Capítulo 146: Dragão?
O homem tirou a capa e olhou de lado para Kong Hou.
— Garotinha, você realmente não sabe falar.
— Perdão, perdão. — Kong Hou sorriu obedientemente e se desculpou. — Tio que vende peixe salgado, por que está aqui?
— Eu pesco e vendo peixe. Se eu não ficar perto do mar, vou pra onde? — O Tio Peixe Salgado prendeu a capa no cinto e avançou, a barra batendo contra os joelhos. Lançou um olhar de soslaio para Huan Zhong e Kong Hou. — Me digam, por que vieram até aqui?
— Ouvimos dizer que há lendas sobre dragões no Mar Imprevisível, então viemos dar uma olhada. — Kong Hou olhou animada para o Tio Peixe Salgado. — Tio, o senhor pesca com frequência no mar — já viu um dragão?
— Dragão? — Tio Peixe Salgado zombou. — Nunca.
— Estão parados no portão por quê? Se querem entrar, entrem. Não bloqueiem o caminho. — O guarda resmungou impaciente. — Nosso mestre do salão é um Ancestral da Formação do Núcleo. Se continuarem enrolando, cuidado pra não serem cuidados por ele.
— Formação do Núcleo… ancestral? — Kong Hou lançou um olhar sarcástico ao guarda enfezado. — Desde quando um mero Formação do Núcleo se tornou tão sem vergonha a ponto de exigir ser chamado de ancestral?
O guarda explodiu de raiva. Achou que as palavras de Kong Hou eram o maior insulto possível ao mestre do salão e puxou a espada.
— Acho que vocês estão pedindo pra morrer!
As pessoas ao redor viram a cena e fugiram em pânico. Algumas mais frágeis até se ajoelharam no chão, apavoradas.
Kong Hou estava inicialmente de bom humor, mas ao ver o terror nos rostos das pessoas comuns, entendeu que a seita local devia estar oprimindo severamente os moradores. Do contrário, eles não reagiriam assim.
Ela se lembrou do povo da Cidade Harmônica. Lá, ousavam cumprimentar os cultivadores e nunca recuavam ao observá-los. Encontrar o melhor lugar para assistir era um instinto do povo daquela cidade.
De que serve um cultivador que trata pessoas comuns com desumanidade só porque tem poder espiritual?!
Sem pensar duas vezes, Kong Hou deu um chute no guarda. Ele teve a sensação de ser atingido por um enorme martelo, voando pelos ares e caindo em cima dos cultivadores que tinham se aproximado ao ouvir o barulho.
Os dois cultivadores que estavam no Refinamento de Energia não aguentaram o golpe de uma cultivadora do nível Divisão da Mente. Ambos caíram no chão inconscientes.
— Mo-Moça… — Uma senhora de cabelos brancos e rosto enrugado se aproximou, encurvada. — Fujam logo. O mestre do Salão do Dragão Dourado é cruel e lascivo. Você é tão bonita… Se ele te encontrar, quem sabe o que pode acontecer? — Depois de dizer isso, viu os cultivadores do salão correndo na direção deles, cobriu rapidamente o rosto e fugiu, sem ousar permanecer ali.
— Quando o gato sai, os ratos fazem a festa. — Kong Hou arregaçou as mangas e apoiou uma mão no quadril. — Quem liga se é dragão de ouro ou dragão de prata? Esta irmã tem algo bom se aproximando e não deve ver sangue. Então só posso espancá-los até quase a morte e amarrá-los para as dez grandes seitas.
Tio Peixe Salgado lançou um olhar para os braços expostos de Kong Hou, brancos e macios, e para os dois homens atrás dela que recuaram para lhe dar espaço. Sentou-se encostado na parede e tirou uma cenoura para mastigar.
Huan Zhong lançou um olhar para ele e deu cinco passos para o lado. Aquela posição permitiria interceptar Tio Peixe Salgado caso ele tentasse atacar Kong Hou de repente. Seus passos pareciam casuais, como se apenas estivesse mudando de lugar.
Lin Hu notou o movimento de Huan Zhong. Não conseguiu evitar olhar para o homem encostado na parede. Seus passos eram firmes, mas ele parecia um homem comum saudável, e não um cultivador. No entanto, cultivadores normais não ficariam tão tranquilos, mesmo que não estivessem com medo, ao verem outros cultivadores lutando. Ele não demonstrava qualquer receio de ser atingido por feitiços ou energia espiritual, como se aquilo não tivesse nada a ver com ele.
Parecia ordinário, mas era estranho em todos os sentidos.
Os membros do Salão do Dragão Dourado chegaram às pressas aos portões e viram seus companheiros estirados no chão. Gritaram furiosos:
— Quem foi o insolente que ousou ferir discípulos do Salão do Dragão Dourado?!
O Salão do Dragão Dourado estava naquele local havia mais de cem anos. Nenhum outro cultivador aparecia por aquelas bandas, e eles se acostumaram a viver acima dos demais, esquecendo que em outras regiões havia cultivadores poderosos que poderiam destruir o salão com um estalar de dedos.
— Como cultivador, você deveria proteger seu povo, não oprimir. — Kong Hou encarou os discípulos orgulhosos do Salão do Dragão Dourado. — Os discípulos das dez grandes seitas são mais fortes que vocês, e as seitas também, mas mesmo assim eles agem com mais gentileza.
Os cultivadores do Salão do Dragão Dourado ouviram as palavras de Kong Hou e caíram na risada.
— Senhorita, você quer nos assustar com as dez grandes seitas? As dez grandes seitas ficam em terras ricas, cheias de energia espiritual. Como saberiam da existência de um lugar pobre como este? Não adianta tentar nos intimidar com elas. Cultivamos arduamente por anos em busca de seda e brocados, beleza e comida boa. Essas pessoas comuns nasceram inferiores. É o destino delas serem nossos servos. A culpa é delas por não conseguirem cultivar. A lei do mundo é simples: os fortes devoram os fracos. Beleza, em vez de sentir pena desses miseráveis, se vier comigo, eu garanto que sua beleza vai durar pra sempre. Seu garotinho bonitinho é até agradável de olhar, mas daqui a uma ou duas décadas, vai estar um velho enrugado...
— Está errado — Kong Hou o interrompeu. — Mesmo em duas décadas, ele será um velho bonito. Diferente de vocês, que mesmo vivendo séculos, nunca foram agradáveis de se ver. — Ela tirou o grampo de cabelo, que se transformou na Espada Geada d’Água. Levantou o queixo com altivez. — Mas você disse algo certo agora: os fortes devoram os fracos.
E qual é o resultado de um grupo de cultivadores no Refinamento de Energia enfrentando uma cultivadora na Divisão da Mente?
Esses cultivadores usavam roupas de brocado, mas eram apenas vestes ornamentais, sem qualquer defesa espiritual. Kong Hou os jogou no chão com três golpes. Em seguida, desferiu um chute naquele cultivador feioso que havia chamado Huan Zhong de "garotinho bonitinho".
— Intimidar os fracos é divertido? — perguntou ela.
O homem cuspiu sangue e balançou a cabeça, atordoado.
Kong Hou inclinou levemente o rosto e sorriu docemente.
— Eu acho bem divertido.
Ela então se virou para Huan Zhong.
— Huan Zhong, vamos arrombar uma porta. Nunca fiz isso antes. Vem comigo.
— Tudo bem. — Huan Zhong assentiu, indo até ela para segurar sua mão.
Lin Hu: "..."
Qual é a graça disso...? Ele virou-se para olhar o grupo de pessoas amontoadas junto ao portão, observando em silêncio. Em seguida, olhou na direção da parede.
O homem que estava comendo uma cenoura havia desaparecido.
Ao olhar para Huan Zhong e Kong Hou, que seguiam de mãos dadas, ele suspirou. Eles não vão arrombar uma porta. Estão indo se divertir, de mãos dadas.
Retirou um talismã de contenção e amarrou os discípulos do Salão do Dragão Dourado. As pessoas comuns, ao verem aquela cena, continuavam aterrorizadas. Não sabiam quem havia derrotado os discípulos. Seriam tão ruins quanto o Salão do Dragão Dourado? Ou até piores?
O Salão do Dragão Dourado era fácil de localizar — seu prédio alto e vistoso se destacava entre os edifícios baixos da cidade. Parecia que aquela seita realmente reverenciava dragões: havia dragões entalhados nas paredes, colunas com dragões enrolados e até os portões vermelhos ostentavam dois dragões esculpidos.
Kong Hou ficou um pouco tonta com tantos padrões de dragão e se voltou para Lin Hu.
— Ancião Lin, você é muito sábio. Como se faz pra ser mais intimidador ao arrombar uma porta? Um chute direto nos portões?
Lin Hu respirou fundo.
— Senhorita Kong Hou, eu não sou especialista em arrombar portas. — Mal terminou de falar, ouviu um “boom” alto e viu os portões do Salão do Dragão Dourado caírem no chão. Olhou na direção do som e viu o Mestre guardando lentamente a Espada Rugido do Dragão. Ele disse com naturalidade para Kong Hou:
— Seu pé se machucaria se fosse chutar.
Lin Hu sentiu como se o ar tivesse sumido dos pulmões diante da cena.
— Ancião Lin? — Kong Hou entrou e olhou para trás, vendo Lin Hu parado em transe. — Arrombar portas é divertido. Vem com a gente.
Ao ver a expressão de Kong Hou, como se dissesse diversão deve ser compartilhada, Lin Hu virou-se lentamente para encarar Huan Zhong. Ele não sabia quem dos dois havia corrompido o outro...
Passou a mão no rosto e seguiu com uma expressão rígida.
Como seita de cultivação, o Salão do Dragão Dourado era tão pequeno que nem poderia ser considerado um valentão regional, mas possuía algumas formações defensivas nos portões. Quando Huan Zhong as destruiu com um golpe, vários discípulos correram para o local.
Os discípulos viram três pessoas vestidas com brocados atravessando os portões — agora cortados ao meio — e todas as suas formações protetoras anuladas. Engoliram em seco e deram vários passos para trás.
Entre os discípulos, um ancião vestido com uma túnica mágica de classificação baixa deu um passo à frente e se curvou.
— De onde vêm os Honoráveis? Teriam algum conselho para esta humilde seita?
— Viemos intimidar os fracos. — Kong Hou puxou a Espada Geada d’Água e ergueu o queixo.
O velho mudou de expressão e segurou o talismã de vínculo vital nas mãos.
— A senhorita está brincando, claro. Somos todos cultivadores — por que nos ameaçar?
— Vocês cultivadores também são gente, assim como as pessoas comuns lá fora. Então por que as maltratam? — Kong Hou lançou um olhar indiferente ao velho. Ele possuía cultivo completo na Fundação de Base. Os outros discípulos tinham presenças fracas — estavam apenas no Estágio de Refinamento de Energia.
Hmph, nem um que valha a pena lutar.
— Então a Celestial veio por causa do povo da cidade. — O velho, que antes a chamava de “senhorita”, agora mudava para “Celestial”. Era mais perspicaz que os discípulos. Não conseguia enxergar o nível de cultivo de Kong Hou, mas reconhecia que a espada dela era divina — mais valiosa do que toda a seita dele. Não sabia de que seita vinham esses dois, mas torcia para que fossem mestres e discípulos ingênuos o suficiente para que ele conseguisse enganá-los.
— Como pode alguém confiar nas palavras dessas pessoas perversas? — disse o velho. — No inverno, querem que os ajudemos a ir ao mar; no verão, querem ajuda para secar peixe. Se ficam insatisfeitos, fazem birra e dizem que estamos os oprimindo. Este lugar tem pouca energia espiritual. Se a nossa seita não estivesse aqui há mil anos, já teríamos nos mudado faz tempo. Dizem que montanhas pobres e águas ruins abrigam gente má. Celestial, não pode acreditar nas palavras distorcidas dessas pessoas.
— Então você quer dizer que eu entendi tudo errado? — Kong Hou virou-se para Huan Zhong.
Huan Zhong moveu um dedo e o velho voou até ficar diante deles. Ele colocou a mão sobre a cabeça do homem e vasculhou rapidamente suas memórias. Em seguida, atirou o velho para longe com nojo.
O velho desmaiou sem emitir som.
— A morte daqueles que fazem o mal e ainda mentem com a língua afiada não apaga seus crimes. — Huan Zhong limpou as mãos, os olhos frios. — Mandem o mestre do salão vir até aqui.
Vendo que até o ancião tinha sido derrotado com facilidade, os outros discípulos sequer conseguiam se manter de pé de tanto medo. Acostumados a cometer maldades e oprimir os outros, agora, diante da morte, perdiam toda a compostura.
— Visitantes são convidados, mas vocês três, claramente, são intrusos. — Uma voz idosa ecoou por todos os lados. — Os ancestrais do Salão do Dragão Dourado possuíam o sangue dos dragões dourados. Mesmo que hoje sejamos fracos, não toleraremos sermos insultados por três moleques. Vocês pretendem enfrentar este velho?
Enquanto falava, o dono da voz finalmente apareceu. Seus cabelos mesclavam branco e amarelo. Vestia um manto de brocado bordado com dragões dourados e usava uma coroa de pérolas com nove dragões, que cintilava com luz. Quem não soubesse pensaria se tratar de um imperador do mundo mortal. Atrás dele vinha um homem baixo e gordo em vestes negras. Era careca e sua cabeça brilhava, emanando uma energia demoníaca pesada.
Mas essa energia desapareceu no instante em que ele viu Huan Zhong. Deu vários passos para trás, tentando escapar. No entanto, no momento em que se moveu, a Espada Rugido do Dragão voou até ele. A lâmina gélida apontou para sua testa, causando uma dor lancinante.
— Transcendente, Transcendente! — O homem de preto recuou o pé e curvou-se repetidamente diante de Huan Zhong. — Tantos anos sem vê-lo… o Transcendente continua tão imponente quanto antes…
Huan Zhong franziu a testa.
— Cale a boca.
O homem obedeceu imediatamente, calando-se por completo. Segurou sua barriga rechonchuda e encolheu-se todo como uma bola.
— Ancião Lin, quem é ele? — Kong Hou perguntou, surpresa ao ver aquele homem tão apavorado só de olhar para Huan Zhong.
— Você se lembra do Sábio Branco que veio se vingar pelo discípulo dele no passado? — Lin Hu cruzou os braços. — Ele é irmão do Sábio Branco: o Sábio Negro.
— Vocês dois realmente não têm nada em comum. — Kong Hou riu. — Esse Sábio Negro não foi aquele que dizia que lideraria os cultivadores demoníacos para atacar o mundo da cultivação e se vingar do Sábio Branco? — Não era de se estranhar que esse pequeno Salão do Dragão Dourado ousasse tratar pessoas comuns de forma tão desumana e tivesse uma atitude tão arrogante. Havia um cultivador demoníaco escondido na seita.
— Se as palavras de cultivadores demoníacos pudessem ser confiadas, o mundo já estaria em paz há muito tempo. — Lin Hu zombou. — Esses cultivadores demoníacos não se importam com sentimentos, só com interesses próprios. Um irmão morto? Hmph. Mesmo que os pais morressem, não valeria a pena lutar até a morte por isso. Ele fala em vingança, mas se esconde num lugar como este. Só tem medo de que o Mestre venha matá-lo depois de matar o Sábio Branco.
— O afeto fraternal dele é como gelo: derrete ao sol. — Kong Hou balançou a cabeça e suspirou. Ao ver o Sábio Negro nem ousando respirar sob a espada de Huan Zhong, disse com leve desdém: — Com essa coragem ridícula, ele quer derrubar o mundo da cultivação? De onde tirou tanta confiança?
Lin Hu olhou silenciosamente para Kong Hou e permaneceu em silêncio.
Kong Hou não sabia que, no passado, quando o Mestre perseguiu e matou cultivadores demoníacos, a montanha inteira foi tingida com o sangue deles. Desde então, a fama do Mestre entre os cultivadores demoníacos cresceu — e ele se tornou alguém que muitos não ousavam provocar.
Não havia por que falar sobre o passado. Além disso, para Kong Hou, o Mestre era perfeito em todos os sentidos. Se ele contasse sobre esse passado cruel, o próximo a ser torturado poderia ser ele mesmo.
O mestre do Salão do Dragão Dourado não esperava que aquele ancião poderoso e misterioso se comportasse pior que um cão diante de Huan Zhong. Subitamente, teve uma ideia e olhou para Kong Hou. Essa cultivadora cambaleava nos passos e seu cultivo parecia fraco. Se conseguisse capturá-la, talvez salvasse a própria vida.
Com esse pensamento, ele agiu. Sendo um cultivador da Formação de Núcleo, ainda possuía alguns talismãs de qualidade razoável, que lançou contra Kong Hou.
Mas, no instante em que os talismãs tocaram as roupas dela, foi como se perdessem as asas e caíssem.
O quê? O que aconteceu?
O mestre do Salão do Dragão Dourado achou que havia algo errado com os talismãs por terem ficado guardados tanto tempo. Cerrou os dentes e lançou o restante que tinha. Mas eles caíram sem força, do mesmo modo que os anteriores.
— Ai ai, esses são talismãs de terceira categoria? — Kong Hou chutou os papéis no chão, virou-se para Lin Hu e disse: — Estou no mundo da cultivação há tantos anos e nunca usei talismãs de terceira categoria.
Ela esmagou os talismãs com o pé e piscou inocentemente para o mestre do salão.
— Me desculpe. Eu uso apenas túnicas mágicas da mais alta qualidade. Talismãs de baixo nível são inúteis contra mim.
O mestre do Salão do Dragão Dourado sentiu como se uma lâmina cortasse seu coração. Ao ver os talismãs destruídos, engoliu a raiva e a frustração e perguntou com o rosto pálido:
— Quem é você?
— Uma seita de cultivação que abriga cultivadores demoníacos em segredo... O Salão do Dragão Dourado é uma seita demoníaca ou uma seita ortodoxa? — A expressão de Kong Hou se tornou séria. Ela encarou o mestre do salão. — Como discípula de uma das dez grandes seitas, só me resta entregá-lo à minha seita.
— Dez grandes seitas?! — O mestre do Salão do Dragão Dourado olhou para Kong Hou, atônito. Não conseguia acreditar que discípulos de uma das dez grandes seitas viriam a um lugar tão miserável. Será que os jovens líderes dessas seitas perderam o juízo? Em vez de visitarem montanhas espirituais e lagos sagrados, vêm parar aqui?
— Mestre Espiritual Zhong Xi, Mestre Espiritual Zhong Xi! Eu só estou me escondendo aqui, eu juro! Não matei ninguém, de verdade! — O rosto do Sábio Negro estava branco como a neve, e ele abraçava a própria cabeça com os braços. — Cultivar não é fácil... tenha piedade, por favor!
Huan Zhong o ignorou e usou uma corda de contenção para amarrá-lo como um rolo de gordura.
Mestre Espiritual Zhong... Zhong Xi?! Esse homem de túnica branca e espada é o Mestre Espiritual Zhong Xi?!
Mesmo naquele canto remoto do mundo, ele já ouvira falar do Mestre Espiritual Zhong Xi. O mestre do Salão do Dragão Dourado caiu de joelhos no chão. Ele era apenas um valentão de uma terra esquecida. Como acabara enfrentando Zhong Xi? O céu realmente queria ver o fim de seu Salão do Dragão Dourado.
Kong Hou deu um chute no mestre desabado.
— Você disse que o Salão do Dragão Dourado tem o sangue do dragão dourado. É verdade?
— Por favor, por favor, Celestial, me poupe… — o mestre do Salão do Dragão Dourado soluçava. — Esta humilde seita é pequena e não tem sangue de dragão dourado. O ancestral teve medo de que a seita não ganhasse fama ao ser fundada, então pingou algumas gotas de sangue de carpa num frasco e o chamou de sangue de dragão. Na verdade, sangue de carpa é meio sangue de dragão. Se ela salta o portão do dragão, não vira um dragão?
— Cale a boca — não venha me falar essas lógicas absurdas. — Kong Hou selou os meridianos do mestre do Salão do Dragão Dourado e se voltou para Huan Zhong. — Vamos passar a noite aqui. Partimos depois que vierem buscar esses cultivadores criminosos.
— Senhorita Kong Hou, não se preocupe. Já enviei mensagem à seita. Os discípulos da Seita Radiante que estão perto do Mar Imprevisível chegarão amanhã — disse Lin Hu. — Vai ser bom ver o interior da cidade. Não sei até que ponto eles arruinaram a vida do povo daqui.
Kong Hou lançou um olhar de desprezo ao mestre do Salão do Dragão Dourado. Depois de um longo silêncio, suspirou.
— Se alguém vive apenas para oprimir os fracos, qual é a diferença entre viver cem anos ou mil?
As pessoas do Salão do Dragão Dourado jamais entenderiam essas palavras. E quem entendesse... não faria algo assim.
Eles amarraram todos os membros do Salão do Dragão Dourado que haviam cometido grandes crimes. Esses cultivadores passaram a se culpar mutuamente, denunciando uns aos outros. No fim, havia poucos inocentes entre eles.
Kong Hou começou a sentir dor de cabeça ouvindo tantas maldições e acusações. Entregou o grupo aos cuidados de Lin Hu e puxou Huan Zhong para fora do Salão do Dragão Dourado.
Os portões do salão estavam destruídos, e os discípulos — antes tão arrogantes — não ousavam sair para protestar. As pessoas mais corajosas da cidade espiavam de seus esconderijos, divididas entre o alívio e o temor. Estavam felizes que aqueles malfeitores haviam sido derrotados, mas temiam que os que destruíram o Salão do Dragão Dourado fossem ainda piores.
Kong Hou caminhava pelas ruas. Viu muitos moradores com expressões amargas. Quando olhavam para ela e Huan Zhong, tão bem vestidos, se afastavam apavorados, sem nem ousar levantar os olhos. A noite caía com um frio leve, mas as crianças que corriam pelas ruas vestiam trapos. Pegavam folhas de legumes caídas no chão, com os pés descalços. Kong Hou chegou a ver duas crianças brigando por uma folha.
O Salão do Dragão Dourado, rico e ornamentado, e o povo nas ruas pareciam mundos completamente distintos.
— Vamos voltar. — Huan Zhong notou a expressão cada vez mais carregada dela. Parou e disse: — Está quase escurecendo.
— En. — Kong Hou assentiu. Observou as pessoas de costas curvadas e deixou que Huan Zhong segurasse sua mão para voltarem ao Salão do Dragão Dourado.
##
Na manhã seguinte, assim que o sol nasceu, os discípulos da Seita Radiante chegaram. Com receio de que esses discípulos não fossem fortes o bastante e que o Sábio Negro tentasse fugir, Huan Zhong destruiu a plataforma espiritual dele antes de entregá-lo aos cultivadores.
— Deixem duas pessoas aqui para cuidar dos assuntos locais e tentem fazer com que o povo volte a levar uma vida normal o quanto antes. Os outros discípulos levarão esses indivíduos de volta para a seita — disse Huan Zhong. — Não irei com vocês. Tenham cuidado no caminho.
— Sim. — Os discípulos se curvaram respeitosamente e depois também se curvaram para Kong Hou. — Shishu Zhong Xi, Shishu Kong Hou, Ancião Lin, cuidem-se.
Esses discípulos receberam presentes de boas-vindas de Kong Hou.
Kong Hou não tinha dúvidas das habilidades dos discípulos da Seita Radiante. Ao ver o sol surgindo no horizonte, seu ânimo melhorou. Caminhou sorrindo até os portões do Salão do Dragão Dourado.
Quando passou pelos portões da cidade e se preparava para invocar sua espada voadora, viu o Tio Peixe Salgado ajudando outras pessoas a secar peixes. Seus pensamentos mudaram, e ela correu até ele.
— Tio!
O Tio Peixe Salgado estava com os olhos semicerrados, como se ainda estivesse dormindo. Usava as mesmas roupas do dia anterior, mas seu manto tinha desaparecido. Ao ouvir Kong Hou chamá-lo, respondeu sem se virar:
— Menina, hoje não estou vendendo peixe salgado seco.
— Hoje não estou comprando peixe salgado. — Kong Hou se abaixou e pegou um peixe meio morto e fedorento. Imitou o Tio Peixe Salgado e os arrumou corretamente. — O tio costuma ir bastante ao mar?
O Tio Peixe Salgado observou as mãos brancas de Kong Hou se cobrirem de sal. Seus olhos se abriram um pouco mais.
— Sim.
— Então, posso convidar o tio para ir ao mar conosco? — O mar era vasto e repleto de perigos. Mesmo cultivadores poderosos precisavam ter cautela. Seria mais conveniente ter a companhia de alguém que conhecesse bem aquelas águas.
O Tio Peixe Salgado parou de mexer nos peixes. Levantou uma sobrancelha e olhou para Kong Hou sem qualquer traço de sonolência.
— Vocês querem encontrar dragões?
Capítulo 147: Vento Comum
— Sim. — Kong Hou assentiu e posicionou os peixes restantes. Ao ver que alguns estavam muito próximos uns dos outros, afastou-os com cuidado.
— Por que vocês querem encontrar os dragões? — O Tio Peixe Salgado colocou outro cesto aos pés de Kong Hou e fez um gesto para que ela continuasse. — Para pegar o núcleo do dragão e fazer remédios? Ou para usar os tendões em talismãs?
Enquanto continuava a arrumar os peixes, Kong Hou respondeu:
— Se o dragão estiver vivo, é um ser precioso e raro. Quem teria coragem de arrancar seu núcleo ou tendões? Quero apenas duas gotas de sangue de dragão. Não quero feri-lo.
O Tio Peixe Salgado virou o rosto para olhar Huan Zhong, que se aproximava. Estava com uma expressão neutra.
— Ah.
Huan Zhong percebeu que o Tio Peixe Salgado estava dificultando de propósito para Kong Hou. Abaixou-se para ajudá-la a espalhar os peixes secos e fedorentos. Seu rosto deixava claro que não gostava do cheiro, e suas vestes largas e etéreas o atrapalhavam ao fazer aquele tipo de tarefa.
— Tio, o senhor vive nesta cidade? — Kong Hou continuou perguntando.
— Quem compraria meus peixes salgados num lugar pobre e decadente como esse? Só vim parar aqui por acaso, pra ver se encontro algum peixe barato que eu possa vender a algum esbanjador tolo. — O Tio Peixe Salgado bateu a poeira das roupas, parecendo um andarilho despreocupado.
Kong Hou: …
Será que esbanjador tolo era sobre ela?
O mundo da cultivação era diferente do mundo mortal. Mesmo naquela vila pesqueira miserável, não faltava sal. Para conservar os peixes, as mulheres passavam grandes quantidades de sal neles. Os peixes meio secos misturados com o sal ficavam pegajosos. Kong Hou sabia que Huan Zhong gostava de limpeza, então lhe cutucou o cotovelo:
— Esses peixes secos estão sujos. Deixe isso comigo e com o Tio Peixe Salgado.
— Não importa. Qualquer coisa que eu fizer com você nunca será suja. — Huan Zhong sorriu para Kong Hou.
Tio Peixe Salgado: …
Esses dois jovens provavelmente tinham algum parafuso solto. Sendo cultivadores, por que não usavam feitiços para espalhar os peixes? Mas ao ver o carinho doce entre eles, os olhos do Tio Peixe Salgado se tornaram ligeiramente sombrios e ele parou de ser tão rígido com os dois.
— Shishu Zhong Xi! — Um discípulo da Seita Radiante que havia ficado para cuidar dos assuntos locais apareceu apressado. Suspirou aliviado ao ver que Huan Zhong ainda não tinha partido e saltou da espada voadora. Ao ver o que Huan Zhong estava fazendo, ficou atônito. — Shi-Shishu?
— O que foi? — Huan Zhong colocou os últimos peixes no cesto. Sua voz era lenta e elegante, como se em vez de secar peixe, estivesse refinando selos.
— Encontramos isso enquanto fazíamos o inventário dos bens do Salão do Dragão Dourado. — O discípulo da Seita Radiante estendeu um pequeno frasco de porcelana do tamanho de um polegar diante de Huan Zhong.
O frasquinho era comum, coberto por sujeira acumulada ao longo dos anos. Para a surpresa de Huan Zhong e Kong Hou, havia um traço fraco de energia dracônica.
— Isto é… sangue de dragão? — O coração de Kong Hou acelerou e ela fixou os olhos no frasco sem piscar.
— Inútil. — O Tio Peixe Salgado lançou um olhar para o frasco. — Esse tipo de frasco não consegue selar energia espiritual. Depois de tantos anos, o sangue de dragão já secou faz tempo.
Kong Hou pegou o frasco e o abriu cuidadosamente. Seu coração gelou. O Tio Peixe Salgado estava certo. O sangue havia morrido. Restava apenas uma crosta preta como sujeira.
Mas… talvez ainda pudesse ser usado?
Kong Hou mesmo assim guardou o frasco.
Percebendo o que ela fazia, o Tio Peixe Salgado perguntou:
— Os discípulos da Seita Radiante procuram sangue de dragão no mar há tanto tempo e nunca vieram aqui?
O discípulo da Seita Radiante não sabia quem era aquele homem. Vestido como um pescador comum, respondeu com uma reverência:
— Nós carregamos talismãs que detectam energia dracônica e geralmente sobrevoamos o mar. Costumamos perguntar aos pescadores mais renomados da região. Este lugar é pobre e pequeno. Então, mesmo que passemos por aqui, seguimos adiante sem parar na cidade. Acabamos negligenciando esse ponto.
O Tio Peixe Salgado bateu a poeira das roupas.
— Vocês, discípulos das grandes seitas, falam de forma tão formal. Mocinha, posso acompanhar vocês até o mar, mas meu preço é alto. Consegue pagar?
— Sim, sim, sim! — Kong Hou assentiu repetidamente. Com base nos padrões dos romances, aquelas pessoas que agiam de forma diferente do comum sempre tinham habilidades especiais. Ela tinha uma confiança inexplicável no Tio Peixe Salgado.
— Certo, vamos. — O Tio Peixe Salgado limpou as mãos cobertas de sal nas próprias roupas e caminhou em direção ao mar.
Lin Hu hesitou um pouco e olhou para Huan Zhong.
— Mestre...
Huan Zhong ergueu uma mão para interrompê-lo.
— Vamos.
Kong Hou segurou o braço de Huan Zhong e sussurrou:
— Mestre Lin, não se preocupe. Nós três estamos juntos. Mesmo que esse homem tenha intenções maliciosas, conseguiremos fugir a tempo.
Lin Hu riu. Isso era verdade. Dois cultivadores no estágio de Divisão Mental e ele no estágio de Manifestação Mental. Com esse nível de cultivo, podiam andar livremente pelo mundo da cultivação sem temer perigo de morte. Mas será que a senhorita Kong Hou não podia ser um pouco mais ambiciosa? Estava mesmo satisfeita apenas em conseguir escapar?
Eles chegaram à beira do mar. Kong Hou olhou para o barco de pesca de aparência antiga.
— Tio, ouvi dizer que o mar tem ventos fortes e ondas enormes. Seu barco vai aguentar?
— Se não aguentar, vocês não estão aqui? — O Tio Peixe Salgado desamarrou a corda e jogou a âncora para dentro do barco. Saltou para dentro e disse: — Subam. O mar é infinito. Se usarem talismãs de voo, vão acabar perdendo muitas coisas interessantes.
Os três embarcaram. Não era um navio grande, mas era maior do que os barcos de pesca de lago e também mais resistente. Kong Hou viu carne seca pendurada no interior do barco, arroz, farinha e legumes que podiam ser armazenados por muito tempo. Tirou algumas almofadas de meditação de seu anel de armazenamento e se sentou no convés. O vento do mar bagunçava seus cabelos.
— Tio, o senhor não tem uma bolsa de armazenamento? Por que coloca essas coisas no barco?
— A vida deve ser saboreada lentamente para ser chamada de vida. — A vela do barco se inflou com o vento. O Tio Peixe Salgado respondeu sem olhar para trás: — Vocês estão acostumados a viver como cultivadores. Como poderiam experimentar as alegrias das pessoas comuns?
Kong Hou ficou pensativa. Levantou-se e foi até o lado do Tio Peixe Salgado. Sorriu para ele com doçura.
— Tio, o senhor conhece muitos segredos que os outros não sabem?
O Tio Peixe Salgado revirou os olhos para ela.
— Mocinha, você anda lendo romances escondida?
Os olhos de Kong Hou brilharam.
— Sim, Tio Peixe Salgado, que visão aguçada o senhor tem!
O Tio Peixe Salgado virou o rosto, impassível.
— Não é que eu tenha visão aguçada, é que pessoas comuns não têm ideias estranhas como as suas.
Kong Hou: …
O barco de pesca seguiu com o vento e logo se afastou da costa. Em pouco tempo, já não se via mais terra, apenas o azul profundo e sem fim.
O Tio Peixe Salgado encontrou uma panela e a colocou no fogareiro para cozinhar carne preservada. Kong Hou o viu, disfarçadamente, tirar um jarro d’água da bolsa de armazenamento. Virou o rosto e fingiu não ter visto. O tio tinha acabado de dizer que não usava bolsas de armazenamento porque queria viver como uma pessoa comum. Ela não ia desmascará-lo.
Quando a carne estava quase pronta, o barco começou a tremer de repente. A água do mar formou um redemoinho gigantesco, como se fosse sugar o barco para dentro.
Huan Zhong usou um feitiço para fazer o barco inteiro voar e escapar da força de sucção.
— O que é isso?! — Kong Hou olhou para o enorme e feioso peixe no mar. Ele tinha três olhos e escamas irregulares, como carne podre. Kong Hou prendeu a respiração. Nunca tinha visto um peixe tão feio.
— Isso é um monstro marinho. — O Tio Peixe Salgado virou-se para Kong Hou. — Parabéns, você encontrou um monstro marinho que só aparece uma vez a cada cem anos.
Mal terminou de falar, o barulho no mar aumentou. Mais dois monstros marinhos gigantescos surgiram. Tinham aparências diferentes — um parecia uma moreia de duas cabeças, o outro um polvo mutante, com mais de uma dúzia de tentáculos grudados entre si.
Kong Hou sentiu arrepios com tanta feiura e esfregou os braços.
— Parabéns, isso é algo que só se vê uma vez a cada quinhentos anos.
O monstro marinho moreia de duas cabeças soltou um grito repentino. Kong Hou sentiu o mundo girar com o som. Seus ouvidos zumbiram. Instintivamente, ela invocou sua espada voadora e saltou sobre ela.
Sob o ataque sonoro do monstro de duas cabeças, o barco do Tio Peixe Salgado se partiu em pedaços e afundou nas águas após ser atingido pelo monstro semelhante a uma lula. Diante dessas criaturas marinhas colossais, os humanos pareciam minúsculos.
O Tio Peixe Salgado parecia ter algum cultivo. Estava de pé, tremendo, sobre um talismã de voo em forma de manto. Antes que Kong Hou pudesse dizer algo, uma das pernas do monstro-lula se alongou de repente e se enrolou ao redor dele.
Huan Zhong, vendo a situação, cortou a perna com a Espada Rugido do Dragão e puxou o Tio Peixe Salgado para sua própria espada voadora.
O monstro-lula ficou furioso com a perda de um tentáculo. Seus tentáculos começaram a se agitar furiosamente pelo ar. Imediatamente, um vendaval se formou, como se fosse lançar Kong Hou e os outros para o céu.
As roupas de Huan Zhong esvoaçavam com o vento. Ele ergueu a espada. Quando se preparava para cortar o monstro-lula, o monstro de duas cabeças soltou outro grito. Uma onda gigantesca atirou o Tio Peixe Salgado da espada voadora direto para a água.
— Tio! — Kong Hou agarrou o Tio Peixe Salgado e disse a Huan Zhong: — Huan Zhong, vamos embora!
— Não vamos conseguir. — O Tio Peixe Salgado tinha uma expressão grave. — Esses monstros marinhos vieram se vingar de mim.
— O que você fez com eles? — Kong Hou olhou para Huan Zhong, que lutava contra os monstros, e então lançou um olhar curioso para o Tio Peixe Salgado. — O que foi que…
— Ao longo dos anos, eu pesquei muitos peixes de que esses dois monstros gostam. Eles lembram do meu cheiro e vieram se vingar. — O Tio Peixe Salgado suspirou. — Sei que vocês são poderosos, mas há muitas criaturas neste vasto mar que vocês nunca viram. Talvez não sejam páreo para elas. Se me deixarem, eles não vão persegui-los.
— Tio, que incrível roubar comida de monstros marinhos! — Kong Hou estava com uma expressão de admiração. — Esta júnior o admira muito!
Tio Peixe Salgado: …
Será que essa garota tinha mesmo algum problema na cabeça que não conseguia entender o ponto principal?
Kong Hou acenou para Huan Zhong:
— Huan Zhong, vamos fugir! Mestre Lin, vá na frente — estamos fugindo pelas nossas vidas!
— Eu disse que se vocês…
— Tio, não interrompa os jovens quando estão fazendo algo. Isso não é educado. — Kong Hou carregou o Tio Peixe Salgado para a espada voadora de Lin Hu. — O senhor veio ao mar por nossa causa. Não vamos abandoná-lo.
— Hoje, o senhor verá o quão espetacular é o Mestre Lin!
Tio Peixe Salgado: …
Então, interromper os mais velhos era considerado educado agora?
Capítulo 148: Energia do Dragão
Os humanos eram minúsculos diante dos imensos monstros marinhos.
Mesmo Huan Zhong, que era temido pelas crianças do mundo dos cultivadores malignos — a ponto de fazê-las parar de chorar à noite —, precisava ser extremamente cuidadoso entre os três monstros marinhos para não se ferir. Ao ouvir Kong Hou chamá-lo de volta, ele cortou o tentáculo gigante que vinha em sua direção e saltou de volta para a espada voadora de Lin Hu.
— Esses monstros marinhos têm um campo de energia espiritual peculiar. Embora não possam assumir forma humana, já possuem inteligência — disse ele. Estava completamente limpo. Era difícil imaginar que havia acabado de travar uma dura batalha contra criaturas gigantescas.
— Esses monstros são tão grandes. Transcendente, você é muito poderoso e se move entre eles com tanta facilidade. Por que não os mata? — Tio Peixe Salgado puxou o manto rasgado com força, o rosto pálido como se tivesse levado um grande susto.
— Eles nasceram no mar e cresceram no mar. Nunca foram à terra firme causar mal aos humanos. É raro que consigam desenvolver inteligência. Se os matássemos apenas por estarmos de passagem, quão injusto seria isso para eles? — Huan Zhong guardou a Espada Rugido do Dragão. Ao ver que o monstro de duas cabeças se preparava para gritar novamente, apressou-se em formar uma barreira para bloquear o poderoso ataque sonoro.
Ao ouvir suas palavras, quem mais se surpreendeu não foi o Tio Peixe Salgado, mas Lin Hu. No passado, o Mestre não se importava com isso nem dizia coisas assim. Quando monstros marinhos o atacavam, ele provavelmente os teria cortado impiedosamente com a espada.
— O Transcendente não é alguém que deixa de comer carne. Matar um animal ou matar dez dá na mesma — murmurou Tio Peixe Salgado, limpando a água salgada do rosto. — Isso só soa mais bonito.
— Quando nós, humanos, fazemos escolhas, pensamos primeiro nos interesses humanos. Comer outros animais é nosso instinto. Evitar matar seres inteligentes que não cometeram mal algum é uma forma de benevolência que apenas os humanos possuem — Kong Hou sorriu. — Todos os seres do mundo dependem do mundo e lutam pelas coisas do mundo. Sobreviver é um instinto. Quando feras comem humanos, elas não se importam se a pessoa é boa ou má, jovem ou velha. Sempre seguirão seu desejo interno por alimento.
— Nós, humanos, somos diferentes — disse ela, tocando o próprio rosto. — Ainda que pareça presunçoso dizer isso, continuo achando que somos especiais.
Tio Peixe Salgado a encarou profundamente.
— Você está diferente da última vez que nos vimos.
— Claro — Kong Hou assentiu e depois riu. — Eu subi de nível. — Ela olhou para o monstro marinho do lado de fora da barreira, que ainda tentava atacá-los. — Mestre Lin, vamos embora!
Como um raio e uma rajada de vento, quando Kong Hou olhou para trás, os monstros marinhos já estavam bem longe. Ao olhar novamente, não havia mais monstros sobre o mar.
Uma névoa fina se formava sobre o mar à medida que o dia terminava. Os ventos uivavam e a água do mar estava negra como tinta, como uma criatura colossal prestes a abrir a boca para engoli-los a qualquer momento.
— Mestre Lin, este lugar está estranho — Kong Hou franziu a testa. A energia espiritual ali era caótica, e parecia haver uma força estranha no fundo do mar tentando puxá-los para baixo. Ela ergueu os olhos para o céu. Em algum momento, névoas espessas haviam encoberto o céu e o sol, impedindo-a de se orientar pelas estrelas.
— Há muitas lendas estranhas sobre o mar. Dizem que, quando viajantes se perdem em alto-mar e são cercados por névoa espessa, a desgraça logo chega — disse Tio Peixe Salgado, olhando para Kong Hou. — Nem o cultivador mais forte consegue escapar da maldição do mar.
O clima ficou estranhamente silencioso. O tio sentiu vontade de contar lendas naquela atmosfera quieta. Suspirou e começou:
— Dizem que…
— Isso é útil? — Kong Hou tirou algo de seu anel de armazenamento que fez o Tio Peixe Salgado fechar a boca. Era uma bússola, feita pessoalmente por um dos três grandes forjadores do mundo da cultivação, o Ancião Qiu Shuang.
O Ancião Qiu Shuang havia pago um preço alto para que um mensageiro em espada voadora entregasse esse pacote urgente a Kong Hou, ao saber que ela e Huan Zhong estavam indo para o mar.
Quando a bússola finalmente chegou às mãos de Kong Hou, ela e Huan Zhong já estavam quase sobre o oceano.
O Tio Peixe Salgado perdeu o interesse em contar histórias. Olhou ao redor, para a névoa espessa.
— A bússola pode indicar direções no mar, mas o mar tem muitos mistérios inexplicáveis. Às vezes, nem a bússola funciona.
Assim que terminou de falar, a colher magnética da bússola começou a girar furiosamente, fora de controle.
Kong Hou: "…"
— Tio, você conseguiu pescar tanto peixe do mar por causa da sua boca? Tudo o que você diz se torna verdade… — Kong Hou só pôde guardar a bússola ao ver que era inútil. Virou-se para Huan Zhong. — Huan Zhong, que tal eu conduzir a espada voadora por um tempo?
Tio Peixe Salgado: "…"
Jovens são mesmo ousados. Ela teve coragem de propor isso numa situação tão estranha e perigosa?
— Está bem — Huan Zhong disse a Lin Hu. — Lin Hu, deixe Kong Hou tentar.
Tio Peixe Salgado finalmente entendeu: homens se tornavam inúteis quando estavam enfeitiçados pela beleza.
Sobre o mar escuro, a névoa era tão densa quanto um tecido. Kong Hou tentou subir mais alto para escapar da bruma espessa, mas ao alcançar certa altitude, uma força estranha vinda do fundo do mar pressionava a espada voadora, forçando-a a manter a altura anterior.
O dia escurecia cada vez mais. Percebendo que não conseguiriam sair dali tão cedo, Kong Hou fez a espada crescer para que pudessem se sentar e jantar.
Na vida, só três coisas nunca a traíam: boa comida, roupas bonitas e aquela sua beleza.
— De repente pensei em algo — disse Kong Hou, após beber alguns goles de fluido espiritual e comer sua carne seca. — Será que aquele Cultivador Errante Kui Ying, que desapareceu de repente, veio ao mar para relaxar por estar de mau humor e acabou se perdendo sem querer?
Cultivadores sempre achavam que podiam vencer o mundo após grandes conquistas em seu cultivo, e se diziam capazes de mover montanhas e mudar mares. Mas quando vinham ao mar, percebiam que o “mar” de mover montanhas e mudar mares talvez fosse só um lago chamado mar. Um mar de verdade era algo que todos os cultivadores do mundo reverenciavam.
— O Errante Kui Ying era o cultivador mais forte do Mundo Lingyou. Se ele se perdeu no mar, então talvez passemos um século vagando por aqui — disse Lin Hu, afastando a imagem mental de cultivadores desesperados correndo em círculos sobre as águas. — Talvez o Mestre Espiritual Kui Ying já tenha morrido há muito tempo, por isso não aparece.
Kong Hou bateu as palmas, levantou-se e disse:
— Mestre Lin, não tenha medo. Eu com certeza vou tirar você daqui!
Lin Hu respondeu sem expressar emoção:
— Obrigado, Senhorita Kong Hou. Não estou com medo—fique à vontade.
Kong Hou sobrevoou o mar por muito tempo. A expressão de Huan Zhong e Lin Hu ficou cada vez mais séria. Após tanto tempo, o céu já deveria ter clareado, mas tudo ao redor ainda estava completamente escuro. Provavelmente não estavam perdidos, mas presos num certo tipo de ambiente.
— Olhem ali embaixo — Kong Hou apontou para os peixes de barriga branca que surgiam na superfície do mar. — Esses peixes estão mortos?
Ela revirou seu anel de armazenamento e jogou alguns pedaços de peixe salgado. Os peixes, antes imóveis, de repente soltaram gritos, engoliram os pedaços de peixe seco e então giraram no ar com as caudas levantadas.
— Esses são… peixes preguiçosos? — Lin Hu achou que os peixes pareciam estar sorrindo no ar. Sua testa franzida relaxou um pouco.
A atmosfera estranha dissipou-se ao encontrarem finalmente outro ser vivo sobre a água.
— Vamos segui-los. Talvez tenhamos sorte e escapemos deste lugar — disse Kong Hou animada, seguindo alegremente os peixes preguiçosos. Eles nadavam lentamente e, de tempos em tempos, vomitavam sangue para chamar sua atenção. Para incentivá-los a continuar, Kong Hou jogava outros alimentos saborosos.
— Senhorita, isso é um peixe, não um cachorro terrestre. Você quer que ele nos guie ou está apenas brincando com o peixe por tédio? Só um peixe preguiçoso—como ele pode guiar…
Tio Peixe Salgado de repente parou ao avistar uma ilha além da névoa. Era uma ilha muito pequena, que se atravessava a pé em menos de meia hora. Ele olhou para a ilha desabitada e para a névoa atrás de si. Ficou sem palavras por um tempo.
O peixe preguiçoso que passou o caminho inteiro mendigando comida havia desaparecido. Em silêncio, Tio Peixe Salgado pulou para a ilha e observou enquanto Kong Hou encontrava uma caverna.
— A ilha tem uma caverna tão grande, e nenhuma água do mar dentro — disse Kong Hou, lançando um talismã para examinar. Quando ele voltou, não estava molhado. — Pelas regras de uma história, pode haver aqui os restos mortais de um grande cultivador, talismãs ou técnicas de cultivo.
Os lábios de Lin Hu se moveram levemente. Sob o olhar ansioso de Kong Hou e o olhar frio de seu mestre, ele escolheu permanecer calado.
— Vamos entrar — disse Huan Zhong com seriedade. — Talvez encontremos algo interessante.
Lin Hu: "…"
Um homem é capaz de qualquer coisa para agradar quem ama. Isso é assustador.
O quarteto entrou na caverna. Não havia pedras preciosas incrustadas, armadilhas nem formações, apenas alguns esqueletos incompletos de peixes. Nem sequer um inseto. A caverna descia em declive. Após caminharem por cerca de duas horas, Kong Hou de repente viu luz acima da cabeça.
Ela olhou para cima e viu a água azul do mar, com peixes belíssimos nadando acima da caverna. Alguma formação especial impedia a água de entrar.
Tinham chegado ao fundo. Não havia tesouros, nem manuais secretos, nem restos mortais — apenas um barco de pedra quebrado e uma mesa de pedra coberta de poeira, completamente vazia.
— Parece que não dá para confiar totalmente nas histórias — disse Kong Hou, olhando para o alto, onde a luz do sol penetrava pela água. Com aquela fraca claridade, finalmente encontrou o que havia de mais valioso na caverna: uma pilha de conchas.
— Essas são… Conchas da Névoa Oculta? — Lin Hu ficou incrédulo. Sua voz subiu. — As valiosas Conchas da Névoa Oculta?!
A Concha da Névoa Oculta era rara. Brilhava lindamente sob a luz do sol. Aqueles que usavam esse item podiam dissipar névoa, e algumas barreiras e formações se tornavam ineficazes contra o portador.
Esse item era mágico, mas difícil de encontrar. Existia apenas nas lendas.
Agora, esses objetos maravilhosos estavam amontoados num canto como lixo. Lin Hu imediatamente sentiu que esses itens mágicos já não pareciam tão mágicos assim.
— Tão raro assim? — Kong Hou olhou para a cama de pedra que nem estava muito empoeirada. — Isso aqui não é a residência de alguma fera marinha ou espírito de peixe?
— O cheiro do mar é muito forte aqui, e não há nenhum outro cheiro de yao — disse Lin Hu, olhando ao redor. — Nem mesmo há uma barreira na entrada. Talvez não haja um dono?
— Deixa pra lá, vamos embora. A barreira acima ainda existe. Isso significa que a alma do dono ainda não desapareceu — Kong Hou pensou em um espírito de peixe voltando, encontrando humanos em sua residência e suas belas conchas desaparecidas. "Ele com certeza desabaria no chão e choraria sem parar."
As Conchas da Névoa Oculta eram preciosas e lindas, mas a consciência de Kong Hou não lhe permitia levá-las.
— Vamos — disse Huan Zhong ao ver Kong Hou saindo, segurando sua mão.
— Sim — Kong Hou assentiu com um sorriso. — Nossa caçada ao tesouro terminou. Obrigada, Mestre Lin e Tio Peixe Salgado, pela ajuda.
— Ah! — Tio Peixe Salgado pareceu tropeçar atrás deles e bateu na mesa de pedra. Um frasco de jade do tamanho do braço de um bebê rolou para fora.
— Energia de dragão — Kong Hou parou de andar. Olhou para Tio Peixe Salgado estirado no chão e se abaixou para pegar o frasco de jade que havia rolado até seus pés.
Capítulo 149: Desespero?
O frasco de jade parecia comum à primeira vista, mas na realidade era feito de um tipo de jade capaz de conservar energia espiritual. O conteúdo não apodreceria nem depois de mil anos.
A expressão calma de Kong Hou se transformou em êxtase quando ela confirmou que o frasco continha sangue de dragão. Kong Hou era uma pessoa que gostava de sorrir. Quando encontrava comidas interessantes, plantas bonitas ou pessoas conhecidas, ela sorria. Mas raramente sorria de forma tão boba e sem restrições. Mesmo que seu sorriso não estivesse particularmente gracioso, ela não conseguia se conter.
— Huan Zhong, nós encontramos, encontramos, encontramos! — Kong Hou se virou para abraçar Huan Zhong e deu alguns pulinhos. — Isso é maravilhoso!
Huan Zhong estendeu a mão para dar tapinhas gentis nas costas de Kong Hou e também sorriu.
Lin Hu, de lado, observava os dois amantes se abraçando. Ele puxou o Tio Peixe Salgado, que continuava estirado no chão assistindo tudo, para sentá-lo de costas para Huan Zhong e Kong Hou.
Contorcendo a boca, Tio Peixe Salgado apenas se sentou ali e ignorou Lin Hu.
Kong Hou guardou o sangue de dragão com cuidado. Depois, tirou vários pedaços de jade refinado do anel de armazenamento de Huan Zhong e, com alguns golpes da espada Geada d’Água, criou uma nova mesa de pedra para a residência. Em seguida, usou uma bolsa de armazenamento para conservação de longo prazo e encheu a mesa com frutas deliciosas.
— Ouvi dizer que dragões gostam de coisas bonitas… — Kong Hou encontrou uma caixa cheia de pedras preciosas valiosas em seu próprio anel de armazenamento e colocou-a no chão. Depois se levantou e limpou a poeira do vestido. — Huan Zhong, vamos.
Os quatro saíram da residência na caverna e descobriram que a maré havia subido. A pequena ilha já estava metade submersa. Kong Hou olhou para a água do mar ao redor e se virou para dizer ao Tio Peixe Salgado:
— Tio, muito obrigada pela sua ajuda desta vez em encontrar o valioso sangue de dragão...
— Não me agradeça. Mesmo que eu não tenha ajudado em nada, minha queda levou à descoberta desse frasco de sangue de dragão. Se quiser me agradecer, me dê um pequeno pátio e uma loja na Cidade Harmônica. Já viajei por todo o mundo da cultivação e descobri que a atmosfera da Cidade Harmônica é a que mais combina comigo.
Kong Hou sorriu ao ouvir isso.
— Já que o Tio pretende se estabelecer na Cidade Harmônica, que tal vir conosco? Se não se importar, por favor, venha beber em nossa cerimônia de união do Caminho.
— Cerimônia de união do Caminho? — O olhar do Tio Peixe Salgado passou por Kong Hou e Huan Zhong. Ele disse com neutralidade: — Meus parabéns. Mas não irei à cerimônia de união.
Kong Hou não insistiu. Tirou um navio de jade do anel de armazenamento. O grupo subiu a bordo, e o navio voador logo se afastou, deixando para trás as águas do mar em ascensão.
Kong Hou olhou para trás e viu muitos peixes preguiçosos brincando nas águas azuladas. O sol brilhava na superfície e refletia uma luz dourada.
— O mar é lindo. — Talvez por estar de bom humor, tudo parecia bonito aos olhos de Kong Hou. Até a barba bagunçada do Tio Peixe Salgado tinha uma beleza selvagem.
— Você tem razão — concordou o Tio Peixe Salgado com um aceno de cabeça. — A vastidão e o mistério do mar são algo que vocês… jovens cultivadores não conseguem entender.
Kong Hou assentiu com um sorriso.
Os quatro fizeram a viagem de volta sem encontrar monstros marinhos ou neblina. Não houve ventos selvagens nem tempestades. Foi uma paz quase inacreditável. Kong Hou e os outros passaram três dias e três noites a bordo do navio de jade até chegarem ao continente.
Ao descer do navio, Kong Hou percebeu que aquela velha cidade já havia mudado. As paredes danificadas e caindo haviam sido reconstruídas. As pessoas nos portões ainda os olhavam com certo medo, mas agora também com gratidão e hesitação.
Os cavalos voadores desceram do céu com a carruagem. Kong Hou não entrou na cidade. Em vez disso, virou-se para o Tio Peixe Salgado e perguntou:
— Tio, o senhor precisa entrar na cidade?
— Pra quê? Lá não tem comida nem lugar pra comer — respondeu o Tio Peixe Salgado com desdém, virando o rosto.
Kong Hou: "..."
Então por que veio até aqui antes? Para eliminar o mal?
A carruagem não parecia grande, mas era espaçosa por dentro. Vários homens adultos poderiam se deitar ali ao mesmo tempo. No entanto, o Tio Peixe Salgado não quis se espremer com os dois jovens amantes e decidiu sentar do lado de fora com Lin Hu.
Ele tinha origens misteriosas, mas Huan Zhong e os outros nunca lhe perguntaram sobre isso — assim como ele não perguntava a Kong Hou por que ela queria tanto encontrar sangue de dragão. Mantinham um estranho equilíbrio.
Não viajavam durante a noite e sempre encontravam um lugar bonito para descansar. Tio Peixe Salgado observou enquanto o talismã na mão de Huan Zhong se transformava em um belíssimo palácio. Esfregando as mãos, disse:
— Os artesãos estão cada vez melhores, conseguem fazer qualquer coisa.
— Os humanos sempre avançam — disse Kong Hou, olhando para o céu. — A noite está tão bonita. Vamos assar carne.
Lin Hu virou-se para olhar Huan Zhong. Huan Zhong sorriu para Kong Hou.
— Está bem.
Tio Peixe Salgado: "..."
Esses jovens de hoje realmente têm hábitos extraordinários.
Os espetos de assar já estavam prontos. O anel de armazenamento de Lin Hu carregava todos os tipos de temperos. Tio Peixe Salgado contribuiu com um pedaço de carne seca e vários peixes frescos.
Os olhos de Kong Hou brilharam ao ver a carne. Aquela carne que estava sendo assada no convés antes e havia sido lançada ao mar pelo monstro ainda era uma grande dor para ela.
Na hora de lavar e cortar os ingredientes, as vantagens de serem cultivadores se mostraram. Conseguiram fazer tudo de forma limpa, sem ferir as mãos. As lâminas eram afiadas, e cada pedaço de carne tinha espessura perfeita.
Huan Zhong passou o tempero nas fatias de carne com habilidade e as virou várias vezes. Ninguém acreditaria que ele já havia pegado comida dos outros e fingido que era dele. Como um gênio da cultivação que surge uma vez a cada mil anos, ele sabia que, depois de contar uma mentira, não deveria inventar outra — mas transformar a mentira em verdade.
A comida queimada no Pico Grito da Espada era a prova dos esforços de Huan Zhong.
—Cuidado, está quente. —Huan Zhong entregou a carne assada para Kong Hou. Ela encheu as bochechas de ar e assoprou. Depois de comer um pedaço, lembrou-se de que Huan Zhong ainda não havia comido. Resfriou outro pedaço e o segurou diante da boca dele.
Tio Peixe Salgado olhou para os dois naquele estado amoroso e virou-se, enfiando a carne queimada na boca. A carne ainda soltava vapor dentro da boca dele. Lin Hu o observou de relance. Que tipo de corpo essa pessoa tem pra não sentir nada ao comer algo tão quente?
Depois de se fartar, Kong Hou ergueu os olhos para a lua crescente.
—Quando encontrarmos o galho de busca das nuvens, teremos todos os ingredientes.
Ao ouvir isso, Tio Peixe Salgado lançou um olhar estranho para Kong Hou.
—Não há pressa, podemos procurar com calma —disse Huan Zhong, tirando um manto bordado com padrões grandiosos e o colocando sobre Kong Hou.— Temos bastante tempo.
—Sim. —Kong Hou assentiu, apertando a mão de Huan Zhong.
—Não. —Tio Peixe Salgado finalmente não conseguiu mais se conter.— Vocês têm duas Árvores de Busca das Nuvens na carruagem… onde acham que vão encontrar mais?
—Na nossa carruagem? —A mente de Kong Hou ficou em branco por um bom tempo. Então ela gritou, incrédula:— Tio, está falando daquela grama nos vasos que mal cresceram na última década?!
—A Árvore de Busca das Nuvens demora mesmo a florescer e dar sementes. Crescer um pouco em dez anos já é muito bom. —Tio Peixe Salgado olhou surpreso para Kong Hou.— Você não sabia o que era quando plantou?
—Eu a tirei aleatoriamente de um reino secreto e plantei… —Kong Hou estava atônita. Correu até a carruagem e trouxe um dos vasos. Apareceu diante de Tio Peixe Salgado e perguntou, incrédula:
—Isso… isso é mesmo a Árvore de Busca das Nuvens?
—A Árvore de Busca das Nuvens não é julgada pela aparência, mas pela energia espiritual única que possui. Nem preciso olhar pra saber que é. —Tio Peixe Salgado bateu de leve nas folhas da árvore.— Esta ainda está na fase infantil. No entanto, o galho de busca das nuvens de que você fala não é um galho qualquer da árvore, mas um raminho muito pequeno que aparece quando a árvore começa a crescer. Esse raminho se transforma em um galho verdadeiro após sete dias. Se ele crescer e virar um galho maior, significa que a árvore vai sobreviver.
Tio Peixe Salgado olhou com pena.
—Se não me engano, o que vocês precisam é exatamente desse raminho, tão frágil que se quebraria com o vento. Mas como a árvore já cresceu… o galho de busca das nuvens… se foi.
A maior dor da vida não era a desesperança, e sim perceber que havia perdido uma oportunidade por acidente depois de ter nutrido esperança — e que seria impossível recuperá-la.
Lin Hu quase não conseguia aceitar as palavras de Tio Peixe Salgado. Sacudiu a cabeça, atordoado.
—Como… como pode ser assim…
Tio Peixe Salgado observou, sem oferecer consolo, enquanto ele quase desabava emocionalmente. Virou-se para Huan Zhong. A pessoa diretamente envolvida estava mais calma que todos, como se não temesse o que quer que acontecesse.
—Um galho que se quebra com o vento… —Kong Hou olhou para Huan Zhong e depois para Lin Hu, que estava visivelmente angustiado.— Eu tenho.
A mente de Lin Hu estava em caos. Quando ouviu Kong Hou dizer que tinha o galho, virou-se instintivamente para ela.
Kong Hou ficou um pouco sem graça diante do olhar intenso do Ancião Lin. Escondeu-se atrás de Huan Zhong e espiou por cima do ombro dele:
—Logo depois que plantamos a Árvore de Busca das Nuvens, percebi que ela tinha crescido um galhinho estranho. Quando você levantou a cortina, o vento entrou e o galhinho que estava perto da porta quebrou. Ele era tão verdinho e bonitinho… então eu o peguei e coloquei numa caixa de jade que preserva e conserva a energia espiritual…
—Então… o Mestre tem todos os ingredientes de que precisa? —Lin Hu olhou, atônito, para Kong Hou. Então o Mestre vai mesmo ter que servir a Senhorita Kong Hou pelo resto da vida. Caso contrário, por que teria tantas coincidências e benefícios assim?
Tio Peixe Salgado olhou estranhamente para Kong Hou. Pessoas normais recolhem um galhinho quebrado e o colocam numa caixa de jade? O jeito de pensar dela não era comum — e suas ações, menos ainda.
Era isso que chamavam de “sorte de gente desmiolada”?
—Vamos não dormir esta noite e ir atrás do Mestre Espiritual Sem Nome e do Shishu Qing Yuan. —Kong Hou colocou a Árvore de Busca das Nuvens de volta na carruagem.— Ancião Lin, segundo as regras dos livros de histórias, não podemos adiar assuntos importantes — temos que resolvê-los imediatamente. Caso contrário, as coisas vão dar errado.
Em seguida, ela guardou o talismã do palácio.
—Ancião Lin, vamos incomodar você para conduzir.
Tio Peixe Salgado: “…”
Que história é essa de regras dos livros de histórias? Por que as coisas dariam errado?
No mundo dos cultivadores demoníacos, Jiu Su, que estivera em reclusão por muito tempo, finalmente saiu.
—Lorde!
—Parabéns, Lorde, por sair do cultivo fechado!
—Parabéns, Lorde, por alcançar a plenitude!
—Lorde, a discípula Kong Hou da Seita da Nuvem Esplêndida e Zhong Xi da Seita Radiante… —O mensageiro dos cultivadores demoníacos quase falou o título de Huan Zhong, mas ao ver a expressão sombria do Lorde, corrigiu-se imediatamente:— Esse casal de animais vai realizar a cerimônia de união de caminhos no próximo mês, no dia oito.
—Cerimônia de união de caminhos? —Jiu Su sorriu friamente.— Esta pessoa vai transformar a celebração deles… em um funeral.
Quando aquele casal acreditasse estar caminhando para o “felizes para sempre”, ele tingiria a Seita da Nuvem Esplêndida de vermelho com sangue. Esse seria o melhor presente.
—Lorde, haverá muitos especialistas na cerimônia de união de caminhos. Por que não os matamos agora, enquanto ainda é cedo, e assim as seitas renomadas não terão sucessores?
—A plataforma espiritual de Zhong Xi ainda não se curou. A discípula da Seita da Nuvem Esplêndida não tem cultivo suficiente. Se fosse para matá-los agora, para que esta pessoa teria passado uma década em reclusão? —Os olhos de Jiu Su estavam vermelhos. Como poderia esquecer a humilhação que Zhong Xi lhe causara naquele dia com sua espada?
O que é mais doloroso?
Quando a felicidade que se tem é completamente destruída — é aí que se sente o verdadeiro desespero.
Capítulo 150: É Noite
Kong Hou e os outros foram mais uma vez barrados na porta pelo Velho Mestre Sem Nome.
Tio Peixe Salgado não queria passar vergonha junto com eles, então se sentou no assento do cocheiro e ficou preguiçosamente beliscando pinhões. Ao ver o Mestre Espiritual Sem Nome fechar a porta na cara da Mestre Espiritual Kong Hou e dos outros, deu uma risada de puro deleite maldoso.
Justo quando pensou que aqueles discípulos das seitas ortodoxas famosas não aguentariam tamanha humilhação, viu Kong Hou se encostar na porta e dar leves batidas. Parecia que ela estava se comunicando mentalmente com o Mestre Espiritual Sem Nome.
Mestre Espiritual, encontramos os ingredientes medicinais. Se estiver interessado, pode vir à Seita da Nuvem Esplêndida para trabalhar com o Mestre Espiritual Qing Yuan.
A porta foi puxada por dentro. O Mestre Espiritual Sem Nome não parecia nada feliz.
—Por que eu deveria ir até a Seita da Nuvem Esplêndida, e não o Qing Yuan vir até aqui? —Se ele fosse até a Seita da Nuvem Esplêndida e começasse a brigar com Qing Yuan, será que a seita não tomaria o lado dele?
—Mestre Espiritual. —Kong Hou fez uma reverência.— Sei que o senhor não tem más intenções, mas os cultivadores demoníacos são traiçoeiros e cheios de artimanhas. Se vierem emboscar este lugar, não será bom nem para o senhor nem para mim. —Ela sempre assumia o pior quando se tratava de cultivadores demoníacos. Havia sido difícil reunir esses ingredientes medicinais. Se fossem arruinados por eles durante o processo, temia que criaria demônios interiores.
—Nossa humilde seita existe há séculos. Embora não sejamos tão ricos quanto a Seita Radiante ou a Seita das Nove Fênix, temos uma formação protetora e discípulos. Mesmo que os cultivadores demoníacos apareçam de surpresa, não conseguirão romper nossa formação com facilidade. —Kong Hou tirou duas caixas de jade de seu anel de armazenamento.— Aqui estão alguns ingredientes medicinais e pedras espirituais. Mestre Espiritual, por favor, aceite.
O Mestre Espiritual Sem Nome pegou as caixas de jade e olhou para Huan Zhong, que estava atrás de Kong Hou. Perguntou, com os olhos semicerrados:
—Você não pode mimar demais os homens. Se fizer tudo por ele, vai acabar estragando.
Kong Hou deu uma risadinha ao ver que o Mestre Sem Nome aceitara os presentes.
—Não tem jeito. Se eu não mimar meu próprio homem, vou mimar o homem dos outros?
O homem mimado, o famoso Mestre Espiritual Zhong Xi, sorriu calorosamente para Kong Hou, completamente à vontade com a situação.
Ao ver os dois daquele jeito, o Mestre Sem Nome virou as costas e entrou na casa.
—Esperem aqui um pouco. Vou fazer as malas.
Com mais pessoas na comitiva, não seria adequado para Lin Hu usar sua espada voadora, nem para viajarem na carruagem. Kong Hou então tirou, do anel de armazenamento de Huan Zhong, o artefato voador mais defensivo, para evitar qualquer acidente durante a viagem. Em muitos livros de histórias, quando cultivadores ortodoxos encontravam figuras importantes, sempre aconteciam todo tipo de imprevistos. Ela não queria ver nenhum acidente neste caso.
A notícia de que haviam encontrado os ingredientes foi enviada por selos de mensagem voadora ao mestre da Seita Radiante, ao mestre da Seita da Nuvem Esplêndida e ao Shishu Qing Yuan. As duas seitas se prepararam imediatamente. A Seita Radiante chegou a mandar discípulos disfarçados de viajantes para se estabelecerem na Cidade Harmoniosa.
O talismã com maior capacidade defensiva não era o mais rápido entre os talismãs de voo. Levaram alguns dias para retornar à Cidade Harmoniosa. Kong Hou sabia que Tio Peixe Salgado não voltaria com eles para a Seita da Nuvem Esplêndida, então entregou a ele a escritura de terra e da casa que a seita havia preparado.
Tio Peixe Salgado foi com Kong Hou até o pátio. Ao ver que o novo local tinha uma boa localização, estava limpo, e até os cobertores eram novos e cheiravam a sol, ele sorriu e assentiu.
—Estou muito satisfeito.
—Desde que esteja satisfeito. Tio, estamos com pressa para voltar à seita. Me perdoe por não poder recepcioná-lo como merece. —Kong Hou estava realmente grata a Tio Peixe Salgado, por isso, ao escrever para a seita, pedira ao Primeiro Shixiong Wu Chuan que encontrasse um bom pátio, e até a loja era bem localizada, na rua principal.
Ela tirou vários pergaminhos de jade e os colocou nas mãos de Tio Peixe Salgado.
—Se precisar de algo, me procure. Pode esmagar um desses pergaminhos. Se eu não puder ir pessoalmente, pedirei para alguém ir por mim.
Brincando com os pergaminhos de jade, Tio Peixe Salgado assentiu.
—Entendi. Vão cuidar dos assuntos de vocês. Não atrapalhem meu sono.
Seu tom não foi exatamente amigável, mas Kong Hou não se incomodou. Virou-se e deixou o pátio com Huan Zhong e Lin Hu.
—A personalidade dessa pessoa é instável, e seus movimentos são um enigma. Não sei se é amigo ou inimigo. —Lin Hu olhou para a porta fechada atrás de si. Desde que haviam conhecido esse homem na cidade antiga até o momento em que conseguiram o sangue de dragão, tudo em seu modo de falar e agir era suspeito.
—Não sei se ele é um amigo, mas com certeza não é um inimigo —disse Kong Hou, balançando a cabeça.— Nenhum inimigo nos daria sangue de dragão. Não existe inimigo no mundo tão generoso e altruísta assim.
—Cada pessoa tem seus próprios segredos a proteger. Esse tio agora está vivendo na Cidade Harmoniosa; se quiser fazer algo às escondidas, será difícil —Kong Hou sorriu e olhou para os transeuntes nas ruas.— Na Cidade Harmoniosa, as pessoas têm olhos muito perspicazes.
Quantos cultivadores demoníacos foram capturados depois de entrarem na Cidade Harmoniosa? Quantos cultivadores que cometeram maldades entraram e nunca mais conseguiram sair?
A Cidade Harmoniosa era um lugar onde um vilão podia entrar... mas não podia sair.
##
Ao retornar à Seita da Nuvem Esplêndida, Kong Hou percebeu que havia rostos novos entre os discípulos. Eram discípulos recém-recrutados. Esses novatos nunca tinham visto Huan Zhong e Kong Hou antes. Ao verem os discípulos mais antigos se curvando diante dos dois, não ousaram fazer perguntas e se curvaram junto com os demais.
Depois que os dois se afastaram, os novos discípulos finalmente ousaram perguntar sobre eles.
—O Mestre Espiritual Zhong Xi e a Shijie Kong Hou?
Todo o mundo da cultivação conhecia a reputação do Mestre Espiritual Zhong Xi. Mesmo que não fossem muito ativos no mundo da cultivação, ainda assim tinham ouvido falar de sua lenda. O Mestre Espiritual Zhong Xi de sua imaginação era alguém poderoso, severo, frio e imponente. Não tinham imaginado que ele seria tão bonito e tivesse um ar tão cálido e refinado ao lado da Shijie Kong Hou.
Os discípulos mais antigos, que haviam recebido ensinamentos de espada do Mestre Espiritual Zhong Xi, balançaram a cabeça ao ouvirem os comentários dos novatos. Esses novos discípulos ainda são muito verdes, não sabem que os homens têm duas faces.
Neste momento, o Mestre Espiritual Zhong Xi era gentil como a brisa da primavera, não porque ele fosse assim por natureza, mas porque havia alguém ao lado dele que o tornava gentil.
Entre todos aqui presentes, quem mais teria a habilidade de Kong Hou Shimei de envolver ao redor do dedo o frio e insensível espadachim da Seita Radiante?
Após fazer os arranjos para o Mestre Espiritual Sem Nome, Kong Hou levou Huan Zhong e Lin Hu ao salão principal da Seita da Nuvem Esplêndida. No salão estavam Heng Yan, Wang Tong e uma presença inesperada para Kong Hou—Jin Yue, o mestre da Seita Radiante.
Ela olhou para Huan Zhong ao seu lado. Antes de voltarem à Seita da Nuvem Esplêndida, eles não sabiam que o Mestre da Seita Jin Yue estaria ali. Essa informação não deveria ser confidencial?
—Huan Zhong cumprimenta o Mestre, o Shishu Heng Yan e o Shishu Wang Tong —disse Huan Zhong, adiantando-se e fazendo uma reverência elegante.
Wang Tong assentiu levemente. Esse genro-discípulo, com alguma relutância, pode ser considerado aceitável.
Depois que Kong Hou também fez sua reverência, Lin Hu se curvou para todos.
—Peço licença para me retirar.
Os anciãos estavam ali, olhando fixamente para seus discípulos. Ele não participaria. Estava mentalmente esgotado de tanto observar a doçura entre o Mestre e a Senhorita Kong Hou durante todo esse tempo.
Após os cumprimentos formais, Heng Yan foi direto ao ponto:
—Nossa cerimônia de união está marcada para o oitavo dia do próximo mês. Os convites já foram enviados. O Mestre da Seita Jin e eu discutimos. Jiu Su foi ferido há nove anos na Seita Radiante por Zhong Xi e pela Mestre Espiritual Hong Yan. Hong Yan já faleceu, e o ódio de Jiu Su só pode recair sobre Zhong Xi. Dez anos são tempo suficiente para Jiu Su se recuperar. Suspeitamos que ele tente fazer uma emboscada durante sua cerimônia de união.
Ao ouvir isso, Kong Hou comentou, contrariada:
—Isso combina com o estilo deles de sempre dificultar a vida dos outros.
—Mas vocês não precisam se preocupar tanto. Enviaremos pessoas disfarçadas de cidadãos comuns para a cidade antes da cerimônia. Vamos instalar todos os tipos de formações de proteção num raio de cinco milhas ao redor da cidade. Se os cultivadores demoníacos ativarem qualquer arte maligna, serão detectados imediatamente —disse Heng Yan, alisando a barba.— As dez grandes seitas vão trabalhar juntas nesse assunto. Também vamos preparar uma emboscada dentro da cidade. Embora não saibamos quem sairá vitorioso, ao menos garantiremos que a cerimônia de vocês seja concluída sem incidentes.
As dez seitas não seriam tão tolas a ponto de se reunirem na montanha para beber sem qualquer preparação, justamente quando suspeitavam que os cultivadores demoníacos estavam planejando usar a cerimônia de união de Kong Hou e Zhong Xi como armadilha para capturar todos os cultivadores ortodoxos. Se agissem assim, não seriam seitas ortodoxas, mas idiotas.
Os cultivadores demoníacos queriam capturá-los de uma vez só. Mas eles também queriam aproveitar essa oportunidade para dar um golpe tão forte nos cultivadores demoníacos que eles não ousassem mais pensar no mundo da cultivação.
—Vocês, juniores, não precisam se preocupar com essas coisas —disse Wang Tong.— Kong Hou, leve Zhong Xi até o Pico da Nuvem da Alvorada para encontrar Qing Yuan. Quando tiver tempo, vá até a Anciã Qiu Shuang buscar a roupa cerimonial. Se houver algo que não sirva bem, ainda há tempo para ajustar.
—Está bem —respondeu Kong Hou com um aceno. Segurando a mão de Huan Zhong, ela sorriu para Wang Tong.— Obrigada, Mestre.
Ao ver os dois jovens tão felizes, Wang Tong suspirou, acenou com a mão e disse:
—Somos uma família; não precisa de tanta formalidade.
Depois que os dois discípulos saíram, Jin Yue sorriu para Wang Tong. Os rumores diziam que Wang Tong não gostava de sua discípula. A partir de hoje, isso claramente não parecia ser verdade. Dá para ver que não se pode confiar em rumores.
Wang Tong fingiu não ver o olhar de Jin Yue. Apenas virou-se e ficou encarando um vaso no canto do salão.
##
O Mestre Espiritual Sem Nome e Qing Yuan tinham compreensões diferentes sobre medicina, mas estavam surpreendentemente em sintonia na criação desse remédio feito com materiais quase extintos. Os dois foram extremamente cautelosos durante o processo. Com receio de falharem, usaram apenas parte dos ingredientes para testes preliminares.
Cinco dias depois, o comprimido medicinal saiu do caldeirão. Do recipiente subia uma fumaça roxa espessa, e o remédio exalava padrões púrpura e dourados. O ambiente inteiro transbordava de energia espiritual.
—Mestre Espiritual Sem Nome, Shishu, como está? —Kong Hou empurrou a porta e entrou.
Apenas dois comprimidos tinham sido produzidos dessa vez. Qing Yuan segurava um deles e balançava a cabeça com expressão grave.
—De acordo com a descrição da receita antiga, quando o comprimido se forma, deveria haver energia púrpura, além do canto de dragões e fênix. Nós vimos apenas a energia púrpura —não ouvimos nem dragões, nem fênix.
Kong Hou mordeu o canto dos lábios.
—Por que será?
—Leve esses dois comprimidos até Zhong Xi para testar. Vamos pensar melhor e descobrir em qual etapa erramos. —Qing Yuan colocou os comprimidos nas mãos de Kong Hou. Ele não ousava encarar os olhos da shizhi. Temia não estar à altura da confiança dela.
—Obrigada, Shishu, Mestre Espiritual—vocês trabalharam duro. —Kong Hou segurou os comprimidos com firmeza e sorriu para os dois.
Ao ver aquele sorriso, Qing Yuan se sentiu um pouco mais tranquilo. Ele deu um tapinha na cabeça de Kong Hou.
—Não se preocupe, nós vamos conseguir.
Kong Hou assentiu e deixou o prédio de alquimia. Ao ver Lin Hu esperando do lado de fora, balançou a cabeça em silêncio.
Os olhos de Lin Hu se obscureceram. Eles só haviam pensado em reunir todos os ingredientes. Não esperavam que os métodos de alquimia atuais fossem tão diferentes dos de milhares de anos atrás. Conseguir criar o comprimido era, por si só, um grande desafio.
Ao retornar à residência na caverna, Kong Hou encontrou Huan Zhong lendo à mesa. Esfregou o rosto, forçando-se a sorrir de forma brilhante, e caminhou suavemente até ele.
—Huan Zhong, o Shishu Qing Yuan pediu para você testar os efeitos deste comprimido.
Huan Zhong largou o livro e pegou o comprimido das mãos de Kong Hou, engolindo-o.
—E então? —Kong Hou o observava com os olhos bem abertos, esperando efeitos milagrosos.
—A energia espiritual é muito abundante. Todos os meus órgãos estão em perfeito estado, e há mais energia espiritual na minha plataforma espiritual. —Huan Zhong fechou os olhos e circulou a energia pelo corpo.— É um remédio raro e de excelente qualidade.
Isso quer dizer que a plataforma espiritual ainda não se curou?
Por dentro, Kong Hou ficou desapontada. Deitou a cabeça sobre os joelhos de Huan Zhong e começou a contar coisas engraçadas que aconteceram na seita, sem mencionar nada sobre o comprimido.
Acariciando suavemente o cabelo de Kong Hou, Huan Zhong mantinha uma expressão serena, com um leve sorriso nos lábios.
Lin Hu assistiu à cena de onde estava, do lado de fora da residência. Silenciosamente, afastou-se um pouco. Não sabia se se sentia aliviado ou inquieto. Era um turbilhão de emoções. Independentemente do que acontecesse no fim, ao menos o Mestre havia encontrado uma mulher que o ensinou a sorrir e a viver de verdade.
No momento anterior à morte, ao menos suas lembranças não seriam vazias e frias.
Mas, já que ele conquistou o melhor, por que não fazer com que esse melhor dure mais e se torne ainda mais perfeito?
Kong Hou e Huan Zhong passaram o dia inteiro juntos na residência. Na manhã seguinte, ela voltou ao prédio de alquimia. O Mestre Espiritual Sem Nome e o Ancião Qing Yuan estavam discutindo intensamente sobre a antiga receita. Entediada, Kong Hou começou a limpar o pó do caldeirão com um pano. Aquilo a ajudava a se acalmar.
A discussão entre o Mestre Espiritual Sem Nome e Qing Yuan ficou mais acalorada. Kong Hou saiu do próprio devaneio assustada. Ao se virar, sua mão roçou a borda do caldeirão. O chifre esculpido do dragão cortou seu dedo, fazendo o sangue escorrer.
Alquimistas eram sensíveis ao cheiro de sangue. Qing Yuan não conseguiu continuar discutindo ao ver sua shizhi ferida. Imediatamente tirou vários frascos de remédio de seu anel de armazenamento. Tinha comprimido para estancar o sangue, clarear a pele, evitar cicatriz... Era tanta coisa que Kong Hou quase achou que estivesse desfigurada.
—Da última vez, os comprimidos falharam quando seguimos a sua ideia —disse Qing Yuan, abaixando o olhar enquanto tratava o ferimento de Kong Hou.— Desta vez, vamos seguir a minha.
Nameless pensou nos ingredientes que restavam. Havia o suficiente para mais duas tentativas.
—Tudo bem, desta vez faremos do seu jeito.
Kong Hou segurou a manga de Qing Yuan e sussurrou:
—Shishu, o Huan Zhong é genro da nossa Seita da Nuvem Esplêndida. Não crie uma rivalidade com o Mestre Espiritual Sem Nome que acabe prejudicando o marido da sua própria shizhi.
—Vai, vai, vai —respondeu Qing Yuan com fingida irritação.— Para de atrapalhar. Shishu vai fazer pílulas.
Cruelmente expulsa por Qing Yuan Shishu, Kong Hou agachou-se nos degraus de pedra com os joelhos encostados ao peito. Muitos pensamentos cruzavam sua mente. Sem perceber, o céu escureceu.
Quando Huan Zhong a encontrou, viu Kong Hou —que sempre transbordava vitalidade— encolhida num canto, com uma expressão vazia, como um filhote assustado. Caminhou até ela e se abaixou para erguê-la nos braços.
—Já escureceu. Vim te buscar.
Kong Hou abraçou o pescoço de Huan Zhong com força e encostou a cabeça em seu ombro.
—Huan Zhong, você tem que ficar comigo.
Huan Zhong a apertou mais forte.
—Tudo bem.
—Você tem que estar comigo… sempre.
—Sim…
0 Comentários