Capítulo 22 a 24


 Capítulo 22 Exorcizando o Mal

Depois que Wu Junru desmaiou, as criadas ficaram apavoradas. Elas a carregaram às pressas de volta ao pátio principal da mansão do marquês, o Pátio Fu’an, e cuidaram dela com zelo durante toda a tarde. Só ao anoitecer Wu Junru finalmente voltou a si.

— Madame, a senhora acordou?

Wu Junru ergueu a mão, e a criada Luxiu rapidamente veio ajudá-la a sentar. Wu Junru pegou a xícara de chá que Luxiu lhe entregou, umedeceu a garganta e suas primeiras palavras foram:

— Como eu voltei? Onde está Xiao Jingduo?

— Madame, a senhora desmaiou no salão budista. O marquês a trouxe de volta. O jovem mestre também veio cuidar da senhora por um tempo, mas já voltou para o Pátio Qingze.

— Pretensioso — Wu Junru zombou. Ela desmaiara por causa de Xiao Jingduo, e agora ele ainda ousava aparecer para checar nela? Pensando nisso, Wu Junru lembrou novamente do olhar de Xiao Jingduo. Embora estivesse sob a luz forte do sol, seus olhos eram insondavelmente profundos, como um demônio do inferno. E ele sorrira para ela de longe, como um espírito maligno à espreita na multidão, esperando que ela baixasse a guarda para atacá-la e despedaçá-la.

— Ele não pode ficar — murmurou Wu Junru.

Ao ouvir as palavras de Wu Junru, Luxiu suspirou sem jeito. Luxiu era originalmente criada da família Wu, designada para cuidar de Wu Junru pouco antes do casamento, servindo como elo entre a família Wu e Wu Junru. Na impressão de Luxiu, Wu Junru era uma filha silenciosa e tímida de concubina, nada notável entre as muitas garotas da família Wu. Só ao chegar à mansão do marquês, Luxiu descobriu o lado incomum da Oitava Senhorita. Embora fosse criada, naquele momento sentiu-se compelida a falar em nome dos anciãos da família Wu, aconselhando Wu Junru a não cometer erros:

— Madame, eu sei que a senhora não gosta do jovem mestre e não quer que ele ocupe o posto de filho legítimo mais velho. Mas o que está feito, está feito. O jovem mestre já garantiu sua posição com o reconhecimento da princesa. De que adianta insistir nisso agora? Pode ficar tranquila, com o apoio da família Wu, a casa do marquês não ousará maltratar o quarto jovem mestre. Além disso, ele ainda é jovem. A família Wu cuidará da disputa pelo título. A senhora não precisa se preocupar. Se continuar assim, não importa se cometer erros, mas será terrível se manchar a reputação da família Wu.

O quarto jovem mestre é o filho de Wu Junru, Xiao Jingye. Nos últimos dois dias, seguindo o costume de nomeação familiar, a maioria na mansão já o chamava assim.

Wu Junru riu com ironia. A família estava constrangida por causa dela e queria que parasse? Ela balançou a cabeça e disse:

— Foi só um acidente. Até um bom cavalo tropeça. Da próxima vez não vou errar. Tenho confiança em mim. Além disso, Xiao Jingduo deve morrer. Você não viu como ele me olhou? Ainda estou abalada com isso. Ele é tão jovem, mas tem um olhar tão gelado. Se eu não agir agora, ele vai me causar problemas quando crescer!

— Madame — Luxiu hesitou —, da próxima vez a senhora tem certeza mesmo?

— Hah, só subestimei ele desta vez, por isso escapou. Ele não sabe quem eu sou? Não é páreo para mim.

Wu Junru referia-se à sua identidade de viajante do tempo, mas Luxiu pensou que ela falava da família Wu. Luxiu assentiu e sussurrou:

— Então está bem, vamos tentar mais uma vez.

— Aconteceu mais alguma coisa na mansão enquanto eu estava inconsciente?

— Sim, ao anoitecer, a jovem senhorita e a segunda jovem dama estavam brincando e caíram da rocha. Bateram a cabeça e ainda estão inconscientes.

— Jovem senhorita? Está falando de Cheng Huizhen, filha de Xiao Su?

— Isso mesmo, senhorita Cheng.

— Bateram a cabeça... — Wu Junru recostou-se no travesseiro macio, de repente teve uma ideia. — Já sei! Sei o que fazer!

A mansão do marquês tinha sido bastante agitada nesses últimos dias. Primeiro, uma morte inexplicável no salão budista, com o primogênito Xiao Jingduo quase envolvido. Depois a senhora desmaiou, e a jovem senhorita Cheng Huizhen bateu a cabeça. Esses incidentes, um após o outro, deixavam as pessoas com uma sensação ruim. A velha madame não conseguia evitar a preocupação. Foi então que Wu Junru sugeriu que, como a mansão estava inquieta, deveriam convidar um monge para realizar rituais de exorcismo. A velha madame concordou de imediato.

Xiao Jingduo copiava escrituras budistas em seu quarto lateral quando ouviu vagamente cantos vindos de fora. Ele largou o pincel e chamou Qiuju:

— O que está acontecendo lá fora?

— A madame disse que uma morte na mansão é sinal de azar. Além disso, a jovem senhorita bateu a cabeça e ainda não acordou. A madame suspeita de espíritos malignos, por isso convidou um mestre do templo para fazer rituais.

— Espíritos malignos? Essa senhora pode dizer qualquer coisa — zombou Xiao Jingduo. Desde a morte no salão budista, ele obviamente não podia ficar mais lá e teve que voltar ao Pátio Qingze para copiar as escrituras. Mas, depois de poucos dias de paz, os problemas ressurgiram do lado de fora. Xiao Jingduo tinha certeza de que esse tal ritual era outra das artimanhas de Wu Junru.

E não deu outra. Logo, o canto aumentou de volume e parou em frente ao portão do Pátio Qingze.

Um monge de túnica estava atrás do portão, seguido por vários noviços, e atrás deles os membros da família Xiao.

A velha madame Xiao, apoiada pela segunda tia de Xiao e por Xiao Su, seguia de perto o mestre. Ao ver o mestre parar, apressou-se para perguntar:

— Mestre, há algum problema?

— Amitabha, alguém mora aqui?

Um sorriso fugaz cruzou os lábios de Wu Junru. Ela deliberadamente assumiu uma expressão hesitante e disse:

— Esta é a residência do primogênito da nossa casa. Mestre, há algo errado?

— Este humilde monge não se atreve a falar levianamente. Posso perguntar se o primogênito da sua casa tem apresentado algum comportamento estranho recentemente?

— Estranho? — A velha madame e as mulheres ao lado trocaram olhares. Pelas palavras do alto monge, parecia que o problema estava com Xiao Jingduo?

Enquanto todos hesitavam, sem saber o que dizer, a porta rangeu.

Xiao Jingduo ficou atrás da porta, sua figura alta e esguia como um bambu reto ou um pinheiro forte. Olhou para as pessoas do lado de fora sem expressão e disse lentamente:

— Já que o mestre pergunta, deixe-me responder. Afinal, quem sabe melhor do que eu mesmo se tenho algum comportamento estranho?

Depois de falar, o olhar de Xiao Jingduo encontrou o do monge principal, e ele disse palavra por palavra:

— Para ser honesto, perdi minha mãe recentemente. Ela morreu neste pátio, e há poucos dias, enfrentei uma morte no salão budista. Gostaria de saber, mestre, onde acha que eu sou estranho?

O monge juntou as palmas das mãos e disse:

— Amitabha Buda, um monge não mente. Jovem benfeitor, sua aura de matar é muito forte, e você costuma estar acompanhado pela visão de sangue. Se isso continuar, temo que será desfavorável para sua casa. Senhora Hou, este pobre monge tem algumas palavras que não são fáceis de dizer. Posso perguntar se o marquês está na mansão?

— O marquês está descansando em casa hoje. Mestre, por favor, me acompanhe. — Wu Junru sorriu para Xiao Jingduo e depois guiou o monge e os noviços para longe.

— Mestre, quer dizer que o destino de Xiao Jingduo é muito inflexível e trará danos à casa e aos parentes? — perguntou Xiao Ying.

— Exatamente. Ouvi da marquesa que o nome do jovem benfeitor é Xiao Jingduo. “Duo” se refere a um sino cerimonial, usado como música em tempos de guerra para anunciar políticas e leis do governo. Esse nome é extremamente forte, indicando grande potencial no destino dele. Porém, como tudo, o excesso é tão ruim quanto a falta. Embora o destino do jovem mestre seja favorável, isso pode, por sua vez, reprimir a sorte daqueles ao seu redor, o que pode ser desfavorável para seu pai e irmãos.

Essas palavras atingiram uma preocupação oculta em Xiao Ying. Ele sempre temeu que a personalidade de Xiao Jingduo fosse forte demais e difícil de controlar no futuro. Mas agora o mestre dizia que, depois que Xiao Jingduo alcançasse o sucesso, ele suprimiria a sorte de seu pai e irmãos.

A jogada de Wu Junru acertou em cheio. Ela conhecia muito bem o marido. Xiao Ying não ligava para reputação ou normas sociais e era indiferente às emoções, mas se importava profundamente com o poder. Agora, alguém dizia a ele que seu filho mais velho iria prejudicar suas perspectivas futuras, e os sinais disso já começavam a aparecer. Dada a personalidade de Xiao Ying, que preferia matar cem inocentes a deixar um culpado escapar, ele só escolheria acabar com o problema logo no início, em vez de esperar o melhor.

Vendo que Xiao Ying já vacilava, Wu Junru deu o empurrão final:

— Meu senhor, o mestre também mencionou que Xiao Jingduo traz dano à família e aos parentes, e onde quer que vá, o sangue o acompanha. Veja como, logo após sua chegada à mansão do marquês, já ocorreram dois incidentes fatais.

Xiao Ying ainda hesitava. Apesar de não gostar da rebeldia de Xiao Jingduo, ele ainda era seu próprio sangue. A menos que fosse absolutamente necessário, Xiao Ying não queria desistir do primogênito. Ele caminhou para fora do estudo e viu Xiao Jingduo parado no corredor. Quando Xiao Jingduo percebeu sua saída, um sorriso sarcástico brilhou em seus olhos.

— Eu pensei que o Marquês de Dingyong, que escapou ileso de milhares de tropas, não se deixaria enganar por conversas de fantasmas e espíritos. A marquesa realmente foi longe demais; para me expulsar, ela até subornou tanta gente.

— Como ousa! Mostre respeito ao mestre! — Wu Junru gritou, depois virou-se para pedir desculpas ao monge. O monge balançou a cabeça, indicando que não se importava.

— Parece que, por não ter conseguido me incriminar como assassino da última vez, a marquesa ainda não engoliu o orgulho. Sua ambição desenfreada é conhecida por todos. Você acha que, subornando monges para dizer coisas desfavoráveis a mim, pode me expulsar e deixar seu filho assumir o posto de filho legítimo mais velho? — Xiao Jingduo não teve cerimônia, denunciando alto as intenções de Wu Junru. — Foi você quem disse que precisávamos expulsar os espíritos malignos, você quem convidou o monge, e agora diz que eu sou um mal para a casa. Por que não deixa que todos julguem quais são suas verdadeiras intenções?

— Meu senhor! — Wu Junru virou-se rapidamente, sacudindo o braço de Xiao Ying. — O senhor precisa acreditar em mim! Mesmo que não confie em mim, confie no mestre!

— Você convidou essas pessoas; quem sabe o que anda aprontando? — Xiao Jingduo zombou, provocando Xiao Ying de propósito. — O Marquês de Dingyong não pode ser tão ingênuo a ponto de não ver isso?

— Chega, vocês dois, parem de discutir — Xiao Ying elevou a voz de repente, silenciando o bate-boca entre Xiao Jingduo e Wu Junru. Ele não podia desistir do filho tão facilmente, mas também não podia ser negligente quanto à sua carreira. Melhor acreditar que o problema existe do que fingir que não existe.

— Xiang An, lembro que hoje também há uma cerimônia no Templo Anguo. Pegue meu selo oficial e vá convidar um mestre do Templo Anguo.

— Sim, senhor.

Xiao Jingduo relaxou, olhando para Wu Junru com evidente desprezo nos olhos, como quem diz: “Isso é tudo o que você consegue fazer.”

Wu Junru, por outro lado, ficou um pouco desconcertada. Não esperava que Xiao Ying fosse tão teimoso. Os monges do Templo Anguo não tinham sido subornados, então o que ela faria agora?

Nota do autor: Em certo dia de setembro do segundo ano de Qiyuan, Xiao Jingduo postou em sua rede social:

“Agora há pouco, vários monges disseram que eu trago dano à minha família e que meu destino carrega uma maldição de derramamento de sangue. Que besteira! Estou muito irritado!”

Xiao Ying: Sério? Isso vai afetar minha carreira?

Wu Junru respondeu a Xiao Ying: É verdade, posso garantir. Embora eu tenha pago, o mestre me disse que ele estava falando a verdade!

Qiuju: Ai não, o que o jovem mestre vai fazer...

Velha madame: Amitabha Buda, que Buda abençoe nossa família Xiao!

Monge: Deixe-me contar uma história de terror. Embora eu tenha recebido dinheiro, estava falando a verdade.

Capítulo 23 — Renascimento
Embora Wu Junru tivesse trazido aqueles monges, Xiao Ying não tomaria partido tão facilmente nem acreditaria em tudo sem questionar — mesmo que detestasse a arrogância de seu filho mais velho. Ele chamou seu atendente e ordenou:
— Xiang An, lembro que hoje o Templo Anguo também está realizando uma cerimônia. Pegue meu selo oficial e vá ao Templo Anguo convidar um mestre para vir até aqui.
— Sim, senhor.
Pouco depois, Xiang An voltou correndo. Ele sussurrou algo no ouvido de Xiao Ying, que arregalou os olhos, surpreso. Imediatamente, saiu para receber o convidado:
— Imaginar que o Mestre Mingjue, do Templo Qingyuan, veio até aqui... Por favor, entre!
O Mestre Mingjue era um monge iluminado e amplamente respeitado. Possuía vasto conhecimento e profundo domínio das escrituras budistas. Anos atrás, o Imperador insistira diversas vezes para que ele retornasse a Chang’an — quase o forçando. A ideia original era consagrar Mingjue no Templo Anguo, mas o mestre considerava Chang’an barulhenta demais para a prática espiritual. Então, recusou-se firmemente a entrar na cidade. Sem alternativa, o Imperador providenciou para que Mingjue se instalasse no Templo Qingyuan, localizado na Montanha Zhongnan, com vista para Chang’an. Assim, ele podia meditar em paz, mas ainda manter contato próximo com a cidade — uma solução benéfica tanto para o monge quanto para o Imperador. A partir disso, Mingjue não recusou mais os convites imperiais.
Xiao Ying jamais imaginaria que o Templo Anguo convidaria o Mestre Mingjue para aquela cerimônia — e menos ainda que ele apareceria em sua mansão. Surpreso e encantado, foi recebê-lo pessoalmente.
Xiao Jingduo permanecia debaixo das beiradas do telhado, observando Xiao Ying conduzir respeitosamente um monge de aparência serena e bondosa para dentro. Parece ser um verdadeiro mestre. Provavelmente não se deixaria corromper por Wu Junru, pensou, aliviado. A questão de hoje parece resolvida.
Contudo, ao chegar à soleira do estúdio, o Mestre Mingjue parou de repente. Recusou-se a entrar. Seus olhos repousaram sobre Xiao Jingduo do outro lado do pátio. Então, abaixou a cabeça, uniu as palmas e disse em voz profunda e grave:
— Amitabha Buda.
— Mestre?
— O carma de sangue deste jovem benfeitor é pesado demais. Este humilde monge não pode ir além. Retiro-me agora.
As sobrancelhas de Xiao Jingduo se ergueram de espanto. Wu Junru também arregalou os olhos, surpresa e radiante:
— Mestre, o que disse... é sério?
— Não seja desrespeitosa! — gritou Xiao Ying. Ele lançou um olhar cheio de suspeita para Xiao Jingduo, e então voltou-se para acompanhar Mingjue para fora, ainda reverente.
Carma de sangue pesado demais? Xiao Jingduo estava chocado. Como isso é possível? Um grande mestre do Templo Qingyuan dizendo esse tipo de absurdo?
Após despedir-se de Mingjue, Wu Junru não escondeu sua satisfação e passou a aconselhar Xiao Ying com entusiasmo:
— Meu senhor, veja... até o Mestre Mingjue disse que o Jingduo tem uma aura de sangue muito forte. Mantê-lo em casa pode afetar sua carreira oficial. Na minha opinião, por que não mandá-lo para um templo budista? Que Buda acalme essa aura assassina... É o momento perfeito, já que ele precisa cumprir o luto. Meu senhor, não percebe? Isso resolve vários problemas de uma vez só!
Ela dizia tudo isso sem o menor esforço de esconder-se de Xiao Jingduo. Na verdade, não precisava. Xiao Jingduo conhecia muito bem o caráter do pai: uma vez que Xiao Ying suspeitasse de que alguém ameaçava seu poder, ele cortaria o mal pela raiz — sem deixar margem para dúvida. E com ele, certamente não seria diferente.
Ele não quis ouvir mais. Virou-se e foi embora.
Em um pátio no sudoeste da mansão do Marquês de Dingyong, uma jovem deitada na cama começava lentamente a recobrar a consciência.
Cheng Huizhen abriu os olhos, demorando a reagir. Quando finalmente viu suas mãos jovens, ficou sem acreditar:
— Eu... fui renascida?
Ao ouvir movimento no quarto, Xiao Su correu, levantando a cortina e entrando. Assim que entrou, viu Cheng Huizhen encarando as próprias mãos, como se estivesse possuída. As lágrimas de Xiao Su rolaram imediatamente:
— A’Zhen, você está bem? Não assuste a mamãe assim!
— Mãe? — Cheng Huizhen virou-se, ainda atônita. Xiao Su, tomada de pânico, a abraçou com força:
— Aquela miserável da segunda família, como ousa te empurrar! Se algo tivesse acontecido com você, eu jamais a perdoaria!
Cheng Huizhen esfregou a testa, ainda sem entender onde — ou quando — estava.
— Mãe, em que ano estamos?
— Segundo ano de Qiyuan. Por que essa pergunta?
— Estamos na mansão do marquês?
Xiao Su ficou mais confusa:
— Sim, A’Zhen... o que está acontecendo com você?
— É a mansão do Marquês de Dingyong ou do Marquês de Chengxi?
— A’Zhen, será que você bateu a cabeça forte demais? Estamos na casa do seu tio, a mansão do Marquês de Dingyong. Nunca ouvi falar de Marquês de Chengxi em Chang’an.
Não existe a mansão do Marquês de Chengxi? Como assim? Aquela era a residência de um marquês de posto superior — o único título hereditário em Chang’an que podia ser passado indefinidamente. Nem muitas casas ducais podiam se comparar ao esplendor da família Chengxi. Cheng Huizhen esboçou um sorriso amargo. Infelizmente, toda aquela glória já não lhe pertencia.
Enquanto Xiao Su falava, Cheng Huizhen começou a se lembrar da situação atual. Sim, ela se recordava: no ano em que viera pela primeira vez à casa do tio, teve uma briga com Xiao Yuli por causa de uma joia. Xiao Yuli a empurrou com força, e ela bateu a cabeça numa pedra. Ficou desacordada por muito tempo antes de acordar. Então... eu voltei para quando tinha sete anos?
Maravilhoso — apenas sete anos! Ainda havia tempo para mudar muitas coisas. Cheng Huizhen mergulhou em pensamentos, mal acreditando que tamanha sorte lhe havia sido concedida. Após alguns segundos de desorientação, de repente se sobressaltou. Agarrou o braço de Xiao Su com força, as unhas quase cravando na pele:
— Mãe, o primo mais velho ainda está aqui, na casa do tio?
Xiao Su quase riu diante da urgência da filha:
— Criança, o que você está dizendo? Onde mais ele estaria?
— Onde ele está agora? — perguntou Cheng Huizhen, aflita, ignorando completamente o ferimento na testa. Ela finalmente tinha uma nova chance, e dessa vez, faria a aposta certa!
Pensando bem, sentiu-se injustiçada. Na vida passada, apostara tudo no filho de Wu Junru, sem jamais dar atenção a Xiao Jingduo. Todos achavam que o quarto jovem mestre era a esperança da família, enquanto o primogênito, Xiao Jingduo, era apenas um peso morto. Mas quem poderia imaginar que, no fim, seria ele quem alcançaria o verdadeiro sucesso?
Infelizmente, quando percebeu isso, já era tarde demais. Cheng Huizhen só pôde assistir, impotente, enquanto perdia a chance de seguir o dragão ascendente — e com ele, a fortuna e a glória. Agora que voltara, não cometeria o mesmo erro.
Ela se lembrava bem: Xiao Jingduo passou por muitas dificuldades na juventude. Se ela pudesse mostrar gentileza naquele momento, com o senso de gratidão que ele sempre teve, com certeza seria bem recompensada no futuro.
Não. Ser apenas uma benfeitora não basta. Ela era apenas três anos mais nova que ele, e eram primos. Se eu me esforçar um pouco... o futuro título de Marquesa de Chengxi poderia ser meu, não? Quanto mais pensava nisso, mais empolgada ficava. Sim, esse era o caminho. Afinal, ela já tinha vivido tudo aquilo antes. Lidar com o jovem Xiao Jingduo? Seria brincadeira de criança.
Cheng Huizhen estava cada vez mais ansiosa, com medo de que alguém se adiantasse a ela. Apertou com força a mão de Xiao Su e ergueu o rosto para perguntar:
— Mãe, onde está o primo mais velho agora?
— Por que está perguntando sobre ele? O mestre disse que o destino dele é muito pesado, e mantê-lo na mansão traria azar para a família. Seu tio já está planejando mandá-lo para um templo.
É verdade, seu primo mais velho passou mesmo por esse sofrimento na juventude. O futuro e renomado Governador do Deserto do Sul realmente tivera uma infância miserável, chegando a ser expulso de casa. Em sua vida anterior, Cheng Huizhen só se importava em competir com Xiao Yuli e Xiao Yumang por roupas e joias, nunca dando atenção àquele primo derrotado. Mas agora, Cheng Huizhen havia mudado de ideia. Queria se aproximar de Xiao Jingduo desde jovem, ser sua luz na escuridão, seu fogo nos tempos difíceis. Quando Xiao Jingduo alcançasse o sucesso, ela poderia se tornar a Marquesa de Chengxi!
Tendo decidido isso, Cheng Huizhen mal podia esperar um instante sequer. Aquela era a oportunidade perfeita. Se conseguisse implorar ao tio que permitisse que Xiao Jingduo permanecesse na mansão, em vez de sofrer em um templo, quão grato ele não ficaria com ela? Além disso, com Xiao Jingduo morando ali, ela poderia cultivar uma relação aos poucos. Isso era matar vários coelhos com uma cajadada só! Cheng Huizhen jogou de lado o cobertor, pronta para sair correndo. Xiao Su a olhou, confusa:
— O que você vai fazer? Não me diga que quer ver aquele primo amaldiçoado? Minha filha, não seja tola. Seu foco deveria ser agradar sua tia Wu Junru. Ai, A’zhen, pra onde você vai...
Cheng Huizhen correu para tentar agradar Xiao Jingduo, mas, após procurar por toda parte — checando o Pátio Qingze e o estúdio — não encontrou sinal dele.
— Onde será que o primo mais velho foi parar? — murmurou Cheng Huizhen para si mesma.
Xiao Jingduo não fazia ideia de que alguém o procurava por todos os cantos. Estava sentado sozinho em uma árvore, olhando para o vazio à distância.
A árvore havia sido plantada em um canto, voltada para a rua de trás. Sentado em um dos galhos, era possível ver além da mansão do marquês, passando pelos muros do pátio, até alcançar as muralhas imponentes de Chang’an. Mas nada além disso podia ser visto. Sempre que se sentia desanimado, Xiao Jingduo gostava de subir em árvores. Estar lá no alto dava a impressão de que os problemas do mundo mundano estavam distantes. Não precisava carregar o fardo da vingança de sua mãe, nem encarar um futuro incerto.
Neste momento, Xiao Ying estava discutindo com Wu Junru sobre enviá-lo para um templo. Xiao Jingduo conseguia imaginar o tipo de templo que escolheriam por fim: remoto, isolado, como uma prisão para os mortos-vivos. O mais trágico era que, mesmo prevendo esse futuro, ele estava impotente para impedi-lo.
Xiao Jingduo voltou a duvidar de si mesmo. Será que eu realmente consigo mudar meu destino? Enfrentar Xiao Ying e Wu Junru parecia tão impossível quanto escalar os céus. Ele chegou a pensar que talvez Qiuju estivesse certa — com sua posição insignificante, tentar desafiar Xiao Ying era mesmo uma piada.
Com o coração pesado, Xiao Jingduo quebrou distraidamente um galhinho e o lançou em direção à rua abaixo.
Enquanto jogava os gravetos com desânimo, pensou que, felizmente, não havia ninguém na rua naquele momento. Caso contrário, o povo temperamental de Chang’an certamente viria até ele para repreendê-lo.
Mas mal teve esse pensamento, Xiao Jingduo viu um cavalo correndo em sua direção. O cavaleiro parecia coberto por um brocado reluzente e elaborado.
De quem será esse cavalo que se soltou?
Conforme o cavalo se aproximava, Xiao Jingduo ficou paralisado. Endireitou-se de repente, com a expressão séria.
Não... tem algo errado. O cavalo está assustado, e o cavaleiro está em perigo!

Capítulo 24 – Encontro Inesperado
Xiao Jingduo rapidamente pulou dos galhos da árvore, aterrissando no alto do muro da mansão do marquês. Justo naquele instante, o cavalo desgovernado passou correndo pela rua. Xiao Jingduo correu alguns passos pelo muro e, em seguida, saltou diretamente sobre o cavalo assustado.
A pessoa sobre o cavalo parecia ter alguma habilidade com equitação. Ao perceber que não conseguiria controlar o animal, curvou-se imediatamente, agarrando-se firme à crina. Isso facilitou para Xiao Jingduo. Ele puxou com força as rédeas, obrigando o cavalo a parar.
O cavalo parecia sentir uma dor intensa. Relinchou e se empinou nas patas traseiras, girando em círculos antes de finalmente se acalmar. Assim que o animal parou, Xiao Jingduo também respirou aliviado. Só então teve tempo de perguntar à pessoa à sua frente:
— Você está bem?
A pessoa deitada sobre a crina do cavalo se esforçou para se erguer. Foi então que Xiao Jingduo percebeu que se tratava de uma jovem — e, olhando mais de perto, era alguém que ele conhecia.
— Princesa? Como você...
Rong Ke parecia não querer falar muito e respondeu com fraqueza:
— Me ajude a descer.
Xiao Jingduo então saltou do cavalo e a ajudou a descer também.
Assim que seus pés tocaram o chão firme, Rong Ke sentiu que voltava à vida. Passou casualmente a mão pelos cabelos e logo começou a inspecionar o cavalo.
Xiao Jingduo ficou bastante impressionado com aquelas jovens damas da nobreza imperial. Rong Ke era tão jovem e ainda assim ousava montar um cavalo tão temperamental. Ele ficou ali ao lado, observando em silêncio enquanto Rong Ke dava voltas ao redor do animal, tentando entender o que ela procurava.
— Está mesmo aqui! — Rong Ke deu a volta até a parte traseira do cavalo, observou por um momento e disse, com raiva. Ficou na ponta dos pés, tentando pegar algo, mas ela não era alta o suficiente para alcançar a altura da garupa. Após duas tentativas, acabou sendo afastada pelo rabo do cavalo.
Xiao Jingduo não conseguiu mais ficar parado e se aproximou, perguntando com cautela:
— Princesa, o que você está tentando pegar?
Só então Rong Ke pareceu se lembrar de que havia alguém ali com ela. Assumiu imediatamente o porte altivo da filha do Príncipe Herdeiro, Princesa Yangxin, e apontou o queixo com arrogância:
— Há uma agulha perto do rabo do cavalo. Pegue para mim.
Uma agulha na parte traseira do cavalo? Xiao Jingduo ficou surpreso por um momento, mas logo ficou sério. Caminhou até o ponto indicado por Rong Ke e examinou com cuidado. De fato, Xiao Jingduo retirou uma agulha fina da região próxima ao rabo do cavalo. O animal relinchou de dor e arrastou as patas com inquietação no chão.
— Havia mesmo uma agulha. Não é de se admirar que o cavalo tenha se assustado — disse Xiao Jingduo, alarmado. Oculta pelos pelos da cauda, ninguém teria notado nada de anormal. Mas, assim que alguém montava no cavalo, a agulha causava dor, fazendo-o correr. E quanto mais ele corresse, mais fundo a agulha penetrava, num ciclo vicioso. Era fácil imaginar o destino do cavaleiro.
Xiao Jingduo entregou silenciosamente a agulha fina para Rong Ke, sem fazer perguntas desnecessárias. Parecia que nem mesmo dentro da família imperial havia paz.
Rong Ke parecia já ter se recuperado do incidente. Ajustou as mangas e disse a Xiao Jingduo com ar de importância:
— Você salvou minha vida. Sempre pago minhas dívidas e não vou te tratar com injustiça. O que você quer?
— Não precisa — respondeu Xiao Jingduo, balançando a cabeça. — Eu disse que iria retribuir. Considere isso como pagamento pela ajuda que me deu na mansão do Duque Zhao.
Rong Ke o encarou por um momento, depois sorriu de repente:
— Você sabe quem eu sou?
— Claro. Filha do Príncipe Herdeiro, Princesa Yangxin.
— E mesmo assim diz isso?
Xiao Jingduo suspirou. Será que a disputa interna no palácio é tão feroz assim? Como alguém tão jovem pode falar com tanta malícia?
— Eu disse que pagaria a dívida, não que tinha segundas intenções. Se ainda estiver desconfiada, então apenas sente comigo por um tempo.
Dito isso, Xiao Jingduo tomou a dianteira e sentou-se nos degraus de pedra. Rong Ke olhou várias vezes para a pedra antes de, por fim, se sentar também.
Assim que se sentou, Rong Ke ajustou novamente as mangas e elogiou Xiao Jingduo:
— Você é bem forte. Aquele era o cavalo do meu avô. Normalmente já é muito temperamental, imagine quando se descontrola. E mesmo assim, você conseguiu dominá-lo. Nada mal.
Xiao Jingduo pensou por um momento. O avô de Rong Ke... não é o imperador atual? Ela tinha montado um cavalo imperial? Xiao Jingduo quase começou a suar frio.
— Seria um dos seis cavalos de guerra que acompanharam Sua Majestade nas conquistas do império?
Rong Ke lançou-lhe um olhar estranho:
— O que está pensando? Aqueles seis cavalos são extremamente importantes. Há dezenas de pessoas cuidando deles todos os dias. Você acha mesmo que eu seria tola o suficiente para usá-los sem permissão?
Não, ela definitivamente não parecia. Xiao Jingduo então concluiu que devia ser um cavalo de tributo ao imperador. Rong Ke, impaciente para cavalgar, saíra escondida e acabara caindo em uma armadilha. Quanto a quem fez isso e por quê, não era algo que Xiao Jingduo devesse perguntar.
— Depois que voltamos da mansão do Duque Zhao naquele dia, sua madrasta te causou problemas? — perguntou Rong Ke, virando-se. Só então notou as roupas simples de Xiao Jingduo. Sua voz parou repentinamente. — Você...
— Minha mãe morreu.
Após um longo silêncio, Rong Ke disse baixinho:
— Meus pêsames.
— Está tudo bem. Já é passado agora. — Xiao Jingduo não era de falar muito, mas talvez por não ter conversado com ninguém desde a morte de Zhao Xiulan, ou talvez pela pressão acumulada nos últimos dias, acabou contando àquela menina, com quem só se encontrara duas vezes, tudo o que havia acontecido naquela tarde silenciosa e deserta.
Xiao Jingduo falava, e Rong Ke escutava em silêncio. Quando ele mencionou que sua madrasta queria mandá-lo para um templo sob o pretexto de exorcizar maus espíritos, Rong Ke não se conteve:
— Parece mesmo que armaram para você, não é?
Xiao Jingduo sorriu com amargura:
— Eu sei disso, mas depois que Xiao Ying trouxe o Mestre Mingjue, até ele disse que meu carma de sangue era pesado demais.
— Se foi Mingjue quem disse, então deve ser verdade. — Rong Ke assentiu. — Estava me perguntando por que não o tinha visto. Então ele foi à mansão do Marquês de Dingyong.
Xiao Jingduo também se lembrou de que Xiao Ying mencionara que hoje haveria uma cerimônia no Templo Anguo. Era um templo imperial — só eventos de grande importância eram realizados ali. Por fim, ele entendeu por que havia encontrado Rong Ke naquele lugar:
— Você fugiu do Templo Anguo?
— Uhum — respondeu Rong Ke com naturalidade, até com certo desdém. — Só agora percebeu?
Xiao Jingduo ficou sem palavras. Balançou a cabeça, divertindo-se. Rong Ke era tão jovem, ainda mais nova que suas três primas. Por que estou discutindo com uma garotinha? Mais absurdo ainda era o fato de que ele vinha despejando suas angústias para uma irmãzinha. Mas, depois de desabafar, Xiao Jingduo realmente se sentia mais leve. Levantou-se, pronto para se despedir:
— Já incomodei demais a Princesa por hoje. Fui indelicado. Princesa, não é seguro andar sozinha. É melhor voltar logo para o Templo Anguo.
Rong Ke também se levantou, abaixando a cabeça para arrumar a aparência. Perguntou casualmente:
— E o que você planeja fazer daqui em diante? Entre todas as pessoas que conheci, sua situação parece ser a mais miserável.
Xiao Jingduo riu, surpreso por um dia ouvir um “como você é miserável” vindo de uma garotinha. Com um sorriso leve, respondeu:
— Ela não conseguiu me matar com abelhas venenosas, então que mal pode me fazer um templo? Na pior das hipóteses, serei confinado nas montanhas remotas. Mas tirar minha vida... não vai ser tão fácil.
— Abelhas venenosas? — Rong Ke inclinou a cabeça, os olhos se iluminando aos poucos. — Como assim?
Realmente digna de alguém criada no palácio. Tão atenta a tudo que envolve venenos e substâncias estranhas... Xiao Jingduo suspirou e decidiu contar apenas as partes menos assustadoras da história.
Após ouvir, Rong Ke assentiu com interesse:
— E você ainda tem algumas dessas abelhas?

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