-se do verdadeiro motivo da visita, apertou a mão de Hong Wanqing e disse:
— Filha, todo esse papo de romance e paixão é só bobagem inventada por livros. O que realmente importa é duas pessoas levarem a vida juntas.
O amor é uma mentira? Então por que Lu Heng recusara ter concubinas por tantos anos por causa de Wang Yanqing? Por que Fu Tingzhou ainda a mantinha até hoje?
A marquesa de Yongping, vendo a filha de olhos baixos e temendo que ela voltasse a se afundar, falou rapidamente:
— Sei que você está desanimada. Trouxe algumas de suas irmãs comigo para conversar com você. Daqui a pouco, podemos chamá-las e ver qual delas é mais agradável aos olhos.
Hong Wanqing imediatamente percebeu que havia algo errado. Franziu o cenho e perguntou:
— Agradável aos olhos? Elas não vão ficar na Mansão Fu, por que eu teria de gostar de olhar para elas?
A marquesa de Yongping ficou em silêncio. O coração de Hong Wanqing afundou, e sua voz tremeu:
— Mãe... o que a senhora quer dizer com isso?
A marquesa suspirou e decidiu falar de forma direta:
— Isso foi algo que seu pai e seu irmão discutiram. Eles acreditam que é a melhor solução. O marquês de Zhenyuan vai para Gansu no próximo ano. Como esposa, você precisa ficar aqui para administrar a casa e cuidar dos sogros — não pode simplesmente ir embora. Mas ele é um homem jovem, no auge. É irrealista esperar que fique sem mulher ao lado por três ou cinco anos. E se acabar tendo vários filhos ilegítimos por lá? Em vez de deixar que mulheres desconhecidas entrem na família e diminuam nossos bens, é melhor elevar uma de suas meias-irmãs, alguém do seu próprio sangue. Pelo menos ela será leal a você e ajudará a administrar a casa.
Hong Wanqing sentiu o corpo inteiro gelar:
— Mãe... o que está dizendo? Eu sou perfeitamente capaz de ter filhos. Como pode sugerir trazer uma de minhas próprias irmãs como concubina? Se for assim, eu mesma irei para Gansu. Aguento alguns anos de dificuldades.
A marquesa suspirou novamente. Na verdade, havia algo que não ousava dizer. O herdeiro — o irmão mais velho de Wanqing — havia apontado que, mesmo após três anos de casamento, Fu Tingzhou raramente visitava os aposentos da irmã. Ficava claro que não tinha afeto por ela. E, para um homem, se não há gosto, não há por que esperar que o amor nasça com o tempo. Seria melhor encontrar outra mulher.
Era improvável que Wanqing desse à luz o filho legítimo mais velho. Então, para preservar a aliança entre as famílias Fu e Hong, a única opção era escolher outra filha Hong.
Mas a marquesa não disse essa verdade cruel. Em vez disso, falou com suavidade:
— Wanqing, a piedade filial vem em primeiro lugar. Você é a nora mais velha, e seus sogros ainda estão vivos. Se sair de casa por conta própria, as pessoas vão zombar de você. É melhor mandar uma de suas meias-irmãs para Gansu. A mãe dela continuará sob meu controle, e ela não causará problemas. Se tiver um filho, você poderá criá-lo como seu. Não será diferente de ter um filho seu.
Wanqing entendeu. O que seu pai e irmão queriam era que o herdeiro legítimo do marquês de Zhenyuan fosse um filho da família Hong — mesmo que não fosse seu.
Em outras palavras, sua própria família a havia abandonado.
Ela sentiu como se tivesse caído em um abismo gelado. Todo o corpo ficou entorpecido. Olhou para a mãe, os lábios trêmulos. Quis implorar que levasse as moças de volta, mas então a percepção esmagadora a atingiu: seu pai e irmão já haviam decidido. Sua mãe estava ali apenas para informá-la. Sua opinião não importava em nada.
Um dia, ela se orgulhara de seu nascimento nobre, olhando de cima para criadas, camponesas e até para mulheres de origem comum como Wang Yanqing. Mas agora, quando seu pai e irmão se preparavam para arrancar-lhe as roupas finas e joias, Hong Wanqing finalmente percebeu: ela não valia nada.
Mesmo uma camponesa que vendia tofu tinha uma habilidade.
Mas e ela? O que ela sabia fazer?
A marquesa viúva de Yongping dispensou os outros e conversou em particular com Hong Wanqing por um longo tempo. Wanqing chorou de novo e, por fim, se rendeu ao destino. Apática, mandou que chamassem suas meias-irmãs.
As jovens, claramente, já sabiam o motivo da visita de hoje. Cada uma havia se arrumado com esmero e entrou sorridente para cumprimentá-la, curvando-se profundamente e com respeito:
— Saudações, Terceira Irmã.
As vozes eram doces e delicadas, como brotos tenros no início da primavera, mas, para Wanqing, aquilo só dava vontade de zombar. Seu olhar percorreu lentamente a fileira de garotas e logo percebeu algo: todas compartilhavam um mesmo estilo ao se vestir.
Para ser exata, todas se pareciam com uma única pessoa.
Ela nem precisou pensar. Sua mente gritou instantaneamente o nome: Wang Yanqing.
Hong Wanqing riu friamente por dentro. Ao olhar para aquelas meninas, tão jovens, tão frescas, não sentiu inveja. Em vez disso, um prazer cruel e amargo brotou em seu peito. Elas pensavam que Fu Tingzhou gostava de mulheres dóceis, gentis e compreensivas. O que não percebiam é que ele não gostava desse tipo. Ele simplesmente gostava daquela mulher.
Mais cedo, sua mãe havia confidenciado que seu pai favorecia a Sexta Senhorita — a sexta irmã de Hong Wanqing. Wanqing lançou-lhe um olhar: ombros inclinados, cintura fina, olhos sedutores. De fato, parada ali, tinha um ar frágil e encantador.
Mas Hong Wanqing riu baixinho consigo mesma. Era inútil. A Sexta Senhorita até podia ter a aparência de uma florzinha delicada, mas seus olhos estavam cheios de cálculo. Era mais parecida com uma trepadeira estranguladora — bela, mas letal. Não tinha aquela aura suave, inofensiva e verdadeiramente despretensiosa. Fu Tingzhou jamais gostaria dela.
Mesmo assim, Hong Wanqing nada disse. Sorriu e estendeu a mão para a Sexta Senhorita dos Hong:
— Sexta Senhorita está cada vez mais bonita. Estou sempre entediada na casa do Marquês, por que não fica para me fazer companhia e conversarmos um pouco?
Um sorriso discreto surgiu nos lábios da Sexta Senhorita, mas ela logo assumiu uma expressão tímida e recatada, dizendo docemente:
— Obrigada, Terceira Irmã.
·
À tarde, a luz do sol estava na medida certa. Wang Yanqing se recostava na janela, cantarolando suavemente para embalar o filho, enquanto o calor do sol a envolvia. Lu Xuan mexeu as perninhas algumas vezes antes de adormecer. Wang Yanqing bocejou, sentindo também o sono chegar.
Lu Heng voltou e encontrou o cômodo banhado pela luz morna filtrada pelo papel da janela. Ela apoiava a testa em uma almofada macia, os cabelos um pouco bagunçados, a expressão tranquila. Fios de cabelo caíam pelo pescoço, e a saia vermelha com a blusa branca que vestia cintilava sob o sol, fazendo-a brilhar com uma radiância suave.
Ao lado dela, um pano de enrolar vermelho-vivo abrigava um bebê gordinho, encolhido no sono, com os punhos bem fechados.
Lu Heng fez sinal para que as criadas não se manifestassem e as dispensou em silêncio. Quando se aproximou do divã luohan, Wang Yanqing se mexeu. Abriu os olhos, viu Lu Heng e voltou a relaxar no travesseiro, espreguiçando-se preguiçosamente:
— Já está de volta?
— Não tinha muito o que fazer no escritório hoje, então saí mais cedo. — Lu Heng sentou-se ao lado dela, ajustando o travesseiro para que ficasse mais confortável. — Suas costas ainda doem hoje?
Wang Yanqing balançou a cabeça:
— Está tudo bem.
Quando soube que Wang Yanqing estava grávida, a senhora Fan escreveu dizendo que queria ir à capital para ajudar a cuidar dela, mas Lu Heng recusou educadamente. Apesar de ser a primeira gravidez de Wang Yanqing, a Mansão Lu contava com amas e criadas experientes. Não havia necessidade de fazer a senhora Fan enfrentar uma viagem tão longa.
Ele também soubera que sua cunhada, senhora Chu, havia dado à luz uma menina recentemente. Então pediu à senhora Fan que ficasse em Anlu para ajudar seu irmão mais velho e a cunhada.
Lu Zhan ainda precisava dela por perto. A senhora Fan, a contragosto, desistiu da ideia de ir à capital, mas enviou uma longa carta cheia de conselhos — sobre o parto, os cuidados posteriores, e como tratar da mãe depois. Desde então, ela escrevia todos os meses, sempre com recomendações, e Lu Heng lia cada palavra.
Embora Wang Yanqing estivesse afastada do treinamento, sua base nas artes marciais fazia com que seu corpo fosse mais forte do que o de uma dama nobre comum. Ela não sofreu muito no parto. Mas o esforço exigido enfraquecia as costas, e as de Wang Yanqing sempre foram sensíveis. Mesmo três meses depois da quarentena, Lu Heng não a deixava ficar muito tempo sentada. Se pudesse se apoiar, se apoiava. Se pudesse se deitar, melhor ainda.
Lu Heng estendeu a mão por cima dela para acariciar suavemente a mãozinha de Lu Xuan. Wang Yanqing afastou a dele com um tapinha e advertiu:
— Ele acabou de dormir, não acorde. Senão, vai cochilar agora e passar a noite acordado aprontando.
Lu Heng, contrariado, recuou a mão. O filho não podia ser provocado, mas a esposa sempre podia. Escorregou a mão até a cintura dela e começou a massagear de leve os músculos doloridos:
— Qing Qing, ouvi algo engraçado hoje.
— Hmm?
— O Marquês de Zhenyuan foi transferido para comandante de Gansu. Partiu hoje.
O toque dele era firme e relaxante, e as costas de Wang Yanqing realmente começaram a se soltar. Ela fechou os olhos e esperou um instante. Ao perceber que ele não diria mais nada, respondeu com indiferença:
— Ah.
Lu Heng baixou o olhar para fitá-la. A luz do sol dava um tom dourado à sua pele clara. Ela vestia um traje simples de casa e se apoiava no travesseiro com tranquilidade. Com os cabelos negros e a pele alva, parecia a personificação da paz.
Ele continuou massageando devagar e disse:
— Não muito depois de o Marquês se casar, ele e a esposa se separaram. Ouvi dizer que a marquesa é muito filial, e se ofereceu para ficar servindo os sogros. Ela mesma providenciou que uma concubina fosse com ele para Gansu e cuidasse dele lá.
Wang Yanqing ergueu levemente uma sobrancelha. Abriu os olhos e encarou Lu Heng:
— O que exatamente você está querendo dizer?
Lu Heng sorriu e se deitou ao lado dela, enrolando um fio de cabelo dela no dedo:
— Uma esposa ficar e a concubina acompanhar o marido não é algo incomum. O interessante é que essa nova concubina também tem o sobrenome Hong.
Wang Yanqing franziu a testa, surpresa no olhar:
— Não me diga que ela é da Mansão do Marquês de Yongping?
— Exatamente. — Lu Heng assentiu. — É uma das filhas ilegítimas do Marquês de Yongping, irmã mais nova da esposa dele.
Wang Yanqing ficou em silêncio por um longo tempo. Lu Heng a observou, sorrindo, e perguntou:
— No que está pensando?
— Acho ridículo. — respondeu Wang Yanqing, antes de balançar a cabeça. — Esquece. Já que o Marquês de Yongping, Hong Wanqing e ele concordaram, quem sou eu para dizer qualquer coisa?
Lu Heng examinou sua expressão e perguntou:
— Você realmente não sente nada sobre isso?
— Quando é outra família aceitando concubina, que sentimento eu deveria ter? — Wang Yanqing lançou-lhe um olhar afiado. — Ao contrário de alguém, que vive cheio de pensamentos esquivos e me testando o tempo todo.
— Não fique brava. — Lu Heng riu, abraçando-a. — Só ouvi uma historinha romântica e pensei que poderia divertir minha esposa.
— Ah, então agora o seu trabalho inclui colecionar fofocas?
— Não é só isso. — Lu Heng disse com ar convencido. — Eu sei de todos os escândalos da capital. Qual concubina de oficial está se enrolando com o sogro, qual jovem respeitável está envolvida secretamente com o criado, eu sei de tudo. Qing Qing, quer ouvir mais?
— Não quero ouvir nada disso. — Wang Yanqing retrucou, irritada. — Foi por isso que você aprendeu todas essas artimanhas indecentes?
Lu Heng balançou a cabeça solenemente:
— De jeito nenhum. As técnicas que uso com você foram cuidadosamente selecionadas de vários livros. Quanto às sujeiras que ouço no trabalho, queria poder esquecer tudo.
Wang Yanqing apertou os lábios e ficou calada. Sabia exatamente como aquelas conversas terminavam: ela ficava exasperada e Lu Heng ficava ótimo com isso. Ele adorava seu olhar irritado e se inclinou para plantar um beijo pesado em sua bochecha:
— Você ainda é tão adorável, igual quando eu te conheci.
Wang Yanqing riu friamente e rebateu:
— Por favor. Quando me conheceu, não estava pensando em como me matar?
— Como você pode pensar isso de mim? — Lu Heng fingiu estar profundamente ofendido. — Eu sou o tipo de homem que não sabe valorizar uma beleza delicada? Se eu não gostasse de você, por que fingiria ser seu irmão?
Veja só, esse homem conseguia transformar até isso em verdade. Wang Yanqing zombou:
— Então você só ficou fingindo até eu recuperar a memória e forçar você a admitir a verdade?
— Qing Qing, se pudéssemos fingir a vida inteira, isso se tornaria real. — Lu Heng repousou o queixo na cabeça dela, falando suavemente. — Eu realmente queria que você fosse minha irmã adotiva. Que tivéssemos crescido juntos, namoradinhos da infância, prometendo envelhecer lado a lado.
A voz dele carregava uma leve melancolia. Ele sempre fora racional e implacável, mas aquela era a primeira vez que Wang Yanqing ouvia tanta emoção crua vinda dele. Depois de uma pausa, ela envolveu os braços na cintura dele:
— Já temos um filho, pra que ficar falando do passado?
Lu Heng sorriu e a puxou para perto:
— Você tem razão. Não adianta pensar em “e se”. O futuro é tudo que importa agora.
Os dois ficaram ali, abraçados, em silêncio, sob a luz do sol. O pequeno Lu Xuan jazia ao lado, mexendo as perninhas mesmo dormindo. Wang Yanqing riu e disse:
— Com o que será que ele está sonhando? Nem consegue dormir sossegado.
Lu Heng sorriu também e puxou o cobertor sobre Lu Xuan:
— Talvez ele esteja perseguindo algo. Tão cheio de energia nessa idade, definitivamente é um estudante nato das artes marciais. O imperador perguntou dele hoje de novo. Disse que quando ele estiver um pouco maior, quer que entre no palácio para estudar junto com os príncipes.
Wang Yanqing se assustou:
— Com qual príncipe?
— O imperador não disse. — Lu Heng deu um tapinha nas costas dela. — Ainda faltam anos, não precisa se preocupar.
Mas os príncipes imperiais estavam crescendo rápido, e a questão de nomear o herdeiro do trono já era discutida publicamente. Tornar-se companheiro de estudo de um príncipe não era pouca coisa — escolher o lado certo significava favor imperial, até mérito no trono do dragão, como Lu Heng mesmo. Escolher o errado...
O coração de Wang Yanqing se encheu de preocupação. Vendo como um comentário despreocupado havia estragado seu humor, Lu Heng se arrependeu e mudou o assunto para algo bobo, para distraí-la:
— Lembro que quando comecei a fingir ser seu irmão, assumi a culpa por tantas coisas. Uma vez, quando sua menstruação chegou e você desmaiou de dor, chamei um médico. O médico achou que eu era seu marido e me xingou com raiva. Foi uma humilhação. Ainda bem que eu realmente me tornei seu marido depois, senão teria sofrido à toa.
Isso aconteceu há muito tempo, e Wang Yanqing teve que pensar para lembrar:
— E o que aconteceu com o médico depois?
— O quê mais? Naturalmente, o acompanhei até a porta educadamente. — Lu Heng suspirou. — Que você pensa de mim? Acha que eu silenciaria o médico para esconder uma doença? Na época, o médico até me disse que mulheres são naturalmente frágeis, e que se a energia yang delas pudesse ser desbloqueada corretamente, as dores menstruais seriam menos severas.
Wang Yanqing não entendeu direito e perguntou:
— Então como se desbloqueia essa energia?
Lu Heng deu uma risadinha e olhou para ela com um olhar cheio de significado:
— O que você acha?
Wang Yanqing pensou e corou. Não perguntou mais nada. Pensando bem, Lu Heng sentiu que tudo aquilo parecia um sonho:
— Naquela época, cada passo era por acaso. Quem diria que chegaríamos até aqui? Parece que o Céu realmente me favorece. Com medo de que eu vivesse só, fez um esforço enorme para me enviar uma esposa.
Wang Yanqing não gostava de ouvi-lo falar sobre solidão e xingava mentalmente. Ela o abraçou e disse:
— Você não está nada sozinho nesta vida. Temos o pequeno Xuan, e teremos mais filhos no futuro.
Lu Heng a apertou forte contra si e murmurou:
— Está bem.
Capítulo 134: Companheiro de Leitura
As crianças crescem tão rápido. Num piscar de olhos, já se passaram dois anos, e Lu Xuan já corria para todo lado. Todos os diversos palácios prestavam muita atenção em Lu Xuan. Se conseguissem tê-lo como companheiro de estudos, isso basicamente significaria garantir o apoio de Lu Heng e uma vantagem decisiva na luta pelo trono.
Antes, Lu Heng sempre usava a desculpa de que Lu Xuan ainda era muito jovem para adiar o assunto. Mas agora que Lu Xuan estava crescendo, a questão de escolher um companheiro de leitura não podia mais ser postergada.
No dia do Festival do Barco-Dragão, foi realizado um banquete no palácio. Como o festival estava associado a expulsar os Cinco Venenos, o imperador organizou um ritual no palácio. Ele fez o sacerdote taoísta, Tao Zhongwen, realizar cerimônias para purificar os príncipes e princesas de doenças e malefícios. E, para demonstrar seu favor imperial, o imperador também ordenou que seus oficiais próximos trouxessem seus filhos para receberem as bênçãos junto com as crianças reais.
O imperador mencionou especificamente Lu Heng, então no dia do festival Wang Yanqing não teve escolha senão carregar Lu Xuan até o palácio.
O altar já estava preparado. Os sacerdotes taoístas queimavam incenso e realizavam rituais, recitando cânticos e conduzindo as cerimônias por um longo tempo. Felizmente, os ritos não exigiam a presença das crianças, então Wang Yanqing, as concubinas do palácio e seus filhos esperavam no Palácio Oeste. Depois de um tempo, um eunuco trouxe a notícia de que o ritual havia sido concluído, e a Imperatriz junto das outras nobres deveriam se dirigir ao Salão Qin’an.
O grupo de mulheres, cada uma acompanhada por suas criadas, deslizava lentamente em direção ao Salão Qin’an como uma nuvem colorida. Dentro do salão, sacerdotes taoístas estavam de pé dos dois lados, o imperador sentado no assento mais alto, e Lu Heng próximo, com uma espada na cintura.
Desde a Rebelião do Palácio Renyin, o imperador tornara-se extremamente zeloso com a segurança. Lu Heng era provavelmente o único autorizado a portar espada na presença do imperador. A Imperatriz Fang liderava as concubinas, príncipes e princesas diante do imperador e fez uma reverência graciosa:
— Meus sinceros cumprimentos. Vida longa ao imperador.
Os príncipes e princesas, embora ainda jovens, haviam sido bem instruídos por suas mães. Agora, ao se curvarem perante o imperador, cada um cumpria seu gesto com firmeza e educação. Só Lu Xuan, com apenas três anos pelo calendário lunar, era o mais jovem entre eles. Suas duas pequenas mãos pareciam incapazes de alcançar nada, e seu corpo vacilava enquanto se curvava.
Lu Heng franziu o cenho e repreendeu baixinho:
— Lu Xuan, cuide das maneiras.
— Está tudo bem. — O imperador disse suavemente, acenando para que todos se levantassem. — Num ambiente tão informal, não é preciso ser muito rígido com as crianças. Por favor, levantem-se. Mestre Taoista da Divindade e Proteção, pode começar.
Tao Zhongwen fez uma reverência, tirou um talismã amarelo, murmurou encantamentos e formou selos com as mãos. Ele acendeu o talismã e o segurou sobre uma bacia dourada cheia de água. O talismã amarelo foi rapidamente consumido pelas chamas, transformando-se em luz brilhante, e fragmentos de cinza foram caindo lentamente na água.
Quando o talismã queimou por completo, Tao Zhongwen recitou mais alguns feitiços, virou-se para o imperador e fez uma reverência:
— Imperador, a água está pronta. Por favor, que os príncipes e princesas lavem as mãos na bacia, um por um. Depois, aplicarei os talismãs de proteção que desenhei, garantindo que estarão livres de doenças, desastres e imunes a todos os venenos pelo ano que vem.
Ao ouvir que só deveriam lavar as mãos na bacia, Wang Yanqing soltou um enorme suspiro de alívio. Assim que a Concubina Sênior Wang ouviu isso, sem esperar a palavra da Imperatriz, rapidamente sinalizou para o Segundo Príncipe avançar e conduzir as crianças menores para lavarem as mãos.
Não. Para receber a sagrada purificação do Mestre Taoísta da Divindade e Proteção.
O Segundo Príncipe tinha cinco anos naquele ano. Em famílias comuns, ainda seria considerado uma criança pequena, mas no palácio já mostrava sinais de maturidade. Ele tomou a iniciativa de se adiantar, cumprimentando o imperador e Tao Zhongwen, e depois caminhou confiante até a bacia para lavar as mãos, exibindo toda a postura de um irmão mais velho.
Com o Segundo Príncipe dando o exemplo, o Terceiro e Quarto Príncipes seguiram um após o outro. No décimo sexto ano do reinado de Jiajing, três príncipes nasceram no palácio, mas nenhum sobrevivera até a idade adulta. Naquele ano, uma concubina ainda estava grávida, então apenas esses três príncipes estavam presentes para receber o ritual de purificação.
Contando o falecido Príncipe Herdeiro Aichong, o imperador já havia perdido quatro filhos, todos mortos pouco depois do nascimento. Não era à toa que o imperador dava tanta importância ao Festival do Barco-Dragão e levava tão a sério a expulsão das doenças para as crianças.
Depois dos príncipes, foi a vez das princesas. Atualmente, havia duas no palácio: a Princesa Mais Velha Zhu Shouying e a Segunda Princesa Zhu Fuyuan. Zhu Shouying era um mês mais velha que o Segundo Príncipe, mas não tinha nada da confiança e compostura dele. Quando se adiantou, mostrou-se tímida e desconfortável. Após lavar as mãos, nem ousou olhar para o imperador, fez uma reverência rápida e se retirou.
Depois dos príncipes e princesas, era hora das crianças das famílias oficiais. Esse grupo era um pouco mais delicado, pois as crianças não estavam alinhadas pela idade, mas sim pela posição de seus pais. Lu Xuan, embora o mais jovem entre eles, foi colocado à frente, liderando um grupo de crianças bem mais velhas numa cena até cômica. Felizmente, Lu Xuan não era nada tímido. Como o pai, era ousado e aventureiro. Ele até se virou e lembrou os outros:
— Sigam-me e não façam bagunça!
Lu Heng estreitou os olhos, parecendo que ia repreendê-lo de novo, mas o imperador riu e disse:
— Com tão pouca idade, Lu Xuan já demonstra o espírito de um grande general, um talento realmente promissor.
Lu Heng respondeu:
— O imperador o lisonjeia. Lu Xuan, vá logo à frente e preste seus respeitos.
Lu Xuan esticou os bracinhos o máximo que pôde e, com voz infantil, disse ao imperador:
— Obrigado, Majestade.
As concubinas ao fundo trocaram olhares silenciosos. O imperador mal trocava algumas palavras com seus próprios filhos, mas elogiava Lu Xuan com tanto calor. Até o nome de Lu Xuan fora dado pessoalmente pelo imperador. Com Lu Heng sempre ao lado do imperador, e agora até o filho recebendo tanto favor, quem não sentiria inveja da família Lu e sua crescente influência?
Depois de toda a movimentação para lavar as mãos das crianças, a purificação do Festival do Barco-Dragão finalmente terminou. Concubinas, criadas do palácio e eunucos soltaram discretos suspiros de alívio. Crianças eram as mais difíceis de controlar, e todos temiam que alguma pudesse ofender o imperador por acidente, mas felizmente tudo havia corrido bem.
O Salão Qin’an era dedicado às cerimônias religiosas. Em frente ao prédio de três andares havia um pequeno jardim, que se conectava ao jardim imperial além. Agora, no quinto mês, a grama e as árvores estavam viçosas, e as flores em plena floração. Com todas as crianças reunidas, não demorou para que o caos começasse.
Ninguém sabia qual príncipe começou a correr atrás de borboletas, mas logo as outras crianças foram atraídas. Uma multidão de eunucos e criadas saiu correndo atrás delas, gritando apressadamente, e a cena rapidamente virou uma confusão barulhenta. Quando a Concubina Sênior Wang viu que o Segundo Príncipe havia se juntado à bagunça, seu rosto escureceu e ela repreendeu severamente:
— He’er, você é o irmão mais velho. Como pode liderar seus irmãos mais novos num comportamento tão desregrado? Volte aqui imediatamente.
O imperador, porém, raramente via cenas tão animadas e disse sorrindo:
— Crianças gostam de brincar, é natural. Não os reprima demais. Deixe-os correr, é bom para a saúde.
Ao ouvir isso, a Concubina Sênior Wang rapidamente baixou a cabeça e fez uma reverência:
— Sim, Majestade.
Wang Yanqing também olhou para o jardim, um pouco preocupada. Lu Xuan também havia se juntado à perseguição das borboletas. Apesar de ser o mais jovem, insistia em agir como líder, mandando os outros para cá e para lá para ajudar a bloquear o caminho. Como aquilo era dentro do palácio e uma equipe de atendentes o seguia de perto, Wang Yanqing não se preocupava tanto com a segurança dele. Mas seu comportamento era longe demais do discreto.
Em casa, as corridas e pulos de Lu Xuan naturalmente traziam alegria aos pais. Mas ali, no palácio, ela não podia deixar de desejar que o filho fosse um pouco mais quieto, um pouco mais tímido.
Nem todas as crianças saíam correndo atrás de borboletas; muitas ficavam perto das mães, olhando com desejo para aqueles que brincavam.
Em momentos como esse, ficava evidente quem era favorecido e quem não era. Era como se houvesse uma fronteira invisível no jardim. De um lado, as crianças favoritas — vivas, confiantes, rindo e correndo livremente, sempre cercadas por pessoas; do outro, as menos favorecidas — sozinhas, tímidas, reservadas.
Sentado no alto, o imperador tinha uma visão clara de toda a cena e percebeu essa divisão com nitidez. Notou a Princesa Mais Velha, Zhu Shouying, hesitante. A Concubina Imperial Shen Xi se inclinou, encorajando-a a ir brincar com os irmãos e irmãs, mas Zhu Shouying apenas continuou balançando a cabeça.
O imperador viu a timidez nos olhos redondos e encantadores da princesa, olhos que lembravam muito os da mãe, e como ela observava cautelosamente as expressões dos adultos ao redor quando achava que ninguém a via. Era como se algo tivesse cravado fundo no coração do imperador.
Concubina Shen Xi subiu na consideração imperial ao criar a Princesa Mais Velha e agora tinha o título de Concubina Imperial Shen Xi. Mesmo depois de ganhar favor, não se apressara em ter seus próprios filhos; em vez disso, dedicava-se completamente a cuidar da Princesa Mais Velha. Mas no harém não havia segredos.
A Princesa Mais Velha já ouvira há muito tempo os cochichos dos servos do palácio, que diziam que sua mãe biológica era a Concubina Imperial Cao Duan, executada por esquartejamento sob a acusação de tentar assassinar o imperador. A jovem princesa também sabia que, se se comportasse mal, poderia ser rejeitada pela Concubina Imperial Shen Xi. Assim, desde muito nova, a Princesa Mais Velha já aprendera a ler as expressões alheias para entender seus humores. Ela jamais poderia correr e pular livremente sob o sol, como o Segundo Príncipe ou Lu Xuan.
De repente, o imperador pensou na Concubina Imperial Cao Duan. Ela fora animada e alegre, tendo dito certa vez que na infância era mais travessa que os meninos, chegando a escalar árvores pelas costas dos adultos. Se Cao Duan não tivesse caído em desgraça, se a Princesa Mais Velha tivesse crescido ao lado da mãe biológica, certamente teria se tornado a pérola mais brilhante e deslumbrante da Dinastia Ming.
Mas agora, a Princesa Mais Velha tornara-se cautelosa e reservada, até seu sorriso era tímido e buscava aprovação. Sentado no alto da plataforma, o imperador olhava para os olhos dela, tão idênticos aos da Concubina Cao Duan, e quase podia imaginar o sorriso radiante dela.
O sol brilhava intensamente e o jardim estava cheio das risadas alegres das crianças. A própria Concubina Imperial Shen Xi segurou a mão da Princesa Mais Velha para procurar borboletas. Sob o olhar atento da mãe adotiva e das criadas, a Princesa finalmente reuniu coragem para perseguir borboletas entre as flores.
Mas em sua empolgação, não percebeu onde estava indo e esbarrou acidentalmente na Imperatriz Fang. A imperatriz tropeçou levemente, e uma criada próxima rapidamente a segurou. Quando a Princesa olhou para cima e percebeu que tinha esbarrado na imperatriz, o sorriso desapareceu instantaneamente de seu rosto, e ela rapidamente se encolheu atrás da Concubina Shen Xi.
Concubina Shen Xi apressou-se em levar a princesa para pedir desculpas, pedindo perdão repetidas vezes. Embora a Imperatriz Fang demonstrasse descontentamento, sabia que não podia punir severamente as crianças imperiais na frente do imperador. Limitou-se a repreendê-las brevemente e disse para a Concubina Shen Xi levar a princesa embora.
Foi apenas um pequeno incidente no jardim, que não chamou muita atenção e logo se acalmou. Lu Heng mantinha um olhar atento sobre o jardim. Viu Lu Xuan pegar uma borboleta e correr orgulhoso para mostrar a Wang Yanqing, e só então relaxou um pouco. Voltou o olhar silenciosamente para o imperador.
O imperador também observava o jardim pensativo, perdido em seus próprios pensamentos.
À medida que o sol se punha, o banquete do palácio terminou e os oficiais com suas famílias foram-se embora um a um. Lu Xuan, cansado de tanto brincar, adormeceu no colo de Wang Yanqing no caminho de volta. Quando a carruagem chegou ao segundo portão da Mansão Lu, Lu Heng desmontou e veio ajudar. Mas encontrou Wang Yanqing saindo da carruagem carregando Lu Xuan. Lu Heng franziu o cenho desaprovando:
— Ele já está tão grande e você ainda o carrega? Acorde-o para ele andar sozinho.
Wang Yanqing olhou para ele irritada:
— Ele acabou de dormir. Que tipo de pai é você? Sai da frente, está atrapalhando.
Lu Heng ficou sem palavras, mas preocupado que ela pudesse tropeçar, rapidamente tirou Lu Xuan dos braços dela e pediu que uma criada ajudasse Wang Yanqing a descer.
Separado do abraço macio da mãe, Lu Xuan mexeu-se inquieto, murmurou algumas palavras e voltou a dormir apoiado no ombro de Lu Heng. Ele olhou para o menino nos braços e pensou que, mesmo tão jovem, ele já sabia como conquistar o favor da mãe.
Embora tivesse dito para acordá-lo, no fim não teve coragem. Carregou Lu Xuan firme até o pátio dos fundos, onde o deitou suavemente na cama, tirou os sapatos e puxou o cobertor. Wang Yanqing, observando ansiosa ao lado, não pôde deixar de reclamar:
— Vá com calma. Cuidado para não acordá-lo.
Lu Heng olhou para a mão, que já movia o mais delicadamente possível, e suspirou novamente em seu coração.
Depois de ajeitar Lu Xuan, o casal voltou para o quarto. Trocaram as roupas por trajes confortáveis e sentaram-se à janela para conversar. Wang Yanqing perguntou:
— Muitas pessoas vieram hoje perguntar sobre Xuan’er. Principalmente a Concubina Sênior, que estava particularmente ansiosa. O que você acha que o imperador quer dizer com isso?
Lu Heng respondeu:
— Os oficiais da corte têm falado novamente sobre a nomeação do herdeiro. Acho que o imperador está seriamente considerando estabelecer um Príncipe Herdeiro. Pelas circunstâncias atuais, ele provavelmente favorece o Segundo Príncipe.
Wang Yanqing franziu o cenho:
— Será que querem que Xuan’er seja um companheiro de estudos do Segundo Príncipe?
Lu Heng negou imediatamente:
— De jeito nenhum. O imperador já nomeou Xia Wenjin como tutor do Segundo Príncipe, então ele já tem um Grande Tutor. Não pode haver outro companheiro de leitura da família Lu. Os Guardas Imperiais são leais ao imperador, mas se chegarmos muito perto do Príncipe Herdeiro, isso pode despertar suspeitas do imperador.
O nome de Lu Xuan fora escolhido pelo próprio imperador, e o caractere Xuan era interessante. Referia-se a uma técnica de pintura que, ao aplicar tinta e depois lavá-la com água, cria variações de luz e sombra. O que significava o imperador dar a Lu Heng um filho com esse nome?
Os pensamentos de Lu Heng coincidiam com os de Wang Yanqing. Ela disse:
— Também acho que não devemos nos aproximar demais do Segundo Príncipe. Imperatriz Fang ainda não tem filhos. Como não há herdeiro legítimo, o Segundo Príncipe tem a vantagem segundo os ritos. Deve haver incontáveis pessoas disputando o favor da Concubina Sênior Wang. No momento, ela é como flores bordadas em tecido rico, óleo derramado sobre fogo ardente, sua arrogância cresce a cada dia. Quando falou comigo hoje, suas palavras foram muito sinceras, mas olhando melhor, não vi muita verdadeira sinceridade. Se não me engano, ela quer envolver a família Lu, mas no coração dela, acredita que está nos fazendo um favor. Supõe que jamais recusaríamos uma aliança com o Príncipe Herdeiro. Mesmo que apoiássemos ela, provavelmente não sentiria gratidão.
Lu Heng pensou consigo que a habilidade de Wang Yanqing era quase como trapaça. Enquanto outros precisavam analisar inúmeros fatores para chegar a uma conclusão, Wang Yanqing apenas olhava a expressão de alguém e já sabia a resposta. Ele pegou sua mão e respondeu sinceramente:
— Madame, sua perspicácia é inestimável. Com você ao meu lado, nem imagino quantos desastres você já me ajudou a evitar. Casar-me com você foi a maior fortuna da minha vida.
— Já chega disso. — Wang Yanqing disse, olhando para ele com um sorriso brilhante e brincalhão. Seus olhos brilhavam intensamente, seu olhar era vivo e encantador. Ainda se corava facilmente, com uma expressão tímida e inocente como a de uma jovem garota.
Lu Heng sorriu e deixou que ela o repreendesse com doçura, mas lá no fundo, ele realmente sentia cada palavra. Hoje em dia, ele ainda coletava informações e analisava situações com sua própria lógica, mas antes de tomar qualquer decisão final, já estava acostumado a levar Wang Yanqing para conhecer as pessoas-chave, deixando que ela desse o veredito final.
Neste mundo, por mais perfeito que fosse o raciocínio, tudo acabava dependendo de entender as pessoas. Mesmo que toda lógica apontasse para uma conclusão, se o pensamento da pessoa-chave mudasse, o resultado final podia ser completamente diferente. Deixando Wang Yanqing ler as expressões, ele poderia se preparar antecipadamente caso a situação mudasse.
Como Wang Yanqing percebeu que a Concubina Sênior Wang carregava arrogância no coração, o caminho do Segundo Príncipe estava totalmente bloqueado. Se até a Concubina Imperial Wang acreditava merecer o apoio de Heng, como o Segundo Príncipe, criado por ela, poderia tratar a família Lu com gentileza no futuro?
Lu Heng não hesitou mais e disse:
— Então amanhã falarei com o imperador e explicarei que Lu Xuan e o Segundo Príncipe têm uma diferença de idade grande demais, o que pode atrapalhar os estudos do Segundo Príncipe. Hoje, Lu Xuan parecia se dar bem com o Terceiro Príncipe. Vamos fazer Lu Xuan ser o companheiro de estudos do Terceiro Príncipe, então.
Que Lu Heng rejeitasse alinhar-se ao Príncipe Herdeiro era esperado por Wang Yanqing, mas o fato de ele escolher o Terceiro Príncipe a surpreendeu. Ela perguntou:
— Por que o Terceiro Príncipe? A Concubina Imperial Du Kang é competitiva, calculista e tem um temperamento meio severo. Pela atitude do imperador hoje, ele parecia prestar menos atenção ao Terceiro Príncipe entre seus filhos. Mesmo querendo evitar parecer favorecer o Palácio Oriental, o Terceiro Príncipe não tem talentos notáveis, por que escolhê-lo?
— Exatamente porque a Concubina Imperial Du Kang e seu filho estão fora de favor — respondeu Lu Heng. — O imperador não gosta de personalidades como a dela, e o Terceiro Príncipe recebe pouco favor por associação. Se eu enviar Lu Xuan para ser o companheiro de leitura do Terceiro Príncipe, ficará claro para o imperador que a família Lu não tem ambições ocultas sobre a sucessão.
Ao ouvir isso, Wang Yanqing achou que fazia sentido. Na juventude, o imperador fora fisicamente frágil, mas recentemente estava cada vez mais estável, raramente adoecendo durante o ano. A ascensão de um príncipe ao trono ainda parecia estar a vinte anos de distância, e até lá, tudo dependia inteiramente do favor do imperador.
A base da família Lu foi construída em sua atuação na Controvérsia dos Grandes Ritos, e hoje, o poder central de Lu Heng ainda estava nos Guardas Imperiais. Sua sobrevivência e prosperidade dependiam, em última análise, do imperador.
Com a questão do companheiro de estudos resolvida, Wang Yanqing finalmente se sentiu aliviada. Nos últimos dois anos, carregava um peso enorme no coração por causa de Lu Xuan, incapaz de relaxar de verdade, não importava o que fizesse. Agora podia deixar suas preocupações irem embora. Uma vez feita a mudança, não haveria arrependimento; eles teriam que seguir esse caminho com o Terceiro Príncipe até o fim.
Vendo as sombras saírem da testa de Wang Yanqing, Lu Heng sentiu uma pontada de culpa. Ele a puxou para seus braços e disse:
— Fiz você se preocupar esses dois últimos anos. A culpa é minha.
Wang Yanqing encostou-se ao seu ombro largo e firme, batendo levemente em seu braço com um sorriso:
— Eu estava preocupada com a minha família. Qual o problema nisso?
Lu Heng riu com suas palavras e inclinou a cabeça em desculpas:
— Falei errado. Madame, por favor, não guarde rancor contra seu humilde servo.
Com a esposa descansando em seus braços e o filho dormindo perto, Lu Heng sentiu uma profunda paz e contentamento, uma sensação de plenitude. Por algum motivo, lembrou-se do olhar do imperador quando observou a Princesa Mais Velha mais cedo naquele dia. Disse:
— Percebi que é melhor enfrentar os problemas de frente quando surgem, mesmo que causem uma grande cena, do que ficar escondendo tudo.
— Como assim?
Lu Heng balançou a cabeça, sem querer falar demais sobre os assuntos do harém:
— Só um pensamento que tive.
Se a Concubina Imperial Cao Duan ainda estivesse viva, talvez não tivesse permanecido no favor para sempre. Mas, por ter morrido no auge da juventude e do favor, ela se tornou um espinho eterno cravado fundo no coração do imperador, que só se aprofundava e doía com o tempo.
Apenas os mortos permanecem impecáveis.
Lu Heng agradecia especialmente que, naquela época, quando Wang Yanqing descobriu que ele a havia enganado, eles brigaram ferozmente e abriram a ferida, resolvendo tudo de vez antes de consumar o casamento. Se tivessem escolhido evitar o problema, deixando a mágoa apodrecer nas sombras, não importaria se ela tivesse seus filhos; o ressentimento teria crescido entre eles.
Lu Heng apertou seu abraço em Wang Yanqing e depositou um beijo leve no topo da cabeça dela:
— Às vezes sinto que sou extraordinariamente sortudo.
Pensando em seu caminho na vida, Wang Yanqing não resistiu a provocá-lo:
— Para ser justo, você sempre foi muito sortudo.
Lu Heng riu, deslizando a mão do ombro dela pela costas até a cintura, com um gesto sugestivo. Insinuou com significado:
— E agora?
Wang Yanqing olhou de lado, fingindo não ouvi-lo, mas o rubor subindo pelas bochechas a denunciava. Lu Heng deslizou a mão para a parte de trás dos joelhos dela, e ela, naturalmente e de boa vontade, envolveu os braços no pescoço dele, sussurrando sem fôlego:
— Vamos entrar.
A maçã de Adão de Lu Heng moveu-se levemente, e ele concordou, muito cavalheiro.
Mas, claro, ele não tinha a menor intenção de ser cavalheiro.
No quinto mês, os dias se tornaram mais longos. Ao anoitecer, embora o sol tivesse se posto, o céu ainda estava claro o suficiente para ver. Lá fora, ouvia-se o som das criadas e atendentes se movimentando. A ama de Lu Xuan veio perguntar quando deveria alimentá-lo.
Era a hora usual da refeição, mas como o jovem mestre estava dormindo, a criada não podia decidir sozinha e veio ao pátio principal buscar instruções. A criada de plantão disse para preparar uma comida fácil de digerir e mantê-la aquecida, pronta para quando Lu Xuan acordasse. A ama concordou e olhou para as portas abertas do salão principal. Lá dentro estava silencioso e calmo, a grande sala de recepção brilhantemente iluminada, porém aparentemente vazia.
Pensando que o Comandante Supremo e a Madame provavelmente não estavam dentro, a ama aceitou a ordem e voltou para vigiar Lu Xuan.
Havia assentos preciosos de sândalo vermelho no meio do salão, cercados por pinturas, caligrafia e vasos de flores, criando uma atmosfera elegante. A leste do salão principal havia um tapete de chão, com entalhes requintados e padrões simples, separando o salão principal do aposento. Atrás da divisória entalhada pendiam pesadas cortinas de veludo vermelho escuro, grossas e opulentas, feitas para bloquear a luz quando fechadas. Normalmente, ficavam guardadas nos cantos, sendo puxadas apenas quando o mestre se recolhia para dormir. Mas agora, entre as dobras retas e caídas do tecido, vinha um som estranho e abafado.
Atrás da cortina, Wang Yanqing encostava-se silenciosamente na divisória, oculta pelo tecido pesado. As portas do salão principal estavam abertas logo além dela. A ama viera pedir instruções sobre os cuidados com o filho, mas ali estava a mãe da criança, presa atrás da divisória, com as roupas espalhadas aos seus pés, totalmente exposta. Apesar de ouvir a ama do lado de fora, não ousava fazer o menor som, nem mesmo o menor movimento, com medo de ser descoberta.
Se alguém ultrapassasse o limiar e desse dois passos em direção à câmara interior, perceberia imediatamente algo errado atrás das cortinas.
Wang Yanqing mordia os lábios até sangrar, mas Lu Heng recusava-se a ceder, levando-a ao limite com precisão deliberada e implacável. Uma das pernas estava encaixada no ombro dele, a outra mal tocava o chão, os dedos dos pés buscando apoio. A linha das pernas era impressionante, longa, firme e perfeitamente reta. Lu Heng traçou a curva esguia da coxa dela com admiração sombria:
— Sempre achei que dobrar sua perna além do joelho fosse impossível. E aqui está você, levantando as pernas tão alto. É inacreditavelmente flexível.
Wang Yanqing, dividida entre vergonha e urgência, tentou apressá-lo numa voz baixa e suplicante:
— Rápido.
Lu Heng ergueu uma sobrancelha, olhando para ela com um sorriso crescente:
— Qing Qing, quer que eu vá mais rápido?
Ser apressado assim num lugar como aquele, nenhum homem levaria bem. Wang Yanqing quase ficou em pânico. Percebendo que implorar não adiantava, cerrou os dentes, contraindo o centro do corpo, tentando acelerar as coisas ela mesma.
As pernas dela já estavam tensas naquela posição, mas ainda assim ela ousava se mexer. Lu Heng soltou um suspiro lento, observando-a antes de rir:
— Tudo bem.
De repente, ele agarrou sua cintura e a levantou. Os dedinhos dos pés dela saíram do chão enquanto ela se agarrava a ele em pânico:
— Não. Alguém pode ver...
Ela pensou que ele ia carregá-la para fora, mas, em vez disso, suas costas encontraram novamente a divisória entalhada, e suas pernas ficaram agora encaixadas sobre os braços dele. Pressionada contra ele, Lu Heng baixou a voz perto do ouvido dela:
— Você anda muito ousada ultimamente. Se atreve a brincar comigo?
Os olhos dela brilhavam, avermelhados e suplicantes, enquanto ela o segurava sem forças:
— Marido...
Contra as cortinas vermelho escuro, sua pele clara e aquele olhar eram demais. Lu Heng perdeu o controle da força, a prateleira de madeira ao lado deles tilintou, e um vaso caiu no chão, estilhaçando-se.
Wang Yanqing congelou. O aperto de Lu Heng em sua cintura se intensificou por reflexo. Milagrosamente, ninguém entrou. Ela soltou um suspiro trêmulo de alívio e deu um tapa no peito dele em reprovação. Lu Heng cedeu, envolvendo-a numa cortina antes de carregá-la para a câmara interior.
Ele a despiu completamente, mas permaneceu vestido. Já na cama, ela o olhou com raiva e chutou frustrada.
Lu Heng segurou o tornozelo fino dela, levantando a perna com facilidade:
— Seja boazinha. A gente conversa depois.
O tal "depois" durou bem até altas horas da noite. Depois que Wang Yanqing tomou banho e vestiu suas roupas íntimas, já era madrugada.
Ao deitar, ela virou as costas para Lu Heng, com o rosto frio, o ignorando, insistindo até em dormir com um cobertor separado. Nessas horas, Lu Heng não tinha vergonha. Abraçava-a por trás, envolvendo-a junto com o cobertor em seus braços, coaxando-a suavemente, e aos poucos puxava o cobertor extra quando ela estava desprevenida.
Quando Wang Yanqing percebeu, já estava colada a ele outra vez.
Furiosa, Wang Yanqing adormeceu, xingando o canalha até nos sonhos. Talvez por causa da raiva remanescente, dormiu inquieta. No meio da noite, acordou de repente e não encontrou ninguém atrás de si.
Assustada, estendeu a mão instintivamente para tocar a cama ao lado e só relaxou quando sentiu o calor residual. Vestiu um robe e levantou-se da cama. Quando estava saindo do quarto, Lu Heng voltou.
Ele não acendeu nenhuma lâmpada e entrou sob a luz fraca do luar. Ao vê-la, caminhou rápido e a segurou nos braços, perguntando em voz baixa:
— Eu te acordei?
— Não, só tive vontade de beber água de repente.
Lu Heng acendeu uma lâmpada próxima e serviu-lhe um copo d’água. Na verdade, beber água era só desculpa. Wang Yanqing tomou lentamente e usou o ato de segurar o copo para observá-lo em segredo.
Ela perguntou:
— O que aconteceu?
Lu Heng suspirou e de repente se inclinou para abraçá-la apertado:
— Chegou notícia do palácio, o Palácio Ocidental pegou fogo.
— E o imperador...?
— Tem muitos lagos perto do Palácio Ocidental. O imperador está ileso.
Wang Yanqing sentiu alívio:
— Então foi só um falso alarme.
Mas Lu Heng ficou em silêncio por um bom tempo. Apoiado na curva do pescoço dela, disse:
— Nem tanto. O fogo se espalhou para o quarto da Imperatriz Fang. Ela ficou presa nas chamas, e os salões do Palácio Ocidental estavam trancados. Não a resgataram.
Wang Yanqing ouviu, os olhos se arregalaram. Todas as noites, os portões do palácio eram rotineiramente trancados, e quem não fosse necessário saía do palácio. Mas os eunucos de vigília noturna sempre carregavam chaves extras.
Com um incêndio tão grave na câmara da Imperatriz, por que ninguém destrancou as portas a tempo?
Wang Yanqing ficou em silêncio por um longo momento, depois sussurrou quase inaudível:
— O imperador sabia?
— Sabia — respondeu Lu Heng, também em voz tão baixa que só os dois podiam ouvir. — Ele ordenou que os portões do Palácio Ocidental fossem fechados e proibiu que alguém apagasse o fogo.
Wang Yanqing ficou completamente sem palavras.
Lu Heng sabia que muitas coincidências haviam se juntado. Hoje era o Festival do Barco-Dragão, e ver a princesa mais velha deixara o imperador melancólico. A princesa esbarrou na Imperatriz Fang, cujo desprezo instintivo provocou a ira do imperador. Então, o incêndio de hoje à noite prendeu a Imperatriz, e no auge da fúria, o imperador ordenou que ninguém a salvasse.
Talvez, depois de um tempo, quando a raiva do imperador passasse, ele se arrependesse de não ter salvo a Imperatriz Fang. Afinal, ela já tivera salvo a vida dele de verdade. Mas o destino era cruel e absurdo, coincidências que normalmente seriam raras, todas alinhadas esta noite.
Nem Wang Yanqing nem Lu Heng falaram mais. Wang Yanqing deixou o copo, e os dois voltaram silenciosamente para a cama. Ao se deitar, Lu Heng puxou Wang Yanqing com força para seus braços. Desta vez, ela não o afastou.
Dormiram nos braços um do outro até o amanhecer.
No dia seguinte, a notícia da morte da Imperatriz Fang se espalhou. Dizia-se que, durante as celebrações do Festival do Barco-Dragão, uma vela cerimonial teria acidentalmente provocado um incêndio no palácio, e não houve tempo para apagá-lo, resultando na morte da Imperatriz. A ideia de que a Imperatriz de uma nação pudesse morrer em um incêndio era chocante, mas após vivenciarem a devastação da queimada da noite anterior, o palácio interior ficou envolto em silêncio, e ninguém ousava falar sobre o assunto.
Três dias depois, foi emitido um decreto do Tribunal Ocidental:
— A Imperatriz, que já salvou o imperador em tempos de perigo, deve, portanto, ser enterrada com a honra de uma primeira Imperatriz.
O imperador concedeu postumamente à Imperatriz Fang o título de Imperatriz Filial e Heroica, emitiu um édito para todo o império e pessoalmente planejou os rituais fúnebres. Ele até pretendia que a ancestral dela fosse consagrada no Templo Ancestral Imperial.
Os oficiais do Ministério dos Ritos argumentaram que isso contrariava a tradição. A Imperatriz Fang era a segunda imperatriz, e somente a primeira Imperatriz deveria ser consagrada no Templo Ancestral. Sua ancestral deveria ser colocada em uma câmara lateral do Salão dos Ancestrais. Contudo, o imperador estava irredutível. Apesar das repetidas tentativas do Gabinete e do Ministério dos Ritos para dissuadi-lo, ele se recusou a mudar de ideia. No fim, não tiveram escolha a não ser deixar o assunto em espera temporária.
A morte da Imperatriz Fang pareceu consolidar uma decisão na mente do imperador. Após o término do período de luto, ele promoveu todas as concubinas do harém que haviam tido filhos. A Concubina Sênior Wang foi promovida a Nobre Concubina Imperial, a Concubina Imperial Shen Xi foi promovida a Concubina Sênior, enquanto as Concubinas Imperiais Du Kang e Lu Jing permaneceram no posto de Concubinas Imperiais, mas tiveram seus estipêndios mensais elevados ao nível de Concubina Sênior.
A maioria das mulheres do palácio interior ficou exultante, exceto a Concubina Sênior Wang. Ela acreditava que dessa vez seria coroada Imperatriz. Em vez disso, recebeu apenas o título de Nobre Concubina Imperial, o que a deixou profundamente desapontada.
Os oficiais da corte acreditavam que o imperador, comovido pela tristeza após o enterro da Imperatriz Fang, optou por recompensar generosamente as concubinas. Mas Lu Heng sabia que não era essa a verdadeira razão. As promoções eram apenas um prelúdio; o imperador tinha um plano muito maior.
E Lu Heng também entendia que, a partir daquele momento, não haveria uma nova imperatriz.
O imperador já havia enterrado três imperatrizes consecutivamente. Sua imperatriz original, Lady Chen, morreu de hemorragia após um aborto espontâneo. Sua segunda imperatriz, Lady Zhang, morreu de depressão após ser rebaixada. Sua terceira imperatriz, Lady Fang, digna, virtuosa e até creditada por ter salvo sua vida, aparentemente não havia feito nada errado, mas ainda assim morreu em um incêndio.
Era como se o próprio título de imperatriz estivesse amaldiçoado. O imperador percebeu que talvez deixar o posto de imperatriz vago fosse a melhor solução.
De fato, após promover as concubinas, o imperador rapidamente emitiu éditos para titular os três príncipes. O Segundo Príncipe foi nomeado Príncipe Herdeiro. O Terceiro Príncipe recebeu o título de Príncipe de Yu. O Quarto Príncipe foi nomeado Príncipe de Jing. Três decretos imperiais foram entregues ao harém de uma só vez, e o assunto da sucessão, tema de especulação na corte por muitos anos, finalmente foi resolvido.
Quando a notícia se espalhou, a maioria não ficou surpresa. O imperador já demonstrava há muito tempo sua preferência pelo Segundo Príncipe, até nomeando Xia Wenjin como seu tutor, sinal claro de suas intenções. Em particular, muitos zombaram de Lu Heng por recusar a oferta de ter seu filho como companheiro de estudos do Segundo Príncipe. Agora, eles ridicularizavam, Lu Heng acabara de se alinhar com o Terceiro Príncipe, e ainda assim o Segundo Príncipe foi nomeado Príncipe Herdeiro.
Apesar dos zombeteiros, os oficiais da corte secretamente respiraram aliviados. Aconteceu que Lu Heng não era infalível, havia momentos em que ele também errava.
Enquanto a capital ainda fervilhava com a nomeação do Príncipe Herdeiro, notícias urgentes chegaram das linhas de frente. Os mongóis haviam começado a atacar as fronteiras, e a situação no noroeste tornava-se grave.
Capítulo 135: Mercado de Cavalos
Enquanto os piratas japoneses no sudeste ainda não haviam sido completamente erradicados, os conflitos começavam a reacender no noroeste. A corte imperial parecia nunca ter um momento de paz, e os oficiais retomavam seus debates.
No passado, os funcionários públicos geralmente defendiam a paz, enquanto os generais militares pressionavam pela guerra. Desta vez, a situação era invertida. Um grupo de generais, liderados por Guo Xun, propôs abrir mercados de cavalos com os mongóis. A corte poderia trocar grãos e tecidos por cavalos de guerra mongóis, beneficiando ambos os lados e evitando a guerra.
Embora Guo Xun não estivesse na linha de frente há anos, ele vinha de uma família militar nobre e conhecia bem os mongóis. Diferentemente dos piratas japoneses, os mongóis habitavam as estepes ao norte, além da Grande Muralha. A Dinastia Ming não podia eliminar as estepes nem exterminar completamente as tribos nômades. Os mongóis não podiam ser derrotados de forma permanente, pois expulsar uma tribo apenas levaria outra a ocupar seu lugar. Enquanto as planícies do norte existissem, a fronteira jamais conheceria paz.
Além disso, os mongóis não eram beligerantes por natureza. Os povos nômades diferiam dos agrícolas. Na Dinastia Ming, a maioria das famílias podia armazenar grãos, mas os nômades não tinham excedentes. Se fossem atingidos por nevascas, secas ou pragas, ficariam sem alimento e morreriam de fome antes do fim do inverno.
Portanto, sua única opção era avançar para o sul e lutar. Vencer significava conquistar comida para o inverno; perder, morrer de fome. Essa desesperança tornava a cavalaria mongol especialmente feroz.
Pessoas movidas pela morte eram invencíveis. A vida dos soldados da fronteira não deveria ser desperdiçada em confrontos inúteis contra inimigos tão desesperados. Os mongóis só queriam comida; que lhes fosse dada, e em troca forneceriam cavalos de guerra de alta qualidade.
Falando por experiência própria como ex-comandante, Guo Xun realmente acreditava que abrir os mercados de cavalos e permitir o comércio mútuo beneficiaria tanto os mongóis quanto a Dinastia Ming. Ele submeteu um longo memorial ao imperador, detalhando as vantagens da reabertura dos mercados, que já havia chegado ao palácio.
Muitos líderes militares do noroeste concordaram com Guo Xun. Até Fu Tingzhou enviou um memorial apoiando a ideia.
No memorial, Fu Tingzhou apontou que os mongóis haviam sido recusados oito vezes na entrega de tributos, mas seu povo dependia dos bens do país. Com os canais oficiais fechados, eram forçados a recorrer ao comércio privado, gerando riscos que poderiam evoluir para uma nova onda de caos semelhante à dos piratas, se não fossem controlados. Em vez de permitir negócios clandestinos, era melhor que a corte tomasse controle e mantivesse a vantagem.
Fu Tingzhou também detalhou como os mercados de cavalos deveriam ser administrados e como as defesas militares deveriam ser ajustadas para garantir a segurança sem atrapalhar o comércio. Ficou evidente que, desde que assumira o comando da linha de frente, Fu Tingzhou havia se tornado mais capaz, suas propostas sendo pragmáticas e valiosas. O imperador levou seu memorial a sério e convocou repetidamente os oficiais ao palácio para discussões.
O imperador também se inclinava a reabrir os mercados fronteiriços. Se o conflito pudesse ser evitado por outros meios, quem escolheria a guerra? A luta contra os piratas havia esgotado os cofres. Havia 41 guarnições em Zhejiang, 439 navios de guerra, e todo o registro militar estava exaurido. A nação ainda não havia se recuperado desse custo, e o imperador relutava em enfrentar outra guerra.
No fim, com o forte apoio do Marquês de Wuding, Guo Xun, e aprovação tácita do imperador, a reabertura dos mercados de cavalos na fronteira foi confirmada.
Do dia 25 ao 28 do nono mês do 18º ano de Jiajing, um mercado de cavalos foi aberto no Forte Xian, em Datong. A tribo Altan trouxe seus melhores cavalos para trocar por itens essenciais como milho, feijão e seda fina. A tribo Altan valorizava muito a transação, e o governador de Datong supervisionou pessoalmente o mercado. Durante três dias, todas as partes permaneceram corteses, sem distúrbios por parte dos mongóis. O mercado terminou com sucesso.
Essa experiência inicial no Forte Xian foi um sucesso. A tribo Altan recebeu grãos e tecidos e, como esperado, não avançou para o sul naquele inverno. A paz prevaleceu. Outras tribos, ao ouvirem sobre o mercado, também solicitaram comércio. Com garantias de Guo Xun, Fu Tingzhou e outros, e sob o impulso coletivo de muitos, um segundo mercado de cavalos foi realizado em Huamachi no final daquele inverno.
Desta vez, o mercado durou mais, com várias tribos mongóis participando. O líder, Lang Taiji, regulava estritamente seu povo, então mongóis e civis permaneciam em suas áreas. A cidade local não foi perturbada pelo comércio.
Na segunda metade do 18º ano de Jiajing, graças aos mercados de cavalos, os conflitos na fronteira diminuíram significativamente. O sucesso dos dois mercados elevou o moral, e Fu Tingzhou enviou outro memorial sugerindo aumentar o número anual de mercados de cavalos para quatro e expandi-los para outras guarnições fronteiriças, como Xuanfu e Yanning. Isso permitiria que os locais negociassem com as tribos nômades próximas. Desde que o volume comercial fosse limitado, as tribos mongóis não cresceriam em poder, e os grãos poderiam ser usados para controlar sua população e subsistência. A longo prazo, isso neutralizaria a ameaça mongol à fronteira Ming.
O imperador aceitou a proposta de Fu Tingzhou e tentou expandir os mercados no ano seguinte. Porém, os encontros comerciais posteriores logo enfrentaram problemas.
No terceiro mês, os mongóis solicitaram trocar gado e ovelhas por grãos, mas o comandante local recusou.
Os mongóis viam o comércio como troca justa, ambos oferecendo o que precisavam. Criadores mais pobres não tinham cavalos finos, mas traziam gado de alta qualidade. Contudo, a corte via o mercado de cavalos como uma forma de tributo. Se estavam trazendo cavalos de guerra, que trouxessem apenas cavalos de guerra; não se podia barganhar.
As negociações pelos muros da cidade falharam, e antigas rivalidades inflamaram ainda mais o conflito. Os criadores haviam percorrido milhares de quilômetros com seu gado, já estavam sem comida e contavam com o comércio para obter grãos e alimentar suas famílias. Agora, sendo rejeitados de mãos vazias, recusaram-se a obedecer e atacaram a fortaleza, invadindo a fronteira para saquear os grãos.
Esses criadores transformados em saqueadores dispararam alertas sobre a segurança dos mercados de cavalos. A corte recebeu múltiplos memoriais de impeachment acusando os comandantes da fronteira de conluio com o inimigo e de abrigar traidores. Guo Xun, o maior defensor dos mercados de cavalos, passou a ser alvo de intenso escrutínio.
Guo Xun sustentava que o incidente foi uma exceção e que a maioria dos mongóis respeitava as regras e negociava pacificamente. Argumentava que cancelar toda a política de mercados por causa de alguns maus elementos era um erro.
Enquanto governo e militares voltavam a discutir na corte, problemas também surgiam em Liaodong. A tribo Altan, migrando com as estações, havia se deslocado para Liaodong naquela primavera. Eles pediram um mercado ali, mas como haviam negociado com Datong no ano anterior, a guarnição de Liaodong recusou o risco e mandou que negociassem novamente com Datong.
A tribo Altan ficou furiosa, sentindo que os oficiais Han eram deliberadamente obstrutivos e enganadores. Ofendidos, lançaram três ataques em grande escala, saqueando grãos e gado pela região.
Uma vez criado esse precedente, oportunistas mongóis apareceram também nos mercados de Xuanfu e Datong. Eles traziam cavalos doentes ou inferiores para negociar, e alguns até vendiam cavalos durante o dia para depois, à noite, recuperá-los à força, fugindo com grãos e prata.
Na verdade, a maioria dos mongóis ainda seguia as regras, mas havia alguns indivíduos astutos e maliciosos querendo causar problemas. Trocas pacíficas eram difíceis de alcançar, mas fáceis de destruir. A opinião pública sobre os mercados de cavalos mudou rapidamente. O que antes era debatido entre poucos censores imperiais e generais passou a ser alvo de ataques de todos os oficiais do governo.
O crítico mais ruidoso era o Chefe Auxiliar Xia Wenjin. Ele havia se desentendido com Guo Xun há muito tempo e, agora, aproveitando a oportunidade, denunciou-o furiosamente. Chegou a acusar Guo de traição, de conluio com o inimigo e de estabelecer os mercados para secretamente ajudar os mongóis.
No início, a discussão era apenas sobre o mercado de cavalos. Mas quando Xia Wenjin elevou o assunto a acusações de traição e conluio, a natureza do problema mudou completamente. Ninguém queria ser rotulado como traidor. Outros oficiais, temendo serem vistos como aliados de Guo Xun, começaram a denunciá-lo ainda mais agressivamente. Acusações de corrupção, abuso de poder, exploração do povo e engano ao imperador vieram à tona. Até mesmo obras anteriormente compiladas pela Mansão do Marquês de Wuding, como “A Biografia dos Heróis” e “Margem da Água”, foram arrastadas para a controvérsia.
Logo, todos passaram a enquadrar a questão em termos de moralidade e justiça. O que começou como um problema comercial virou uma crise moral.
Quando algo é elevado ao nível moral, perde totalmente seu significado original. No fim, nem mesmo o imperador conseguiu conter a tempestade e não teve escolha senão prender Guo Xun para aplacar a indignação pública.
Essa era uma tática comum entre os oficiais do governo para eliminar rivais políticos. Eles não discutiam o problema real, mas lançavam pesadas acusações morais, esmagando o adversário sob o peso da lealdade, da retidão e da piedade filial. Derrubar Guo Xun sozinho não bastava. Xia Wenjin continuou a escalar a questão, implicando os associados de Guo um a um, acusando-os de ajudar o inimigo e trair o país.
Fu Tingzhou, cunhado de Guo Xun e um dos primeiros apoiadores da política dos mercados de cavalos, logo foi arrastado para baixo também.
O imperador não esperava que a situação se agravasse tanto, mas alguém tinha que ser responsabilizado pelo fracasso do mercado de cavalos. E, claro, esse alguém certamente não seria o próprio imperador. No final, Guo Xun virou o bode expiatório.
Como Guo Xun foi o defensor mais veemente, ele naturalmente virou o alvo. O imperador fingiu estar furioso e ordenou sua prisão, iniciando uma rigorosa investigação sobre a suposta conluio. Ninguém podia visitá-lo na prisão.
Quem era próximo de Guo Xun também foi punido. Fu Tingzhou foi destituído do comando militar e removido da posição de comandante de Gansu, depois preso sob acusações de traição. O Marquês de Yongping, seu herdeiro e outros ligados à Mansão do Marquês de Wuding também foram levados para interrogatório por suspeita de conluio com o inimigo.
Por um tempo, todos os ligados à Mansão do Marquês de Wuding viviam com medo.
Para Hong Wanqing, parecia que o céu havia caído de repente. Seu tio fora levado sob acusação de traição, seu marido destituído na hora, e seu pai e irmão também estavam implicados. Todos que ela conhecia estavam ocupados demais ou a evitavam ativamente. Aqueles que antes a bajulavam mudaram completamente de atitude.
Hong Wanqing caiu do status de dama nobre de uma casa de marquês para ser lançada na poeira. Corria de um lado para outro, implorando por ajuda. Antes, era sempre o centro das atenções, cercada de pessoas onde quer que fosse. Agora, tinha que esperar do lado de fora das portas alheias, sob o sol por horas.
E mesmo quando sua dignidade foi pisoteada na lama, ninguém a ajudava. Finalmente, uma senhora com quem fora próxima enviou discretamente um criado para avisá-la. Não era que fossem insensíveis, simplesmente não havia o que fazer.
Falar em nome do Marquês de Wuding era como se declarar traidor. Essas mulheres tinham maridos e filhos. Por mais que fossem próximas de Hong Wanqing, não podiam arruinar suas famílias inteiras. A menos que o Marquês de Wuding fosse declarado inocente, ninguém ousaria se manifestar.
Nesse momento, havia apenas uma pessoa que talvez ainda tivesse poder para limpar o nome do marquês.
O criado fechou a porta após dizer isso, deixando Hong Wanqing sozinha para pensar no resto. Ela desceu as escadas atordoada e de repente desabou.
Suas criadas gritaram, — Madame Marquesa! — correndo para levantá-la em pânico.
Hong Wanqing havia pegado um resfriado e desenvolvido febre alta. Ao acordar, viu as criadas reunidas ao seu lado, chorando como se o fim tivesse chegado. Sua garganta estava dolorosamente seca quando ela raspou a voz:
— Que horas são?
— A hora de Wei (13h às 15h).
Hong Wanqing calculou mentalmente. Lu Heng estava extremamente ocupado com assuntos oficiais e geralmente só voltava para casa depois do anoitecer. A essa hora, provavelmente ainda não havia saído do escritório do governo. Se ela esperasse no portão da Mansão Lu, ainda poderia encontrá-lo!
Hong Wanqing se esforçou para sentar. Ver os rostos encharcados de lágrimas das criadas só aumentou sua raiva. Ela repreendeu:
— Por que estão chorando? A família do meu tio foi heroica na fundação da dinastia. Eles lutaram ao lado do Imperador Hongwu para unificar o país. A família Hong detém o título de marquês desde a fundação da nação. Xia Wenjin é apenas um oficial civil que subiu ao poder na última década, como poderia abalar as fundações das famílias Guo e Hong? A Mansão do Marquês de Wuding luta contra os mongóis há duzentos anos. Quantos homens da família Guo morreram na fronteira noroeste? Por que meu tio iria se conluiar com o inimigo? Xia Wenjin é um funcionário do governo que nunca foi à batalha nem lavrou a terra, só fala bobagem para manchar o nome centenário da família Guo. Me ajudem a levantar, vou sair para buscar justiça para meu tio.
— Madame Marquêsa... — as criadas a apoiaram apressadas e tentaram persuadi-la: — Madame, por mais próxima que seja de seu tio, agora você faz parte da família Fu. Tem que cuidar da sua saúde.
— Tola — Hong Wanqing reprovou. — Meu tio é o pilar que sustenta todos. Se ele for mesmo culpado de traição, o marquês, a Mansão Yongping, todos serão arrastados junto. As famílias dos traidores são vendidas aos prostíbulos. Se eu acabar lá, nem minha vida terei. Então, de que adianta preservar a saúde? Saiam do meu caminho.
— Mas você ainda está doente...
— O que é mais importante? Se recuperar de uma doença ou continuar viva? — As palavras de Hong Wanqing vieram rápido e desencadearam uma crise de tosse. Ela se curvou, tossindo violentamente como se rasgasse os pulmões. As criadas ficaram com o coração partido, ajoelhando-se ao lado dela para oferecer água e enxugar as lágrimas: — A senhora nunca sofreu assim antes. Por que a vida não pode voltar a ser como antes, suave e estável?
Sim, por que o mundo mudou tão de repente?
Demorou um bom tempo até a tosse de Hong Wanqing diminuir. Ela se apoiou no poste da cama, ofegante. O rosto estava corado, e não tinha mais forças no corpo. Mas não havia tempo para fraquejar. Cerrou os dentes e disse, com determinação fraca:
— Alguém, me ajude a me vestir.
Hong Wanqing nunca prestou atenção aos assuntos do Estado; as questões da família sempre foram tratadas por seu pai e irmão. Ela só precisava escolher roupas e comprar joias. Mas agora a grande casa desmoronara. Todos os homens das famílias Guo e Hong estavam presos, Fu Tingzhou não estava na capital, e as Mansões do Marquês de Wuding, Yongping e Zhenyuan haviam caído juntas. Num instante, Hong Wanqing foi lançada da sua gaiola dourada para a tempestade.
Só então ela percebeu que não era diferente das mulheres comuns, cujas vidas flutuam como lentilhas d’água.
Fu Tingzhou não podia ser encontrado. Fu Chang era o único homem remanescente da linha direta da família Fu. Ele deveria ter assumido nesse momento, mas já estava acostumado a ser um ocioso afastado, nem seu pai nem seu filho contavam com ele. Como uma mulher como Hong Wanqing poderia contar com Fu Chang?
Ela só podia contar consigo mesma. Vestida, Hong Wanqing tinha um objetivo claro. Assim que entrou na carruagem, disse ao cocheiro:
— Para a Mansão Lu.
Dentro da carruagem, Hong Wanqing voltou a tossir. Uma criada lhe deu tapinhas nas costas, enxugando as lágrimas:
— Madame, a senhora está tão doente, dói nos ver saindo assim.
A criada soluçava, mas Hong Wanqing abaixou o olhar e sussurrou, fraco:
— Menina tola, é justamente porque estou doente que preciso sair.
Quando chegou à Mansão Lu, Hong Wanqing deixou de lado todo ar de nobreza e foi pessoalmente perguntar ao porteiro:
— O Supremo Comandante Lu está em casa?
O porteiro a observou desconfiado e respondeu friamente:
— O paradeiro do comandante é confidencial. Não é apropriado divulgar a pessoas de fora.
Hong Wanqing congelou. Outras residências nobres pelo menos colocariam uma resposta educada, dizendo que tinham saído ou estavam visitando amigos. Mas a Mansão Lu foi absolutamente clara: ela não era bem-vinda.
Hong Wanqing nunca fora tratada com tanta indiferença. Sentiu-se humilhada. Mas os tempos mudaram, e ela era quem buscava ajuda. Por mais insuportável que fosse a vergonha, ela teria de suportar.
Hong Wanqing cravou as unhas na palma da mão e forçou um sorriso:
— Tenho um assunto urgente e gostaria de solicitar uma audiência com o Supremo Comandante. Poderia, por favor, informá-lo?
O porteiro permaneceu impassível. Mesmo quando Hong Wanqing mandou sua criada oferecer prata, nem o porteiro nem os guardas lhe deram atenção. Trabalhando no portão da Mansão Lu, não lhes faltava dinheiro; por que se importariam com sua mesquinha propina?
Sem outra opção, Hong Wanqing teve que esperar no portão. Ela esperava silenciosamente que Lu Heng não tivesse voltado para casa mais cedo naquele dia. Se tivesse sorte, ainda poderia ter uma chance!
De fato, Lu Heng estava trabalhando até mais tarde no Sul de Fusi. Ele raramente tirava folga, e com a recente onda de prisões, o movimento no Sul de Fusi atingira seu auge. Quando finalmente terminou e se preparava para voltar para casa, um dos guardas da Mansão Lu aproximou-se discretamente e informou:
— Comandante, a Madame Marquesa de Zhenyuan está esperando do lado de fora da residência, solicitando audiência.
Lu Heng ergueu uma sobrancelha:
— Quando ela chegou?
— Na hora de Wei (13h às 15h).
— A senhora sabe?
— Foi parada na porta. Não ousamos incomodar a Madame.
A expressão de Lu Heng finalmente relaxou um pouco. Ainda bem que não perturbassem sua esposa, ou então estariam encrencados.
Lu Heng, o homem que controlava toda a inteligência na capital, não era alguém que se pudesse surpreender casualmente na rua. O guarda perguntou:
— Vamos entrar pelo portão lateral, Supremo Comandante?
— Por que eu entraria em minha própria casa pelo portão lateral? — Lu Heng zombou. — Preparem o cavalo. Vou entrar pela frente.
— Sim, senhor.
De volta ao portão, o sol começava a se pôr e uma brisa fresca levantava, mas ninguém vinha falar com ela. Uma das criadas apoiava Hong Wanqing ansiosa, olhando para o céu:
— Madame, vai chover em breve. Vamos para casa.
— Não — Hong Wanqing recusou firmemente — Esperamos tanto tempo, se sairmos agora, terá sido tudo em vão.
— Mas você ainda está com febre...
Antes que a criada terminasse, o som rítmico de cascos ecoou pela rua. Ambas se viraram. Quando Hong Wanqing viu quem era, seu rosto se iluminou surpreso:
— Supremo Comandante Lu...
Lu Heng segurou as rédeas do cavalo no portão, mas nem sequer a olhou. Entregou as rédeas ao atendente e seguiu direto para dentro. Hong Wanqing preparara um discurso inteiro, mas ao ver o total desprezo dele, entrou em pânico. Largando todo o protocolo, correu atrás dele:
— Supremo Comandante Lu, eu sou Hong, da casa do Marquês de Zhenyuan. Imploro, por favor, nos ajude!
Lu Heng subiu os degraus, com expressão divertida:
— Então é a Madame Fu. Inúmeras pessoas querem minha ajuda, quem exatamente você pensa que é?
Hong Wanqing sentiu o coração afundar. Ela esperava que Lu Heng pudesse ser difícil, mas todas as vezes que o vira antes, ele fora cortês e de voz suave, sempre sorrindo educadamente. Pensou que talvez não fosse tão frio quanto diziam.
Afinal, Wang Yanqing servira Fu Tingzhou por tanto tempo que até sua pureza era questionada, mas Lu Heng a tornara sua esposa legal e permaneceu fiel anos sem tomar concubina. Um homem assim devia ser gentil com as mulheres.
Mas agora Lu Heng não demonstrava nenhuma cortesia. Ser dispensada com uma frase do tipo “Quem você pensa que é” feriu profundamente o orgulho de Hong Wanqing. Ela mordeu o lábio com força, reprimindo a vergonha, e forçou-se a continuar:
— Ouvi dizer que o Supremo Comandante Lu já reverteu uma condenação injusta para vítimas de desastre em apenas três dias. Se até estranhos você ajuda, isso mostra seu senso de justiça e integridade moral. Posso ser indigna, mas minha família foi falsamente acusada. Imploro, me ajude a buscar justiça.
Lu Heng soltou uma risada. Subiu até o último degrau, ajeitou os trajes e se virou. Deu a Hong Wanqing um olhar longo e curioso:
— Em todos esses anos no cargo, esta é a primeira vez que ouço alguém dizer que sou justo. Madame Fu, você é muito menos perspicaz que o Marquês de Zhenyuan ou o Marquês de Yongping.
Depois de falar, virou-se para entrar na mansão. Hong Wanqing, desesperada porque nem persuasão nem ofertas o comoviam, disse rapidamente:
— Se o Supremo Comandante Lu estiver disposto a ajudar, ofereço toda a riqueza da minha família em gratidão pela sua justiça.
— Você acha que preciso da fortuna miserável da sua família? — Lu Heng zombou com desdém evidente. — E você pode sequer decidir isso?
Hong Wanqing não tinha resposta. Era verdade que Lu Heng subira rapidamente na hierarquia nos últimos anos. Agora tinha enorme poder e não era nada econômico. Ninguém na capital sabia o quanto de riqueza ele acumulava. Que ele torcesse o nariz para as fortunas das casas de Zhenyuan e Yongping não surpreendia.
Além disso, Hong Wanqing realmente não tinha autoridade sobre os bens das famílias Fu ou Hong.
Cada movimento que preparava falhava. Cerrando os dentes, ela de repente levantou as saias e caiu de joelhos. Todos ao redor ficaram boquiabertos. Suas criadas correram, agarrando seus braços em pânico:
— Madame, o que está fazendo?
Até Lu Heng parou, pego de surpresa. Finalmente se virou e olhou para ela de verdade. Hong Wanqing ajoelhou-se com as duas pernas, costas eretas, e falou claramente:
— O Marquês de Wuding e o Marquês de Zhenyuan foram injustamente acusados. São generais leais que serviram a nação e não merecem ser difamados com acusações sem fundamento. Sei, Supremo Comandante, que o senhor não tem obrigação de nos ajudar. Mas não tenho outra opção e só posso recorrer ao senhor. Se duvidar da minha sinceridade, ficarei aqui ajoelhada o tempo que for pedindo clemência!
Lu Heng olhou para baixo e sorriu levemente. Ele já sorrira antes, mas esse foi um sorriso sutil que subitamente deu a Hong Wanqing uma sensação gelada de perigo.
Lu Heng disse:
— A Madame Fu está tentando usar sua doença para me ameaçar? Então me julgou mal. Ajoelhe-se até morrer. Veja se eu franzirei a testa.
Com isso, balançou a túnica e entrou, com voz fria e implacável:
— Detesto gente que não sabe o lugar que ocupa. Se quer ajoelhar, vá para a rua. Não suje meus portões.
Os portões da Mansão Lu se fecharam bem na cara de Hong Wanqing. O guarda avançou, estendeu o braço e disse:
— Madame Fu, por favor.
O recado era claro: saia por vontade própria ou será arrastada.
Mesmo humilhada, Hong Wanqing ainda tinha um pouco de dignidade. Mordeu o lábio com força, levantou-se, desceu os degraus e ajoelhou-se novamente, desta vez fora do limite da Mansão Lu.
Se isso significava salvar sua família e a do marido, que importância tinha um pouco de humilhação?
O dia começara claro e ensolarado, mas à noite um vento frio soprou. Trovões ribombavam ameaçadores acima. Momentos depois, a chuva começou a cair.
A chuva na capital não era como as suaves chuvas do sul, era impiedosa, encharcando tudo instantaneamente. As roupas de Hong Wanqing ficaram molhadas na hora. Não tinham trazido guarda-chuva, então a criada tentava inutilmente protegê-la com as mãos:
— Madame, essa chuva vai durar um bom tempo. Você ainda está com febre, vamos voltar!
Febre não era uma doença banal, muitas vidas se perderam por causa dela. E agora, Hong Wanqing estava ajoelhada doente na chuva, arriscando a própria vida.
Ela já queria partir há muito tempo. Criada delicadamente, o objeto mais pesado que carregara fora uma agulha. Como poderia suportar ajoelhar-se numa tempestade? Mas ela estava apostando, apostando que Lu Heng não a deixaria morrer do lado de fora de sua porta. Se ele hesitasse, mesmo que fosse um pouco, ela ainda teria uma chance.
Então, Hong Wanqing cerrou os dentes e recusou-se a sair. Enquanto a chuva caía, a noite rapidamente desceu. O mundo foi engolido pela escuridão. A chuva desabava, o vento frio uivava, e não havia som algum além da tempestade. Até os guardas haviam se recolhido para dentro em busca de abrigo.
Era como se o mundo tivesse abandonado Hong Wanqing. Logo, ela não conseguia nem ouvir mais a voz de sua criada. Então, desabou na lama com um baque, seu corpo inteiro convulsionando. A criada, aterrorizada, correu imediatamente ao seu lado:
— Madame, o que aconteceu?
O rosto de Hong Wanqing estava pálido, seu corpo tremia violentamente, mas as portas da Mansão Lu permaneciam firmemente fechadas. Naquele momento, Hong Wanqing foi atingida por uma percepção devastadora. Lu Heng falara sério.
Mesmo que ela morresse ajoelhada à porta dele, ele realmente não franziria a testa.
Os boatos na capital não estavam errados. Ele era mesmo impiedoso, sem escrúpulos, capaz de qualquer coisa para alcançar seus objetivos. Como alguém assim poderia jamais mostrar compaixão?
Tantos oficiais já haviam sido eliminados por suas mãos. Diziam que até as nobres mais belas e refinadas suplicavam por misericórdia, mas nenhuma delas o comoveu. Até as que se ofereciam fracassavam em despertar seu coração; como alguém como ela poderia esperar abalar Lu Heng?
Ele era uma arma, um assassino sem moral ou limites, capaz de assistir a morte da esposa de um ex-colega à sua porta sem pestanejar. Mas então, por que tratava Wang Yanqing com tanta ternura absoluta?
Hong Wanqing estivera na chuva por tanto tempo que achou que estava tendo alucinações. Ela realmente viu os portões da Mansão Lu se abrirem, e de dentro saiu uma mulher envolta em um manto branco, segurando uma lanterna laranja do palácio. Várias criadas a seguiam cautelosamente, erguendo guarda-chuvas para protegê-la.
A chuva noturna caía como um rio sem fim do céu, encharcando a terra completamente. Ainda assim, parecia que apenas o lugar sob seus pés permanecia intacto pela escuridão. A luz alaranjada tremulava ao vento, iluminando intermitentemente o rosto da mulher, fazendo-a parecer misteriosa e etérea, como uma deusa descendo ao mundo mortal.
— Madame Marquêsa de Zhenyuan — uma voz fria e graciosa soou nos ouvidos de Hong Wanqing pouco antes dela perder a consciência — não há nada que possamos fazer pelo que solicita. Já é tarde e, se permanecer aqui, sua vida poderá estar em perigo. Por favor, busque ajuda médica o quanto antes.
Dentro da casa, Lu Heng brincava com o filho deles, Lu Xuan, sob o brilho quente de uma lanterna. Ao ouvir passos do lado de fora, ele mandou a babá levar Lu Xuan embora, levantou-se e caminhou até a porta:
— Eu disse que ela estava aprontando. Por que você foi lá fora? Se molhou?
Wang Yanqing tirou o manto e secou os dedos com um lenço:
— Estou bem. Ela está doente e eu realmente não podia deixá-la desmaiar à porta de casa.
— Foi na rua — corrigiu Lu Heng. — Eu me certifiquei de que ela estivesse ajoelhada fora do limiar.
Wang Yanqing ficou em silêncio. Ela não entendia o que Hong Wanqing pensava, tentando usar sua doença para manipular Lu Heng. Será que ela realmente achava que ele era do tipo que amolecia?
Seria mais fácil organizar uma fuga da prisão do que esperar compaixão de Lu Heng.
Wang Yanqing trocou a roupa molhada por um robe cor de lótus. Sentou-se ao lado de Lu Heng e perguntou:
— Onde está o Xuan’er?
— Ele estava dormindo. Pedi à babá que o levasse de volta.
Wang Yanqing assentiu, depois perguntou:
— Sobre o Marquês de Wuding, você realmente pretende ficar de fora?
— Essa é uma rixa entre ele e Xia Wenjin. O que isso tem a ver comigo? — Lu Heng recostou-se no ombro de Wang Yanqing, olhos fechados, falando casualmente. — Deixe-os quietos. O imperador sabe o que faz.
O escândalo do mercado de cavalos causou grande problema. O imperador precisava de alguém para pagar o preço, e esse papel caiu sobre Guo Xun. Mas o imperador conhecia a verdade e não tinha intenção de prejudicá-lo seriamente. Depois que a tempestade passasse, ele seria liberado.
Ainda assim, enquanto Guo Xun estivesse preso, sua facção inevitavelmente enfraqueceria.
Lu Heng conhecia as intenções do imperador. Yan Wei também, e provavelmente até Xia Wenjin. Mas as mulheres lá fora não sabiam disso. Acreditavam realmente que o Marquês de Wuding seria punido por traição. Pensando em Hong Wanqing desmaiando na chuva, Wang Yanqing sentiu uma pontada de emoção e suspirou.
Ela também já fora uma dama nobre. Quando Wang Yanqing a conheceu, Hong Wanqing fora audaciosa e radiante, seus olhos cheios de domínio, como se não houvesse nada no mundo que ela não pudesse conquistar. Agora, ela havia jogado fora seu orgulho e se ajoelhara doente em frente à casa de sua antiga inimiga, apenas para conseguir uma palavra de ajuda de Lu Heng.
A luz da vela queimava silenciosa, o quarto estava escuro e imóvel. Lu Heng, olhos fechados, parecia ter adormecido. Então, de repente, perguntou:
— Por que o suspiro?
Assustada, Wang Yanqing respondeu:
— É nada. Só estava pensando em como a vida é imprevisível.
— Você não a odeia?
— Deixar-me de lado para casar com outra foi decisão de Fu Tingzhou. Mesmo sem ela, eu teria saído da Mansão do Marquês de Zhenyuan. Por que eu haveria de guardar mágoa?
Embora Lu Heng ficasse satisfeito ao ouvir que ela teria saído da família Fu de qualquer jeito, ainda sentia amargura ao lembrar de ter sido deixado de lado para casar com outra.
Se Fu Tingzhou não a tivesse rejeitado, dada sua devoção obstinada, jamais haveria espaço para Lu Heng. Era um pensamento doloroso que ele preferia não alimentar. Na mente de Lu Heng, a melhor vingança contra seu rival antigo era simples: engravidar Qing Qing de um segundo filho.
E assim que Lu Heng teve o pensamento, agiu imediatamente. Abriu os olhos, puxou-a para seus braços e disse:
— Qing Qing, não acha que Lu Xuan está um pouco solitário sozinho?
— O quê?
— Devíamos dar a ele uma irmãzinha — disse Lu Heng, depois fez uma pausa e acrescentou a contragosto — Se for outro menino, acho que tudo bem também.
No dia seguinte, a notícia se espalhou por toda a capital. A Madame Marquês de Zhenyuan fora até a Mansão Lu pedir ajuda, mas Lu Heng nem a deixou entrar, fazendo-a ajoelhar-se na rua por metade da noite. Ao voltar para casa, ela teve uma febre alta e entrou em coma.
O povo ridicularizou Lu Heng como frio e insensível, mas mesmo assim poucos se dispuseram a defender o Marquês de Zhenyuan ou o de Wuding.
No palácio, o imperador também soube do ocorrido. Quando Lu Heng veio relatar como de costume, o imperador perguntou:
— Ouvi dizer que a Madame Fu veio te ver ontem à noite?
Lu Heng assentiu:
— Isso mesmo. Os lábios dela estavam rachados, o rosto avermelhado, parecia febril. Imaginei que ela estava apenas fazendo cena e desistiria logo, então não me incomodei. No fim, minha esposa não suportou e mandou alguém levá-la de volta à Mansão do Marquês de Zhenyuan. Até arranjou um médico para ela.
Ao ouvir isso, o imperador entendeu. Hong Wanqing já estava doente quando veio; desmaiar por doença não fora um ardil desesperado, mas apenas o resultado natural. Ela havia se causado aquilo.
Criticar Lu Heng por falta de piedade até era válido, mas jogar toda a culpa nele não adiantaria.
Para o imperador, essas pequenas manipulações emocionais das mulheres não passavam de truques mesquinhos. Ele disse:
— Ela ainda é esposa de um general meritório. Fu Tingzhou teve um desempenho admirável ao conter os piratas japoneses e foi bastante eficiente em Gansu nesses últimos dois anos. Não há necessidade de exagerar e desanimar nossos militares. Em alguns dias, encontre um pretexto para transferir Guo Xun para a prisão de Zhao.
A Guarda Imperial tinha sua própria prisão especial, a Prisão Zhao, que não passava pelos ministérios usuais e possuía direitos independentes para revisar casos. Ela tinha autoridade plena para interrogar e prender. Ser transferido para lá significava que a vida ou a morte estava nas mãos do imperador, e o sistema judicial comum já não se aplicava.
Lu Heng aceitou. A Prisão Zhao já abrigava muitos presos assim. Havia até uma ala separada especificamente para “oficiais culpados” que não podiam ser libertados nem executados. Alguns ficavam lá por dois ou três anos até a ira do imperador diminuir.
Seguindo a ordem do imperador, Lu Heng não demorou. No dia seguinte, foi buscar Guo Xun. A Guarda Imperial tinha autoridade para investigar nobres sem precisar apresentar provas. Quando Lu Heng pediu a custódia do Marquês de Wuding, ninguém da prisão imperial ousou se opor.
O carcereiro conduziu Lu Heng até a cela. Ao destrancar a porta, disse:
— Supremo Comandante Lu, o Marquês está lá dentro. Por favor, prossiga.
Lu Heng olhou para dentro. Guo Xun estava sentado de costas para a porta, olhando para o claraboia. Sem esperar qualquer encenação, Lu Heng empurrou a porta de madeira e falou:
— Marquês de Wuding, desculpe incomodá-lo. Há assuntos que requerem sua cooperação. Por favor, venha comigo para a Prisão Zhao.
Após Lu Heng falar, Guo Xun permaneceu imóvel. Lu Heng, acostumado à morte, imediatamente sentiu que algo estava errado. Estendeu a mão para deter seus homens:
— Não toquem em nada. Chamem pessoas da prisão imperial para verificar o Marquês.
Guo Xun estava morto.
O imperador estava sentado atrás de sua mesa, com o rosto severo, lançando um olhar lento pelo tribunal.
Estavam presentes os seis antigos estudiosos do gabinete, o Comandante da Guarda Imperial, Lu Heng, o Ministro da Justiça e o Juiz-Chefe da Corte Imperial. O imperador olhou para eles friamente e perguntou:
— O que aconteceu com Guo Xun?
O imperador pretendia prender Guo Xun, talvez amedrontá-lo um pouco, mas jamais planejou matá-lo. Guo Xun era crucial para o exército do noroeste. O imperador teria que estar louco para arriscar desestabilizar a fronteira.
Lu Heng, que descobriu o corpo e reportou a morte, foi a primeira testemunha-chave. Ele lançou um leve sorriso enigmático para o Ministro da Justiça e Xia Wenjin, depois avançou e disse:
— Majestade, quando o corpo do Marquês foi encontrado, eu estava no local. Vim sob suas ordens para escoltar o Marquês até a Prisão Zhao. Mas quando cheguei à prisão imperial, ele estava sentado, imóvel. Senti que algo estava errado e mandei os oficiais da corte imperial verificarem. A Guarda Imperial jamais entrou na cela. Quanto a quem matou o Marquês… isso talvez o Ministro da Justiça possa explicar.
O imperador, lutando para conter sua fúria, virou-se para o Ministro da Justiça:
— O Marquês de Wuding morreu sob sua supervisão. Como explica isso?
O Ministro da Justiça já estava ensopado em suor. Não esperava que Lu Heng fosse tão meticuloso; ele nem sequer entrou na cela, tornando inútil o pretexto que tinham preparado. Mas diante do trono, o silêncio seria ainda mais condenatório.
Gaguejando, respondeu:
— Eu… não sei. Talvez o Marquês, sabendo de seus crimes e incapaz de enfrentar o julgamento, tenha tirado a própria vida por culpa.
Lu Heng debochou abertamente ao lado. O imperador claramente achou a desculpa risível também. Com a expressão sombria, apontou para Lu Heng:
— Lu Heng.
Lu Heng inclinou a cabeça:
— Majestade.
— Você tem dez dias para descobrir a verdade por trás da morte do Marquês.
— Sim.
Ao deixarem a sala do trono, os oficiais caminharam em silêncio pelos jardins floridos do Jardim Ocidental. Ao saírem pelos portões do palácio, Lu Heng ficou meio passo atrás e se aproximou de Xia Wenjin. Aproximando-se, disse suavemente:
— Chefe Auxiliar Xia, em conhecimento acadêmico, não sou páreo para você. Mas quando se trata de matar, você está muito aquém.
Xia Wenjin virou-se ligeiramente para encará-lo. Lu Heng retribuiu o olhar com um sorriso, seus olhos cor de flor de pêssego cheios de uma escuridão densa e insondável:
— Você nunca deveria ter me provocado.
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