Capítulo 14 – Uma Canção de Verão Duradoura


 A garotinha deslumbrada, que tinha enlouquecido com as habilidades divinas de espada de Chu Yao, finalmente foi para casa. E a atenção de Chu Yao voltou-se para o falso herói que ela ainda segurava no ar.

Os olhos de Xia Ge permaneciam fechados. Estava cansada depois de uma tarde inteira limpando, e ficou ainda mais sonolenta ouvindo a ladainha de Chu Yao sobre como era a melhor de todas, tentando doutrinar a menininha que a adorava. Por isso, Xia Ge simplesmente adormeceu sob a tênue luz da lua no começo da noite.

— Ei.

Com uma careta, Chu Yao sacudiu o pirralho em seu aperto:

— Acorda, anão.

Nada.

Chu Yao: “……”

Até pouco tempo atrás, essa pessoa estava toda cheia de energia. Mas agora, em vez de se debater, o pirralho estava dormindo?

Chu Yao bufou, lançando um olhar para o… horrível bolinho que o menino segurava com tenacidade.

…aquilo ainda era comestível?

Colocando o pirralho no chão, os olhos grandes e arredondados de Chu Yao pousaram na fita verde amarrotada dele, fazendo suas sobrancelhas se franzirem.

Verde? Esse desgraçadinho era mesmo um discípulo externo da Seita Lingxi?

Em geral, os discípulos internos de Jianfeng usavam roupas simples azul-claro, com uma faixa de cabeça da mesma cor. Os de Danfeng vestiam branco com bordados vermelhos e fitas vermelhas. Já os discípulos internos de Shoufeng usavam camisas de pele de fera e faixas amarelas.

Pensando no que havia acontecido no Pavilhão Siguo na noite anterior, Chu Yao percebeu que não tivera tempo de registrar a cor da faixa do pirralho.

Ele seria um discípulo externo de Jianfeng?

Ao considerar a velocidade sobrenatural e a coragem perspicaz daquele baixinho, que ultrapassava a de uma pessoa comum, Chu Yao achou bem provável que ele fosse um discípulo externo de Jianfeng.

Afinal, o exame de admissão de Jianfeng exigia atributos diferentes dos de Danfeng ou Shoufeng. Velocidade, mente afiada, força física, percepção. Tudo isso era necessário para ser aceito como discípulo interno de Jianfeng.

E, considerando a velocidade e a percepção demonstradas há pouco, parecia provável que… essa pessoa ainda não tivesse passado no exame de entrada de Jianfeng.

Com o cenho cada vez mais franzido, Chu Yao observava o garoto adormecido, vestido de cânhamo, relembrando com certa irritação o contato altamente desagradável que tivera com ele na noite anterior.

…cabeça de cocô, torto, pirralho fedido. Não era de se espantar que esse moleque ainda não tivesse conseguido virar discípulo interno de Jianfeng.

No meio dessas reflexões, o garoto adormecido se mexeu de repente.

— Oh…

Xia Ge estalou os lábios suavemente, encolhendo o corpo enquanto apertava o bolinho todo espatifado.

— Muito cheiroso.

Chu Yao: “……”

Por mais cativante que tivesse sido o vislumbre dos olhos dele anteriormente, agora, ao observá-lo, Chu Yao sentiu uma vontade incontrolável de dar uma surra naquele moleque.

Com a sobrancelha tremendo, Chu Yao o colocou no chão e se agachou para puxar o bolinho de gergelim:

— Solta isso, não dá mais pra comer!

Ela até usou um pouco de força, mas a mão de Xia Ge não soltou o bolinho. De olhos ainda fechados, parecia um cão velho bem acomodado.

Hmm… vai saber por quê, mas Chu Yao suspeitou que essa pessoa estivesse só fingindo dormir.

— Ha.

Com um sorriso de escárnio, Chu Yao se recusava a acreditar que ela, a grande discípula de Jianfeng, não conseguiria arrancar um bolinho das mãos de um bastardo fedido que nem passar no exame de entrada conseguia.

Que piada!

Sem mais delicadeza, Chu Yao usou toda sua força:

— Solta isso, já falei!

Rasga—

O bolinho se partiu ao meio, o som do papel encerado rasgando ecoando nitidamente na noite, sementes de gergelim voando. Chu Yao ficou com uma metade do bolinho nojento na mão, olhou para ela… depois para Xia Ge, praticamente encolhido na terra, e sua expressão escureceu.

Por um instante… só um instante… aquilo tinha sido uma força formidável.

Chu Yao não conseguiu tomar o bolinho inteiro — só conseguiu rasgá-lo ao meio…

A força do outro era mais ou menos equivalente à dela.

Chu Yao:

— Vai ficar fingindo até quando?

Xia Ge: “……”

Pelo visto, tinha sido descoberta… Chu Yao não estava comprando a encenação de Xia Ge.

Como Xia Ge não esboçou a menor reação, Chu Yao jogou sua metade do bolinho de lado:

— Levanta, tenho umas perguntas pra——

A voz de Chu Yao se apagou.

Ela finalmente reparou na mão esquerda de Xia Ge, que ainda segurava metade do bolinho de gergelim.

Sangue escorria devagar do ferimento na mão de Xia Ge até a palma, tingindo aos poucos a metade branca do bolinho de vermelho. À luz da lua, aquele tom carmesim reluzia como uma joia.

Por um instante, Chu Yao não conseguiu formar um pensamento coerente.

— Abaixado sob o peso do fantoche, o garoto resistia à foice com uma das mãos, enquanto protegia a criança com o braço direito, olhando por cima do ombro, afiado como um raio.

Chu Yao havia visto aquela cena com os próprios olhos quando desceu às pressas até a vila.

Com a postura de um guardião, o garoto havia protegido sem hesitação um ser ainda menor e mais frágil do que ele——

Apesar de ser, ele mesmo, praticamente uma criança.

Ainda assim, teve forças para agir como um herói.

“Você deve sempre se lembrar por quem sua espada é empunhada!”

Regra ancestral nº 1 de Jianfeng——

“O poder da espada em suas mãos deve servir aos fracos e pequenos.”

A brisa noturna havia ficado mais fria.

Chu Yao bufou suavemente para si mesma, estendendo a mão para tirar com cuidado a última metade do bolinho da mão ensanguentada de Xia Ge:

— Solta isso, eu compro dez bolinhos novos pra você.

Com os olhos ainda bem fechados, Xia Ge imediatamente ofereceu:

— Eu solto por uma peça de prata!

Chu Yao: — ……

Revirando os olhos, Chu Yao rebateu:

— Pensei que você estivesse dormindo?

Xia Ge assumiu uma expressão completamente inocente e tranquila:

— Eu nunca disse que estava dormindo.

Chu Yao: — ……

O que ela havia pensado consigo mesma há pouco? Herói?

Ela retirava tudo. Só podia estar cega.

Após um longo suspiro, Chu Yao perguntou:

— Uma ou duas peças de prata são só isso mesmo, por que você não abre os olhos?

Agora foi a vez de Xia Ge suspirar:

— Eu já disse, fui cegada pelos seus movimentos gloriosos de antes.

Estalando os dedos, os olhos de Chu Yao se estreitaram perigosamente:

— É melhor você dizer a verdade.

— Ah, tudo bem, entrou areia nos meus olhos. Não consigo abri-los — respondeu Xia Ge num tom de quem aceitava um bom conselho.

Chu Yao: — …… Por que esse tom só me dá mais vontade de bater nesse garoto?

Inspirando fundo, Chu Yao tentou de novo:

— Você…

Xia Ge imediatamente acenou com a mão ferida para a salvadora da vila, fazendo uma cara de coitadinha:

— Você acha que eu posso simplesmente subir a montanha e pedir indenização trabalhista? Isso, e aposto que existe um prêmio por “agir bravamente com justiça”…

Chu Yao: — …… O que esse garoto tá falando agora…

Como a outra parte não respondeu por um tempo, Xia Ge imaginou que a garota assassina talvez não tivesse entendido, então gentilmente explicou:

— Quero dizer… acabei de fazer algo corajoso, mas a Seita Lingxi vai me pagar por isso? Vão me dar dinheiro porque estou ferido agora? E você acabou de dizer que uma ou duas peças de prata não são nada, então quando vai me dar? Agora ou parcelado? Nota promissória ou moeda? Não sou exigente…

Sem esconder o entusiasmo por prata, Xia Ge esfregou o polegar nos dedos:

— Que tal me dar tudo agora?

Seria ótimo se fosse agora mesmo!

Ela poderia comprar uma garrafa de vinho pra aliviar todo o estresse!

— Eu tenho a prata agora — disse Chu Yao. — Mas antes…

Ela cantarolou levemente:

— Me diga de qual pico você vem.

O coração de Xia Ge deu um pulo.

Ela não podia dizer a verdade!

E se a garota assassina ainda estivesse sob efeito de {captura de alma}? Ou se a garota de Jianfeng estivesse desconfiando dos olhos de Xia Ge…

Dá pra viver sem prata, mas Xia Ge precisava proteger sua identidade!

Ainda de olhos fechados, Xia Ge soltou qualquer besteira:

— Ah, eu sou de Shoufeng…

Sua voz foi se apagando.

[Ding! Parabéns por receber a Impressão “Pirralho Cheio de Mentiras” de Chu Yao, Discípula Sênior de Jianfeng! Essa impressão fará com que sua credibilidade caia em 100% com o alvo. Favor prestar atenção.]

Hmm, então o nome da garota espadachim era Chu Yao.

Mas que tipo de impressão era essa… cair 100% de uma vez?!

Tenha mais fé nas pessoas, moça!

— Eu disse… é melhor me dizer a verdade.

— Caso contrário, aquela moeda que você quer, pela sua lesão e heroísmo, não será dada.

Tão indignada que queria morrer, Xia Ge protestou:

— Que crueldade! Quem é que não recompensa bravura e justiça com prata?!

Chu Yao resmungou:

— Se for de Jianfeng, eu te dou dinheiro.

A expressão de Xia Ge escureceu:

— Shoufeng não recompensa com prata?

— Shoufeng é muito pobre — disse Chu Yao, com o rosto impassível, estalando os dedos de novo. — Agora fala a verdade e para com essa palhaçada. Você não fede a cocô de galinha como o resto do lixo de Shoufeng.

Xia Ge reconhecia que os discípulos de Shoufeng eram pobres, mas todos cheiravam a cocô de galinha?! Besteira! O tio Xu, que vendia bolinhos de gergelim, também era discípulo externo de Shoufeng, e os bolinhos dele não tinham cheiro de cocô de galinha!

Espera aí… será que tinha…?

Chu Yao observou enquanto a expressão de Xia Ge mudava sutilmente.

Xia Ge, consigo mesma:

— É, eu comia qualquer coisa quando era mendiga… mas agora que penso bem, será que os bolinhos sempre tiveram um leve cheiro de cocô de galinha…?

Ainda determinada a descobrir de qual pico Xia Ge vinha, Chu Yao abriu a boca para continuar, mas foi interrompida pela voz chorosa do pirralho:

— …então, meu bolinho agora cheira a cocô de galinha?

Então aquela cara de antes era porque ele estava preocupado se o bolinho cheirava a cocô de galinha?!

Cerrando os punhos, um sorriso maldoso se espalhou pelo rosto de Chu Yao, mas ao olhar para a metade de bolinho surrada e horrenda na mão de Xia Ge, o sorriso se congelou por um instante.

…tinha mais nisso do que apenas o cheiro de cocô de galinha.

O semblante de Chu Yao mudou:

— Sim.

Xia Ge: — !!!

O rostinho do pirralho assumiu um ar de arrependimento:

— Me desculpe, irmã. Que vergonha. Sou discípulo de Danfeng, nunca comi bolinhos com gosto de cocô de galinha…

Ignorando completamente, Chu Yao declarou:

— Ah, você é um discípulo externo de Jianfeng.

Xia Ge, abalada, rebateu:

— Irmã, eu sou de Danfeng!

A paciência de Chu Yao estava se esgotando:

— Para de mentir. Você é de Jianfeng, não é? Age por impulso, não tem cérebro… por que temos um discípulo externo como você em Jianfeng? Qual é o seu nome?

Tão rápido assim? Era normal discípulo de Jianfeng ser só músculo e nada de cérebro?

Baixando a cabeça, Xia Ge assumiu um ar envergonhado:

— Eu… me chamo Xia Ge…

Chu Yao ficou refletindo em silêncio.

Xia Ge? Estranho… ela não se lembrava de já ter ouvido falar dessa pessoa antes.

— Vou me lembrar de você.

Então Chu Yao se pôs de pé, jogando uma moeda de prata pesada para Xia Ge:

— Pegue isso e vá procurar um médico para cuidar da sua mão. Espero ver você no próximo exame de entrada de Jianfeng.

Chu Yao estudou o pirralho que agarrava com força a prata. Ele parecia achar que os céus haviam acabado de lhe dar uma fortuna inimaginável, e as sobrancelhas de Chu Yao se contraíram de frustração contida.

…Ela realmente não queria admitir que esse pirralho era mesmo um discípulo externo de Jianfeng.

— Xia Ge — lembrou Chu Yao, irritada —, da próxima vez que sair, lembre-se de usar a fita azul de Jianfeng.

Fazia tanto tempo que não ouvia alguém chamá-la assim que Xia Ge quase havia esquecido esse nome. A menção a pegou desprevenida.

A empolgação de ter ficado rica de repente desapareceu do pensamento, empurrada para o fundo da mente. No lugar dela, Xia Ge sentiu uma estranha melancolia.

— …Sim.

— E jogue fora o resto desse bolinho.

— Não volte a pegar o que já foi descartado. — Chu Yao virou-se, a voz transbordando arrogância: — Xia Ge, levante a cabeça. Lembre-se de que você é uma discípula de Jianfeng!

— Xia Ge, Xia Ge.

Uma canção de verão duradoura… surpreendentemente, era um nome agradável aos ouvidos.

Acompanhado por um par de olhos excepcionalmente belos.

Uma figura corajosa, disposta a derramar o próprio sangue para proteger os fracos. Coisas assim não podiam ser compradas com dinheiro.

Ao menos… eram dignas de serem lembradas.

Quando Chu Yao partiu, o ar da noite estava frio. Mas era difícil esfriar o sangue ainda fervendo.

Sob a luz da lua prateada que se espalhava, apertando com força sua nova fortuna de prata, Xia Ge abriu lentamente os olhos violeta-escuros.

A garota da espada caminhava com as costas retas, os raios da lua reluzindo nos arcos gelados da fita azul que dançava ao vento. Extraordinária, refinada, e livre de qualquer amarra.

Os cantos dos lábios de Xia Ge se curvaram lentamente.

Como esperado.

Aquela garota era alguém nascida para ser uma luz resplandecente.

— Eu realmente não queria mentir pra ela… — Xia Ge balançou a cabeça e suspirou, sem a menor sombra de arrependimento.

Sistema: [Hehe. Esse foi o Sarcasmo Mais Gelado Que Ouvi Neste Século.]

— Ai, pequeno fantoche, você ainda não me entende — respondeu Xia Ge, antes de acrescentar, com hipocrisia: — Quem foi mesmo que não acreditou em mim quando disse a verdade?

Sistema: […] Por que você não poupa os seus níveis de confiança que já estão falidos em todo lugar, anfitriã?

Assobiando para si mesma, Xia Ge foi embora, banhada na euforia da nova prata conquistada.

A suprema arte de contar uma mentira estava em torná-la sete partes verdade, três partes falsidade.

E com sua credibilidade em 0%, mesmo que Xia Ge dissesse a verdade, ainda assim seria vista como mentira pela garota assassina.

Ai… enganar era fácil demais.

Xia Ge simplesmente não conseguia evitar.

 

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A autora tem algo a dizer:

Pequeno teatro—

Xia Ge: Ah, sim… a fita vermelha de Danfeng.

Ye Ze: Hmm, vermelha, fica bem bonita.

Xia Ge: Ummm…

No dia seguinte—

Ye Ze: …Cadê sua fita vermelha?!

Xia Ge: Bem, eu queria fingir ser discípula de Shoufeng pra poder roubar uns ovos de pássaro ==

Ye Ze: Roubar ovos de pássaro… espera, o que isso tem a ver com essa fita verde na sua cabeça?

Xia Ge: Verde é adorável, traz o sabor da natureza. =v=

Ye Ze: = =

Na realidade—

Xia Ge: Quê… por que minha fita vermelha ficou verde quando tirei do tonel de tinta amarela da tia Li…

Sistema: ……

Xia Ge: Tinta mágica, ah.

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Nota Extra:

 

A tradução de:

  • 夏 (xià) — verão

  • 歌 (gē) — canção

Portanto, 夏歌 (Xià Gē) significa literalmente “Canção de Verão”.

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