Capítulo 36 a 40


 Capítulo 36 – Chegando ao Fim

Após a realocação da capital por Yongle, uma longa era de paz teve início. O tratamento dado aos oficiais se tornou cada vez mais generoso, e já não era tão severo quanto na Dinastia Hongwu. Até o momento, a Corte Imperial havia incluído o feriado da véspera de Ano-Novo em seu calendário oficial, de modo que o Festival da Primavera e o Festival das Lanternas se unificaram. Juntos, os feriados se estendiam do vigésimo quarto dia do décimo segundo mês lunar até o vigésimo dia do primeiro mês lunar — algo que podia ser considerado bem confortável.

Lu Heng havia feito horas extras durante o ano anterior para encerrar todos os seus casos, e finalmente pôde passar um Ano-Novo em paz. Era raro ter tempo livre. Passava os dias lendo, escrevendo e cuidando da irmã mais nova em casa — inclusive, teve tempo para ensinar Wang Yanqing a jogar xadrez. Surpreendentemente, sentiu um certo gosto por aquele descanso tranquilo.

Dias estáveis sempre pareciam passar rápido, e num piscar de olhos, o primeiro dia do novo ano chegou. Enquanto jogavam uma partida, Lu Heng perguntou a Wang Yanqing:

— Qing Qing, onde você gostaria de ir neste Festival das Lanternas?

Wang Yanqing respondeu automaticamente com um “qualquer lugar”, mas logo percebeu que aquilo soava inapropriado e corrigiu-se:

— Segundo Irmão, pode ser que haja um banquete no palácio durante o Festival das Lanternas. Você poderá me acompanhar, mesmo assim?

Embora ela não tivesse memória do passado, sentia instintivamente que o palácio deveria ser muito movimentado durante os festivais. Os Guardas Imperiais eram os soldados pessoais do imperador, e Lu Heng era diretamente responsável por sua segurança. Será que sair para passear na cidade nessas datas não atrapalharia os deveres de Lu Heng?

Lu Heng balançou a cabeça:

— Não se preocupe. Este ano não haverá banquetes no palácio.

— Sério? — Wang Yanqing demonstrou surpresa e perguntou: — Por quê?

Lu Heng colocou uma peça preta no tabuleiro e respondeu:

— O imperador não gosta de barulho, e como é raro ter algum tempo livre, decidiu aproveitar para reorganizar os aposentos das concubinas. Além disso, a Imperatriz Viúva de Xingguo não está bem de saúde este ano. O imperador deseja orar por ela, então o banquete foi cancelado.

A Imperatriz Viúva de Xingguo, mencionada por Lu Heng, era a mãe biológica do imperador, a Imperatriz Jiang. O Imperador Zhengde não deixara herdeiros, e na época, o chefe assistente Yang Ting, a mãe do imperador Zhengde e a Imperatriz Zhang procuraram entre os muitos filhos do clã e finalmente decidiram pelo atual imperador. Um dos motivos era a juventude do escolhido — com apenas catorze anos, ele parecia uma opção muito mais promissora do que os príncipes adultos, pelo menos aos olhos de Empressa Zhang e Yang Ting. Outro motivo era sua inteligência e sede de aprendizado, sendo já famoso por seu brilhantismo no clã imperial.

Yang Ting era um erudito e, naturalmente, simpatizava com crianças que gostavam de estudar. Via num jovem estudioso uma pessoa moldável, que poderia se tornar um monarca virtuoso e sábio.

Infelizmente, Yang Ting se enganou. Era difícil dizer se o novo imperador seria sábio, mas estava claro que não seria virtuoso. De fato, ele lera muitos livros desde a infância e era um homem astuto — mas quem disse que um homem astuto seria fácil de manipular?

Yang Ting armou seus jogos políticos durante muitos anos, mas no fim caiu nas mãos de uma criança de catorze anos. Atualmente, até mesmo Yang Yingning, outro veterano de três dinastias, já havia sido afastado, e todos os que ainda atuavam na política tinham sido promovidos diretamente pelo imperador.

O caráter do imperador era sombrio e entediante, ele não gostava de agitação e tampouco era entusiasta de banquetes. Quando tinha tempo, preferia praticar o taoísmo.

Assim, após a entrada na Dinastia Jiajing, a corte deixou o caos da era Zhengde para se tornar um ambiente deprimido e monótono. O cancelamento do banquete do Festival das Lanternas naquele ano refletia tanto o gosto do imperador quanto a frágil saúde da Imperatriz Jiang.

No décimo sexto ano de Zhengde, o imperador veio de Anlu para a capital a fim de ascender ao trono. Naquela época, por conta de sua origem, enfrentou muitos atritos com Yang Ting e a Imperatriz Zhang. Yang Ting insistia para que ele reconhecesse o Imperador Xiaozong como pai e a Imperatriz Zhang como mãe — dessa forma, ele seria adotado pela família de Xiaozong e subiria ao trono como príncipe legítimo. O imperador, porém, recusou com firmeza. Afirmou que herdava o trono por ser descendente dos imperadores Hongwu e Yongle, sem qualquer relação com Yang Ting. Quando o Imperador Zhengde morreu sem deixar sucessores, ele foi convidado a assumir o trono no Templo Fengtian como imperador — e mesmo assim, recusou reconhecer Xiaozong como pai. Em vez disso, conferiu aos pais biológicos os títulos de “Tio do Imperador” e “Mãe do Imperador”.

No momento mais crítico do confronto entre ele e Yang Ting, foi a Imperatriz Jiang quem deu o golpe decisivo. Naquele tempo, Lu Song protegia o imperador e correu até a capital o mais rápido que pôde, enquanto a Imperatriz Jiang e Fan, mãe de Lu Heng, chegaram um mês depois.

Assim que a Imperatriz Jiang chegou à cidade e ouviu dizer que Yang Ting pretendia romper o vínculo entre mãe e filho, exigindo que o imperador chamasse outra mulher de mãe, ela imediatamente ameaçou: disse que aquele imperador não servia e que pretendia voltar para Anlu com seu filho de barco. Ao mesmo tempo, contactou em segredo os antigos aliados de seu pai e obteve apoio do Marquês de Wuding e de outros nobres. Por mais autoritário que Yang Ting fosse, não podia ser mais forte que o exército. No fim, ele cedeu — e a Imperatriz Jiang conseguiu entrar no palácio com o título de “Imperatriz Viúva”.

Naquela época, o imperador tinha apenas catorze anos, enquanto Yang Ting era o chefe assistente que comandava o governo há quase vinte. Para que o jovem imperador o derrotasse, além de inteligência, o apoio velado e declarado da Imperatriz Jiang foi crucial. Depois que ela entrou no palácio, o imperador sempre demonstrou extrema devoção filial, e conforme sua posição se consolidava, os títulos honorários da Imperatriz Jiang cresciam cada vez mais — enquanto os de Empressa Zhang eram diminuídos gradativamente.

A grande cerimônia terminou com a vitória total do imperador. Dois chefes auxiliares caíram, e quem ainda se lembrava de Empressa Zhang, uma simples concubina? Até hoje, a Imperatriz Jiang era a Imperatriz Viúva de Xingguo — e Empressa Zhang havia sido rebaixada a mulher comum.

Wang Yanqing compreendia bem. Desde os tempos antigos, as imperatrizes viúvas das duas alas do palácio jamais se davam bem. A relação entre Empressa Zhang e Empressa Jiang não era como a de concubina e imperatriz, mas sim de cunhadas de duas casas diferentes. O imperador era filho biológico da Imperatriz Jiang. Como Empressa Zhang poderia lutar contra a mãe do imperador?

Wang Yanqing assentiu e disse:

— Agora entendi. Este inverno está realmente rigoroso, muitas pessoas estão adoecendo. A doença da Imperatriz Viúva de Xingguo é grave?

Lu Heng não queria se estender sobre as relações entre as duas matriarcas, então sorriu e respondeu:

— O corpo da Imperatriz Viúva é nobre e está sob os cuidados dos Médicos Imperiais. Ela vai se recuperar logo. Este ano, o imperador não tem intenção de extravagâncias, e eu não preciso entrar no palácio. É raro ter liberdade. Após o Festival das Lanternas, te acompanharei para passear pela cidade.

Wang Yanqing não se opôs e assentiu com um sorriso.

O Festival da Primavera era o mais movimentado do ano. A proibição noturna era suspensa três dias antes e depois do Festival das Lanternas, e toda a cidade entrava em clima de carnaval. Naqueles dias, lanternas enchiam as ruas e pessoas de todas as idades saíam para vê-las. Barracas vendiam comidas, flores de seda, joias e bugigangas. Teatros de sombras, danças do leão e malabaristas ocupavam todos os cantos. As mulheres não precisavam mais se preocupar com separação entre os sexos e podiam passear livremente — era também um bom momento para encontros românticos. Casais apaixonados, concubinas e moças solteiras aproveitavam a ocasião para se encontrarem.

A carruagem da Mansão do Marquês de Zhenyuan saiu pelo segundo portão, avançando entre os gritos do povo à frente e a multidão que se acumulava atrás. Mas o Festival das Lanternas era concorrido demais — e mesmo com os guardas abrindo caminho, logo ficaram cercados pela multidão e não puderam avançar nem um centímetro.

Sem outra opção, as damas da Mansão de Zhenyuan desceram e seguiram a pé. Naquele dia, Chen Shi usava um casaco verde-oficial de seda bordada a ouro, saia de pele de rato-prata, uma tiara de zibelina na testa e uma capa preta com detalhes dourados. Era a personificação da riqueza. Depois, as outras damas da família Fu também desceram, todas radiantes e muito bem vestidas.

Chen Shi olhava ao redor como se procurasse alguém. De repente, seus olhos brilharam e ela acenou animada em uma direção:

— Madame do Marquês de Yongping, estamos aqui!

As pessoas da Mansão de Yongping se viraram e, ao ver que era Chen Shi, vieram apressadas cumprimentá-la. A Madame do Marquês de Yongping se aproximou com várias filhas, dizendo com um sorriso:

— Velha Madame Fu, que coincidência encontrar você aqui. Venham todos cumprimentar a Madame do Marquês de Zhenyuan.

O Marquês de Yongping tinha muitos filhos e filhas. Naquele dia, as moças solteiras da família Hong vieram todas, alinhadas atrás da Madame de Yongping, formando uma bela cena com seus vestidos do vermelho ao verde. Acostumadas às interações sociais, saudaram delicadamente:

— Que mil fortunas te acompanhem.

Entre elas, Hong Wanqing, levemente corada, curvou-se diante de Chen Shi:

— Velha Madame do Marquês de Zhenyuan, desejo-lhe paz.

Embora houvesse muitas meninas na Mansão de Yongping, Hong Wanqing era indiscutivelmente a mais bela entre elas, e suas roupas se destacavam entre as demais. Chen Shi a reconheceu num piscar de olhos e, ao ver sua vestimenta generosa e digna e seu temperamento recatado, ficou ainda mais satisfeita. Sorriu de orelha a orelha e acenou para uma figura atrás de si:

— Por acaso encontrei a Mansão do Marquês de Yongping. Seus irmãos e irmãs devem vir cumprimentar a Madame Hong.

Embora Chen Shi dissesse que queria que todos cumprimentassem a Madame do Marquês de Yongping, todos sabiam que ela só queria chamar Fu Tingzhou. As filhas da família Fu entendiam perfeitamente as intenções da mãe. Após cumprimentarem obedientemente a Madame de Yongping, se afastaram em silêncio, deixando que o Segundo Irmão brilhasse sozinho.

Fu Tingzhou estava do outro lado organizando os guardas e observando o movimento da multidão. Naquele dia, a cidade inteira estava lotada, e o povo era uma mistura de bem e mal-intencionados. Enquanto Chen Shi e as jovens estavam concentradas na diversão, Fu Tingzhou precisava garantir a segurança de todas. Se algo semelhante ao incidente do décimo segundo mês voltasse a acontecer, ele seria o único a prestar contas ao velho Marquês Fu.

Ele estava ocupado quando ouviu o chamado de Chen Shi. Suspirou internamente, já sabendo que não teria como escapar daquela vez. Virou-se lentamente e caminhou em direção às luzes brilhantes.

Tinha ombros largos, pernas longas e um rosto frio e austero. Ao se aproximar, não exalava raiva nem arrogância, mas era como se a rua barulhenta silenciasse por um instante.

Parou diante da Madame de Yongping e cumprimentou:

— Espero que a Senhora Hong esteja com boa saúde.

As parentes das duas famílias ficaram atônitas diante da presença imponente de Fu Tingzhou, e só depois que ele terminou de falar é que todos começaram a reagir lentamente. As irmãs da família Hong lançaram olhares invejosos para Hong Wanqing. Ela corou e permaneceu ao lado da mãe, torcendo discretamente o lenço entre os dedos, com o queixo levemente abaixado e um ar tímido e educado, sem ousar encará-lo diretamente.

A Madame do Marquês de Yongping observou o homem à sua frente — de aparência marcante, com sobrancelhas espessas em formato de estrela — e ficou extremamente satisfeita. Então, chamou seus filhos para se apresentarem a Fu Tingzhou. Após a troca de cumprimentos entre os dois lados, a Madame do Marquês de Yongping aproveitou a deixa e disse:

— As jovens da família Fu são tão belas e promissoras, fico muito feliz em vê-las. É raro nos darmos tão bem com a Madame Fu, então não precisamos de tantas formalidades entre nossas famílias. Por que não deixamos que nossos filhos e filhas se tratem como irmãos e fortaleçam nossos laços familiares? Que tal?

Naturalmente, Chen Shi concordou e respondeu:

— O marquês é o mais velho entre os filhos e ocupa o segundo lugar na hierarquia familiar. Se a Madame do Marquês de Yongping não se incomodar, pode pedir às jovens que o chamem de Segundo Irmão.

Ao ouvir esse título, Fu Tingzhou franziu a testa imediatamente e respondeu com rigidez:

— Sou apenas uma pessoa humilde de pouca autoridade. Como ousaria receber tal honra? Senhoritas, por favor, apenas me chamem pelo nome.

Hong Wanqing sentiu uma leve decepção, mas de fato não poderiam chamá-lo diretamente pelo nome, então as jovens se adiantaram e ofereceram-lhe suas saudações:

— Esta jovem cumprimenta o Marquês de Zhenyuan.

Uma fileira de filhas da Mansão do Marquês fez suas reverências ao mesmo tempo, mas Hong Wanqing era a mais notável entre elas, tanto pelo vestuário quanto pelos modos. No entanto, Fu Tingzhou não lhe deu atenção — evitou olhá-las diretamente e apenas devolveu a saudação com indiferença, num gesto cortês, porém distante.

Ele sequer a encarou, e Hong Wanqing não pôde evitar sentir-se desapontada. No entanto, notou que ele também não olhou para suas outras irmãs, e isso a tranquilizou. Fu Tingzhou era respeitoso e nem sequer lançava olhares às jovens — claramente, não se interessava por rostos bonitos. Que tipo de genro ideal se poderia desejar mais do que esse?

Embora todas tenham se apresentado juntas, os olhares da multidão estavam voltados apenas para Fu Tingzhou e Hong Wanqing. Ela não conseguia esconder a timidez, enquanto ele mantinha-se ereto ao lado, com o rosto sempre calmo e inexpressivo. A Madame do Marquês de Yongping dissera que esposas antes do casamento sempre eram assim. A frieza de Fu Tingzhou demonstrava que ele não tinha interesse em outras mulheres. Assim, no futuro, sua filha não precisaria se preocupar com concubinas após o casamento. Isso era algo bom.

Com esses pensamentos, a Madame do Marquês de Yongping parecia vislumbrar o futuro. O sorriso em seu rosto se aprofundou, e ela convidou todos calorosamente para irem até a frente ver as lanternas.

Fu Tingzhou achava que poderia sair logo após lidar com a situação, mas não esperava que, assim que o grupo se dispersou, todos à sua volta o cercariam de modo a empurrá-lo junto a Hong Wanqing. Ele franziu o cenho em silêncio, mas aquilo ainda não era o fim. Hong Wanqing foi empurrada por alguém e caiu em sua direção. Fu Tingzhou não teve escolha a não ser se acalmar e segurá-la.

Ela ficou de pé, corada, e agradeceu em voz baixa:

— Obrigada, Marquês de Zhenyuan.

Fu Tingzhou era alto e sua estatura, mesmo em meio à multidão, não atrapalhava sua visão. Ele semicerrava os olhos, observando Chen Shi com visível irritação no coração. Mas, diante dos membros da Mansão do Marquês de Yongping, conteve-se e disse:

— Terceira Senhorita Hong, não precisa ser tão formal.

Finalmente conseguindo falar com ele, Hong Wanqing ficou ainda mais tímida. Com uma voz baixa como a de um mosquito, disse:

— E quanto àquela vez... agradeço ao Marquês de Zhenyuan por ter salvado minha vida.

Era melhor que ela não tivesse dito nada. Assim que mencionou “aquela vez”, o rosto de Fu Tingzhou esfriou completamente. Hong Wanqing estava bem, mas Qing Qing havia desaparecido. Fu Tingzhou preferia que Wang Yanqing não o tivesse afastado — ele teria tomado a flechada no lugar dela.

Ele respondeu com frieza:

— Foi por minha culpa que a Madame do Marquês de Yongping e a Terceira Senhorita passaram por um susto. Deveria ser eu quem lhes pedisse desculpas — não ouso receber agradecimentos.

— As palavras do Marquês de Zhenyuan são exageradas — disse Hong Wanqing, abaixando a cabeça. Por conta da diferença de altura, ela não conseguia ver a expressão no rosto dele. Ainda mergulhada em sua alegria secreta, sugeriu:

— Marquês de Zhenyuan, acho que aquelas lanternas adiante parecem boas... que tal darmos uma olhada?

Fu Tingzhou não queria ir. Pretendia aproveitar a chance para se retirar, mas ao olhar ao redor, viu que Chen Shi e a Madame do Marquês de Yongping já tinham se afastado. Ele não podia simplesmente deixar uma mulher sozinha no meio da multidão. Com isso, teve de se resignar e acompanhá-la até o outro lado para ver as lanternas.

Naquele momento, em outra rua, Wang Yanqing estava parada em frente a uma barraca de lanternas. Usava uma jaqueta branca justa com botões chineses, decorada com bordas douradas nos punhos e coberta por uma capa de pele de coelho, mais espessa do que uma armadura. A saia vermelha em formato de “rosto de cavalo” caía graciosamente até os pés, com pérolas de Zhijin finas e bordas douradas no barrado. As luzes ao redor iluminavam seu corpo em mil reflexos, ofuscante e deslumbrante.

Lu Heng estava um passo atrás, acompanhando-a para acender as lanternas. Ele parecia estar olhando para a barraca, mas quando alguém passou apertado ao lado, seus olhos se voltaram com precisão e fulminaram a pessoa. O sujeito se assustou com o olhar e saiu cambaleando, sem ousar se aproximar novamente.

Quase ao mesmo tempo, Wang Yanqing escolheu uma lanterna. Virou-se e mostrou-a a Lu Heng:

— Segundo Irmão, você acha que esta lanterna é bonita?

A lanterna de vidro era feita no formato octogonal de um palácio em miniatura. No interior, ela girava lentamente, e a luz atravessava os vidros coloridos como se estivesse debaixo d’água — límpida e nebulosa. Ela estava deslumbrante com aquela lanterna. Lu Heng assentiu com um sorriso, sem nenhum traço da ferocidade de antes:

— A luz com Qing Qing é sempre linda.

Wang Yanqing lançou-lhe um olhar zangado, mas seus lábios esboçavam um sorriso. Seus olhos brilharam enquanto dizia:

— Então vai ser esta.

Ling Xi aproximou-se para pagar e logo desapareceu novamente, sumindo como se fosse invisível. Lu Heng e Wang Yanqing continuaram a passear como se estivessem sozinhos. Ela olhou para a multidão à sua volta, mas não viu sinal de Ling Xi. Sentiu-se um pouco culpada e perguntou:

— Hoje é um feriado raro. Será que eles não estão ficando cansados de nos seguir assim?

— Não — Lu Heng segurou o pulso de Wang Yanqing e a puxou com naturalidade. — Para eles, isso não é nada.

Será mesmo? Wang Yanqing não teve tempo de perguntar, pois já estava sendo puxada por ele. As luzes naquela rua pareciam especialmente brilhantes e, sob seu brilho, Wang Yanqing — vestida com uma jaqueta de veludo branco — parecia uma fada. As pessoas que passavam não conseguiam evitar de olhá-la. Muitos pensaram em se aproximar, mas ao verem o homem ao lado dela, desistiam com sabedoria.

Lu Heng vestia roupas comuns naquele dia e, por estar de luto, usava tons muito sóbrios. Exceto por um pedaço de jade preso à cintura, não havia qualquer adorno. No entanto, por ter passado anos entre os Guardas Imperiais, mesmo sem o traje formal nem a espada bordada da primavera, sua aura de perigo invisível era o suficiente para afastar qualquer mal-intencionado.

Lu Heng era alto e de pele clara. Com suas vestes simples sob as luzes coloridas, parecia envolto no brilho dourado do pôr do sol ou na claridade da manhã sobre a neve. Mas sua beleza era intimidadora, como a de um leopardo das neves lendário, empoleirado com elegância, exibindo suas marcas — mas sem permitir que ninguém questionasse sua ferocidade.

Os dois caminharam lado a lado sob as lanternas esplêndidas. Não se sabia se as dez ruas iluminadas eram um quadro pintado... ou se eles próprios eram a pintura. Lu Heng então notou uma tenda de adivinhação do outro lado da rua, e achou que aquela era uma boa oportunidade para ganhar alguns pontos extras. Disse a Wang Yanqing:

— Qing Qing, você se lembra daquela tenda? No ano passado, você tirou um Qian aqui. Disseram que atrairia pessoas ruins e que não era o momento para falar de casamento. E veja só: você conheceu Fu Tingzhou. Não podemos levar isso na brincadeira este ano. Vou te levar para tirar outro Qian.

Na verdade, Wang Yanqing não se lembrava disso, mas o que Lu Heng dizia fazia sentido, tinha lógica e coerência, e aquilo despertava uma sensação vaga, como se fosse de fato uma lembrança real. Ela assentiu, e Lu Heng a levou até a barraca, pensando que, com sua habilidade de raciocínio rápido, conseguiria moldar o resultado que desejasse a partir do Qian.

O dono da tenda, ao ver clientes tão distintos, curvou-se repetidas vezes com reverência. Wang Yanqing o observou discretamente, tentando captar sua expressão. Parecia que ele não os reconhecia. Mas então pensou que já havia se passado um ano — era natural que o homem se esquecesse de clientes entre tantos. Não se aprofundou mais nisso e abaixou a cabeça, concentrando-se na escolha do Qian.

Com um estalo, um bastão de bambu caiu do recipiente. Lu Heng não demonstrou pressa; pegou-o com calma e perguntou com um sorriso:

— Qing Qing, o que você pediu? Ainda é sobre casamento?

— Como poderia ser! — Wang Yanqing lançou um olhar de reprovação a Lu Heng e respondeu: — Eu pedi pelo Segundo Irmão.

Enquanto pensava em que Qian pediria, Lu Heng só pensava nela. O laço fraternal entre os dois realmente carregava sentimentos profundos. Ele virou os bastões de bambu, ainda refletindo, até que viu as palavras escritas no verso:

“Jing Hua Shui Yue não tem substância. Não confie na pessoa à sua frente.”
(Jing hua shui yue é um provérbio chinês. Sua tradução literal é “espelho de flores e lua refletida na água”, significando a ilusão da beleza e uma visão irreal, excessivamente otimista da realidade.)

O sorriso nos lábios de Lu Heng congelou, e o brilho em seus olhos desapareceu por um instante. Ele levantou a cabeça e lançou um olhar gélido ao dono da barraca.

Será que esse homem me conhece? Isso foi preparado de propósito?
Mas ele e Wang Yanqing tinham vindo ali espontaneamente. Como poderiam saber que eu passaria por aqui?

Lu Heng, acostumado a tramas e conspirações, sempre via conspiração onde outros viam coincidência. O dono da barraca, que até então pensava ter concluído mais uma venda, levantou a cabeça e, ao encontrar os olhos de Lu Heng, empalideceu de susto, sem conseguir sequer abrir a boca.

Ao notar a expressão estranha de Lu Heng, Wang Yanqing perguntou apressadamente:

— Segundo Irmão, o que houve?

Num piscar de olhos, Lu Heng já havia examinado cuidadosamente os dedos, a pele, as roupas e as solas dos sapatos do homem. Diversos detalhes mostravam que ele não sabia lutar e não escondia armas sob a barraca. Pegou o recipiente dos Qian e verificou que era feito de madeira comum, sem mecanismos ocultos.

Foi só coincidência? Mas por que cairia um verso com esse conteúdo? Isso não é sobre mim?

Wang Yanqing viu que Lu Heng inicialmente suspeitou do dono da barraca, mas depois descartou a hipótese. Ainda assim, seu semblante não se aliviou — ao contrário, ficou ainda mais sério. O que será que aconteceu? Intrigada, ela estendeu a mão para pegar o bastão de bambu que ele segurava.

Lu Heng recuou levemente a mão, mas Wang Yanqing ergueu os olhos e o encarou. Para não levantar mais suspeitas, ele sorriu de forma tranquilizadora e disse:

— Esse Qian não é bom. Você não deve acreditar nele.

Wang Yanqing o encarou em silêncio:

— Mas você disse agora há pouco que no ano passado pedi um Qian aqui que foi muito preciso, e que eu não deveria levar isso na brincadeira este ano.

Lu Heng sabia como manipular situações, mas jamais esperava que essa se voltaria contra ele. O significado daquele sinal era direto demais — nem mesmo ele poderia moldá-lo a seu favor.

Restou-lhe apenas observar enquanto Wang Yanqing pegava o bastão de bambu, abaixava os olhos e lia cuidadosamente o que estava escrito. Lu Heng ficou atento aos movimentos dos cílios dela, observando enquanto terminava a leitura.

Seu coração apertou. Será que ela suspeitaria? Em teoria, havia muitas pessoas por perto; talvez ela nem pensasse nele de imediato.

Enquanto ele raciocinava rapidamente, Wang Yanqing já havia deixado o bastão de lado. Pensou consigo mesma que seu Segundo Irmão realmente estava há muito tempo nos Guardas Imperiais. Se não gostava do conteúdo do Qian, simplesmente o descartava, e se o que saía era algo que o favorecia, aquilo era exaltado. Ele ainda dizia que ela não conseguia separar os casos da vida... mas, do ponto de vista dela, era ele quem vivia a vida como se tudo fosse um caso de investigação.

Wang Yanqing estava pensando em como comentar isso com seu Segundo Irmão, quando ouviu uma voz suave ao longe chamando:

— Qing Qing...

Ela virou-se instintivamente.

Além das camadas de luzes, Fu Tingzhou havia acompanhado Hong Wanqing para ver as lanternas. Ela já levantara várias, mas como se entediara com a espera, ele passou a observar ao redor. Por acaso, seu olhar cruzou com uma silhueta suave e encantadora. O que ele viu era tão inexplicável quanto sobrenatural, e sem pensar, murmurou:

— Qing Qing?

Achou que tinha se confundido novamente. Mas, dessa vez, a mulher escutou e virou-se. No instante em que viu seu rosto, Fu Tingzhou foi atingido como por um raio.

Qing Qing!


Capítulo 37 – Alucinação

Na véspera do Ano Novo, Lu Heng perfurou a falsa realidade de Fu Tingzhou e lhe disse que Wang Yanqing talvez tivesse saído por conta própria. Fu Tingzhou não queria acreditar, tampouco estava disposto a aceitar, mas sabia que Lu Heng estava certo.

Ele não dormiu a noite inteira, permaneceu em pé no quarto onde ele e Qing Qing cresceram juntos, pensando entorpecido que ela o havia deixado. Ela abriu mão de uma amizade de dez anos e partiu sem nem se despedir, apenas porque ele teve a ideia de se casar com outra mulher. Ela sequer discutiu — apenas virou-se e foi embora.

Tão cruel. Tão decidida.

Ele sofreu a noite toda, mas assim que amanheceu, no dia seguinte, enviou alguém para fora de Pequim para procurar Wang Yanqing.

Talvez ela tivesse ido para alguma cidadezinha com montanhas e rios belos, para viver em reclusão, ou talvez tivesse voltado à sua cidade natal, Datong. Fu Tingzhou concentrou as buscas em Datong. Ela foi tão implacável a ponto de abandonar uma relação de dez anos, mas Fu Tingzhou se recusava a aceitar. No início, foi ela quem tomou a iniciativa de se aproximar dele. Esse havia sido o presente mais valioso que Fu Tingzhou recebera em seus vinte anos de vida. Por que ela simplesmente foi embora?

Não era fácil encontrar alguém nas fronteiras. Os enviados a Datong ainda não haviam retornado, mas Fu Tingzhou teve sorte e a viu antes — uma Qing Qing tranquila e sorridente na capital.

Fu Tingzhou ficou paralisado. Todo o mundo ao redor pareceu desaparecer, restando apenas a mulher do outro lado da rua. Ela vestia um traje branco e vermelho, segurava uma lanterna de vidro e estava parada sob as luzes, como uma deusa. Estava um pouco mais magra do que antes, mas sorria mais. Seus olhos eram gentis e brilhantes, e ela parecia leve, muito mais à vontade do que quando vivia na Mansão do Marquês de Zhenyuan.

Depois que saiu da família Fu, ela está mesmo mais feliz? Isso doeu profundamente em Fu Tingzhou. Ele não deveria ter fechado os olhos para o tom e as palavras daquela casa. Não deveria ter evitado os problemas e ignorado as excentricidades de Chen Shi. Deveria, sim, ter valorizado a paciência e a tolerância de Qing Qing. Se ela lhe desse mais uma chance, ele consertaria a mansão inteira e a trataria duas vezes melhor.

Fu Tingzhou queria se aproximar para se explicar a Wang Yanqing, mas, naquele instante, um grupo de dançarinos do dragão surgiu na rua. Jovens com fitas vermelhas dançavam dois dragões longos, saltando e ondulando como rios e mares, acompanhados por sons ensurdecedores de tambores e gongos que abafaram todos os outros ruídos. Fu Tingzhou foi interrompido pela dança do dragão. Tentou contornar o grupo, mas os espectadores se reuniram em volta, aplaudindo, e bloquearam a rua por completo.

Hong Wanqing forçou passagem entre a multidão, agarrou a manga de Fu Tingzhou sem se importar com as formalidades e disse:

— Marquês de Zhenyuan, por que apareceu tanta gente de repente? Estou assustada.

Afinal, ela era uma jovem dama da Mansão do Marquês de Yongping. Fu Tingzhou não podia deixá-la sozinha, então recuou com ela até um canto tranquilo. Quando o grupo do dragão se afastou, Fu Tingzhou correu para o outro lado da rua. No entanto, o local estava vazio — não havia mais nada ali.

Não muito longe, os tambores e gongos da dança se intensificavam. A rua de dez quarteirões, repleta de lanternas, estava lotada de gente. Fu Tingzhou ficou parado no meio da multidão, atordoado por um momento. Será que foi real? Ou foi alucinação?

Hong Wanqing estava um pouco apreensiva. Olhou para a multidão e disse:

— Marquês de Zhenyuan, tem gente demais aqui, não quero ficar. Vamos voltar.

Fu Tingzhou apontou para o chão sob seus pés e perguntou:

— Agora há pouco, você viu alguém aqui?

Hong Wanqing mordeu o lábio inferior, então exibiu um olhar vago e confuso, e perguntou:

— Que pessoa? Não era só a dança do dragão?

As sobrancelhas de Fu Tingzhou se franziram ainda mais. Será que foi mesmo uma alucinação?

Hong Wanqing o observou discretamente e baixou os olhos em silêncio. Ela, de fato, a tinha visto. A impressão deixada pela visita ao Templo Dajue era profunda demais — Hong Wanqing reconheceu de imediato que era a irmã adotiva de Fu Tingzhou, Wang Yanqing, a mesma que todos diziam estar desaparecida.

A primeira reação de Hong Wanqing foi decepção. Ela caiu de um penhasco tão alto e não morreu. A segunda reação foi nervosismo.

Fu Tingzhou estivera distraído a noite toda. Quando viu Wang Yanqing, seu rosto mudou completamente, seu espírito se elevou, e a luz que brotou de seus olhos poderia queimar. Hong Wanqing já sabia que Wang Yanqing era sua rival, mas agora percebia que o lugar que ela ocupava no coração de Fu Tingzhou talvez fosse muito maior do que imaginava.

No entanto, Wang Yanqing estava com outro homem. Então por que ela voltou? Naquele momento, Fu Tingzhou a olhava intensamente e não prestava atenção ao entorno, mas Hong Wanqing viu o homem ao lado dela. Pensou, ressentida, que Wang Yanqing tinha um rosto frio e belo, mas um corpo esguio e encantador — tudo o que mexia com o desejo dos homens. Não importa onde estivesse, sempre teria alguém atrás dela. Por que precisava disputar comigo?

Por que simplesmente não desaparece de uma vez por todas? É pedir demais?

Por isso, Hong Wanqing mentiu. Vendo a hesitação de Fu Tingzhou, apressou-se a dizer:

— Marquês de Zhenyuan, tem muita gente hoje. Será que o senhor não confundiu? Já fomos tão longe... Minha mãe e a velha madame devem estar preocupadas. Vamos voltar logo.

Ela queria ir embora dali o mais rápido possível, com medo de que Wang Yanqing retornasse. Mas Fu Tingzhou permaneceu parado por um instante e, de repente, disse com firmeza:

— Não. Nunca vi aquele vestido antes — como poderia ser alucinação? Era ela, sim. Então ela está na capital.

Fu Tingzhou teve uma súbita revelação. Estava preso a um pensamento pré-concebido e julgara de forma rasa. Pensara que Wang Yanqing sairia da capital e iria o mais longe possível. Mas ela não tinha mais família em lugar nenhum — pra que voltaria para Datong? Ela viveu mais tempo em Pequim do que em sua cidade natal. Fazia todo o sentido que permanecesse na capital.

Ou talvez... ela tivesse saído da Mansão do Marquês de propósito, mas não deixado a cidade — só para provocá-lo. Ela não queria se afastar de verdade. Hoje, apareceu vestida e arrumada perto dele — ela estava o lembrando de algo.

Ao pensar nisso, Fu Tingzhou ficou ainda mais ansioso, sem conseguir esperar mais nenhum instante. Qing Qing devia estar por perto — ele precisava encontrá-la logo e convencê-la a voltar. Hoje era o passeio da Mansão do Marquês de Yongping com Chen Shi — ele não podia se ausentar. Mas se Qing Qing o visse andando com Hong Wanqing, será que não entenderia tudo errado?

Fu Tingzhou estava prestes a sair em sua busca imediatamente. Vendo seu comportamento, Hong Wanqing bufou por dentro. Ignorando a modéstia, agarrou a manga dele e quase chorou:

— Marquês de Zhenyuan, o que está dizendo? Este lugar está cheio de plebeus, nunca estive num lugar assim, vamos embora.

Os olhos de Fu Tingzhou varreram rapidamente a multidão:

— Senhorita Hong, minha irmã adotiva deve estar por perto. Preciso encontrá-la logo. Espere um pouco, enviarei alguém para levá-la de volta.

— Não. — Hong Wanqing recusou prontamente e, ao perceber que fora precipitada, colocou uma expressão assustada e disse: — E se houver assassinos entre essas pessoas? Marquês de Zhenyuan, estou com medo.

Ela segurava firme a manga dele, e Fu Tingzhou não conseguia se desvencilhar, por mais que tentasse. Olhou ao redor mais uma vez, mas não viu aquele rosto familiar. Sabia que perder mais tempo ali seria inútil, então engoliu sua pressa e disse:

— Tudo bem. Eu a levo de volta primeiro.

·

Wang Yanqing ouviu vagamente alguém chamá-la e, ao virar-se, viu Fu Tingzhou.

Ele a encarava como se ela fosse um tesouro perdido. A surpresa inesperada e a felicidade em seu rosto eram genuínas, não fingidas.

O coração de Wang Yanqing acelerou repentinamente, e seu corpo parecia responder por instinto, como se algo dentro dela chamasse. Por que ele a olhava com tanta surpresa e tristeza? Entre eles, só existia uma perseguição unilateral — ela o detestava a ponto de chamá-lo de ladrão. Seria possível que houvesse sentimentos tão profundos assim entre os dois?

Um grupo de dançarinos do dragão passou entre eles, bloqueando sua visão. Logo, ela já não via mais o outro lado. Os pensamentos de Wang Yanqing estavam em desordem, e a parte de trás de sua cabeça latejava. Num piscar de olhos, Lu Heng a segurou pelos ombros. Ele a virou com firmeza e gentileza, olhou em seus olhos e perguntou:

— Qing Qing, o que houve?

Wang Yanqing franziu a testa e esfregou a testa com dor:

— Estou com dor de cabeça... Sinto que esqueci algo importante.

Ela cobriu os olhos, sem ver o brilho sombrio que passou pelos olhos de Lu Heng por um instante. Logo, ele voltou a sorrir, envolveu-a com os braços e a conduziu adiante:

— Talvez seja o barulho. Foi negligência do Segundo Irmão... Eu me esqueci de que você ainda está se recuperando. Vamos para um lugar mais tranquilo.

Lu Heng pôs a mão no ombro dela, meio abraçando, meio conduzindo. Wang Yanqing ainda dava leves toques na cabeça com o dorso da mão, e um brilho escuro passou pelos olhos de Lu Heng. Ele segurou a mão dela com um sorriso e disse:

— Pronto, Qing Qing, não pense mais nisso se não consegue lembrar. Se esqueceu, é porque não era importante. Se acabar se machucando por causa disso, o Segundo Irmão vai ficar bravo.

A mão de Wang Yanqing estava presa pela de Lu Heng, e ela não conseguia se soltar, mesmo que quisesse. Suspirou em silêncio e desistiu de pensar. Encostou-se no braço de Lu Heng sem prestar atenção, sendo levada para um lugar que não reconhecia.

Lu Heng achou que realmente não tinha sorte naquele dia. Raramente conseguia criar uma lembrança verdadeira, e, como resultado, tirou um Qian desfavorável da barraca, depois ainda encontrou Fu Tingzhou. Agora, Wang Yanqing ainda dava sinais de recuperar a memória. Lu Heng cerrou os dentes em silêncio. Se soubesse que seria assim, nem teria saído hoje.

Mas os infortúnios não vieram sem vantagens. Lu Heng pensou por um momento e percebeu que Fu Tingzhou era simplesmente um bode expiatório que havia se entregado de bandeja. Observando a expressão dele, Lu Heng entendeu que era apenas uma questão de tempo até Wang Yanqing estar ao seu lado. Ele poderia aproveitar esse momento para semear a hostilidade de Wang Yanqing em relação a Fu Tingzhou. O Qian era uma excelente porta de entrada.

Lu Heng ponderou por um instante e falou, sem pressa:

— Qing Qing, o que achou do Qian de hoje?

Wang Yanqing não deu muita importância e respondeu:

— Foi só por diversão. O Qian é vago e indefinido. Se a pessoa que o tira estiver com algo no coração, vai interpretar o Qian de forma metafórica. A interpretação depende totalmente do que está na mente de quem o lê.

Ela era tão clara e despreocupada, sem os apegos típicos de mulheres da família que rezavam a deuses e veneravam Buda — o que tornava as coisas mais difíceis para Lu Heng. Ele fez uma pausa e então disse, lentamente:

— Talvez. Ou... talvez você devesse acreditar nele.

Wang Yanqing virou-se para ele, surpresa:

— Segundo Irmão?

Lu Heng era o tipo de pessoa que acreditava em fantasmas e espíritos? Obviamente, não.

Seu rosto continuava impassível, sem nem corar ou demonstrar ansiedade. Ele afirmou com seriedade:

— Melhor acreditar do que duvidar. Ser mais cuidadoso nunca é algo ruim.

Os olhos de Wang Yanqing ficaram cada vez mais estranhos:

— Mas... você acabou de dizer que esse Qian não era permitido.

Lu Heng pensou que, naquele momento, ele ainda não havia reencontrado Fu Tingzhou. Sentira-se culpado e, ao ver as palavras “não confie na pessoa à sua frente”, automaticamente se projetou no aviso.

Agora, porém, ele tinha um bode expiatório perfeito. Depois de ter carregado tantos pecados por Fu Tingzhou, deixá-lo carregar um por mim — seria demais? Com isso em mente, jurou:

— Quando vi o Qian, senti que ele tinha um certo tom profético, e achei bem sombrio. Tive receio de que isso afetasse seu humor, então não disse nada com certeza. Quem diria que, num piscar de olhos, encontraríamos Fu Tingzhou. Isso me faz pensar que talvez exista mesmo algo de verdadeiro no sobrenatural.

Wang Yanqing o encarou em silêncio, e Lu Heng sustentou seu olhar com calma, os olhos límpidos e serenos. O Segundo Irmão ajusta o sentido do Qian conforme a necessidade — nem o próprio Buda conseguiria prever o que se passa na mente dele, pensou ela.

Ela recuou um passo e aceitou obedientemente a nova explicação de Lu Heng. Escolhendo bem as palavras, disse em tom cauteloso:

— Segundo Irmão, pensar bem e planejar é uma coisa boa, mas... acho que, às vezes, você é paranoico demais.

Os cantos dos lábios de Lu Heng se contraíram, como se ele não tivesse ouvido direito:

— Hã?

Wang Yanqing levantou o olhar e o fitou com rapidez. Ele ainda sorria, os olhos úmidos e brilhantes, mas retos, sem curvas ou marcas — claramente, não era um sorriso verdadeiro.

Wang Yanqing ficou um pouco apreensiva:

— Segundo Irmão, você... não está bravo?

— Não. — Lu Heng realmente não estava feliz — nenhum homem sorriria genuinamente depois de ouvir aquilo —, mas também não chegava a estar bravo.

Ele sabia que era paranoico, a ponto de se torturar. Mas não tinha escolha — se não pensasse em tudo, poderia ser a cabeça dele rolando amanhã.

Todos na família Lu sabiam que ele era profundo e desconfiado, mas ninguém ousava lhe dizer isso — nem mesmo Lu Song e Fan tocavam no assunto. Lu Heng parecia estar no auge, capaz de qualquer coisa, até mesmo de chamar o imperador de irmão. Mas, na realidade, assim como o imperador, ele não tinha amigos.

O imperador, ao menos, ainda tinha a Imperatriz Viúva Jiang ao seu lado. Já Lu Heng tinha uma relação apenas mediana com sua família. A posição da família Lu pulou o filho mais velho e caiu sobre ele — não havia como ele se dar bem com o irmão mais velho. Embora sua mãe, Fan, dependesse dele, também tinha medo.

Se os próprios parentes eram assim, os criados, servos e subordinados só sabiam se calar ao vê-lo. Quem teria coragem de lhe dizer algo assim? Aquela foi a primeira vez que Lu Heng ouviu um “você é paranoico demais” da boca de outra pessoa.

E não foi em tom de zombaria ou escárnio — foi dito com verdadeira preocupação. Só por isso, já era impossível para Lu Heng ficar bravo com Wang Yanqing.

Lu Heng negou rapidamente e Wang Yanqing observou com atenção a expressão em seu rosto, julgando que ele realmente não estava irritado. Respirou aliviada e disse:

— Segundo Irmão, não estou te criticando. Só acho que viver assim deve ser muito cansativo.

— Eu sei. — Foi raro ver Lu Heng sendo tão honesto. Baixou os olhos, lançou um olhar leve para Wang Yanqing e respondeu: — Quando você conseguir abandonar o hábito de analisar as expressões das pessoas ao seu redor, eu deixo de ser paranoico.

Essas palavras deixaram Wang Yanqing sem resposta. Interpretar o que o outro sente apenas observando a expressão parece algo poderoso ao lidar com casos... mas na vida, não é nada agradável.

Quem gosta de ser espionado? Embora Ling Xi e Ling Luan fossem criadas pessoais de Wang Yanqing, nem elas falavam muito ao seu lado. O resto da família Lu também não. Quando viam Wang Yanqing, todos baixavam a cabeça e se calavam. Às vezes, todos estavam conversando animadamente, mas bastava ela passar por perto, e o silêncio se instalava.

Apenas alguém como Lu Heng — com força mental e sem medo de ser julgado — conseguia conversar e rir com ela naturalmente. Wang Yanqing também se sentia impotente, mas não conseguia abandonar seu instinto de analisar expressões, e as mulheres comuns evitavam se aproximar de alguém que podia enxergar seus pensamentos. Isso acabou se tornando um dilema sem solução.

Os dois se acalmaram. Lu Heng sentiu que o clima festivo havia se dissipado, e que não havia mais motivo para continuar passeando. Estava prestes a dizer que era hora de voltar para casa, mas não esperava que, naquele momento, um grupo de pessoas saísse do restaurante ao lado, encontrando-se com Lu Heng e Wang Yanqing cara a cara.

À frente do grupo vinha um homem de mais de cinquenta anos, barrigudo, com expressão mal-humorada, que precisava de ajuda para andar. Ao ver Lu Heng, arregalou os olhos, e emoções como surpresa, inveja, medo e desgosto atravessaram seu rosto, até que ele finalmente assumiu um sorriso genérico. Unindo as mãos em saudação, disse:

— Mestre Lu, não esperava encontrá-lo aqui. Mestre Lu tem conquistado feitos extraordinários. Assim que retornar à corte, será promovido oficialmente a comandante de terceiro escalão, não é?

Enquanto dizia palavras lisonjeiras, seus olhos vagavam até Wang Yanqing, examinando-a de cima a baixo com um olhar que a deixou profundamente desconfortável. Lu Heng sorriu levemente, mas estendeu o outro braço, protegendo Wang Yanqing claramente atrás de si:

— Duque de Chang Guo, quanto tempo.

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Nota da Autora:
Qian com Lu Heng é assim: quando há um Qian na caixa, ele pode ou não estar correto. A veracidade depende do momento em que ele o lê. E, com o passar do tempo, tanto a precisão quanto a validade podem mudar. Todos os princípios de conversão e direitos de interpretação pertencem a Lu Heng.

Capítulo 38 — Uma Oportunidade Perdida

Lu Heng protegeu Wang Yanqing atrás de si. Embora o movimento não fosse brusco, foi firme e incisivo. Ao ver o gesto de Lu Heng, o homem não ousou mais encarar Wang Yanqing diretamente, mas não se conformou e disse com um sorriso torto nos lábios:

— Sempre ouvi dizer que o Mestre Lu não se aproxima de mulheres, mas não esperava que esses rumores fossem tão pouco confiáveis. Está claro que o Mestre Lu saiu para passear com uma beldade e está bem satisfeito. Onde foi que o Mestre Lu encontrou uma moça tão linda? O senhor tem bons olhos... por que não me apresenta?

O tom do homem era vulgar e obsceno, e Wang Yanqing franziu o cenho continuamente ao escutar aquilo. Lembrou-se do nome que Lu Heng havia usado para se referir a ele e conteve sua repulsa. Escondeu o corpo atrás de Lu Heng e virou o rosto, sem querer olhar nem por um instante para aquele sujeito.

O rosto de Lu Heng ainda sorria com calma, mas aquele sorriso não alcançava os olhos. Ele compreendeu perfeitamente a intenção velada de Zhang Heling, e seus olhos se estreitaram perigosamente.

Zhang Heling havia pedido uma apresentação — quem ele pensava que Wang Yanqing era? Os olhos de Lu Heng brilharam com frieza enquanto ele dizia, devagar:

— Duque de Chang Guo, esta é alguém da família. Ela é a única filha do clã, sem irmãs. Receio não ter como agir como intermediário para o senhor.

Ao ouvir as palavras de Lu Heng, Wang Yanqing ficou ligeiramente surpresa. Por que o Segundo Irmão não disse que ela era filha adotiva da família Lu, e sim usou essa descrição vaga de “alguém da família”?

Assim que Zhang Heling ouviu o tom de Lu Heng, percebeu que havia passado dos limites. Ao ver que Wang Yanqing era jovem e bela, e por nunca tê-la visto na capital, achou que fosse apenas alguma beleza magra e charmosa que Lu Heng tivesse achado por aí, e então fez piadas de mau gosto, de forma presunçosa. Não esperava que ela fosse, na verdade, uma mulher honrada ligada a Lu Heng.

Agora que ela já havia cruzado as portas da família Lu, não era mais da conta dele. Zhang Heling ficou sem graça, forçando um sorriso:

— Então é alguém da família do Mestre Lu. Quando foi que o senhor se casou? Como é que não soubemos?

— Não desejo incomodar o Duque de Chang Guo com assuntos da minha família. — Lu Heng lançou a Zhang Heling um olhar indiferente e disse: — Há assuntos urgentes em casa, então não vou atrapalhar o momento do duque. Por favor, continue. Vou me retirar.

Assim que terminou de falar, Lu Heng nem esperou Zhang Heling responder e partiu, protegendo Wang Yanqing ao lado. As duas figuras se cruzaram: Lu Heng, alto e esguio, seguia solitário; enquanto Zhang Heling, barrigudo, era rodeado por bajuladores. O contraste era gritante. Embora Lu Heng estivesse sozinho, sua presença era muito mais imponente do que a de Zhang Heling, que gritava entre os seus.

Zhang Heling esticou o pescoço instintivamente para olhar, mas Lu Heng mantinha-se firme ao lado de Wang Yanqing, com as mangas bloqueando sua visão. Zhang Heling viu apenas o balançar de um vestido vermelho, sem conseguir vislumbrar o rosto da beleza. Sentiu um calafrio — era como se Lu Heng tivesse deliberadamente o marcado como alvo. Mesmo enfurecido, não teve coragem de ir atrás dele para brigar.

Desde a morte precoce do Imperador Zhengde e a ascensão do Imperador Jiajing, a família Zhang tornou-se um castelo de cartas. Embora a Imperatriz Zhang ainda mantivesse prestígio como Imperatriz Viúva no palácio, sua influência não se comparava em nada aos tempos dos imperadores Hongzhi e Zhengde.

Zhang Heling era irmão da Imperatriz Zhang. Apesar do título de duque, diferia dos marqueses de Wuding e Zhenyuan, cujos títulos vieram por mérito militar. A origem da família Zhang era completamente civil. O pai, Zhang Luan, foi aprovado nos exames imperiais, mas fracassou diversas vezes depois disso. Sem fama, não teve conquistas na carreira. A família Zhang só prosperou graças às mulheres.

Zhang Luan era medíocre em inteligência, mas teve a sorte de ter uma boa filha. A família deu sorte e ela foi escolhida como princesa consorte do príncipe herdeiro. No mesmo ano, o imperador Chenghua faleceu de doença, e Madame Zhang, sem passar por lutas internas, tornou-se rainha com tranquilidade. O Imperador Hongzhi amava profundamente a esposa, a Imperatriz Zhang. Mesmo sendo imperador, era monogâmico como um homem comum, e não tinha concubinas no harém.

A Imperatriz Zhang deu à luz dois filhos e uma filha, mas, infelizmente, os dois últimos não sobreviveram. Apenas o primogênito cresceu com saúde, foi nomeado príncipe muito cedo e mais tarde tornou-se o Imperador Zhengde.

A vida da Imperatriz Zhang no palácio foi confortável, e sua família ascendeu junto com ela. Durante o reinado de Hongzhi, Zhang Luan foi nomeado Marquês de Shouning. Após sua morte, Zhang Heling herdou o título. Seu irmão mais novo, Zhang Yanling, foi nomeado inicialmente Conde de Jianchang e depois Marquês de Jianchang.

Com a morte do Imperador Hongzhi, seu filho subiu ao trono como Imperador Zhengde. Embora este não tenha beneficiado a família Zhang tanto quanto o pai, ainda os tratava com gentileza. Infelizmente, devido a circunstâncias inesperadas, o Imperador Zhengde faleceu cedo e não deixou herdeiros, então foi preciso escolher outro membro da família imperial para dar continuidade à linhagem. O escolhido foi o atual Imperador Jiajing. Para demonstrar respeito à Imperatriz Zhang, ele nomeou Zhang Heling como Duque de Chang Guo.

Na aparência, havia dois altos oficiais na família Zhang, o que parecia prestígio. Mas, à exceção da Imperatriz Zhang, a família não tinha qualquer influência política real — a ponto de ser inferior à família Lu, que sequer tinha títulos nobres. Em termos práticos, a família Lu e os marqueses de Wuding e Zhenyuan pertenciam ao mesmo círculo. Os homens da família serviam o exército há gerações, e as mulheres mantinham alianças por meio de casamentos. Companheiros de batalha e parentes estavam entrelaçados. Essa era a verdadeira nobreza de origem militar.

Lu Heng era um pouco diferente desses. A família vinha de gerações de guardas imperiais. Não tinham tantos parentes quanto os marqueses, mas sua força letal era consideravelmente maior.

Zhang Heling, um duque apenas no nome, era na verdade só mais um nobre ocioso e rico da capital. Como poderia competir com altos funcionários do governo com poder de verdade? Muitas famílias da capital já haviam sido destruídas pelas mãos de Lu Heng. A família Zhang não era mais a mesma, e seria melhor esquecer esse tipo de confronto.

Ainda assim, Zhang Heling se sentiu humilhado diante de todos. Depois que Lu Heng foi embora, cuspiu no chão com raiva e praguejou algumas vezes. Só quando sentiu que havia recuperado o prestígio, saiu em outra direção.

No Festival das Lanternas, como poderia Zhang Heling faltar a um evento tão animado? Ele deu um grande banquete, com apresentações uma após a outra. Depois de comer no restaurante, ainda foi a outro lugar para continuar a celebração.

Fu Tingzhou, por sua vez, só pensava em Wang Yanqing. Estava tão aflito que não conseguia prestar atenção em mais nada. Queria apenas se livrar de Hong Wanqing o quanto antes e ir atrás de Wang Yanqing. No caminho, Hong Wanqing tentou várias vezes chamar sua atenção para os espetáculos ao redor, mas ele a ignorou completamente. Após algumas tentativas fracassadas, ela ficou ressentida e parou de insistir.

Fu Tingzhou levou Hong Wanqing de volta ao grupo da Mansão do Marquês de Yongping com a velocidade de uma marcha militar. Hong Wanqing dissera que estava com medo e pediu para que ele a escoltasse — então ele fez exatamente isso, como um guarda.

Chen Shi e a Madame da Mansão do Marquês de Yongping, querendo dar privacidade ao jovem casal, haviam se afastado de propósito com o resto do grupo. Quando viram Fu Tingzhou e Hong Wanqing voltando, os criados da mansão acharam que haviam retornado cedo demais, mas mesmo assim sorriram calorosamente:

— Marquês de Zhenyuan, terceira senhorita, estão de volta. Fomos descuidados agora há pouco e acabamos nos desencontrando. A Madame também ficou preocupada, temendo que a senhorita fosse raptada por ladrões. Felizmente, o Marquês estava por perto.

Ao ouvirem a movimentação, a Madame do Marquês de Yongping e Chen Shi também olharam na direção deles. Todos traziam sorrisos ambíguos e especulativos no rosto, e uma criada próxima chegou a perguntar de propósito se os lanternas da outra rua estavam bonitos. Hong Wanqing curvou os lábios, mas seu sorriso foi forçado e rígido.

A pessoa ao seu lado estava ausente quando saiu e, ao retornar, só queria ir embora. Como ela teria tido tempo de olhar para lanternas? Ainda mais depois do que acontecera...

A Madame da Mansão do Marquês de Yongping não fazia ideia do que se passava na mente da filha. Ao notar o clima constrangedor entre Fu Tingzhou e Hong Wanqing, pensou apenas que os jovens estavam envergonhados e nervosos. Ignorando as insinuações sutis de Fu Tingzhou de que queria ir embora, segurou-o e disse:

— Graças ao Marquês de Zhenyuan hoje, senão nem saberíamos onde encontrar nossa filha. Marquês, vocês passaram por algum contratempo no caminho?

Fu Tingzhou já queria ir embora assim que entregou Hong Wanqing, mas como a Madame não permitiu, teve que responder com paciência:

— Não.

— Estava tão cheio por lá que até conseguimos ouvir os sons aqui da nossa rua. O que estava acontecendo?

Fu Tingzhou não havia prestado atenção a nada e respondeu distraidamente:

— Nada demais, só uma dança do dragão.

— Uma dança do dragão? — A Madame exclamou, surpresa, e perguntou com pressa: — Nossa terceira senhorita é tão desajeitada... ela não deu trabalho ao Marquês de Zhenyuan, deu?

— Não.

A resposta de Fu Tingzhou foi, como sempre, concisa e direta, a ponto de a Madame da Mansão do Marquês de Yongping não ter como insistir se não houvesse mais nada a dizer. Ela cobriu os lábios com a mão e sorriu, então virou-se para Chen Shi e comentou:

— A terceira senhorita sempre foi delicada desde pequena. As irmãs da casa não aguentam passar por dificuldades, ficam cansadas só de andar dois passos. Agora vejo que ela acompanhou o Marquês de Zhenyuan até lá longe e ainda assistiu à dança do dragão... nem mesmo eu, como mãe, consigo acreditar nisso.

Chen Shi sorriu e disse:

— A moça cresceu, é claro que seria diferente. Já está na hora de nós, mães, deixarmos elas irem.

A Madame da Mansão do Marquês de Yongping sorriu, mas não retrucou. Nesse momento, pessoas começaram a se aglomerar ao redor dela para conversar, e Fu Tingzhou não conseguia mais esperar. Foi diretamente até Chen Shi e disse:

— Mãe, tenho outros assuntos a resolver. Preciso ir agora. Vou deixar Xing Yan para trás. Esperem um pouco e deixem que Xing Yan as escolte de volta para casa.

Xing Yan era o guarda-costas mais competente de Fu Tingzhou e quase nunca se separava dele. Ao ouvir aquilo, Chen Shi ficou aflita e perguntou rapidamente:

— Hoje é o primeiro dia do ano novo, está tudo muito animado... onde você vai?

Fu Tingzhou sabia que sua mãe não gostava de Qing Qing, então, é claro, não podia dizer que ela talvez estivesse na capital. Limitou-se a responder:

— Assuntos particulares.

Fu Tingzhou se recusou a dar explicações, mas ao ver sua expressão, Chen Shi adivinhou imediatamente que era por causa de Wang Yanqing. Ela ficou furiosa por dentro. Hoje a família Hong está aqui, e mesmo assim Fu Tingzhou deixa todos de lado para procurar por Wang Yanqing, essa incômoda? Chen Shi tentou detê-lo de propósito e disse:

— A Madame Hong acabou de me dizer que o Duque de Chang Guo está oferecendo um banquete logo adiante, ele reservou um restaurante inteiro. A Madame Hong achou falta de educação não cumprimentá-lo e pretendia enviar os jovens da família para dizer um alô. Por que você não vai conosco?

— O Duque de Chang Guo? — Quando Fu Tingzhou ouviu o nome, franziu a testa e respondeu: — Não é alguém com quem valha a pena fazer amizade. Não se aproximem demais da família Zhang. Já está ficando tarde. Mãe, irmã, terminem a diversão e voltem logo para casa. Eu vou indo.

Chen Shi arregalou os olhos, mas antes que pudesse dizer algo, Fu Tingzhou já se aproximava da Madame da Mansão do Marquês de Yongping e curvou-se:

— Tenho outros assuntos a tratar, então me retiro.

E sem esperar qualquer resposta, virou-se e foi embora.

A Madame da Mansão do Marquês de Yongping ficou atônita, assim como as criadas ao seu redor. Depois de um instante, ela sorriu e disse a Chen Shi:

— O Marquês de Zhenyuan saiu às pressas, será que aconteceu algo na mansão? Se vocês tiverem alguma urgência, tanto a senhora quanto a Velha Madame, por favor, não deixem que a nossa presença atrapalhe.

Chen Shi ficou sem graça, sem como explicar, e aproveitou a desculpa para sair.

Enquanto a Madame da Mansão do Marquês de Yongping e Fu Tingzhou conversavam à frente, as jovens senhoritas seguiam atrás, junto à matriarca. Com vergonha de se aproximarem demais do homem estranho, puxaram Hong Wanqing para provocá-la. As palavras das irmãs filhas de concubinas soavam elogiosas, mas escondiam intenções maliciosas. Normalmente, Hong Wanqing revidava esse tipo de comentário, mas naquele dia, inexplicavelmente cansada, não encontrou forças para rebater.

As moças e criadas conversavam animadamente, até que viram Fu Tingzhou se afastar. Depois, os membros da Mansão do Marquês de Zhenyuan também se retiraram. As damas da Mansão de Yongping ficaram confusas e perguntaram, apressadas:

— O que aconteceu?

A Madame da Mansão mandou reunir as jovens para que não se perdessem na multidão. Ao ouvir a pergunta das moças, respondeu com indiferença:

— Aconteceu algo na Mansão do Marquês de Zhenyuan, então eles precisaram ir embora antes.

As jovens senhoritas não conseguiram esconder o desapontamento. Haviam passado muito tempo dentro de casa e raramente viam homens de fora — ainda mais um tão jovem, promissor e solteiro quanto Fu Tingzhou, um excelente partido aos olhos de qualquer um. Com sua partida, a diversão daquele passeio pareceu perder metade da graça. A Madame da Mansão fingiu não notar os pensamentos das jovens e puxou Hong Wanqing para perto, perguntando baixinho:

— E então, como foi entre você e o Marquês de Zhenyuan?

Ao ouvir a pergunta da mãe, os olhos de Hong Wanqing se encheram de lágrimas, e ela quase chorou. Levantou a cabeça para responder, mas então seus olhos captaram duas figuras familiares não muito longe dali.

Hong Wanqing ficou paralisada, e a Madame da Mansão se virou para olhar, vendo apenas a multidão em movimento, luzes fortes e sombras dançantes. Virou o rosto de volta e perguntou, curiosa:

— O que você está olhando?

Hong Wanqing voltou a si e rapidamente balançou a cabeça, dizendo que não era nada. Como a Madame não conseguiu obter mais informações, acabou esquecendo o assunto anterior.

Depois que sua mãe se afastou, Hong Wanqing ficou meio passo atrás e não conseguiu evitar de olhar na direção por onde Fu Tingzhou tinha partido. Não sabia se isso era sorte ou azar, mas Fu Tingzhou estava tão apressado para encontrar alguém que nem teve paciência para ouvir ninguém e voltou pelo mesmo caminho de antes. Se tivesse ficado só mais um pouco, ou escolhido outra direção, talvez tivesse encontrado a irmã adotiva que tanto procurava.

·
Lu Heng também não conseguia acreditar. Naquela noite, parecia ter um destino inevitável com Fu Tingzhou. Primeiro, cruzaram por acaso quando ele andava sem rumo. Depois, quando mudou de direção de última hora, quase se esbarraram de novo. Por sorte, Fu Tingzhou passou um instante antes e os dois se desencontraram por pouco.

Lu Heng parecia estar sozinho, mas na verdade, sempre era acompanhado por seus subordinados. Os espiões à sua volta relatavam constantemente a situação ao redor. Lu Heng planejou cuidadosamente a rota, garantindo que Wang Yanqing e Fu Tingzhou não se cruzassem, e retornou para casa sem incidentes.

Após andar pela cidade até quase meia-noite, Wang Yanqing também estava exausta. Ao chegar na mansão, soltou um suspiro de alívio e, com a ajuda das criadas, tirou o aquecedor de mão, a capa e outros acessórios, revelando as roupas leves por baixo. Lavou as mãos, caminhou até Lu Heng — que também já havia trocado para roupas de uso interno — e perguntou:

— Segundo Irmão, quem era aquele homem que encontramos hoje?

Lu Heng vestia uma túnica cinza-clara de gola redonda, sentado sob uma luminária em um suporte de jade longo e claro, reluzente. Ele tomou um gole de chá, pousou a xícara e puxou Wang Yanqing para sentar-se de frente para ele. Com desdém tranquilo, respondeu:

— O Duque de Chang Guo, Zhang Heling. Um idiota.

— Segundo Irmão — Wang Yanqing o encarou com seriedade —, para você, todo mundo é idiota.

— Dizer que ele é idiota ainda é elogio. — Lu Heng soltou um leve bufar e completou: — Ele é o irmão mais novo da Imperatriz Zhang.

Ao ouvir isso, Wang Yanqing piscou, compreendendo um pouco mais. Vendo que ela começava a entender, Lu Heng continuou:

— Como mulher, a Imperatriz Zhang teve uma vida de honra e favorecimento incomparável, algo jamais visto. Seu pai era apenas um estudioso, que graças à posição de um primo, conseguiu que a filha participasse do recrutamento palaciano. Coincidentemente, a moça da família Zhang foi escolhida e se tornou princesa consorte. No mesmo ano, subiu sem obstáculos ao posto de imperatriz. Logo depois, a família Zhang ascendeu com ela. O Imperador Hongzhi...

Lu Heng interrompeu a fala, com uma expressão intrigante no rosto. Wang Yanqing, curiosa, perguntou:

— O que tem o Imperador Hongzhi?

Lu Heng baixou os olhos e sorriu. Pegou a xícara de chá, recostou-se na cadeira e, com movimentos lentos, retirou a espuma do chá:

— Sua Majestade Hongzhi foi um imperador muito filial. Gentil e respeitoso, diligente e bondoso. Nunca faltava aos banquetes cerimoniais da manhã e da tarde. Só teve uma esposa — a Imperatriz Zhang —, e nunca tomou concubinas. Favoreceu especialmente a família dela. Depois que a imperatriz deu à luz ao príncipe, o pai dela, Zhang Luan, pediu um título de marquês em nome dos méritos da filha. Mesmo com oposição dos ministros, dizendo que não havia precedentes, o Imperador Hongzhi ainda assim concedeu o título. Mais tarde, Zhang Luan faleceu, e o irmão mais novo da imperatriz, Zhang Heling, herdou o título de Marquês de Shouning. Outro irmão, Zhang Yanling, foi nomeado Marquês de Jianchang. O clã da família Zhang, seus protegidos e até filhos adotivos, todos receberam cargos de alto escalão. Durante o reinado de Hongzhi, a família Zhang era gloriosa e imparável.

Ao ouvir isso, Wang Yanqing não conseguiu evitar franzir a testa. Como um homem trata sua esposa é assunto doméstico, mas quando se trata do imperador, não é bem assim. Afinal, o que o imperador concede geralmente vem do sangue e suor do povo, e da riqueza do próprio Estado.

Ela não se conteve e perguntou:

— Não houve oposição?

— Claro que houve. — Lu Heng respondeu. — Pessoas chegaram a ser demitidas pelo Imperador Hongzhi só por recusarem escrever artigos em favor dos irmãos Zhang. Certa vez, em um banquete, enquanto o imperador trocava de roupa, Zhang Heling pegou a coroa imperial emprestada e a usou. Quando o imperador voltou... ele não disse nada.

Alguns dias depois, Zhang Heling quis usar novamente a coroa do imperador, mas um eunuco, incapaz de tolerar tal afronta, finalmente o repreendeu — e acabou sendo impedido pela própria Imperatriz Zhang.

Wang Yanqing franziu o cenho ao ouvir aquilo. Não conseguia acreditar que tais coisas realmente aconteciam dentro do palácio:

— Espiar abertamente pela cortina imperial durante um banquete... Se isso se espalhasse, não seria um desastre enorme?

Lu Heng sorriu levemente, com uma ponta de desdém:

— Que calamidade haveria? Ao contrário, quem teve azar foi o eunuco que repreendeu o irmão de Zhang Heling. A Imperatriz Zhang se ofendeu, ficou furiosa e reclamou com o Imperador Hongzhi. O imperador não responsabilizou o irmão Zhang Heling, mas ordenou à Guarda Imperial que prendessem o eunuco. Em menos de dois dias, sob ordens da Imperatriz Zhang, ele foi executado na prisão.

Aquilo acontecera na prisão da Guarda Imperial — não era de se estranhar que Lu Heng soubesse tão bem. Wang Yanqing então compreendeu por que a atitude de Lu Heng ao mencionar o Imperador Hongzhi era tão ambígua. A coroa era um objeto ritual e não podia ser usada levianamente. E ainda assim, o irmão Zhang Heling a usava como bem entendia. Independentemente da família de origem, como o Imperador Hongzhi podia não fazer nada diante de descendentes tão arrogantes? Se Zhang Heling e seus irmãos tinham essa conduta na frente do imperador, como tratariam os oficiais comuns e o povo?

Para a Imperatriz Zhang, o Imperador Hongzhi havia sido um bom marido — só se casara com ela em toda a vida e nunca favorecera outra mulher. Mas para os outros... não se podia dizer com certeza se ele fora um bom imperador.

Wang Yanqing entendeu por que Zhang Heling havia sido tão insolente ao vê-la naquele dia. Com uma irmã como a Imperatriz Zhang o protegendo, não havia nada que ele não ousasse fazer. E após a morte do Imperador Hongzhi, quem subiu ao trono foi o próprio filho da Imperatriz Zhang. Era fácil imaginar o quão fora de controle a família Zhang se tornara.

Se não fosse pela morte repentina do Imperador Zhengde, provavelmente estariam incontroláveis até hoje.

Wang Yanqing pensou um pouco e perguntou:

— E depois... por que Zhang Heling passou a ter o título de Duque de Chang Guo?

— Isso foi uma decisão da corte — respondeu Lu Heng. — Quando Sua Majestade chegou à capital pela primeira vez, Zhang Heling o recebeu em nome da Imperatriz Zhang. No primeiro ano de seu reinado, a Imperatriz mencionou esse favor. Em agradecimento pelo papel de Zhang Heling na recepção ao trono, o imperador o promoveu a Duque de Chang Guo.

Wang Yanqing respondeu com um murmúrio e observou Lu Heng atentamente. Ele percebeu seu olhar e deu-lhe um peteleco com um sorriso:

— O que está me olhando assim?

Wang Yanqing então teve certeza de seu palpite. No início, a família Zhang pôde viver o sonho de se tornarem os tios do imperador. Mas agora, todo o poder estava com a Imperatriz Zhang. Como um jovem imperador poderia governar com gratidão? E no fim das contas, a família Zhang e a própria imperatriz deram de cara com um muro de ferro.

Lu Heng contou a Wang Yanqing o essencial daquela história — pesado em conteúdo, mas contido nas palavras. Falou por dois motivos: primeiro, porque haviam se encontrado com Zhang Heling e temia que Wang Yanqing sofresse nas mãos daquele velho lascivo; segundo, porque a Imperatriz Jiang estava gravemente doente e ninguém sabia o que poderia acontecer no palácio. Lu Heng não poderia estar sempre por perto para protegê-la, então a alertava agora para que ela pudesse se preparar com antecedência.

Por fim, Lu Heng comentou com indiferença:

— A família Zhang não presta. Você deve manter distância deles.

Com essas palavras, ele também deixava clara sua postura em relação à Imperatriz Zhang. Wang Yanqing se sentiu um pouco impotente — Segundo Irmão realmente se atreve a dizer essas coisas. Ao mesmo tempo, ela compreendeu: a família Lu e a família Zhang eram completamente diferentes. Por mais que Lu Heng tivesse sentimentos pessoais, em público, não poderia demonstrar nenhuma simpatia pela família Zhang, ou estaria se tornando um espinho nos olhos do imperador.

Ela se prometeu, em silêncio, que no futuro, ao ver alguém da família Zhang, daria a volta por outro caminho. Não causaria problemas ao Segundo Irmão. Ao vê-la tão séria, Lu Heng não conseguiu deixar de sorrir. Apertou-lhe a bochecha e disse:

— É só uma bobagem, não precisa ficar tão nervosa. Um mero membro da família Zhang não pode me afetar.

— Segundo Irmão! — Wang Yanqing tentou afastar sua mão, com o rosto sério. — Eu não sou uma criança, por que está apertando meu rosto?

Lu Heng fingiu não ouvir. A força de Wang Yanqing era insignificante para ele. Continuou esfregando seu rosto e só recolheu a mão quando já estava satisfeito:

— Você sempre será uma criança aos olhos do Segundo Irmão. Mas está magra demais, sem nenhuma carne no rosto. Precisa comer mais no futuro. Caso contrário, quando encontrarmos forasteiros, eles vão achar que estou te tratando mal.

Wang Yanqing finalmente se desvencilhou da mão dele, se afastou rapidamente e esfregou o rosto. Ao ouvir as palavras de Lu Heng, hesitou por um instante. Então perguntou, com alguma dúvida:

— Segundo Irmão, quando você encontrou o Duque de Chang Guo hoje, por que não disse diretamente que eu sou sua irmã mais nova?

Ao ouvir isso, Lu Heng a encarou com um sorriso malicioso no canto dos lábios:

— Qing Qing quer tanto assim ser a jovem senhorita da família Lu?

Wang Yanqing achou estranho que ele simplesmente não tivesse dito:

— Então o que você quer dizer com isso?

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Nota da Autora:
Lu Heng: Tsc... Minha irmãzinha nem correu tanto atrás assim.


Capítulo 39 – Promoção

Lu Heng sorriu, mas não respondeu o que Wang Yanqing deveria fazer se não fosse a senhorita da família Lu. Apenas pousou a xícara de chá e disse:

— Já está tarde. Você se cansou a noite toda, vá descansar.

Como ele não falou mais nada, Wang Yanqing também parou de insistir. Ela se levantou e lhe desejou suavemente:

— Vou indo. Segundo Irmão, descanse cedo também.

Passado o décimo quinto dia do primeiro mês lunar, a atmosfera do Ano Novo Chinês começou a se dissipar, e a vida voltou ao normal. Wang Yanqing não saiu de casa por alguns dias, e permaneceu tranquila lendo e escrevendo. Deitada no divã sob o sol, ela nem imaginava que alguém a procurava do lado de fora da Residência Lu.

Fu Tingzhou procurou pela cidade durante cinco dias. A princípio, investigou mulheres que moravam sozinhas e alugavam casas na capital, depois ampliou a busca para adolescentes, irmãos e irmãs, até mesmo casais jovens — mas nenhuma delas era Wang Yanqing. Depois de tantas tentativas frustradas, a irritação em seu coração só aumentava. Chen Shi causava problemas na Mansão do Marquês, e Fu Tingzhou se sentia continuamente agitado. Por diversas vezes, quase desistiu.

Nesse momento, sentia especialmente falta de Wang Yanqing.

Fu Tingzhou crescera aos pés do Velho Marquês e nunca teve laços estreitos com os pais. No fundo, nunca concordou com o comportamento de Fu Chang e Chen Shi. Suas irmãs mais novas foram todas criadas por Chen Shi — e isso já dizia muito. O relacionamento entre Fu Tingzhou e seus irmãos era, no máximo, mediano. As únicas pessoas com quem ele realmente tinha proximidade eram o Velho Marquês e Wang Yanqing.

Agora, com a morte do Velho Marquês e a partida de Qing Qing, restava apenas ele na imensa Mansão do Marquês de Zhenyuan. Seu coração parecia vazio, e o vento frio entrava pelas frestas, congelando-o por completo.

Parado na mansão, de repente se sentiu perdido. Aquele era seu lar — mas parecia que não tinha para onde ir.

Cinco dias intermináveis se passaram num piscar de olhos, e a Corte Imperial voltou à sua rotina. Era o primeiro dia útil após o Ano Novo. Mesmo que Fu Tingzhou não tivesse ânimo algum para cumprir seus deveres, ainda precisava assumir o comando das tropas em Nancheng e manter as aparências.

No gabinete oficial, todos se cumprimentavam com votos festivos, sorridentes. Quando um colega viu Fu Tingzhou, ficou surpreso e perguntou:

— Marquês de Zhenyuan? O que houve com você? Parece tão abatido.

Fu Tingzhou forçou um sorriso e respondeu:

— Não dormi bem esta noite.

Como ele não queria conversar, seus colegas trocaram apenas algumas palavras educadas e logo mudaram de assunto. Fu Tingzhou entrou no departamento militar e tentou se distrair lendo documentos oficiais, mas mal conseguiu passar dos dois primeiros parágrafos.

Ele já havia verificado todos os registros de aluguel, compra e venda de imóveis feitos no décimo segundo mês — e nenhum levava até Qing Qing. Será que ela já pensava em fugir antes mesmo de serem atacados durante a viagem para oferecer incenso?

Só de pensar nisso, a cabeça de Fu Tingzhou latejava. A dor em seu peito era insuportável, quase enlouquecedora.

Com o semblante fechado e a presença intimidante, contrastava com o ambiente leve do primeiro dia útil do ano. Os outros oficiais ainda estavam em clima de celebração e pouco se importavam com as tarefas. Afinal, era o primeiro dia do ano — nada muito sério a se fazer. Aproveitavam para conversar e passar o tempo.

— Ouvi dizer que o primeiro decreto imperial do ano foi de duas promoções?

— É verdade — respondeu outro, torcendo a boca, com um tom incerto entre inveja e frustração. — O primeiro ato do ano novo tem que ser alegre, não é? O velho Zhang Ge foi promovido a erudito do Templo Jinshen, e Lu Heng foi nomeado comandante da Guarda Imperial.

No início do décimo segundo ano de Jiajing, a corte passou por uma limpeza sem precedentes. Zhao Huai, Ministro dos Ritos, havia aceitado subornos dos “oito tigres”. Muitos velhos aliados de Zhao Huai também foram acusados de corrupção e acabaram destituídos. Por fim, seu mestre, Yang Yingning, assumiu a culpa e se demitiu.

Com a renúncia do Chefe Auxiliar, o gabinete ficou vazio, e muitos cargos importantes nos seis ministérios também ficaram vagos. Os oficiais já pressentiam mudanças antes do feriado, e de fato, assim que a corte voltou, uma nova onda de promoções começou.

Com o fracasso político de Yang Yingning, todos os seus aliados e os oficiais que apoiaram Yang Ting foram afastados. Por outro lado, muitos que venceram essa batalha política foram recompensados. E, nesse expurgo, os dois que mais se destacaram foram Lu Heng, comandante da Divisão Sul da Fusi, que descobriu as provas, e Zhang Jinggong, Segundo Assistente que derrubou Yang Yingning.

Zhang Jinggong foi promovido ao cargo de Erudito do Palácio, acumulando também o cargo de alto funcionário do Ministério das Nomeações — agora se tornara o novo Chefe Auxiliar do Gabinete. Na corte e entre os opositores, todos agora o tratavam respeitosamente como Velho Zhang Ge. Ao mesmo tempo, sob ordem da Guarda Imperial, Lu Heng foi oficialmente promovido ao cargo de terceiro grau e recebeu a nomeação real para comandar os assuntos da Guarda Imperial.

Na corte, uns celebravam, outros lamentavam. Embora Fu Tingzhou não estivesse presente para ver, podia imaginar facilmente a agitação no gabinete e na Divisão Sul da Fusi. O novo Chefe Auxiliar e o jovem e promissor comandante da Guarda Imperial — por mais que muitos tivessem seus próprios pensamentos, todos deviam respeito.

A chegada desses dois marcava, sem dúvida, o fim definitivo das eras Hongzhi e Zhengde — e o verdadeiro começo da nova era de Jiajing.

Entre os oficiais do exército e cavalaria de Nancheng, muitos tinham sentimentos contraditórios ao saber que Lu Heng havia sido promovido novamente. Também eram oficiais militares, criados na capital, e sabiam o quão difícil era subir na hierarquia. Diferente dos civis, os generais dependiam do momento certo — quando a oportunidade surgia, podiam ascender como estrelas; mas se perdessem o momento, passariam a vida estagnados.

A Dinastia Ming enfrentava sérios problemas nas fronteiras, com guerras constantes. Os duques e marqueses da capital iam frequentemente ao campo de batalha — em comparação com outras dinastias, podiam se considerar vitoriosos. Mas diante de Lu Heng, todos pareciam astros apagados. Era impossível não se sentir eclipsado.

A corte estava cheia de espiões da Guarda Imperial, então ninguém ousava se aprofundar demais. Restava suspirar, com duplo sentido:

— Primeira canetada do imperador no novo ano e já promove dois — que sorte. Zhang Jinggong é o Chefe Auxiliar. Trabalhou duro por mais de vinte anos, então nem dá pra comentar. Mas o Lu Heng... só tem vinte e três anos, né?

Zhang Jinggong era um talento notável, mas seu caminho pelos exames imperiais fora tortuoso. Precisou tentar sete vezes até finalmente ser aprovado. Só entrou no serviço aos quarenta e sete anos. Enfrentou altos e baixos durante toda a Dinastia Zhengde e nunca teve grande destaque. Foi só com a ascensão de Jiajing que a sorte virou. Ganhou fama graças ao grande ritual e caiu nas graças do imperador. Desde então, subiu sem parar até chegar ao topo. Ainda assim, levou doze anos até finalmente se tornar Chefe Auxiliar.

Já Lu Heng, com apenas vinte e três anos, estava agora no mesmo nível de Zhang Jinggong. Os filhos de oficiais militares da sua idade mal estavam entrando no serviço. Os civis, então, ainda estavam nos exames imperiais. Quando compareciam à corte, todos os que cercavam Lu Heng eram homens da idade de seu pai — ou até avôs. Ele e o imperador estavam entre os únicos jovens presentes na corte matinal.

Pessoas como Fu Tingzhou, que pularam o tempo do pai no serviço e entraram diretamente, eram exceção. Ele também era um dos raros jovens no governo. Mas o ponto de partida entre ele e Lu Heng era completamente diferente. Lu Heng respondia diretamente ao imperador — se quisesse dizer algo, ia direto ao topo. Relatava tudo o que via, até as coisas mais obscuras. Já Fu Tingzhou, tinha vários superiores acima de si. Ser recebido pelo imperador era algo praticamente inalcançável.

Em idade, ele e Lu Heng estavam lado a lado. Mas no mundo oficial, Lu Heng estava no mesmo nível que Zhang Jinggong.

Fu Tingzhou não comentou nada. Apenas suspirou em silêncio. Entre todos da capital, o único de quem ele realmente tinha medo — era Lu Heng.

Fu Tingzhou não sabia se devia suspirar por Lu Heng ser sortudo ou por ser competente. A verdade era que Lu Heng havia simplesmente reunido todos os benefícios de estar no lugar certo na hora certa. Em termos de posição, ele e o imperador eram companheiros de infância. O pai de Lu Heng havia sido guarda da Mansão do Príncipe Xing, e sua mãe, ama de leite do imperador. A amizade deles desde pequenos era incomparável. Quanto às vantagens geográficas, a família de Lu Heng foi beneficiada pela mudança de dinastia, e o imperador, ao subir ao trono, estava em extrema necessidade de homens de confiança. A família Lu aproveitou esse vento favorável durante os rituais de sucessão. Além disso, Lu Heng era inteligente, hábil, e muito bom em captar os desejos e humores do imperador, preenchendo sua solidão com a presença de um confidente.

Embora a capital fosse enorme, as pessoas com quem o imperador podia conviver diariamente eram apenas eunucos, eruditos do gabinete de cinquenta a sessenta anos, ou nobres locais da capital. O imperador estava prestes a completar vinte e seis anos. O que ele teria em comum com essas pessoas? Dentre toda a burocracia civil e militar, parecia que apenas diante de Lu Heng o imperador conseguia dizer algumas palavras corriqueiras.

Com a lábia de um ministro traiçoeiro, a mente de um ministro competente, e a intimidade de um eunuco, não era de se espantar que o imperador o valorizasse tanto.

Essa trajetória era única — talvez não surgisse outro igual a ele nem em cem anos. Fu Tingzhou pensou nisso por um instante e logo deixou o assunto de lado. Por mais sortudo que Lu Heng fosse, aquilo nada tinha a ver com ele. O que realmente importava a Fu Tingzhou, agora, era Wang Yanqing.

Os outros oficiais militares da divisão continuaram suspirando e aos poucos mudaram de assunto. Um deles abaixou a voz, falando em tom misterioso:

— Vocês ouviram falar? Parece que o palácio está querendo cortar os títulos de nobreza.

Fu Tingzhou já estava se preparando para sair, mas ao escutar isso, não pôde deixar de prestar atenção. Cortar títulos não era algo trivial, e sua própria família possuía um. O que estava acontecendo?

Era uma grande novidade. Todos ficaram curiosos e perguntaram às pressas:

— É sério isso?

— Completamente. Muita gente já recebeu a notícia.

Todos na corte viviam da vontade imperial, e os acontecimentos no palácio eram de extrema importância. Exceto por gente como Lu Heng, que dominava os canais de informação, os demais dependiam dos eunucos para receber notícias. Isso exigia influência e, principalmente, dinheiro. Nem sempre os contatos dentro do palácio podiam ser ativados imediatamente — muitas vezes, mesmo com recursos, os de fora não conseguiam saber de nada.

Foi nesse momento que a diferença entre mansões tradicionais como a do Marquês de Zhenyuan e a do Marquês de Wuding ficou evidente. A Mansão Wuding contava com várias princesas e concubinas na família, o que garantia uma rede ampla de conexões no palácio. Com o menor sinal de vento, já recebiam as notícias em primeira mão. Já a Mansão Zhenyuan estava isolada — e Fu Tingzhou só soube do rumor conversando com os colegas.

Ele não conseguiu evitar e ficou ouvindo atentamente o que seria dito a seguir.

O homem que havia feito a pergunta estava claramente preocupado e continuou:

— Por quê? Está tudo calmo agora. Como é que o palácio decidiu algo assim de repente?

O primeiro homem piscou com malícia e sorriu de forma significativa:

— Não é por altruísmo público. Desde o ano passado ele vem investigando funcionários corruptos. Agora, o palácio quer limpar os vermes do celeiro. Desta vez, o foco principal é reformar os títulos dos parentes por afinidade.

Todos trocaram olhares e expressaram uma compreensão silenciosa. Na Dinastia Ming, havia grande desconfiança com relação aos parentes por afinidade do imperador, e cada geração se esforçava para restringi-los — com exceção do imperador Hongzhi. Quando se dizia “retificar os parentes”, o verdadeiro alvo era a família Zhang, pois nenhuma outra família na corte havia recebido um título de marquês por meio de uma filha.

Até Fu Tingzhou se sentiu aliviado ao ouvir isso. Deixou de prestar atenção no assunto e inventou uma desculpa para se retirar. O imperador mirava a família Zhang dessa vez, então a Mansão Zhenyuan estava a salvo.

·
Naquele momento, no Palácio Ciqing, os irmãos Zhang Heling e Zhang Yanling se queixavam diante da Imperatriz Zhang.

— Vossa Majestade, você precisa nos defender. O título da família Zhang foi concedido pelo imperador Xiaozong. Eu herdei o título de Marquês de Shouning do nosso pai. Durante todos esses anos, fui cauteloso e leal, nunca cometi um erro. Agora querem tirar o título da nossa família do nada. Como isso é possível?

— Exato — Zhang Yanling concordou com as palavras do irmão mais velho. — Quando o imperador Xiaozong estava vivo, entrávamos e saíamos do palácio como se fosse nossa casa. Jantávamos com Xiaozong, com a irmã mais velha, com o príncipe herdeiro… Éramos como uma família! Agora que Xiaozong e o imperador Wuzong se foram, querem revogar a recompensa de Xiaozong. Eles não pensam em você?

A Imperatriz Zhang ouvia e ficava cada vez mais furiosa. No harém, as notícias circulavam com dificuldade — ela dependia dos irmãos mais novos para se manter informada. Foi por eles que soube da intenção do imperador de se livrar dos parentes por afinidade. A família Jiang também havia recebido muitos benefícios. Se o imperador quisesse mesmo servir o país e o povo, por que não retirava os cargos dos Jiang? Por que vir humilhar justamente a família Zhang?

A Imperatriz tremia de raiva. Isso só podia ser ideia da Jiang. Não bastava Jiang atacá-la em todos os cantos do harém — agora queria perseguir seus parentes também!

Aqueles ingratos… Se não fosse por ela, mãe e filho ainda estariam perdidos nos confins do país. Foi ela quem trouxe o Príncipe Xing para a capital, e foi ela quem o fez imperador. Sem sua intervenção, o imperador seria apenas mais um príncipe provincial, que talvez nunca tivesse sequer visto a capital. Ela havia dado tanto — e mesmo assim, o imperador ousava retribuir seu favor com vingança?

Zhang Heling e Zhang Yanling choravam juntos. Já estavam envelhecendo. Naquele momento, pareciam crianças queixando-se à irmã mais velha. A Imperatriz também se comoveu.

Ela só tinha dois irmãos mais novos. Agora que era Imperatriz Viúva, não seria natural dar apoio à família materna? Queria apenas garantir-lhes um título e algum conforto — isso incomodava a quem?

Ela não pôde deixar de recordar os tempos em que o imperador Hongzhi ainda era vivo. A família Zhang entrava e saía da corte como se fosse extensão de casa. Numa ocasião, durante um banquete, o imperador percebeu que sua louça era de ouro, enquanto os sogros usavam tigelas e hashis de prata. Sentiu-se culpado e ordenou que lhes entregassem sua própria louça dourada. Zhang Luan passou a usar aqueles talheres do imperador em casa, como se fosse da realeza. Aqueles eram bons tempos. E agora, um mero filho de rei feudal ousava pisotear o prestígio da família Zhang?

A Imperatriz pensava que sua tristeza começava ali. A primeira metade de sua vida fora tranquila. Enquanto o imperador Hongzhi era vivo, ela era a única mulher no palácio — não havia concubinas. Ela deu à luz um filho que se tornou imperador sem ter que disputar nada. Sempre achou que era a mulher mais afortunada do mundo. Achava que tinha nascido para aproveitar os prazeres da vida. Nunca imaginou que todas as provações que não enfrentou na juventude estariam reservadas para sua velhice.

A Imperatriz Zhang chorou com dor:

— Xiaozong e Zhao se foram cedo, me deixando aqui para sofrer sozinha. Se eu soubesse que o futuro seria assim… por que não aceitei o que o imperador Xiaozong ofereceu?

Ao ouvir isso, Zhang Heling e Zhang Yanling também começaram a chorar ainda mais, lembrando-se dos tempos de glória da família Zhang durante o reinado de Hongzhi. Os três — irmãos e irmã — choravam sem parar. Qin Xiang’er, a oficial do palácio que servia no Ciqing, retirou-se discretamente. Quando achou que já haviam chorado o suficiente, retornou com água quente e disse:

— Vossa Majestade, Duque de Changguo, Marquês de Jianchang… todos vocês são pessoas honradas. Os outros só não enxergam isso. Por favor, enxuguem suas lágrimas.

A Imperatriz Zhang, cansada de chorar, assentiu. Era a Imperatriz Viúva — a verdadeira dona do palácio — e não podia permitir que o lado ocidental do palácio a visse fraca. Concordou com a cabeça e entrou no aposento interno para se recompor. Zhang Heling e Zhang Yanling foram conduzidos por servos a outro palácio.

Qin Xiang’er permaneceu ao lado da Imperatriz Zhang, molhou pessoalmente o lenço e o entregou a ela para secar o rosto. A água estava na temperatura ideal, e o pano torcido na medida certa. Era agradável ao toque. Depois de limpar o rosto, a Imperatriz recuperou o ar respeitável da viúva imperial. Uma criada entrou para reaplicar o pó facial, enquanto Qin Xiang’er saía para trocar a água. No caminho, parou uma criada que passava e perguntou:

— Onde estão o Duque de Changguo e o Marquês de Jianchang?

A criada apontou para o salão inferior e respondeu:

— O Duque de Changguo está esperando Vossa Majestade ali dentro. O Marquês de Jianchang ainda não voltou.

Homens não precisavam de maquiagem. Depois de tanto tempo, o Marquês de Jianchang ainda não terminou de se arrumar? Qin Xiang’er franziu levemente a testa, entregou a bacia à criada que a acompanhava, e ordenou com firmeza:

— Vocês são espertas, troquem a água quente por chá depressa. Não negligenciem o Duque de Changguo nem o Marquês de Jianchang.

A criada fez uma reverência, abaixou a cabeça rapidamente e correu. Qin Xiang’er foi até o palácio onde Zhang Yanling trocava de roupa. Quando chegou, viu que portas e janelas estavam bem fechadas. Sem mudar de expressão, ergueu a mão e bateu com firmeza:

— Marquês de Jianchang, a Imperatriz já voltou. Está tudo pronto?

Pareceu haver algum barulho lá dentro, ping-pong, como se algo tivesse caído no chão. Depois de um tempo, a porta se abriu, revelando Zhang Yanling.

Havia marcas de lenço em seu rosto. Os olhos estavam ligeiramente vermelhos e inchados, com veias sanguíneas visíveis nas escleras, deixando seu olhar ainda mais turvo. Em poucos anos, completaria cinquenta. A barriga começava a crescer, os músculos do rosto caíam, e rugas profundas se acumulavam ao redor dos olhos. Não era mais jovem. Mas, pela estrutura facial, notava-se que fora bonito na juventude.

A Imperatriz Zhang fora escolhida como princesa consorte ainda jovem, e se manteve favorecida por muitos anos. Além do carinho de infância com o imperador Hongzhi, sua beleza também era um fator importante. Se a irmã mais velha era bonita, o irmão mais novo certamente não era feio.

Zhang Yanling parecia irritado, mas ao ver Qin Xiang’er, se conteve e perguntou:

— A Imperatriz já voltou tão rápido?

Qin Xiang’er abaixou o olhar e respondeu com seriedade:

— Sua Majestade está com saudades do Marquês de Jianchang e mandou-me chamá-lo.

Afinal, estavam no palácio. Zhang Yanling bufou, ajeitou o cinto e saiu com passos largos. Qin Xiang’er afastou-se com elegância e fez um gesto cortês para que ele passasse. Assim que Zhang Yanling saiu, ela se virou devagar — e olhou para dentro.

Uma pequena criada do palácio estava ajoelhada no chão, o corpo tremendo. Não muito longe dali, havia uma bacia de água derramada.

Qin Xiang’er não disse nada, mas com sua autoridade consolidada, declarou solenemente:

— Apresse-se e cumpra com suas tarefas.

A criada fez uma reverência apressada e correu para fora, tremendo.

Após retornar ao salão principal, Zhang Yanling deu de cara com a Imperatriz Zhang saindo do quarto interno. Com medo de que a irmã investigasse mais a fundo, sentou-se e não mencionou nada do que havia acontecido instantes antes. A Imperatriz Zhang conversou mais um pouco com os dois irmãos. No fim das contas, não passava de nostalgia pelo passado e pesar pelo presente. Zhang Heling e Zhang Yanling insistiram, bajularam e reclamaram, até que a Imperatriz, de coração mole, prometeu que resolveria a questão do título — e que um dia, ninguém mais ousaria tocar na família Zhang.

Zhang Heling e Zhang Yanling saíram satisfeitos. Depois que os dois partiram, a Imperatriz Zhang ficou sentada no salão interno, suspirando:

— Eu realmente criei uma matilha de lobos... Não pensaram em nada... Mas sem mim, onde estariam agora?

A Imperatriz Viúva Zhang não citou nomes, mas não era difícil adivinhar que reclamava novamente do imperador e da Imperatriz Jiang. Qin Xiang’er manteve o rosto abaixado, o olhar fixo no nariz e no coração, recusando-se a responder levianamente. A Imperatriz resmungou por mais um tempo, mas por mais que se arrependesse, não podia devolver o imperador para Anlu. O assunto do título da família Zhang ainda precisava ser resolvido. A Imperatriz engoliu a raiva e ordenou:

— Qin Xiang’er, vá ao Palácio Qianqing e chame o imperador.

Qin Xiang’er acatou:

— Sim.

·
No Palácio Cining, o imperador estava visitando a Imperatriz Jiang. Ao ouvir a mensagem do criado do palácio, respondeu com indiferença:

— Não vou vê-la.

A Imperatriz Jiang estava recostada em uma almofada, tossiu levemente, e sua voz fraca se arrastava:

— Majestade... afinal, ela é a oficial que serve à Imperatriz Zhang. Ela disse por que a Imperatriz deseja vê-lo?

O imperador bufou, com zombaria nos olhos:

— O que mais poderia ser? Hoje, o Duque de Changguo e o Marquês de Jianchang vieram ao palácio. Ouvi dizer que choraram por horas no Palácio Ciqing. Um bando de tolos sem noção. Eu faço o que quiser, eles acham que podem me dizer o que fazer?

A Imperatriz Jiang permaneceu em silêncio. A Imperatriz Zhang havia favorecido a própria família de forma descarada, tomando posse de campos, lojas e terrenos militares. Desde os tempos do imperador Hongzhi, o tesouro nacional estava esvaziado.

O império não tinha dinheiro, e o imperador precisava se virar para tudo. Enquanto preenchia seu tesouro pessoal em Taicang, também tentava resolver o problema do tesouro nacional. A maior fonte de receita vinha dos impostos, mas as terras cultivadas, embora parecessem férteis, não rendiam o suficiente para o Estado. Se o país não arrecadasse impostos, o tesouro ficava vazio; sem dinheiro no tesouro, o imperador não podia implementar decretos, e tudo acabaria num beco sem saída.

A Dinastia Ming ainda não havia perdido território. Como poderia haver menos terras cultiváveis? O imperador sabia a resposta: os nobres, cada vez mais numerosos, estavam anexando terras e, com isso, desviando os tributos. Ele planejava recalcular a distribuição de terras, ao mesmo tempo em que extorquia os funcionários. Anos atrás, invadiu as casas de vários oficiais em sequência, conseguindo assim suprir temporariamente as necessidades urgentes do tesouro — mas ainda era pouco.

Logo, voltou os olhos para a família Zhang. Já os suportava por tempo demais. E eles, ao invés de pagarem logo para manter a vida, ainda ousavam entrar no palácio para argumentar?

Realmente, eram audaciosos.

A doença da Imperatriz Jiang piorava a cada dia. O humor do imperador era péssimo e ele não tinha a menor disposição para lidar com a Imperatriz Zhang. Frio, ordenou:

— Não gosto de gente ociosa. Mande-a de volta.

A Imperatriz Jiang, com a respiração fraca, tentou persuadi-lo:

— Afinal de contas... ela o favoreceu com o trono. Você já foi longe demais. Os de fora estão comentando. Vá vê-la... só por um momento.

Ela insistiu e o imperador, sem querer preocupar sua mãe, acabou indo ao Palácio Leste. Depois que o imperador saiu, uma criada ajoelhou-se aos pés da Imperatriz Jiang e avisou:

— Imperatriz, o remédio chegou.

A Imperatriz foi amparada pela criada e se esforçou para beber a infusão. Ao ver que ela estava tão debilitada, a criada não conseguiu conter o lamento:

— Imperatriz... é raro o imperador vir aqui, por que mandá-lo ao Palácio Leste?

A Imperatriz Jiang engoliu o chá amargo e disse com voz fraca:

— Eu conheço meu corpo... provavelmente não passo deste ano. Já sou velha, mas o imperador ainda é jovem... não pode ficar sozinho.

A criada quis confortá-la, mas não encontrou palavras — apenas soltou um longo suspiro. A Imperatriz Jiang, exausta, recostou-se na almofada, tentando respirar melhor. Observando as jovens criadas que entravam e saíam, murmurou baixinho:

— Aquela lá... tudo lhe foi fácil. Sente que o mundo inteiro deveria elogiá-la. Vai viver mais que eu... mas temo que, mesmo assim, não terá paz quando morrer. Não é que eu não queira anunciar... é que ainda não chegou a hora. Por ora, fique de olho nela.

Ninguém sabia o que a Imperatriz Zhang e o imperador conversaram, mas, no fim, se separaram em maus termos. Quando o imperador saiu do Palácio Ciqing, estava de cara fechada — e a proposta de retirar os títulos dos parentes por afinidade não teve continuidade.

Todos no palácio acharam que o assunto havia encerrado. Afinal, a Imperatriz Zhang era viúva de dois imperadores e benfeitora do atual. O imperador não podia simplesmente contrariá-la em público.

O gabinete, Zhang Heling, e até mesmo a própria Imperatriz Zhang acreditavam nisso.

No fim do primeiro mês, o tempo começou a esquentar. Numa noite, a Imperatriz Zhang sentiu frio e acordou no meio da madrugada. Ao abrir os olhos, percebeu que o quarto estava gelado, e sua garganta seca e dolorida. Aborrecida, resmungou:

Quem está de plantão hoje? Como pode ser tão negligente?

Chamou por água, mas mesmo após gritar várias vezes, ninguém apareceu. Cada vez mais irritada — e sedenta —, ela se viu forçada a levantar e ir até o chão para servir-se de chá.

A chaleira sobre a mesa estava fria, deixada ali desde o começo da noite. Sem outra opção, a Imperatriz tateou no escuro, serviu-se de uma xícara e engoliu o chá gelado. A garganta finalmente aliviou, mas o frio ainda incomodava. Observando ao redor, percebeu que a janela estava aberta — e o vento gelado entrava impiedosamente. Agora fazia sentido.

Sem ninguém por perto, a Imperatriz teve que ir ela mesma fechar a janela. Quando se aproximou, avistou uma sombra branca tremulando do lado de fora. Assustada, olhou melhor e viu que era uma fita branca, vinda de algum lugar, presa no beiral da janela, balançando com o vento.

O que ela havia visto antes era apenas isso — uma fita.

Suspirou de alívio, mas logo se enfureceu. Já decidira punir a criada de plantão. Tão negligente a ponto de deixar a janela aberta no meio da noite? Merece morrer.

Fechou a janela, virou-se irritada — e de repente viu uma mulher vestida de branco parada atrás dela.

Cabelos desgrenhados, corpo coberto de sangue, a língua pendurada para fora da boca, e os olhos ensanguentados fixos nela, imóveis.

A Imperatriz ficou tão apavorada que não conseguiu emitir som algum. A figura espectral começou a se aproximar, passo a passo, e disse:

— O que eu te fiz? Por que me matou?

A fantasma, de roupa branca, falava enquanto estendia as unhas compridas, quase arranhando o rosto da Imperatriz. Finalmente, ela reagiu, gritou, deu vários passos para trás, caiu no chão — e desmaiou.

A Imperatriz Zhang ficou desacordada até o amanhecer. Quando a criada encarregada do turno noturno foi verificar, encontrou a viúva imperial caída. Correram para colocá-la na cama e chamaram o médico imperial às pressas. Mas, ao acordar, a Imperatriz afirmou que havia fantasmas no palácio — e passou a gritar com todas as criadas que via:

— Como ousa me ferir!?

As servas ficaram apavoradas com o comportamento estranho da Imperatriz, e logo os boatos de que o Palácio Ciqing era assombrado se espalharam como fogo.

Quando o imperador soube que a Imperatriz Zhang vira um fantasma e ficou doente, riu com desdém. Achar que fingir doença pode me intimidar é pura estupidez. No entanto, os rumores de fantasmas só aumentaram com o passar dos dias.

Desde o encontro com o fantasma, a Imperatriz proibia as criadas de saírem à noite, mandava cinco ou seis pessoas vigiarem por turnos, e ordenou que os eunucos patrulhassem com lanternas o palácio, dia e noite. As criadas estavam se divertindo — trabalhavam durante o dia e à noite apenas precisavam ficar ao lado da Imperatriz. Já os eunucos do lado de fora, passavam frio sem poder dormir — estavam miseráveis.

E mesmo com a vigilância apertada, o fantasma voltou a aparecer.

Dessa vez, cinco ou seis pessoas testemunharam a aparição. A Imperatriz Zhang desmaiou de medo, as criadas entraram em pânico, e os rumores sobre casas mal-assombradas se espalharam com ainda mais força — até a Imperatriz Jiang ficou sabendo.

Ao ouvir o relato do eunuco, o imperador franziu a testa:

— Tem certeza de que não é armação de alguém do Palácio Ciqing?

— Não é, Majestade. O eunuco que relatou estava muito assustado. Disse, tremendo, que os servos do Palácio Ciqing fazem patrulha dia e noite. Mesmo que alguém quisesse pregar uma peça, não teria como. Além disso, a Imperatriz Zhang e cinco criadas ouviram o lamento da fantasma. Isso não se finge.

O imperador acreditou. Diante da sinceridade do eunuco, começou a hesitar. Pensou por um momento e disse:

— Vá chamar Lu Heng.

Capítulo 40 – Assombrado

Lu Heng entrou no salão e fez sua reverência:

— Vida longa ao imperador.

O imperador acenou com a mão, dispensando a formalidade. Lu Heng se endireitou, e o imperador perguntou:

— Você está a par do que tem acontecido no Palácio Leste recentemente?

Lu Heng já esperava por isso fazia tempo. Ao ouvir a pergunta, não negou completamente, mas tampouco admitiu por inteiro, respondendo:

— Ouvi falar um pouco.

Ele era o comandante da Guarda Imperial. Se um incidente tão grande ocorresse no palácio da Imperatriz Zhang e ele não soubesse de nada, seria negligência no dever. Mas, se soubesse demais, ultrapassaria os limites impostos pelo imperador.

Lu Heng mediu cuidadosamente a sensibilidade da situação, mas o imperador não queria rodeios e foi direto ao ponto:

— Recentemente, a Imperatriz disse que encontrou um fantasma no palácio, e as criadas e eunucos começaram a causar alvoroço, gerando pânico. Chamei você aqui hoje para investigar o caso de assombração no Palácio Leste.

Lu Heng perguntou:

— A Imperatriz Zhang possui o corpo de uma fênix dourada e é abençoada pelo espírito do dragão do imperador... como poderia encontrar um fantasma?

— Quem sabe — respondeu o imperador, sem se irritar —. O Palácio Leste, que antes era tão tranquilo, foi levado à loucura por eles. Até a Imperatriz Viúva de Xingguo não consegue repousar em paz para se recuperar da doença. Você precisa descobrir o que está por trás dessa assombração o quanto antes. Resolva logo isso e ajude a alma a encontrar paz. Não permita que esses boatos se espalhem. Se houver um fantasma num palácio tão digno, o que dirão de nós?

Lu Heng entendeu que o imperador não se importava com a vida ou morte da Imperatriz Zhang, mas era inadmissível que houvesse rumores de fantasmas no palácio. O imperador era o filho legítimo do Céu, designado pelos céus. Se fantasmas e monstros rondassem seus aposentos, isso significaria que seu nome não era legítimo, e que sua aura púrpura não era forte o suficiente para suprimir as veias do dragão. Era um assunto demasiadamente tabu. Além disso, a saúde da Imperatriz Jiang só piorava, e ainda por cima o palácio estava assombrado... E se ela se assustasse com isso?

Lu Heng entendeu tudo com clareza e se curvou:

— Sim, este oficial está às ordens de Vossa Majestade.

Depois de transferir o caso para Lu Heng, o imperador sentiu-se aliviado e logo o dispensou para cuidar da missão. Lu Heng saiu do Palácio Qianqing e, ao encarar as telhas esmaltadas e frias sob o sol, pensou consigo mesmo que acabara de receber um belo “presente” após a promoção. Realmente, muito obrigado a essas pessoas...

O imperador exigira que o caso fosse resolvido o quanto antes, então Lu Heng não ousou perder tempo. Imediatamente, mandou um eunuco entregar uma mensagem ao Departamento Fusi do Sul e convocou Guo Tao para trazer a equipe ao palácio. Depois, mudou de direção e seguiu para o Palácio Oeste.

Lu Heng não poderia conduzir a investigação sozinho, e Guo Tao e os demais precisariam de tempo para chegar. Enquanto esperava, decidiu visitar primeiro a Imperatriz Jiang.

Afinal, ouviu dizer que ela estava gravemente doente — era o mínimo que poderia fazer.

No Palácio Cining, a Marquesa de Wuding e a Marquesa de Yongping estavam ao lado da cama da Imperatriz. Hong Wanqing permanecia atrás da mãe, com a cabeça baixa o tempo todo, ouvindo em silêncio as palavras entre as mais velhas e a Imperatriz Jiang.

A Marquesa de Yongping era irmã mais nova do Marquês de Wuding, Guo Xun. Naquele dia, veio ao palácio com a cunhada mais velha para visitar a Imperatriz. Embora por fora o clã Yongping parecesse mais prestigioso, diante da Imperatriz Jiang, a família Hong não se atrevia a demonstrar arrogância alguma. A Marquesa de Yongping falava pouco, limitando-se a escutar o diálogo entre a Imperatriz Jiang e a Marquesa de Wuding. Hong Wanqing também não ousava interromper.

Ao ver o rosto da Imperatriz Jiang naquele dia, a Marquesa de Wuding percebeu, pela tosse dela, que já estava sem forças. Nenhuma delas quis quebrar a ilusão e, com cuidado, procuraram consolá-la. Hong Wanqing, de pé atrás, ouviu sua tia dizer à Imperatriz:

— Imperatriz Viúva, por favor, descanse e foque em sua recuperação. O imperador é piedoso, e vossos méritos ainda são profundos.

A Imperatriz Jiang balançou levemente a cabeça e não disse nada. Ela sabia que sua saúde estava por um fio — ter sobrevivido até o Ano Novo já fora um milagre. Para qualquer mãe, ouvir que o próprio filho era piedoso seria motivo de alegria. No entanto, ela respondeu com seriedade:

— Os filhos e netos têm seus próprios destinos. Já estou velha... só pude escoltá-lo até aqui. Não tenho mais preocupações, exceto pelo corpo do imperador. Desde que chegou à capital, a saúde dele não vai bem. Se houver algum Buda, espero que o abençoe ainda mais — mesmo que use minha vida em troca.

As duas marquesas não ousaram responder diretamente, mas a Marquesa de Wuding ponderou e disse:

— A Imperatriz é bondosa e maternal. Os Budas e Bodhisattvas reconhecerão isso, e com certeza abençoarão a senhora e o imperador.

A Imperatriz Jiang estava acostumada a ouvir esse tipo de fala e não se comoveu. A Marquesa de Wuding continuava dizendo coisas vazias, quando, de repente, um criado entrou para anunciar:

— Imperatriz Viúva, o Comandante Lu pede para vê-la.

Hong Wanqing, a Marquesa de Wuding e a Marquesa de Yongping ficaram surpresas. Lu Heng? Por que ele estaria aqui?

A Marquesa de Wuding levantou-se imediatamente e disse:

— Já incomodamos por tempo demais. Não ousamos perturbar mais a Imperatriz. Iremos nos retirar.

A Imperatriz Jiang não insistiu para que ficassem e mandou que as criadas as acompanhassem até a saída. Hong Wanqing seguiu a mãe e a tia. Quando estavam saindo pelo portão do Palácio Cining, viram um eunuco conduzindo um jovem para dentro.

A Marquesa de Wuding lançou um olhar ao homem, abaixou os olhos e fez uma leve reverência:

— Comandante Lu.

A Marquesa de Yongping e Hong Wanqing também o cumprimentaram. O homem retribuiu o gesto com um leve sorriso e as mãos unidas:

— Marquesa de Wuding, Marquesa de Yongping, que estejam bem.

Hong Wanqing, ainda atrás da mãe, usou a manga para esconder-se e observou discretamente o homem à sua frente. O olhar foi rápido e leve, mas a deixou surpresa.

Ele vestia uma túnica vermelha com peixes voadores, ombros decorados com nuvens coloridas tecidas, e nas mangas e joelhos havia bordados de peixes voadores com dois chifres e do símbolo Fushan Shouhai, contornados com padrões multicoloridos. O bordado já era vibrante, mas o pó dourado nas bordas fazia com que brilhasse ainda mais sob o sol.

(Nota: “Fushan Shouhai” [福山寿海] refere-se ao Lago Kunming e à Montanha da Longevidade, no Palácio de Verão. Vista de cima, a área se assemelha a pêssegos da longevidade e morcegos da sorte, representando boa fortuna.)

O que mais surpreendeu Hong Wanqing foi a idade e aparência dele.

Lu Heng era famoso na capital havia muito tempo. Em sua mente, ao ouvir o pai mencioná-lo em tom sério, ela sempre o imaginou como um homem de meia-idade, entre trinta e quarenta anos. Nunca esperava que fosse tão jovem...

E tão bonito.

Ela desviou o olhar rapidamente, mas não conseguiu esconder o choque. A Marquesa de Wuding e a de Yongping também ficaram tensas ao vê-lo. A primeira forçou um sorriso, endireitou-se e cedeu passagem:

— Então é mesmo o Comandante Lu. A Imperatriz Viúva de Xingguo ainda está no interior. Não a faça esperar muito, por favor, Comandante.

Lu Heng respondeu com cortesia, recuou um passo, ergueu a mão e disse:

— A marquesa está sendo muito cortês. Por favor, a senhora primeiro.

Hong Wanqing não resistiu e lançou mais um olhar surpreso a Lu Heng. Ele mantinha um sorriso suave, falava com gentileza, e seus gestos eram elegantes. Nada lembrava o temido comandante da Guarda Imperial — parecia mais um estudioso humilde e respeitoso.

A Marquesa de Wuding não queria prolongar a interação com Lu Heng ali no Palácio Cining. Pediu desculpas e passou por ele, conduzindo as mulheres para fora.

Hong Wanqing seguiu a mãe de cabeça baixa. Ao cruzar por ele, teve a impressão de sentir o olhar de Lu Heng pousar levemente sobre si — tão sutil quanto uma libélula tocando a água —, e logo se afastar.

Ela não sabia se era imaginação sua. Depois de caminhar por um bom trecho para longe do Palácio Cining, a tia e a mãe soltaram um longo suspiro de alívio.

Hong Wanqing segurou-se por um tempo, até que finalmente perguntou em voz baixa:

— Mãe, tia... aquele era Lu Heng?

A Marquesa de Yongping também parecia incrédula:

— Então é ele. É mais jovem do que eu imaginava.

Ao ouvir isso, a Marquesa de Wuding disse:

— Ele só tem vinte e três anos, então não é assim tão jovem.

A Marquesa de Yongping já sabia fazia tempo que Lu Heng se tornara famoso muito jovem, mas ver com os próprios olhos era muito mais impactante do que imaginava. Ela suspirou e não resistiu à curiosidade:

— Ele é um oficial externo. O que está fazendo dentro do palácio?

A Marquesa de Wuding balançou a cabeça e respondeu de maneira contida:

— Deve ser por causa da assombração recente. Quando era criança, ele frequentava muito a mansão do Monarca Xing, praticamente cresceu diante da Imperatriz Viúva de Xingguo. O relacionamento entre eles é bem mais próximo que o nosso. O imperador deve ter confiado o caso a ele. Veio ao palácio para investigar e aproveitou para visitar a imperatriz viúva, como é seu direito.

Ao dizer isso, a Marquesa de Wuding suspirou silenciosamente por dentro. Todos na capital diziam que Lu Heng era autoritário, mas na visão dela, ele era claramente alguém extremamente cauteloso. Mesmo exercendo grande poder tão jovem, jamais se deixava levar pela arrogância. Era sóbrio, e com todas as mulheres que encontrava no palácio, fazia questão de ceder o caminho primeiro.

Trabalho de alto perfil, conduta de perfil baixo. Aquele jovem não podia ser subestimado.

Embora a Mansão do Marquês de Wuding tivesse uma relação antiga com a Imperatriz Jiang, essa conexão limitava-se ao fato de que o Marquês de Wuding fora um subordinado do pai da imperatriz. Fora isso, a família Guo não tinha qualquer intimidade com ela. Como poderiam competir com Lu Heng, que era quase como um filho para a imperatriz viúva?

Por isso, assim que a Marquesa de Wuding soube que Lu Heng estava vindo, retirou-se imediatamente.

Ela ficou com sentimentos mistos e ainda aproveitou para alertar a cunhada e a sobrinha:

— Não se deixem enganar por aquele rosto bonito e aparência encantadora. Ele tem um coração muito mais profundo do que parece. Lembrem-se de manter distância.

A Marquesa de Yongping assentiu várias vezes:

— Claro. É até estranho... só de olhar nos olhos dele já me senti desconcertada. Wanqing, especialmente você, desvie sempre que cruzar com ele, entendeu?

Hong Wanqing pareceu obediente na aparência, mas por dentro, baixou os olhos para esconder seus próprios pensamentos. Então ele era Lu Heng... o famoso comandante da Guarda Imperial. Aquele homem que estava ao lado de Wang Yanqing naquele dia... era ele.

No Palácio Cining, Lu Heng sentou-se à beira do leito e ofereceu chá à Imperatriz Jiang:

— Faz muito tempo desde a última vez que vim cumprimentá-la. Como tem se sentido? O remédio que mandei da última vez fez algum efeito?

Desde que a imperatriz adoeceu, Lu Heng recolheu muitas receitas secretas e ingredientes medicinais de vários lugares e os enviou ao palácio. Embora seu corpo não estivesse presente, sua dedicação nunca falhou — talvez fosse mais atento até mesmo que o imperador.

Ao ver Lu Heng, a expressão da Imperatriz Jiang ficou muito mais relaxada do que estivera com a família Guo. Com um tom de leve reprovação, disse:

— Já estou velha. A velhice, a doença e a morte são naturais. Cuide da sua própria vida e pare de se preocupar comigo. Você reuniu remédios de todos os cantos... nem sei quanto esforço isso lhe custou. Não precisava.

— Não atrapalha — respondeu Lu Heng com um leve sorriso. — Não entendo de medicina, então não posso ajudá-la com tratamentos. Só posso me empenhar nesses pequenos gestos. Se sua saúde melhorar, já me dou por satisfeito.

A Imperatriz Jiang o repreendia com palavras, mas seu rosto transbordava alívio. Ela usou o chá para aliviar o amargor na boca, querendo deixá-lo de lado. Ao ver isso, uma criada se adiantou imediatamente, mas Lu Heng foi mais rápido, pegou a xícara e a colocou com naturalidade sobre a bandeja ao lado.

A criada abaixou os olhos e recuou com a bandeja nas mãos. A garganta da imperatriz estava um pouco mais confortável, e ela perguntou:

— O imperador o chamou hoje por causa da assombração no leste?

Lu Heng assentiu. Embora estivesse dividido por dentro, manteve a expressão calma diante da imperatriz:

— Não se preocupe, vou encontrar o canalha que está fingindo ser um fantasma o quanto antes. A senhora só precisa se recuperar em paz. Deixe o resto comigo.

A Imperatriz Jiang não se preocupava com isso. Bateu de leve na mão de Lu Heng e disse:

— Confio em você. Você e o imperador sempre foram crianças inteligentes... e se meteram em muitas encrencas quando pequenos. Um tem a cabeça cheia de ideias, o outro tem iniciativa para executá-las. Assim, nem um palácio inteiro é suficiente para tanta confusão.

Ao relembrar os velhos tempos da mansão do Monarca Xing, a voz da imperatriz mesclava reclamação e carinho. Lu Heng sorriu:

— Eu era ignorante na juventude. Graças aos seus cuidados, é minha vez de cuidar da senhora agora.

A Imperatriz Jiang suspirou:

— Não precisa me consolar. Já vivi o suficiente para saber o que estou fazendo. Na minha vida, casei-me saindo da capital para Anlu, depois voltei de Anlu para a capital. Desfrutei de bênçãos e enfrentei tempestades. Não tenho arrependimentos. Mas... ainda me preocupo com vocês dois. O imperador não está bem de saúde e até hoje não tem um filho. E você... me preocupa ainda mais. Já não é mais um menino, e até agora não se casou.

O imperador era três anos mais velho que Lu Heng, mas estava muito à frente no quesito casamento. Lu Heng ainda não tinha se casado, enquanto o imperador já possuía várias concubinas — e até mesmo trocara de imperatriz duas vezes.

Lu Heng arqueou levemente as sobrancelhas, sentindo-se impotente. Toda vez que venho ao palácio, sou pressionado a casar. O nascimento de herdeiros do imperador estava ligado à estabilidade do império. Mas, mesmo que todos estivessem preocupados com isso, ele não tinha por que se apressar — afinal, não era dele a obrigação de perpetuar a linhagem.

Enquanto a Imperatriz Jiang falava, Lu Heng sorria, escutava, e assentia de tempos em tempos. Sua atitude ao admitir erros era ótima — mas não tinha a menor intenção de mudar.

A Imperatriz Jiang falou por muito tempo. Ao ver que ele realmente prestava atenção, perguntou:

— Você tem vinte e três este ano... e então? Já tem alguém de quem goste? Se houver alguém adequada, vamos resolver isso logo e organizar o casamento enquanto eu ainda estiver viva.

Ao ouvir isso, Lu Heng não ousou mais se fazer de morto e respondeu rapidamente:

— Ainda estou de luto pelo meu pai... não tenho cabeça para essas coisas agora.

A Imperatriz Jiang franziu o cenho, um pouco irritada, e disse com seriedade:

— Mesmo de luto, pode prestar atenção nos pretendentes. Você viu a Senhorita Hong que acabou de sair?

Lu Heng assentiu. A Imperatriz Jiang disse:

— A situação familiar dela é parecida. Apesar de o noivo ainda estar de luto, as duas famílias já se observaram há tempos. Assim que o luto acabar, o casamento será decidido de imediato. Acho esse método ótimo. Antes do noivado, os jovens ainda podem cultivar o afeto entre si. Ela comentou que o noivo parece ser...

A imperatriz fez uma expressão confusa, tentando lembrar o nome. Lu Heng sorriu levemente e completou:

— Fu Tingzhou, Marquês de Zhenyuan.

A Imperatriz Jiang bateu as palmas:

— Isso! Por que, você o conhece?

Lu Heng sorriu com significado e passou a esfregar os dedos devagar:

— Temos... um certo passado.

A Imperatriz Jiang notou a expressão dele e, por instinto, sentiu que havia algo complicado por trás. Ela suspirou:

— Já estou no palácio há muito tempo... não consigo mais acompanhar você e o imperador. Os dois têm suas próprias ideias, e não preciso me preocupar, mas como alguém com mais experiência, ainda preciso lembrá-lo: não olhe só para a corte. Dê mais atenção à família. No fim, fama, fortuna e poder são ilusórios. Apenas os familiares vão acompanhá-lo pela vida.

Lu Heng respondeu com uma expressão séria, mas a Imperatriz Jiang percebeu que ele não levava aquilo a sério. Ele e o imperador são jovens demais, cheios de ambição e força. Como poderiam ouvir conselhos assim?

Se não experimentassem essas coisas por conta própria, ninguém conseguiria convencê-los. A Imperatriz Jiang não conseguiu evitar um acesso de tosse. Lu Heng notou o cansaço no rosto dela e disse:

— Agradeço pelos conselhos. Se eu tiver alguém de quem goste, a primeira pessoa a saber será a senhora. Agora, descanse em paz. Vou me retirar.

A Imperatriz Jiang sabia que Lu Heng ainda estava ocupado e assentiu, permitindo que ele se retirasse. Ela vivia no oeste do Palácio Cining, enquanto a Imperatriz Zhang morava no leste do Palácio Ciqing, separados pelo Palácio Qianqing, o Palácio Fengtian e outros salões centrais — uma distância equivalente à metade da Cidade Proibida. Foi justamente por isso que os rumores de assombração no Palácio Ciqing não chegaram até o Palácio Cining.

Lu Heng saiu do Palácio Cining e, acompanhado por um supervisor cerimonial, dirigiu-se ao Portão Leste. Guo Tao e os outros já o aguardavam ali e, ao vê-lo, apressaram-se em saudá-lo:

— Comandante!

Lu Heng respondeu com um leve aceno e perguntou:

— Trouxe todos?

— Meus subordinados trouxeram o melhor pessoal da Divisão Sul de Fusi.

— Ótimo — disse Lu Heng. — Vamos para o Palácio Ciqing.

Lu Heng pensava consigo mesmo que aquele dia estava realmente movimentado. Assim que recebeu a ordem, correu para o Palácio Qianqing, depois foi cumprimentar a Imperatriz Jiang no Palácio Cining, e agora ia até o Palácio Ciqing para "expulsar fantasmas" em nome da Imperatriz Zhang — estava praticamente dando a volta completa no palácio. No entanto, as pessoas do Palácio Leste pareciam não entender isso nem um pouco.

Ao encontrar-se com a Imperatriz Zhang, bastou mencionar o assunto da assombração para que ela se irritasse, repreendendo-o duramente pela incompetência da Guarda Imperial. Lu Heng aguardou em silêncio até que ela terminasse de descarregar sua raiva, então perguntou:

— Imperatriz de Xingguo, ultimamente há rumores de fenômenos estranhos se espalhando pelo palácio, e este oficial também está muito preocupado. Recebi ordens para investigar o que está acontecendo no Palácio Ciqing. Ousaria perguntar à Vossa Majestade, o que foi exatamente que viu naquela noite do vigésimo nono dia do primeiro mês lunar?

Aquela era justamente a noite em que a Imperatriz Zhang teria encontrado um fantasma e desmaiado. Lu Heng, temendo irritá-la ainda mais, evitou palavras como “fantasma”. Mesmo assim, a imperatriz enfureceu-se, dizendo que não se sentia bem e que não queria sequer lembrar daquela noite. Lu Heng não teve escolha a não ser se afastar e mandar chamar o médico imperial para verificar seu pulso.

Ele já imaginava que seria difícil interrogar a Imperatriz Zhang, mas ainda assim subestimou a complexidade da situação.

Ela fora a primeira a ver o tal fantasma — e a única a tê-lo visto de perto. Seu testemunho era crucial. Porém, vendo seu estado atual, parecia mais fácil subir ao céu do que arrancar dela uma descrição sincera do que presenciara.

Lu Heng teve que procurar outras pistas. O encontro com o suposto fantasma teria acontecido no quarto. Ele aproximou-se da janela e examinou o chão, mas tudo já havia sido limpo. Virando-se, viu as criadas todas afastadas, com os rostos tomados de medo. Ao perceberem que ele olhava em sua direção, começaram a tremer ainda mais, sem conseguir sequer falar.

As criadas do Palácio Ciqing estavam exaustas, aterrorizadas com os incidentes sucessivos. Nenhuma ousava se aproximar do lugar onde se dizia que o fantasma aparecia. Lu Heng lançou um olhar frio sobre elas e perguntou:

— Quem está no comando entre vocês?

As criadas empurraram a responsabilidade de uma para outra. Ninguém teve coragem de se apresentar — até que, finalmente, uma mulher bem vestida, na casa dos trinta anos, deu um passo à frente e o saudou:

— Comandante.

Lu Heng a observou e perguntou:

— Quem é você?

— Qin Xiang’er, oficial feminina do Departamento de Vestuário Real.

Lu Heng apontou para as marcas no chão e questionou:

— Por que removeram os vestígios?

Qin Xiang’er respondeu:

— Comandante, naquele dia, a imperatriz adoeceu após ter encontrado algo impuro. Não ousamos assustá-la novamente, então limpamos todos os rastros.

Lu Heng manteve a calma e perguntou:

— Quem deu essa ordem?

Qin Xiang’er hesitou por um instante, depois baixou a cabeça:

— Fui eu.

Lu Heng assentiu, deu a volta na janela e perguntou:

— Onde exatamente a imperatriz desmaiou?

Qin Xiang’er aproximou-se para indicar o local. Após examinar a área, Lu Heng perguntou:

— Quem foi que encontrou a imperatriz primeiro?

Qin Xiang’er mandou chamar a criada responsável, e Lu Heng levou a jovem para um salão lateral, onde começou a interrogá-la. Porém, ela tremia tanto que mal conseguia responder às perguntas.

Ela não sabia o que havia acontecido, nem se ouvira algum som naquela noite. Vendo que não conseguiria extrair nenhuma informação, Lu Heng a dispensou com um aceno.

Guo Tao entrou vindo do lado de fora, com uma expressão claramente frustrada. Ao vê-lo, Lu Heng perguntou:

— Encontrou alguma pista?

Guo Tao balançou a cabeça, suspirando:

— Disseram que este é o Palácio da Imperatriz, que não pode ser revirado, nem tocado... Como vamos investigar assim?

A única testemunha se recusava a falar. A cena do "crime" havia sido completamente limpa. Guo Tao estava prestes a enlouquecer — agora entendo o ditado: até mesmo a mulher mais habilidosa não consegue cozinhar sem arroz. Olhou para Lu Heng, esperando que ele tomasse uma decisão. Após pensar por um instante, Lu Heng disse:

— De acordo com o que relataram, na noite do vigésimo nono dia do primeiro mês lunar, a imperatriz encontrou a tal mulher fantasma, ficou assustada e adoeceu. Desde então, as criadas passaram a fazer vigília juntas, e eunucos foram posicionados do lado de fora do Palácio Ciqing. No quinto dia do segundo mês lunar, enquanto cinco criadas estavam sonolentas, ouviram de repente uma mulher chorando do lado de fora. Mas, ao saírem, não havia ninguém. Correto?

Guo Tao assentiu:

— Correto. Comandante, deseja que chamemos as cinco criadas que ouviram o choro para interrogatório?

Lu Heng levantou-se, balançando a cabeça:

— Não é necessário. O primeiro incidente é o mais importante, não há pressa agora. O portão do palácio está prestes a ser trancado, e já é inconveniente permanecermos aqui. Avise todos para recuarem. E ordene que todos os membros do Palácio Ciqing — criadas ou eunucos — retornem ao palácio, tranquem-se à noite, vigiem uns aos outros e ninguém deve sair sem permissão. Coloque algumas pessoas alertas para patrulhar do lado de fora. Seja fantasma ou humano, não deixem ninguém se aproximar do Palácio Ciqing.

Guo Tao recebeu a ordem e foi imediatamente organizar as disposições. Era o único caminho por ora. Todas as evidências haviam sido destruídas. Não podiam mais seguir pistas dos dois primeiros encontros com o “fantasma”. Restava isolar o Palácio Ciqing. Ninguém sairia, ninguém entraria. Se não houvesse mais aparições, significava que o problema estava dentro. Então, investigariam um por um — e o culpado não teria como escapar.

Lu Heng foi até o salão principal do Palácio Ciqing, mas a Imperatriz Zhang já havia tomado a medicação e adormecido. Restou a ele conversar com Qin Xiang’er, agora responsável pelo palácio, sobre os procedimentos da Guarda Imperial. Qin Xiang’er não disse uma palavra, imediatamente convocou o pessoal, entregou a chave da guarda aos patrulheiros e trancou a porta do Palácio Ciqing por dentro, diante de Lu Heng.

Havia duas chaves do portão do Palácio Ciqing: uma com um eunuco e outra com os Guardas Imperiais. Depois de verificar se tudo estava em ordem, Lu Heng instruiu que ficassem atentos durante a noite e, então, deixou o palácio.

Como comandante de terceiro grau e autoridade máxima da Guarda Imperial, Lu Heng não precisava fazer ronda pessoalmente, então pôde voltar para casa e descansar. No entanto, as coisas saíram do controle. No meio da noite, uma nova notícia chegou do palácio e Lu Heng precisou retornar às pressas — afinal, nem havia conseguido dormir direito.

O Palácio Ciqing fora assombrado novamente. Dessa vez, várias criadas e eunucos ouviram gritos fantasmagóricos, além de batidas “toc toc toc” — como se algo quisesse arrombar a porta. A Imperatriz Zhang entrou em pânico, gritando que queria mudar de residência e recusando-se terminantemente a permanecer no Palácio Ciqing.

Mas o palácio não era uma estalagem onde se podia trocar de quarto à vontade. Lu Heng teve que lidar pessoalmente com a Imperatriz Zhang. Após muito esforço para acalmá-la, ela finalmente adormeceu — e Lu Heng ficou com as têmporas latejando de dor por causa do alvoroço.

Ao sair, os Guardas Imperiais que vigiavam do lado de fora logo o cercaram:

— Comandante!

Lu Heng dispensou as formalidades com um gesto e perguntou:

— Houve algum movimento durante a noite?

O guarda responsável pela patrulha balançou a cabeça, pálido:

— Meus subordinados estavam atentos, garantindo que ninguém se aproximasse do Palácio Ciqing. De repente, por volta do segundo quarto da noite, ouvimos gritos. Abrimos imediatamente a porta e corremos para dentro, mas... não havia nada.

Lu Heng perguntou:

— Quanto tempo levaram entre ouvir os gritos e entrar?

— Entramos na hora, Comandante. Nem deu tempo de tomar meia xícara de chá. Mas o Palácio Ciqing estava vazio. Não havia sinal de onde os gritos vinham, nem vestígios de assombração.

Os próprios guardas patrulheiros estavam confusos. Quando destrancaram a porta, ainda havia homens fazendo ronda do lado de fora. Se alguém realmente estivesse fingindo ser um fantasma, como poderia desaparecer no ar? Será que era mesmo um fantasma...?

Lu Heng ouviu o relato de horário e circunstâncias, mas não comentou nada. Apenas ordenou que continuassem de guarda. Depois de toda aquela confusão, quando enfim retornou à mansão, já eram quatro da manhã.

Lu Heng entrou e encontrou Wang Yanqing no pátio principal, surpreendendo-se:

— Você ainda está acordada?

O cabelo de Wang Yanqing estava despenteado, e ela usava uma veste jogada apressadamente sobre os ombros. Ao vê-lo voltar, aproximou-se rapidamente e perguntou:

— Segundo Irmão, o que aconteceu no palácio?

Quando Lu Heng saiu às pressas, Wang Yanqing foi acordada pela movimentação. Ao saber que ele havia partido, não conseguiu mais dormir e insistiu em esperá-lo no pátio principal. Quase uma hora depois, finalmente o viu retornar.

Vendo que ela vestia tão pouco, Lu Heng mandou que trouxessem um manto para cobri-la. Puxou-a para sentar ao lado do braseiro e suspirou, em voz baixa:

— Qing Qing, talvez eu vá precisar da sua ajuda com uma coisa.


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