Capítulo 36


Ling Xiran já havia acordado Lin Xinghe, então ela não pretendia voltar a dormir. Deu uma olhada nas horas — o sol despontava no horizonte.

Ela deu a Ling Xiran outra missão: patrulhar o navio de cruzeiro e procurar por ligui que estivessem se comportando mal.

— Se estiverem se comportando mal… posso comer? — perguntou Ling Xiran.

Lin Xinghe lançou-lhe um olhar.

Desde que experimentara a sensação do combate, Ling Xiran ficara mais sedenta por sangue.

— Você sente dor? — perguntou Lin Xinghe.

— Um pouco, mas é suportável.

— Comer alguma coisa alivia essa dor?

Ling Xiran assentiu com vigor.

— Os funcionários do navio serão bens valiosos no futuro — explicou Lin Xinghe. — Cada um que você devora representa uma unidade de mão de obra perdida. Se estiver com fome, tente aguentar, ou coma outras almas — de animais, de plantas… o gosto talvez não seja tão bom, mas, se não treinar seu apetite agora, será fácil enlouquecer e perder o que lhe resta de humanidade.

— Mestre, não se preocupe! Vou controlar meus desejos! Não me tornarei uma pessoa… digo, um fantasma consumido pelos desejos — respondeu Ling Xiran, cerrando os punhos. — Vou me esforçar ao máximo para cumprir a missão e prometo não comer os ligui. Se eu encontrar algum desobediente ou que viole o tratado… eu só vou lamber ele!

Ela engoliu em seco ao dizer isso.

— Certo, boa sorte — disse Lin Xinghe.

Lembrou-se de algo e acrescentou:

— Aliás, quanto você sabe sobre a segunda rodada do massacre?

— Não sei muita coisa — respondeu Ling Xiran. — Sempre ficávamos escondidos na sala escura, sem som nem luz. Só sabíamos que, no oitavo dia, o navio de cruzeiro seria invadido por criaturas desconhecidas, que realizavam uma segunda rodada de massacres baseando-se nas vozes do exterior…

— Matavam os passageiros?

— Provavelmente. Depois que os passageiros morriam, tornavam-se fantasmas e eram massacrados novamente. Mas não sei quanto aos funcionários. Nem sei se o número deles diminuía…

Lin Xinghe assimilou as informações e assentiu.

— Mestre, estou indo! — disse Ling Xiran, acenando com a mão.

Depois de despachar Ling Xiran, Lin Xinghe chamou o mordomo Lin para trazer-lhe o café da manhã.

O mordomo Lin jamais imaginara que seus companheiros no navio cairiam numa situação tão lamentável. Quando Lin Xinghe embarcou, ele jamais suspeitou que uma garota com aparência tão inofensiva pudesse matar e torturar seu espírito. Depois, ela ainda incentivou seus companheiros a estudarem e torturarem os outros tripulantes da mesma forma. Por fim, forçou o capitão a assinar um tratado completamente injusto. Agora, ele só podia servi-la com um sorriso profissional no rosto e o ódio bem enterrado no coração.

— O mordomo Lin está me desrespeitando?

— De modo algum. É uma honra servi-la.

— O mordomo Lin realmente tem uma postura profissional exemplar — comentou Lin Xinghe com um sorriso.

— Muito obrigado — respondeu ele com frieza.

— Tenho algumas perguntas a fazer. Espero que coopere comigo sobre as informações da segunda rodada do massacre — disse Lin Xinghe, ainda sorrindo.

Vendo a expressão nervosa do mordomo, ela acrescentou:

— Não precisa ficar nervoso. Só quero conversar. Será melhor se responder com sinceridade~

Enquanto falava, acariciava Xiao Xue Ji, que estava enroscada em seus braços.

No fundo, Xiao Xue Ji soltou um silvo feroz.

Só que gatinhos são fofos mesmo quando tentam parecer ferozes, ainda mais esse — uma gata ragdoll com olhos azuis como garrafas.

Xiao Xue Ji pareceu perceber que não era intimidadora o suficiente e se transformou numa menininha, com as já conhecidas cinco bocas, e silvou para o mordomo Lin.

Apesar de já ter presenciado a gata ragdoll se transformar numa serpente verde, ao vê-la agora como uma menininha com cinco bocas, o mordomo não conseguiu evitar o choque.

… Que monstro!

E ao ver Lin Xinghe continuar acariciando sua cabeça, ele pensou:

… A mãe de um monstro.

— Por favor, pergunte o que quiser — disse ele, forçando um sorriso.

— Que tipo de criatura é responsável pela segunda rodada do massacre? E não me venha dizer que não sabe — afirmou Lin Xinghe. — É impossível que não saiba. Depois de tantas reencarnações, não acredito que nunca os encontrou.

— Eles são chamados de ogros abissais — respondeu o mordomo Lin.

Era a primeira vez que Lin Xinghe ouvia esse nome, e achou bem interessante.

— Oh?

— Estamos neste navio desde que ganhamos consciência, e não lembramos o que houve antes disso. Todas as nossas almas estão seladas aqui. Há muito tempo, este navio não se chamava Rosa Invernal Alpina, e sim O Espírito Risonho.

— Desde então, sempre houve duas rodadas de massacre a cada reencarnação?

O mordomo sacudiu a cabeça:

— Não. A rota que seguíamos era diferente da atual. Nosso navio se perdeu no oceano, e ninguém mais sabia de sua existência. Até que um dia, os ogros abissais apareceram, ocuparam o navio e trocaram seu nome para Rosa Invernal Alpina. A partir daquele dia, os ciclos de reencarnação começaram oficialmente.

Lin Xinghe chegou a algumas conclusões e perguntou:

— Então vocês são todos vítimas? Os ogros abissais os forçaram a matar?

— Sim! No oitavo dia, os ogros abissais sobem a bordo e massacram os espíritos dos passageiros. Todos os funcionários do navio, na verdade, são cozinheiros dos ogros abissais — fomos obrigados a procurar, limpar, cozinhar, decorar e servir os pratos para o grande banquete deles.

— Os ogros abissais sabem sobre o espaço seguro atrás da pintura no salão de exposições?

— Não tenho certeza.

— E por que vocês não entravam, mesmo sabendo que havia gente lá dentro?

— Não conseguíamos entrar.

— Por quê?

— Também não sei bem o motivo, mas quando há luz ou som lá dentro, as bordas do espaço seguro se abrem e conseguimos jogar coisas para dentro. Mas, assim que a luz e o som somem, as aberturas desaparecem.

— Entendi — disse Lin Xinghe, pensativa. — Pode se retirar.

—Quem é? — perguntou Lin Xinghe ao ouvir batidas à porta.

—Sou eu.

—Espere um momento.

Ao reconhecer a voz de Fu Zhou, Lin Xinghe abaixou o tom e sussurrou para Xiao Xue Ji:

—Volte a ser um gato.

Xiao Xue Ji esfregou a cabeça nos braços de Lin Xinghe e recolheu as cinco bocas, transformando-se numa menininha comum, com olhos cintilantes e úmidos.

—Não quer voltar a ser um gato? — perguntou Lin Xinghe.

Xiao Xue Ji abriu a boca, como se quisesse dizer algo, mas rapidamente a fechou de novo.

Lin Xinghe entendeu o que Xiao Xue Ji estava pensando e, de repente, sentiu um aperto no peito.

A garotinha vinda da sala de exame da Donzela da Neve era extraordinariamente obediente e sensata. Lin Xinghe havia dito para ela não falar, e desde então, nunca tinha aberto a boca na frente de ninguém. A hesitação agora era evidente.

Ela era sensata demais — era impossível não se compadecer dela.

Lin Xinghe também sentia que já era hora. Todos os alunos da escola sabiam que Xiao Xue Ji tinha comido o Jinwudan, o que lhe conferira habilidades incríveis.

Ela então abaixou a cabeça e perguntou, para encenar diante da transmissão ao vivo:

—Você consegue falar?

Xiao Xue Ji levantou a cabecinha e disse suavemente:

—Mamãe, abraça...

【Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! Eu vou derreter!】

【Xiao Xue Ji é tão fofa! A voz dela é tão suave e linda!】

【Owo desculpa, estou oficialmente abandonando o ship cobra-gato! O cisne fêmea é linda sozinha, aquela cobra fedorenta não é digna do meu cisne!】

【Meu Deus, o Jinwudan do Xie Wuan é incrível! Depois de se transformar em vários bichos, agora ela até fala! Caramba, também quero comer um Jinwudan!】

【Chefe do clã, abraça ela! Abraça até esmagar!】

【Por favor, chefe do clã, abrace logo, meu coração realmente derreteu!】

...

O coração de Lin Xinghe também derreteu, e ela imediatamente abraçou Xiao Xue Ji.

Xiao Xue Ji a chamou de novo, baixinho:

—Mamãe...

—Quando voltarmos para a escola, a mamãe vai te comprar algo gostoso pra comer — disse Lin Xinghe.

Xiao Xue Ji virou novamente um gato, esfregando a cabecinha felpuda na palma de Lin Xinghe.

Lin Xinghe acariciou a cabeça dela antes de pegá-la no colo e abrir a porta para Fu Zhou.

—Aconteceu alguma coisa?

—Vim compartilhar pistas com você — disse Fu Zhou.

Lin Xinghe o deixou entrar.

Fu Zhou nem se deu ao trabalho de sentar. Assim que a porta se fechou, começou a compartilhar as pistas que tinha conseguido com Lin Xinghe, ainda em pé.

Mas Lin Xinghe já havia obtido todas aquelas informações através do Mordomo Lin. Eram sobre os ogros abissais e não mencionavam nada sobre o espaço seguro.

Ela então compartilhou generosamente suas próprias descobertas com Fu Zhou.

Fu Zhou sentiu-se um pouco frustrado de repente. Passara a manhã inteira coletando informações, pensando que, se soubesse mais do que Lin Xinghe, ela o consideraria um bom companheiro de equipe. Não esperava que ela soubesse ainda mais do que ele.

Naturalmente, Lin Xinghe não fazia ideia do que ele estava pensando. Refletiu por um momento e perguntou:

—O Jiuge está no quarto?

—Não. Ele saiu cedo pra cuidar do cabelo.

—Em qual andar?

—No sexto.

—Vou procurar o Jiuge, quer vir junto?

—Claro.

Fu Zhou acompanhou Lin Xinghe até o sexto andar à procura de Jiuge.

Lin Xinghe contou a Jiuge sobre as pistas que descobriu e disse que queria ir até a sala escura investigar. No entanto, o navio estava cheio de estudantes, e ela não queria que muita gente invadisse o local de uma só vez.

—...Então espero que você impeça as pessoas do salão de exposições de entrarem — disse Lin Xinghe.

Afinal, Jiuge era um figurão do departamento de fantasia, um dissuasor poderoso quando posicionado na porta.

—Só precisa ficar lá parado, pode tomar seu chá de ervas enquanto os ligui te fazem uma massagem na cabeça. Eu vou procurar novas pistas e prometo compartilhar todas com você — acrescentou Lin Xinghe.

Jiuge não resistiu a tamanha tentação e aceitou prontamente.

Ser um escudo que vencesse sem esforço era um dos sonhos de Jiuge. Seu sonho supremo, é claro, era se formar na escola de vilões sem perder um único fio de cabelo.

Lin Xinghe e Fu Zhou entraram juntos no salão de exposições.

Lin Xinghe parou diante de uma pintura abstrata chamada "Sangue".

—O espaço seguro fica atrás desse quadro? — perguntou Fu Zhou.

—Sim, por favor, remova ele — respondeu Lin Xinghe.

Fu Zhou moveu a moldura do quadro. De repente, Lin Xinghe exclamou:

—Espere.

—O que foi?

—Esse quadro parece um pouco irregular. Os outros estão bem ajustados à moldura, mas o canto inferior direito deste está meio levantado.

Antes mesmo de terminar a frase, ela já havia retirado a moldura completamente.

Examinou com atenção. Seus dedos delicados apalparam a saliência até encontrar uma borda solta e rasgá-la. Havia outra pintura por baixo, levemente amarelada.

Mas o estilo artístico era completamente oposto ao de "Sangue".

Era o desenho das costas de uma mulher vestida com um luxuoso vestido de noiva branco, com cauda longa, de pé diante da entrada de um majestoso palácio.

O palácio era tão imponente que a noiva parecia minúscula.

Ao redor dela, floresciam rosas brancas.

Se Lin Xinghe não estivesse enganada, aquelas rosas brancas espalhadas ao redor da noiva eram rosas alpinas — as alpine rimeroses.

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