Capítulo 29. Ama Wan.


 A primavera chegava ao fim, e o calor do verão começava a despontar.

Cedo, numa manhã, a porta da casa da Família Ke, no lado sul da cidade, rangeu ao se abrir, e uma mulher de meia-idade saiu.

Ela vestia uma antiga capa cor de mel, os cabelos presos em um coque. De corpo roliço e semblante amável, carregava uma cesta de bambu nos braços.

O porteiro a cumprimentou:

— Ama Wan.

Ama Wan assentiu em resposta e apressou o passo em direção ao Mercado de Flores Guanxiang.

A Velha Madame Ke tinha grande apreço por doces, e Ama Wan era conhecida por sua habilidade em prepará-los, especialmente os bolos de flores. Ultimamente, os preferidos da Velha Madame eram os bolinhos de ameixa, feitos com flores de ameixeira esmagadas misturadas à massa fresca, depois moldados na forma de pequenas flores e dispostos em pratos delicados.

No entanto, com o festival da Chuva de Grãos já passado e o verão se aproximando em menos de meio mês, as flores de ameixeira estavam quase fora de época. As disponíveis no Mercado de Flores Guanxiang eram do último ano e, uma vez vendidas, só estariam disponíveis novamente no inverno. Por isso, Ama Wan chegou cedo.

Ao se aproximar do Beco Guan, um perfume peculiar a envolveu antes mesmo que adentrasse o mercado. As barracas transbordavam das cores vibrantes e fragrâncias das flores da primavera e do verão — orquídeas das montanhas, jasmins, peônias, orquídeas roxas —, compondo um cenário animado.

Ama Wan encontrou uma barraca que vendia flores de ameixeira e comprou todo o estoque restante. Também pegou algumas ervas doces antes de seguir de volta com sua cesta.

A entrada do Beco Guan estava lotada, o mercado fervilhando de gente. Justo quando Ama Wan se preparava para sair, um jovem mendigo, por volta de doze ou treze anos, disparou de dentro do mercado e colidiu com ela. Ela soltou um grito ao cair no chão. O mendigo, percebendo o que fizera, fugiu rapidamente.

Ama Wan sentiu uma dor aguda no tornozelo e mal conseguia se levantar. Recolheu as flores espalhadas de volta à cesta, murmurando pragas entre os dentes.

De repente, uma voz soou perto de seu ouvido:

— Tia, está tudo bem?

Ao erguer os olhos, Ama Wan viu duas jovens à sua frente.

Uma delas vestia um colete verde, com uma expressão esperta que combinava com os traços delicados de seu rosto. Os cabelos estavam presos num coque de criada. A outra, com um vestido simples de tecido azul-escuro, tinha lábios vermelhos, dentes brancos e uma tez luminosa. Olhava para Ama Wan com preocupação.

O tornozelo de Ama Wan doía muito, e ela não conseguia se erguer. Disse:

— Senhorita, por favor, me ajude a chegar até o banco de pedra na entrada do beco. Preciso me sentar um pouco.

A criada de verde sorriu e a ajudou a levantar-se:

— Não se preocupe.

Com a ajuda das duas, Ama Wan alcançou o banco de pedra do lado de fora. Assim que se sentou, a dor aumentou. Tentou apoiar-se para levantar, mas ao colocar peso no pé, fez uma careta de dor.

A moça de azul examinou seu tornozelo e balançou a cabeça:

— Você torceu o tornozelo. Não deve caminhar nos próximos três a cinco dias.

— Ai! — exclamou Ama Wan, aflita. — Isso é péssimo.

Ela viera comprar flores de ameixeira, e o mercado ficava bastante distante da casa da Família Ke. Mesmo chamar uma liteira agora levaria tempo demais.

A moça de azul refletiu um instante e disse:

— Apesar do entorse, a acupuntura pode ajudá-la a se recuperar em menos de meio dia.

— Acupuntura? — Ama Wan estranhou. — Há algum lugar por perto que faça acupuntura?

A criada de verde sorriu:

— Sim, há o Salão Médico Renxin aqui perto, próximo ao mercado de flores. Quer que a levemos até lá?

Ama Wan arregalou os olhos:

— Salão Médico Renxin? É aquele que anda vendendo chá medicinal para congestão nasal?

A criada sorriu, surpresa:

— A senhora já ouviu falar do Salão Renxin?

— Claro, o chá deles tem sido muito comentado ultimamente — respondeu Ama Wan, olhando para o tornozelo. — Já que o chá tem boa fama, devem ser competentes. Vou incomodar vocês duas, meninas, para me levarem até lá. Quando meu pé melhorar, saberei agradecer devidamente.

— Foi só um favorzinho. A senhora não precisa se preocupar — disse a criada, sorrindo para a jovem de azul. — Senhorita, vamos ajudar essa tia a chegar lá.

— Está bem.

Lu Tong e Yin Zheng ajudaram Ama Wan, que machucara o tornozelo, até o Salão Médico Renxin.

Du Changqing estava sentado diante do armário de remédios, distraído. Ao ver Lu Tong retornar, estranhou:

— Doutora Lu, você não foi comprar flores? Por que voltou tão cedo?

Naquela manhã, ao abrirem o salão, Lu Tong avisara Du Changqing que iria ao mercado de flores com Yin Zheng.

Ama Wan ouviu Du Changqing e olhou surpresa para Lu Tong:

— Doutora Lu... você é médica?

Lu Tong assentiu.

Yin Zheng sorriu e conduziu Ama Wan para dentro:

— Não se preocupe, tia. Minha senhorita tem mãos excelentes. Foi ela quem preparou aquele chá medicinal. Vou fazer moxabustão em seu tornozelo, e logo a dor vai passar.

Du Changqing continuava intrigado. Após ouvir a explicação de Lu Tong, lançou-lhe um olhar difícil de definir:

— Você é mesmo bondosa, sempre ajudando os outros. Mas tem certeza de que sabe acupuntura? Já aviso: se algo der errado, não posso protegê-la.

Lu Tong o ignorou e foi até a caixa de instrumentos pegar as agulhas douradas.

Lá fora, Ama Wan estava meio reclinada na cadeira, observando Lu Tong com certo receio. Hesitou:

— Doutora Lu, se não funcionar...

— Os órgãos internos pertencem ao centro do corpo; os canais externos regem os membros — explicou Lu Tong, enquanto retirava os sapatos e meias de Ama Wan. Sentou-se em uma cadeira baixa e apoiou a perna da mulher sobre o joelho.

O tornozelo estava inchado e com aparência assustadora.

— Após a acupuntura, os meridianos se abrirão, o inchaço diminuirá e logo a senhora poderá andar. Não se preocupe, tia.

Dito isso, cravou rapidamente as agulhas douradas no tornozelo de Ama Wan.

Ama Wan ficou sem palavras. Os movimentos de Lu Tong eram ágeis demais.

Yin Zheng entregou-lhe uma xícara de chá com um sorriso tranquilizador:

— Tia, fique tranquila. Já que minha senhorita é a médica aqui, suas habilidades são mesmo boas. Tome este chá. Após a moxabustão, em cerca de duas horas a senhora vai se sentir melhor.

Ama Wan pegou o chá e sorriu, meio sem jeito.

Yin Zheng trouxe um banquinho e sentou-se em frente a ela, puxando conversa com simpatia:

— Notei seu sotaque. Não parece de Shengjing. A senhora é de Yingchuan?

Ama Wan desviou a atenção e sorriu:

— Sim, sou de Yingchuan.

— Sério? — Yin Zheng se animou. — Minha família também é de Yingchuan. Encontrar uma conterrânea aqui em Shengjing é mesmo uma coincidência!

Ama Wan também se surpreendeu:

— Não é à toa que você foi tão prestativa hoje!

As duas, descobrindo a mesma terra natal, logo sentiram afinidade e conversaram animadamente. Yin Zheng, esperta e cheia de vida, usava o dialeto local, o que deixou Ama Wan bastante feliz. Logo ela se esqueceu das agulhas no tornozelo, passando a chamar Yin Zheng carinhosamente de "minha senhorita".

Du Changqing parecia um tanto incomodado com a tagarelice na loja, coçando os ouvidos.

Mas Lu Tong sorriu levemente.

Desde que entrou no Salão Médico Renxin, jamais esquecera sua missão e mantinha-se atenta em investigar a família Ke.

A cada poucos dias, aquela mulher ia ao mercado de flores. Falava o autêntico dialeto de Yingchuan — que Yin Zheng aprendera um pouco com uma amiga do bordel.

Assim, Lu Tong arquitetou um plano, subornando crianças mendigas e encenando um encontro no mercado.

A colisão, a ajuda prestativa, o sotaque em comum — tudo fora meticulosamente planejado para se aproximar daquela mulher.

Com cuidado, pegou a última agulha dourada do pano de veludo e a inseriu lentamente num ponto de acupuntura no pulso de Ama Wan. Esta riu, dizendo:

— Há poucos servos em minha casa. Trabalho para o Mestre Ke. Hoje cedo vim comprar flores de ameixeira. Infelizmente, aquele moleque esbarrou em mim e estragou boa parte delas.

A mão de Lu Tong vacilou por um breve instante.

Depois de um momento, sorriu e ergueu os olhos:

— Mestre Ke? Refere-se à família Ke que vende porcelana em Shengjing?


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