Capítulo 55: Usando a Estratégia do Inimigo Contra Ele
O grito de Han Yan atraiu imediatamente a atenção de todos. Do lado de fora, o caos reinava; surpreendentemente, os guardas da residência Zhuang estavam estirados no chão, aparentemente pegos de surpresa e totalmente indefesos. Apenas o capitão dos guardas, o mais habilidoso entre eles, ainda se esforçava para conter o avanço dos bandidos.
Um lampejo de desprezo cruzou os olhos de Han Yan. Esse homem é realmente dedicado ao dever... até mesmo agora, não consegue esquecer de fingir bravura — mas para quem ele está demonstrando lealdade?
Com os guardas caídos, mais de uma dúzia de homens corpulentos, vestidos de preto como bandidos, surgiram do lado de fora. O líder, montado em um grande cavalo, andava de um lado para o outro, mas não atacava imediatamente os que estavam no chão.
Han Yan sabia — eles estavam procurando por ela.
Dentro da carruagem, Zhuang Yushan ficou atônita por um momento antes de se lembrar de que sua mãe a havia alertado na noite anterior: não importava o que acontecesse, ela deveria manter a calma. O plano era arruinar Zhuang Han Yan. Zhuang Yushan não era burra; logo entendeu as implicações. O plano da minha mãe era fazer com que um grupo de bandidos sequestrasse Han Yan? Se isso acontecesse, a reputação de Han Yan estaria arruinada. E com uma filha em tal situação, Zhuang Shiyang certamente sentiria vergonha. Se ela, Zhuang Yushan, se comportasse com docilidade e sensatez, a posição de filha legítima seria praticamente sua. A ideia de Han Yan sendo humilhada por um grupo de brutamontes a encheu de prazer, e ela não conseguiu evitar levantar a cortina da carruagem, ansiosa para presenciar a desgraça da rival.
Inesperadamente, assim que ergueu a cortina, Ji Lan e Shu Hong, que estavam escondidas, gritaram juntas:
— Senhorita!
Zhuang Yushan hesitou por um instante, tentando entender a situação, quando as duas moças correram em sua direção. Han Yan também aparentava estar apavorada e gritou:
— Ji Lan, rápido! Protejam a Senhorita!
O homem montado no cavalo ficou inicialmente confuso; tinham sido pagos para sequestrar uma jovem com o cabelo preso em coque, que estaria na segunda carruagem. No entanto, ao chegarem, encontraram apenas uma carruagem — e ninguém com esse penteado. Os guardas haviam caído subitamente e estavam inconscientes, deixando-os desconfiados de que algo havia dado errado. Mas ao ouvir os gritos das duas servas e o chamado de Han Yan por Ji Lan, concluíram que a moça com o manto vermelho dentro da carruagem era o alvo. Afinal, haviam sido informados de que a quarta senhorita da família Zhuang possuía duas servas chamadas Ji Lan e Shu Hong.
Antes que Zhuang Yushan pudesse reagir, um dos homens de preto correu até a carruagem, agarrou seu braço e a puxou para fora. Zhuang Yushan ficou atordoada, prestes a dizer que não era a pessoa que procuravam, mas sua boca foi bruscamente tampada com um trapo. Ji Lan e Shu Hong correram desesperadas, gritando:
— Senhorita! Senhorita!
Han Yan, que estava ao lado das duas, vestia um casaco verde-claro semelhante, o que levou os bandidos a suporem que ela também era uma serva. Ficaram confusos, pois haviam sido informados de que, além das quatro criadas, só havia uma jovem senhora. Parecia que alguma mudança de última hora havia ocorrido.
Yun’er, a criada de Zhuang Yushan, permaneceu paralisada, sem entender como sua jovem senhora havia sido levada. Quis gritar, mas o medo a impedia de emitir qualquer som.
O homem que havia capturado Zhuang Yushan correu até o líder dos bandidos e a jogou sobre o cavalo. O líder estalou o chicote e ordenou:
— Retirada!
Zhuang Yushan gritou sem parar, seu pensamento em desespero: Eu não sou Zhuang Han Yan! Mas com a boca tampada, só conseguia emitir gemidos sufocados. O cavalo do líder galopou velozmente, levando Zhuang Yushan para longe. Ela lançou um olhar de fúria para Han Yan — e viu que a outra havia caído no chão, com aparência desalinhada e aflita, lançando-lhe um olhar piedoso. No entanto, havia algo curioso: o canto dos lábios de Han Yan trazia um leve sorriso.
O cavalo desapareceu ao longe, e Han Yan se levantou lentamente. Nesse momento, Yun’er, a criada de Zhuang Yushan, havia desabado no chão após sair da carruagem. Han Yan se aproximou com calma e disse:
— Não viu? Os guardas foram todos envenenados e não conseguem se mover. Sua senhorita foi sequestrada, por que ainda está parada aí e não corre para avisar as autoridades?
Yun’er ficou atônita por um instante, até que começou a recobrar a consciência. De repente, entendeu que Zhuang Yushan fora levada. Se a família Zhou descobrir, estou morta. As palavras de Han Yan pareceram uma tábua de salvação; ela se levantou cambaleando, pronta para correr. Han Yan a advertiu gentilmente:
— Os oficiais têm muitos assuntos diários para resolver. Considerando a urgência, você deve bater forte no tambor do lado de fora do yamen, para atrair a atenção do governador. Só assim sua senhorita será salva mais depressa.
Yun’er assentiu e saiu tropeçando. Só então Han Yan bateu as palmas das mãos e se ergueu. Ji Lan e Shu Hong se aproximaram. Quando Zhuang Yushan foi sequestrada, seu manto vermelho havia caído. Han Yan o pegou do chão, sacudiu a poeira, vestiu-o de novo, ajustou bem o laço e caminhou tranquilamente até o único capitão dos guardas ainda consciente.
Mais cedo, enquanto estavam no Templo Feng Ti para uma refeição, Shu Hong havia adicionado uma especiaria na comida dos guardas enquanto ajudava nos preparativos. Sozinha, a especiaria não era perigosa. Porém, ao ser combinada com outra substância, podia causar desmaios instantâneos.
Depois que os guardas terminaram a refeição, Zhuang Yushan mandou Ji Lan e Shu Hong para fora da carruagem. Han Yan já esperava por isso. Sabia que a carruagem não comportaria cinco pessoas e que Zhuang Yushan não permitiria que sua própria criada descesse — então Ji Lan e Shu Hong teriam de andar a pé com os guardas.
Enquanto Ji Lan conversava com os guardas do lado de fora, discretamente pingava a especiaria nas bainhas das espadas. Os guardas não notaram nada, mas quando sacaram suas espadas ao se deparar com os bandidos, a substância se dispersou, misturando-se com os resíduos do alimento no organismo, transformando-se em um veneno entorpecente. O capitão era mais vigilante, então Ji Lan usou uma quantidade mínima, o que o deixou apenas enfraquecido, mas ainda consciente.
Han Yan se agachou ao lado do capitão. Ele era um homem de meia-idade e havia observado tudo com clareza. Desde o momento em que Zhuang Yushan fora levada, lembrou-se das anomalias repentinas durante a viagem — a troca de mantos entre Han Yan e Zhuang Yushan, os guardas desmaiando de repente, Ji Lan e Shu Hong chamando Zhuang Yushan de “Senhorita”. Tudo se encaixava. Essa garotinha planejou tudo desde o começo, enganando a todos. Ela sabia do esquema de hoje e, propositalmente, armou para que sequestrassem Zhuang Yushan. No fim, a família Zhou deu um tiro no próprio pé, arruinando a vida de sua protegida enquanto Han Yan permanecia intacta.
Estava chocado, olhando com desconfiança para a jovem ao seu lado. Han Yan retribuiu o olhar com um sorriso gentil e perguntou:
— Está tudo bem, irmão?
Ele cerrou os dentes e respondeu com dificuldade:
— A Senhorita tem um plano e tanto.
Que astúcia! Permanecer tão calma, sem revelar nada de sua verdadeira natureza neste momento, me dá calafrios...
Han Yan não se incomodou com as palavras e sorriu ainda mais:
— Não se preocupe. Yun’er foi avisar as autoridades. Com certeza descobrirão a verdade e limparão os nomes de vocês.
Ela deu ênfase às palavras limpar os nomes, e então parou de olhar para o capitão. Voltou-se para Ji Lan e Shu Hong e disse:
— Qual de vocês sabe conduzir uma carruagem? A irmã Yushan foi levada, precisamos correr e levar a notícia.
Antes que pudesse terminar a frase, um escárnio soou atrás dela.
Capítulo 56: Virando o Jogo – Parte 1
Han Yan se virou e encontrou Fu Yunxi, He Lian Yu, Wei Ru Feng e um jovem desconhecido diante dela.
O resmungo frio viera de Wei Ru Feng, que deu um passo à frente, olhando para Han Yan com desprezo, e disse:
— Eu não esperava que a Quarta Senhorita Zhuang fosse tão cruel, a ponto de nem poupar a própria irmã.
Han Yan analisou os quatro. Um exalava nobreza, outro era de uma beleza marcante, o terceiro tinha uma presença gentil e refinada como jade, e o jovem desconhecido carregava um charme fresco e juvenil, que certamente conquistaria os corações das moças em qualquer multidão.
No entanto, aquela situação estava longe de ser apropriada para apreciar belezas — principalmente porque... haviam descoberto o erro deles. O olhar de Han Yan se fixou em Wei Ru Feng, cujo desdém lhe perfurava como um espinho. Parecia que ela, Zhuang Han Yan, jamais conseguiria entrar nos olhos daquele homem, nem nesta vida, nem na anterior. Talvez fosse destino; Zhuang Yushan era realmente afortunada — na vida passada, também fora levada por bandidos, e mesmo assim nenhum jovem aparecera para salvá-la.
Que ironia. Um sorriso sarcástico surgiu em seus lábios.
Wei Ru Feng, alheio aos pensamentos de Han Yan, havia ido naquele dia com alguns oficiais ao Templo Feng Ti para ouvir o Daoísta Qingfeng. Ao passarem por ali no caminho de volta, haviam presenciado tudo. Observaram cada movimento de Han Yan, especialmente o momento em que ela e suas duas criadas chamaram Zhuang Yushan de "Senhorita", atraindo assim a atenção dos bandidos para Zhuang Yushan. Todos entenderam o que havia acontecido.
Se fosse mais cedo, ao ouvir falar de intrigas entre uma filha legítima e uma ilegítima de uma família rica, ele não se importaria tanto. Mas ao perceber que era Han Yan, um sentimento de profunda decepção surgiu em seu coração.
O talento de Han Yan durante o banquete no palácio fora evidente para todos; por suas palavras escritas, ele julgara tratar-se de alguém de caráter nobre. Contudo, vê-la agora, fria e capaz de trair a própria irmã para se salvar, o envergonhava. Foi esse o sentimento que expressou com sua fala.
Após dizer aquilo, Wei Ru Feng sentiu que talvez tivesse sido duro demais; afinal, Han Yan era apenas uma menina de doze anos, e tais palavras vindas de um jovem como ele poderiam humilhá-la. Olhou para ela com um certo arrependimento — apenas para encontrar a garota à sua frente exibindo um sorriso indiferente.
Sua voz era clara e doce, mas soava como um sino abafado, reverberando discretamente nos ouvidos de todos:
— Por que o Jovem Mestre Wei diz tais palavras? Já que acha minhas ações tão vergonhosas e se considera um homem de justiça, por que ficou só observando a cena em vez de ajudar?
Ao ver o rosto de Wei Ru Feng enrubescer instantaneamente, Han Yan prosseguiu:
— Quer proteger a si mesmo e ainda posar de herói? Em que lugar do mundo é possível ter as duas coisas com tanta facilidade?
Ela caminhou até o lado da carruagem e se virou com um sorriso encantador:
— Ser cruel é muito mais direto do que ser hipócrita.
Sua exposição direta à omissão de Wei Ru Feng arrancou uma risada do jovem desconhecido, que observava com prazer a expressão rígida do outro.
He Lian Yu, porém, tinha uma expressão complicada. Aquela garotinha parecia ser uma pessoa diferente a cada vez que a via. Da última vez, no banquete do palácio, ela encantara a todos com sua inteligência e astúcia. Mas hoje, ao vê-la agir com frieza contra a irmã, revelava um lado feroz. E ainda por cima, falava com Wei Ru Feng sem a menor cerimônia; a maioria das garotas coraria e teria o coração acelerado na presença dele, mas ali estava ela, rebatendo com calma e deixando o jovem prodígio sem palavras. Realmente, era uma jovem que fazia as pessoas a enxergarem com novos olhos.
Quando Han Yan se preparava para subir na carruagem, uma voz fria ressoou:
— Já está curada?
Era a voz de Fu Yunxi. Han Yan se virou e viu a figura alta dele a poucos passos de distância, olhando para ela com um olhar gélido e penetrante. Ela abaixou a cabeça e respondeu suavemente:
— Agradeço a Vossa Alteza pelo remédio. Han Yan está bem agora.
Ao ouvir isso, a expressão de Wei Ru Feng escureceu ainda mais.
Han Yan assentiu para os demais e disse:
— Minha irmã sofreu um acidente e preciso correr para relatar às autoridades. Com licença.
Sem olhar para trás, ela entrou na carruagem, onde Shu Hong e Ji Lan já estavam, apressando os cavalos para partirem logo.
Os espectadores restantes ficaram em silêncio. Após um momento, o jovem bonito perguntou:
— Quem é essa Senhorita? Bastante interessante.
He Lian Yu respondeu:
— É a Quarta Senhorita da família Zhuang.
— A filha do Lorde Zhuang? — O rapaz ficou surpreso, mas logo retomou a compostura. — A filha do Lorde Zhuang é mesmo fascinante.
Enquanto conversavam, começaram a se afastar discretamente de Wei Ru Feng, que acabara de ser publicamente repreendido por Han Yan. Seu rosto estava lívido, e sua habitual gentileza havia desaparecido, dando lugar a um traço sombrio no olhar.
Enquanto isso, Han Yan e Ji Lan já haviam chegado à margem arenosa do rio. A carruagem começou a desacelerar gradualmente. De repente, Ji Lan exclamou:
— Ai, não, Senhorita! A carruagem não está obedecendo, o que fazemos? Não consigo controlar!
Enquanto falava, puxou bruscamente as rédeas, fazendo com que a carruagem girasse de repente e seguisse para o leste, em direção à cidade.
A voz calma de Shu Hong veio de trás da cortina:
— Provavelmente os cavalos se assustaram com os bandidos. Precisamos trabalhar juntas para chegar à Torre Wangjiang, no sul da cidade, antes do banquete de fogos de artifício. O mestre e as senhoras estão nos esperando lá.
Embora dissesse isso, ela aproveitou para chicotear os cavalos, fazendo a carruagem avançar ainda mais para o leste.
Ao ouvir a troca de palavras entre as duas, Han Yan não pôde evitar um sorriso. Ji Lan e Shu Hong haviam ido com ela ao hipódromo quando seu avô ainda era vivo, e lhe ensinaram a cavalgar. As duas também haviam aprendido, e embora não fossem especialistas, conseguiam lidar com a situação agora. Han Yan sorriu e instruiu de forma displicente:
— O que vamos fazer? Vocês é que precisam pensar em uma solução. Se nos atrasarmos e não conseguirmos salvar a irmã Yu Shan, todas seremos punidas.
Seu tom parecia aflito, mas sua expressão se manteve calma enquanto firmava o pote de mel sobre a mesinha e pegava uma ameixa em conserva de dentro dele.
Mu Feng, que seguia a carruagem de Han Yan, sentiu que poderia cuspir sangue. Ver as duas criadas mentindo com tanta convicção, enquanto Han Yan cooperava com naturalidade, o deixou pasmo. A futura Princesa... realmente é astuta.
Shu Hong costumava ser cuidadosa e, naquele momento, com o sol se pondo, a luz projetava longas sombras atrás da carruagem. Ela notou uma silhueta incomum na sombra e seu coração acelerou. Subitamente, cutucou Ji Lan e trocou com ela um olhar cúmplice.
Mu Feng seguia cautelosamente a carruagem, mas como havia poucas árvores para se esconder, teve que usar leveza corporal para manter a distância. Foi então que a carruagem inesperadamente virou por um caminho estreito e desapareceu de vista. Ele saltou rapidamente atrás, mas só encontrou o vazio após a curva. Seu coração afundou ao perceber que havia algo errado, e partiu em perseguição.
Assim que sua figura desapareceu, Ji Lan e Shu Hong suspiraram aliviadas das sombras. Han Yan pensou por um instante e disse:
— Vamos por outro caminho. É um desvio, mas ainda temos tempo de sobra.
Ji Lan e Shu Hong assentiram, mas Han Yan franziu a testa. Afinal, quem estava os seguindo? Com aliados e inimigos incertos, era melhor ser prudente.
A carruagem enfim entrou na cidade, mas seguiu diretamente para o leste. Ela serpenteou por ruas estreitas na parte oriental da cidade. Quando Han Yan achou que era o momento certo, decidiu seguir para o sul. Para não chamar atenção, escolheu ruelas onde viviam camponeses. No meio do caminho, Shu Hong entrou em uma casa de chá para comprar bebidas para Han Yan, parando a carruagem em frente a uma loja próxima.
Han Yan descansava com os olhos fechados, encostada no assento da carruagem, quando ouviu alguém falando ali perto, mencionando “Sétimo Príncipe...” Assim que captou essa expressão, Han Yan se sentou ereta, com o coração acelerado, e puxou discretamente a cortina para espiar do lado de fora.
Viu um jovem criado bem vestido conversando com uma bela mulher. Han Yan franziu o cenho, achando que a mulher lhe era familiar, embora não conseguisse se lembrar de onde. Os dois estavam bem próximos da carruagem, provavelmente supondo que ninguém estivesse dentro, já que fazia um tempo que estava tudo em silêncio.
Han Yan tinha ouvido apenas a menção ao “Sétimo Príncipe”, pensando que se referia a ele, mas não conseguiu captar todos os detalhes. Quando tentou prestar mais atenção, os dois encerraram a conversa e se dirigiram à casa de chá.
Han Yan se concentrou. Ela não sabia o que o Sétimo Príncipe estava planejando, mas sentia um desconforto crescente no peito. Ji Lan e Shu Hong saíram da casa de chá, entregaram-lhe o chá, e então retomaram a viagem.
Naquela noite, o sul da cidade estava especialmente animado, pois acontecia o banquete anual de fogos de artifício. Incontáveis moças e rapazes se reuniam para apreciar os fogos e o festival de lanternas — de fato, uma ocasião encantadora. Oficiais e nobres haviam chegado cedo à Torre Wangjiang para garantir os melhores lugares para apreciar o espetáculo.
À medida que se aproximavam do sul da cidade, a carruagem de Ji Lan e Shu Hong chacoalhava e sacolejava em meio à multidão, atraindo olhares. As duas criadas pareciam assustadas, com as roupas desalinhadas, como se tivessem rolado na poeira.
Han Yan sorriu suavemente dentro da carruagem, ergueu o braço e derrubou os potes e xícaras de chá da mesinha, misturando o líquido e os alimentos em uma confusão. Depois, dobrou cuidadosamente seu manto e o colocou sobre o banco traseiro da carruagem. Ajustou a gola da roupa e se sentou ereta.
No segundo andar da Torre Wangjiang, muitos oficiais e nobres já estavam acomodados. Zhuang Shiyang havia reservado uma mesa junto à janela dois dias antes; embora cara, permitia uma visão rara da beleza do evento. No entanto, Han Yan e Zhuang Yushan ainda não haviam chegado, fazendo com que ele franzisse o cenho.
— Por que Yan’er e as outras ainda não voltaram?
Nesse momento, Concubina Zhou conversava com a esposa de um oficial de quinto escalão. Ao ouvir suas palavras, tentou tranquilizá-lo:
— Provavelmente sofreram algum atraso no caminho. As duas jovens ainda são bem novas, talvez estejam brincando. Com tantos guardas as acompanhando, nada deve ter acontecido.
Ao ouvir isso, Zhuang Shiyang pareceu um pouco mais tranquilo, mas a concubina Mei revirou os olhos e disse com um sorriso:
— O mestre está preocupado com as duas jovens senhoritas. Se algo acontecesse às filhas legítimas da família Zhuang, seria uma calamidade.
Ao ouvir a palavra legítimas, o rosto de Concubina Zhou endureceu, e Zhuang Shiyang lançou um olhar de desaprovação para Concubina Mei. Apenas Zhuang Qin e Concubina Wan permaneceram indiferentes, como se nada daquilo lhes dissesse respeito.
Zhuang Hanming estava com seus colegas da Academia Imperial, mas não conseguia disfarçar a inquietação. Ao perceber que sua irmã ainda não havia retornado, uma ponta de preocupação atravessou seu rosto.
Concubina Zhou também começava a suspeitar; logicamente, Zhuang Yushan já deveria ter voltado. Por que ainda não havia sinal dela? E se algo tivesse acontecido? Esses pensamentos se atropelavam em sua mente, fazendo seu coração disparar. Tentou se acalmar, convencendo a si mesma de que isso não era possível. Tudo havia sido arranjado perfeitamente; a menos que Han Yan tivesse criado asas, não havia como escapar de doze guardas e daqueles bandidos.
Nesse momento, um criado correu até o lado de Zhuang Shiyang, gritando:
— Senhor, temos um problema!
No segundo andar do Pavilhão Wangjiang, os clientes estavam parcialmente ocultos por biombos de vidro esmerilhado, permitindo que as damas conhecidas circulassem livremente. O grito do criado atraiu imediatamente a atenção de todos no salão para Zhuang Shiyang.
Zhuang Shiyang lançou um olhar irritado ao criado e disse com voz grave:
— O que aconteceu para vir tão alvoroçado?
Enxugando o suor da testa, o criado gaguejou:
— A... a carruagem da Segunda Jovem Senhorita voltou!
Inicialmente, Han Yan e Zhuang Yushan haviam saído em carruagens separadas. Agora, a carruagem de Zhuang Yushan havia retornado — mas não havia sinal de Han Yan. A mão de Zhuang Hanming tremeu quando se levantou de súbito e agarrou o criado pela gola, exigindo:
— Onde está a carruagem da minha irmã?!
— Zhuang Hanming! — Zhuang Shiyang demonstrou profundo desagrado com o comportamento impulsivo do filho, especialmente por agir assim diante do pai — era pura falta de respeito.
Apenas a Tia Zhou disfarçava uma alegria imensa por trás da expressão preocupada, perguntando com urgência:
— O que aconteceu exatamente?
Seu tom ansioso e elevado atraiu olhares atentos dos demais convidados nobres — alguns até sorriram, como se assistissem a um espetáculo.
Antes que o criado pudesse responder, Ji Lan e Shu Hong entraram cambaleando, com os olhos vermelhos, como se tivessem acabado de chorar. Ao avistarem Zhuang Shiyang, ajoelharam-se com um baque e exclamaram, chorando:
— A culpa foi toda nossa! Não conseguimos proteger a Jovem Senhorita... e ela foi... sequestrada por bandidos!
A revelação lançou o salão no caos. Uma jovem solteira sendo sequestrada era um escândalo — significava a perda de sua pureza! Os olhares sobre Zhuang Shiyang mudaram de imediato.
Zhuang Qin as observava, a expressão oscilando levemente, mas logo retornando à indiferença; seu rosto pálido permanecia impassível, como o de uma boneca sem vida. A Concubina Mei ficou um tanto surpresa — como poderia haver um incidente justamente quando Han Yan e Zhuang Yushan estavam fora, rezando na montanha?
O rosto de Zhuang Shiyang se contorceu de feiura. Os outros pensaram que ele estivesse despedaçado pela dor do destino da filha, mas apenas ele sabia que não era esse o caso. De fato, havia ficado preocupado no início, mas ao saber que Zhuang Yushan estava a salvo, sentiu-se aliviado. Agora, o que sentia era apenas raiva de Han Yan, por não ter sido cuidadosa e por fazê-lo perder a face diante de tantas figuras importantes. Nem conseguia se preocupar com a própria filha!
Ji Lan e Shu Hong sentiram um calafrio ao perceberem a impaciência mal disfarçada de Zhuang Shiyang. Com um pai desses... quão frio e cruel ele era!
A Tia Zhou, atordoada, olhava fixamente para Han Yan e murmurava algo. Os dignitários ao redor observavam com curiosidade, e até Zhuang Shiyang demonstrava certa confusão. Apenas a Concubina Mei esboçou um sorriso compreensivo — percebera que a Tia Zhou havia entendido tudo errado. Ela pensava que a sequestrada tinha sido Han Yan, sem saber que, na verdade, fora Zhuang Yushan. Aquilo sim seria um belo espetáculo. Em seu íntimo, amaldiçoou: “Vadia, bem feito!”
A Tia Zhou estava prestes a interrogá-las quando uma criada entrou tropeçando. Ao se aproximar, viram que era Yun’er, a criada pessoal de Yushan. Ela caiu de joelhos no chão, batendo a cabeça repetidamente e chorando:
— Senhora... a Jovem Senhorita foi sequestrada! Eu já avisei às autoridades, senhora...
A Tia Zhou cambaleou, sentindo-se tonta, e finalmente percebeu o que estava acontecendo. Virou-se furiosa para Han Yan, que permanecia em silêncio com os olhos baixos, e gritou:
— Foi você! Você causou o infortúnio de Yushan! Só pode ter sido você, armou tudo para ela...
Zhuang Hanming foi o primeiro a reagir, colocando-se à frente de Han Yan e dizendo com firmeza:
— Tia, é melhor não acusar falsamente minha irmã. Que armação? Não ouviu o que as criadas acabaram de dizer? Sua filha foi sequestrada por bandidos de montanha!
Com um estalo, a Tia Zhou deu um tapa em Zhuang Hanming:
— Todos vocês estão em conluio! Um filho bastardo desprezado, do que tem tanto orgulho? Você não tem lugar para falar dentro da Mansão Zhuang!
Todos no salão ficaram chocados.
O que começou como um simples caso de uma Jovem Senhorita sequestrada por bandidos havia se transformado, de forma inesperada, num escândalo familiar. A concubina acusara a filha legítima de armação e agora havia esbofeteado o filho legítimo, chamando-o de bastardo. Todos adotaram um olhar voyeurístico, ávidos pelo escândalo da família nobre.
Zhuang Shiyang viu a Tia Zhou esbofetear Zhuang Hanming e sequer a repreendeu; pelo contrário, ficou ainda mais descontente com o desafio de Zhuang Hanming à autoridade de Concubina Zhou. A Concubina Mei, por sua vez, não conseguiu esconder o espanto. Apesar de não ter grande consideração por Zhuang Hanming, jamais ousaria agredir um filho legítimo — aquilo era uma afronta gravíssima.
Capítulo 56: Virando a Maré – Parte 2
Zhuang Hanming mordeu o lábio e permaneceu em silêncio, o olhar para a Tia Zhou se tornando cada vez mais sombrio. Atrás dele, Han Yan sentia a determinação dele em protegê-la e foi tomada por uma mistura confusa de emoções.
Ela observou os rostos no salão, analisando cada expressão. Empurrando levemente Zhuang Hanming, encarou diretamente a Tia Zhou e falou lentamente:
— Se a senhora acredita que Han Yan causou mal à sua irmã, por favor, apresente provas. Difamar a reputação de alguém sem motivo não pode ser ignorado pelas autoridades.
Com o rosto impassível, Han Yan continuou:
— Se a senhora acha que Yushan foi prejudicada por mim, posso perguntar quem insistiu para que eu e Yushan subíssemos a montanha ontem? — Fez uma pausa, depois acrescentou: — Foi a senhora, tia. Por acaso acha que eu sou vidente? Que adivinhei com antecedência que a senhora queria que eu acompanhasse Yushan ao templo e arranjei com antecedência para que bandidos a sequestrassem?
Inclinando levemente a cabeça, pareceu esboçar um sorriso irônico.
— Como uma jovem criada em casa, eu realmente não saberia como comandar bandidos cruéis. Ha... e certamente não tenho a perspicácia de alguém como a senhora, tia, que tira conclusões sem ouvir a história inteira.
Após ouvir aquilo, a Tia Zhou ficou momentaneamente sem palavras. No entanto, os olhares dos outros presentes mostravam que tinham entendido a situação. Antes, tinham visto sua expressão aflita e chorosa por Han Yan ter sido levada, mas agora ela havia esbofeteado o filho legítimo da família Zhuang e questionava aquela jovem aparentemente frágil. Parecia que os boatos da capital estavam certos: a Tia Zhou realmente havia rompido com os filhos legítimos da família Zhuang, e suas lágrimas anteriores não passavam de encenação.
Os olhos da Tia Zhou de repente brilharam ao perceber algo, e ela disse:
— Muito bem então, Quarta Senhorita, diga-me: se isso não foi uma armação, o que dizer dos guardas da família Zhuang? Como a Quarta Senhorita voltou na carruagem de Yu'er? E por que está usando essas roupas?
Virando-se, ajoelhou-se diante de Zhuang Shiyang, implorando:
— Peço ao mestre que me apoie. Yu'er é minha única filha, meu tesouro. Se algo acontecer com ela, não vejo mais razão para viver!
Zhuang Shiyang, também tomado pela dúvida, lançou um olhar sombrio a Han Yan, claramente começando a acreditar nas palavras da Tia Zhou. Ajudou-a a se levantar e a consolou:
— Com certeza lhe darei uma explicação, Han Yan.
Seu tom então tornou-se severo:
— O que exatamente aconteceu? Não esconda nada de seu pai.
Han Yan, com expressão triste, curvou-se respeitosamente:
— Pai, quando os guardas da família Zhuang chegaram à margem arenosa do rio, todos desmaiaram. Eu não sei como isso aconteceu. Por mais habilidosa que eu fosse, não seria capaz de derrubar doze homens fortes. Minha carruagem quebrou no caminho e, com a permissão da irmã Yu Shan, dividi a carruagem com ela. Quanto às roupas... — Um leve sorriso amargo surgiu em seus lábios. — Derramei chá sem querer no manto da irmã Yu Shan, e ela me pediu que o trocasse pelo meu. Yun’er também estava na carruagem e pode confirmar.
Ao ouvirem isso, os presentes no salão sentiram uma onda de compaixão por Han Yan. Sem mãe, vivendo com dificuldade na casa, e ainda tendo que suportar um pai indiferente... Uma meia-irmã exigindo compensação de uma filha legítima por um manto manchado — todos perceberam a injustiça implícita nas palavras de Han Yan. Isso aumentou ainda mais a antipatia geral pelo comportamento agressivo da Tia Zhou.
— Você... você está distorcendo tudo! — Tia Zhou, naturalmente, não acreditava nas palavras de Han Yan. E à medida que todos pareciam pender para o lado de Han Yan, ela ficou cada vez mais nervosa.
Mas Han Yan disse com calma:
— Já que ninguém acredita no que eu digo, então...
Ela se virou e se ajoelhou diante de um homem de meia-idade com vestes oficiais, fazendo uma reverência profunda com a testa tocando o chão. O homem se assustou e ia interrompê-la quando ela falou suavemente:
— Sei que este é o atual Vice-Ministro da Justiça, Lorde Zhao. Lorde Zhao é conhecido por sua retidão e justiça. Ouso implorar por minha inocência e pedir que investigue esse assunto a fundo e restaure meu nome. Peço-lhe que tome partido por mim diante de todos esses nobres!
Com essas palavras, tanto Zhuang Shiyang quanto a Tia Zhou congelaram.
Han Yan abaixou a cabeça, com um sorriso gelado no canto dos lábios.
Você quer que Zhuang Shiyang te apoie? Eu quero o apoio do Vice-Ministro da Justiça. Vamos ver quem sai ganhando!
A Tia Zhou certamente não ousaria permitir uma investigação completa. Mesmo que permitisse, de que adiantaria? Os bandidos não estavam sob seu comando, os guardas não haviam sido indicados por ela. As evidências já tinham desaparecido; nada seria encontrado no banquete ritual. No máximo, poderiam acusar Han Yan de ter atraído os bandidos — se isso sequer pudesse ser considerado crime.
Lorde Zhao já sentia compaixão por Han Yan, que precisava lidar com pessoas tão traiçoeiras desde tão jovem. Admirava sua firmeza e compostura. Quando ela jogou a responsabilidade para ele, ele ergueu a mão e declarou:
— E se eu a apoiar? Fique tranquila, irei investigar este caso a fundo!
As pernas da Tia Zhou cederam, o pânico crescendo em seu coração. Aquele Lorde Zhao era famoso por sua imparcialidade; uma vez provado o crime, ele puniria sem piedade. Se a verdade viesse à tona... ela acabaria presa? Não... não pode ser assim. Ela ainda precisava enfrentar aquela vadiazinha; como poderia desistir agora? Levantou a cabeça, olhando fragilmente para Zhuang Shiyang:
— Mestre, este assunto não pode ser exposto. Caso contrário, como Yu'er poderá se casar...?
Zhuang Shiyang também estava furioso por Lorde Zhao ter lhe tirado a autoridade. Como chefe da família, Han Yan buscou apoio externo — aquilo não era uma afronta? Seu tom se tornou mais ríspido:
— Lorde Zhao, isto é um assunto de família...
O rosto de Lorde Zhao escureceu:
— Zhuang Daren, o que está dizendo? Somos ambos oficiais da mesma corte, cada um com suas responsabilidades. Agora que bandidos estão causando problemas, é meu dever intervir. Assumirei o comando deste assunto!
Han Yan sentiu-se grata por dentro. Lorde Zhao era realmente uma pessoa íntegra; em sua vida passada, ela o tinha visto apenas uma vez, quando ele defendeu uma mulher comum, sem hesitar em ofender figuras poderosas da época. Ele era, de fato, um homem de retidão. Agora que ele estava ali para protegê-la, ela secretamente decidiu que, se um dia tivesse oportunidade no futuro, retribuiria o favor.
Ao perceber que não havia mais como reverter a situação, a Tia Zhou entendeu que a pessoa que deveria ser levada pelos bandidos estava a salvo, enquanto Yu’er havia desaparecido. Ela agora se via enredada num problema legal e marcada como cruel e maldosa diante da nobreza da capital. Ah, essa Zhuang Han Yan—ela realmente a subestimou!
Sentindo-se encurralada, Tia Zhou fechou os olhos, planejando fingir um desmaio, mas de repente ouviu um grito assustado:
— Tia!
Do outro lado, Concubina Mei desabou, pálida, nos braços de Zhuang Shiyang. Ele franziu o cenho e perguntou:
— O que houve? Mei’er?
Jiao Meng ajoelhou-se subitamente e disse:
— Respondendo ao mestre, a senhora... a senhora está grávida!
— O quê? — Zhuang Shiyang ficou atônito e, em seguida, tomado por alegria. — Isso é verdade?
Jiao Meng respondeu:
— A senhora descobriu há poucos dias, quando chamou um médico. Queria esperar mais um tempo antes de contar ao mestre. O ocorrido de hoje a deixou muito ansiosa, o que pode ter feito com que perdesse a compostura...
Com um estrondo ensurdecedor, parecia que um raio havia caído sobre ela — Tia Zhou perdeu toda a cor do rosto e começou a tremer. Aquela desgraçada está grávida?
Han Yan ficou atônita por um momento e então suspirou por dentro. Concubina Mei realmente escolhera o momento certo. Ao olhar para a Tia Zhou, mergulhada em desespero, um sorriso frio cintilou em seus olhos.
Tia Zhou, aproveite o presente que preparei para você. Se isso é sofrimento, então a verdadeira dor está apenas começando.
Naquele instante, toda a atenção de Zhuang Shiyang estava voltada para Concubina Mei. Ordenou rapidamente que chamassem um médico e a carregou de volta à mansão, sua alegria eclipsando tudo o mais. Sua raiva por Han Yan e a preocupação por Zhuang Yu Shan se dissiparam como fumaça ao vento. Tia Zhou observou friamente sua figura extasiada; aquele homem que um dia prometera amá-la para sempre e cuidar de sua filha agora se esquecia completamente dela porque aquela mulher estava grávida.
Seu semblante se tornou gélido. Naquele momento, Han Yan percebeu com clareza que algo dentro daquela mulher havia mudado.
Tia Zhou lançou um olhar a Han Yan, depois a Zhuang Han Ming, e por fim se virou lentamente para ir embora. Han Yan entendeu: Tia Zhou agora tinha uma ruptura com Zhuang Shiyang, e o que ela precisava fazer era transformar aquela pequena rachadura em um abismo intransponível.
Só então Han Yan teve tempo de reparar em Zhuang Qin e sua mãe. Desde que chegara naquele dia, observara como as duas haviam se mantido distantes, sentadas discretamente ao lado, com expressões vazias como bonecas. Quando estava prestes a dizer algo, Zhuang Qin e Tia Wan acenaram com a cabeça em sua direção antes de se retirarem.
Han Yan ficou um pouco confusa enquanto as pessoas da residência Zhuang deixavam rapidamente o salão. Pausou por um momento e então se virou, curvando-se graciosamente para os presentes no salão, dizendo com cortesia:
— Hoje, fui eu quem estragou a diversão de todos com os fogos de artifício. Há assuntos urgentes em casa que preciso resolver, então me retiro por agora, Ji Lan.
Ela retirou uma nota de prata da manga e a entregou a Ji Lan.
— Peça ao Wang Jiang Lou que sirva a todos um bom chá por minha conta, como pedido de desculpas.
A multidão ficou impressionada com sua maturidade apesar da pouca idade. Mesmo sendo humilhada por uma concubina da própria casa sob o olhar frio do pai, ela permaneceu calma, exibindo a graça esperada de uma jovem bem-educada. Algumas das mulheres passaram a observá-la mais atentamente, notando seus traços delicados e seu porte gentil, que ainda carregava um toque de vivacidade. Ela se assemelhava a uma graciosa Guanyin saída de uma pintura, claramente alguém destinada à boa fortuna, e começaram a considerar possibilidades. Parecia que, ao crescer mais alguns anos, aquela garota se tornaria uma das raras belezas da capital.
Depois que Han Yan se despediu de todos, não havia mais carruagens da residência Zhuang no Wang Jiang Lou. Zhuang Han Ming, ao seu lado, estava furioso:
— Como puderam tratar minha irmã assim! Nem deixaram uma carruagem! Vão nos abandonar aqui como se nada fosse?
Han Yan o deteve com um sorriso:
— O pai acabou de ganhar um filho, e é provável que venham eventos felizes por aí. Naturalmente, eles não têm tempo para se preocupar conosco. Não vale a pena falar mais disso — vamos apenas procurar outra carruagem.
Zhuang Han Ming ainda estava confuso.
— Jie, sobre o incidente dos bandidos na montanha hoje, sinto que tem algo estranho nisso tudo.
Han Yan deu uma risadinha.
— O que há de estranho? Zhuang Yu Shan só teve azar. Aquele tapa que ela te deu doeu?
Zhuang Han Ming hesitou, compreendendo a que ela se referia, e abaixou a cabeça.
— Não doeu, mas é realmente desprezível ela ter te caluniado daquele jeito.
Han Yan suspirou.
— Foi minha culpa por ter te envolvido nisso.
— Jie — disse Zhuang Han Ming de repente —, está ficando cada vez mais difícil entender você.
O coração de Han Yan se agitou. Virando-se para encará-lo, viu a profunda decepção estampada em seu rosto. Ela falou com suavidade:
— Tudo o que você precisa saber é que eu sou sua irmã, e neste mundo, só temos um ao outro para confiar.
Ji Lan encontrou uma carruagem para eles, conduzida por um senhor idoso e robusto. Zhuang Han Ming subiu, e quando Han Yan estava prestes a entrar, de repente congelou.
No alto da noite, no quinto andar do Wang Jiang Lou, envolto por uma cortina de gaze vermelha e com espirais de fumaça se erguendo, ela avistou imediatamente uma figura alta que se destacava na multidão.
Aquela silhueta era inconfundível para Han Yan, e mesmo à distância, ela podia sentir uma presença gélida, como a neve no inverno.
Fu Yunxi, por que ele está aqui?
Surpresa, o olhar de Han Yan se deslocou — e ela avistou outra mulher vestida de roxo. Em circunstâncias normais, isso não teria importância, mas ela reconheceu aquela mulher — era a mesma figura deslumbrante que vira conversando com um servo na parte leste da cidade, não muito tempo atrás!
Han Yan a encarou intensamente, sentindo como se algo tivesse apertado seu coração. Aquela mulher havia mencionado o Sétimo Príncipe — será que estava ligada a ele? Se os homens do Sétimo Príncipe estavam com Fu Yunxi, o que poderia acontecer?
Fu Yunxi pode estar em perigo; é sempre melhor ser cautelosa.
Percebendo isso, Han Yan hesitou por um instante, mas logo tomou sua decisão. Virando-se para Zhuang Han Ming, disse:
— Você e Ji Lan voltem primeiro. Shu Hong, venha comigo.
Ji Lan e Zhuang Han Ming ficaram surpresos. Zhuang Han Ming perguntou com urgência:
— Para onde você vai?
Han Yan balançou a cabeça para ele.
— Tenho assuntos a resolver. Não é nada demais; vão logo. — Dito isso, ela instou o cocheiro a partir. Antes que Zhuang Han Ming pudesse dizer mais alguma coisa, Han Yan já havia se virado e saído.
Shu Hong não disse uma palavra e simplesmente seguiu Han Yan. Quando estavam prestes a entrar no Wang Jiang Lou, Shu Hong hesitou:
— Senhorita...
Han Yan a olhou com seriedade.
— Shu Hong, seja cuidadosa quando entrarmos.
Diante da expressão grave da jovem, Shu Hong assentiu, compreendendo:
— Entendido, senhorita.
Mais cedo, alguém havia visto o rosto de Han Yan, então ela ainda calculava os riscos ao entrar pela porta dos fundos. Na realidade, ela só havia encontrado Fu Yunxi algumas vezes; a relação entre eles não era particularmente íntima. No entanto, ele já a ajudara em mais de uma ocasião. Além disso, sendo uma figura importante na oposição ao Sétimo Príncipe, qualquer incidente envolvendo Fu Yunxi poderia acabar afetando-a negativamente.
Sem contar que... não sinto rancor algum dele.
No quinto andar do Wang Jiang Lou, alguns homens estavam sentados junto à janela, enquanto atrás de uma divisória, uma mulher tocava konghou, produzindo uma melodia encantadora. Ao som da música, uma mulher vestida de roxo dançava com graciosidade, sua beleza estonteante e movimentos etéreos. Mesmo Jiang Yulou, acostumado a ver inúmeras beldades, não pôde deixar de demonstrar admiração. Cada olhar e sorriso da dançarina carregava um charme irresistível, e quando ela girou a cintura e lançou um olhar tímido para Fu Yunxi, seus olhos reluziam como o outono — qualquer homem teria se encantado.
Mas o alvo de sua atenção, Fu Yunxi, sequer a olhou. Com os olhos profundos e inexpressivos, jogado preguiçosamente sobre o divã, ele girava uma taça de vinho entre os dedos com indiferença.
— Ei — foi He Lian Yu quem rompeu o silêncio —, por que veio ao Wang Jiang Lou em vez do Ruyi Lou do Jiang Shao? A vista aqui é bem inferior. Yunxi, o que está fazendo aqui?
Fu Yunxi o ignorou. Jiang Yulou apenas riu, tomou um gole de vinho e disse de forma preguiçosa:
— O príncipe não veio assistir a um espetáculo? A última apresentação não está disponível no Ruyi Lou.
— Espetáculo? — He Lian Yu olhou para ele, desconfiado. — Que espetáculo?
Jiang Yulou pensou por um instante:
— Ah, deixa eu ver... deve ser o da Quarta Senhorita Zhuang escapando do perigo, sendo incriminada, e depois buscando alguém para limpar seu nome. Empolgante! De verdade! — Ele abanou o leque e lançou um olhar a Fu Yunxi. — O que acha, príncipe?
Fu Yunxi o encarou de relance, os lábios se curvando levemente:
— Se gosta tanto de espetáculo, por que não se muda de vez para o teatro?
Jiang Yulou calou-se na hora. He Lian Yu, percebendo o clima, comentou:
— Ah, aquela Quarta Senhorita Zhuang é mesmo impressionante. Yunxi, acha que aquela cena no Rio Shahe fazia parte do plano dela também?
Fu Yunxi permaneceu em silêncio, com um leve sorriso nos lábios. Eles haviam assistido a tudo ocultos no segundo andar. As ações de Han Yan eram ao mesmo tempo surpreendentes e... previsíveis. A garota parecia ter uma habilidade nata de desarmar as crises com facilidade, quase como se pudesse prever o futuro e armar ciladas para os outros. Em nenhum momento demonstrou pânico; lidou com os ataques da família Zhou com maestria e, no fim, fez com que eles próprios saíssem prejudicados.
Era como se tivesse escrito um roteiro com antecedência, e enquanto o público se envolvia na peça, ela assistia tudo de fora, fria e calculista.
— Ela realmente não parece uma jovem comum — comentou He Lian Yu, com um suspiro. — Essa astúcia... nem muitas mulheres adultas teriam.
A dançarina, ouvindo a conversa aparentemente casual, manteve o silêncio, mas à medida que a música ganhava intensidade, seus movimentos tornaram-se ainda mais deslumbrantes, como uma peônia roxa florescendo à distância. Sem perceber, ela se aproximou de Fu Yunxi.
No instante em que seus passos a colocaram diante dele, um criado entrou repentinamente e anunciou:
— Alteza, há uma senhorita que deseja vê-lo.
Os braços da dançarina congelaram no ar, e os olhos de Fu Yunxi cintilaram.
— Deixe-a entrar.
— Não imaginei que você tivesse esse tipo de ligação — disse He Lian Yu com um sorriso provocador. — Que senhorita vem procurar nosso príncipe?
Quando a jovem entrou na sala, todos ficaram momentaneamente surpresos: era Shu Hong, a criada pessoal de Zhuo Han Yan.
— Garotinha, o que faz aqui? — exclamou He Lian Yu primeiro.
O olhar de Shu Hong vacilou e, de repente, ela se ajoelhou e agarrou a perna da dançarina, chorando alto:
— Senhorita... buááá... eu finalmente a encontrei! Tudo bem se não quiser se casar com o Jovem Mestre Li, o mestre não vai mais forçá-la, mas como pôde vir para um lugar desses e se rebaixar assim? Por favor, senhorita, volte pra casa comigo!
A dançarina não esperava uma cena tão dramática — uma estranha se agarrando à sua perna e chorando daquele jeito. Seu coração apertou quando percebeu que as expressões antes descontraídas dos três homens agora estavam sérias, observando-a com olhares cheios de significado.
Capítulo 57: Apreciando os Fogos de Artifício Juntos
A dançarina hesitou, depois respondeu:
— Você está enganada.
Shu Hong não desistia, clamando:
— Senhorita, eu sei que você está sofrendo, mas não pode simplesmente não voltar pra casa! O mestre está doente de preocupação, e a senhora chora todos os dias...
Normalmente calma e contida, agora suas emoções estavam à flor da pele, doendo no coração de quem escutasse. Se Ji Lan estivesse presente, ficaria atônita, com o queixo quase caindo.
Vendo que não conseguia se livrar de Shu Hong, a dançarina se irritou:
— Eu não sou sua Jovem Senhorita! O que você quer de mim?
Ela virou o rosto para olhar Fu Yunxi, deitado no divã, com os olhos marejados:
— Alteza, me salve!
O olhar indiferente de Fu Yunxi passou por ela, e um arrepio percorreu seu corpo. Ele era inegavelmente bonito, mas sua presença imponente era intimidadora por natureza. Sob aqueles olhos negros e profundos, era como se seus pensamentos estivessem expostos. Cerrando os dentes, ela moveu o pé, e Shu Hong sentiu um chute no abdômen. Para os outros, parecia apenas uma luta, mas o golpe veio com força total, provocando uma dor aguda que fez Shu Hong soltar a garota, agarrar o estômago e cair para trás. Quando ergueu os olhos novamente, a dançarina já havia corrido para os braços de Fu Yunxi.
— Alteza!
O rosto ainda coberto de lágrimas, o corpo parecia frágil e delicado. Mesmo que houvesse dúvidas, qualquer homem, diante de uma beleza em aflição, teria o coração abalado. Fu Yunxi, no entanto, permaneceu atento apenas à taça de vinho em sua mão, como se aquele vinho requintado fosse a única coisa digna de sua atenção.
No momento em que a dançarina se aproximou, uma luz fria irrompeu da manga. Um punhal prateado e reluzente surgiu, mirando direto no coração dele. Sua expressão estava distorcida de ódio, como um espírito vingativo. Ainda assim, o homem diante dela não demonstrou medo algum enquanto a lâmina cortava o ar; apenas pressionou os lábios e apertou com mais força a taça de vinho. Com um estalo seco, a taça de jade branco se despedaçou em vários fragmentos, que se espalharam como pétalas delicadas, bloqueando o punhal com facilidade. A dançarina sentiu um choque, uma dor profunda no pulso. Com um clangor agudo, os estilhaços de jade derrubaram o punhal de sua mão — ambos caíram no chão.
Ela arregalou os olhos, chocada:
— Você...
Confiava em suas habilidades, e ainda assim aquele homem aparentemente refinado havia anulado seu ataque com facilidade? Era como se ele estivesse apenas brincando com ela, sem sequer usar sua força real.
Antes que pudesse reagir novamente, uma explosão estrondosa veio de fora da janela, seguida pelo barulho de móveis sendo destruídos e gritos de mulheres. Na mesma hora, um calafrio percorreu sua espinha quando dezenas de homens mascarados, vestidos de preto, invadiram pela janela, desembainhando seus sabres e avançando sobre os presentes no salão.
Os olhos de Fu Yunxi se tornaram gélidos ao se levantar bruscamente do divã. Um homem de preto brandiu uma faca contra suas costas, mas no instante seguinte, não sentia mais nada na mão. Ao olhar para baixo, viu que sua mão direita, que segurava a arma, agora jazia no chão — e não havia sequer uma gota de sangue no corte. Num piscar de olhos, Fu Yunxi desapareceu, deixando apenas o tecido leve de seu manto de seda pálida bordado com ameixeiras brancas... e uma voz gelada, carregada de intenção assassina:
— Limpem a bagunça.
Enquanto isso, no cômodo ao lado, Han Yan estava escondida atrás de um grande vaso oficial de cerâmica, sem ousar emitir um som. Não fazia ideia do que estava acontecendo; momentos antes, havia deixado Shu Hong entrar no quarto de Fu Yunxi e aguardava na sala adjacente. O cômodo tinha uma área interna e outra externa: o espaço interior servia para conversas com os convidados, enquanto a área externa, separada por um biombo, era onde as servas esperavam. Como nenhuma serva estava presente para atender os convidados, Han Yan se escondera para não ser notada. No entanto, poucos instantes depois, o som de espadas se chocando ecoou lá de dentro. Ao mesmo tempo, o salão mergulhou no caos; sem saída para fugir ou entrar, ela não teve escolha senão se encolher atrás do vaso de meia altura.
Sua respiração tornou-se leve, mas o coração disparava de ansiedade. O que está acontecendo? Shu Hong está em perigo? Só de pensar nisso, o nervosismo aumentava. Mentalmente, se repreendeu por ter se intrometido; se não tivesse se preocupado que o Sétimo Príncipe criasse problemas para Fu Yunxi, não estaria ali agora. E, no fim, além de se colocar em perigo, ainda havia arrastado Shu Hong junto.
Nesse instante, vieram da sala interna choros e súplicas de mulheres, seguidos pelo choro de um bebê. O coração de Han Yan apertou, e então ouviu o som de algo rasgando — uma lâmina perfurando carne. O choro do bebê e os gritos da mulher cessaram abruptamente. Han Yan sentiu o estômago afundar e cerrou os punhos. Segundos depois, o silêncio foi quebrado por passos suaves.
Havia algo sinistro naqueles passos, e o couro cabeludo de Han Yan formigou. Suor frio escorreu por suas costas. Tremendo levemente atrás do vaso, ela apertou discretamente o punhal de flor de ameixeira preso à cintura.
Tac, tac, tac. Os passos se aproximaram de Han Yan, e ela sentiu as palmas arderem de calor, a respiração ficando cada vez mais pesada.
Quando os passos passaram bem ao seu lado, soltou um leve suspiro, aliviada por ter escapado por um triz. Mas antes que pudesse se acalmar de verdade, um vento gelado varreu o ambiente.
Não...! pensou Han Yan em desespero. Eu não sei lutar, e esses homens de preto são todos assassinos treinados. Seu suspiro de alívio podia ter atraído atenção. Num impulso, puxou o punhal de flor de ameixeira da cintura e, reunindo toda a força que tinha, golpeou na direção da figura que se aproximava, determinada a levá-lo consigo, mesmo que isso custasse sua própria vida.
Contudo, o vento frio parou bem acima de sua cabeça, e um par de mãos suaves roçou gentilmente seus cabelos. Han Yan ergueu os olhos e encontrou um par de olhos negros e profundos; à luz da lua, os traços belos dele pareciam etéreos, como um ser celestial intocado pelo mundo mortal. Vestia um manto de pele de raposa branca, era alto e elegante, e segurava uma longa espada que brilhava como cristal — encarava-a em silêncio.
Era Fu Yunxi.
Por um instante, Han Yan ficou atônita. Quando finalmente retomou a consciência, percebeu que estivera encarando-o por tempo demais e se atrapalhou ao falar:
— Alteza...
Fu Yunxi arqueou uma sobrancelha, o olhar pousando sobre o punhal de flor de ameixeira em sua mão. O rosto de Han Yan corou, e ela apressadamente escondeu a mão atrás das costas, um tanto sem graça.
— Obrigada, Alteza, por salvar minha vida.
— Vamos — disse Fu Yunxi, olhando para ela.
— A Shu Hong... — Han Yan tentou perguntar, observando atentamente sua expressão.
— He Lian Yu está aqui — respondeu Fu Yunxi, já virando as costas para Han Yan e saindo do cômodo.
Han Yan mordeu o lábio, preocupada com Shu Hong. Com a afirmação de Fu Yunxi, sentiu-se um pouco aliviada, mas a situação atual estava confusa. A pessoa que eu deveria salvar acabou salvando a mim... pra onde estamos indo, afinal?
Antes que Han Yan pudesse organizar seus pensamentos, Fu Yunxi percebeu que ela não o havia seguido. Virando-se, viu-a parada, com olhar perdido. Ele caminhou até ela, a pegou nos braços e, usando sua leveza corporal, deslizou rapidamente para fora do Wang Jiang Lou.
Esse homem!, Han Yan amaldiçoou Fu Yunxi mentalmente por carregá-la como se fosse um pintinho. Desde que renasci, essa foi a coisa mais vergonhosa que já me aconteceu. Ela se mantinha rígida como uma pedra, enquanto o culpado permanecia impassível, braços cruzados, como se nada estivesse fora do normal.
Finalmente, Han Yan não conseguiu mais se conter:
— Ei, por que você me trouxe aqui?
Eles estavam agora em um mercado movimentado, repleto de lanternas deslumbrantes. Jovens se empurravam uns contra os outros em meio à multidão, compartilhando sorrisos que arrancavam risadas e aplausos dos que passavam.
— Aproveite as lanternas — disse Fu Yunxi em voz baixa, caminhando ao lado de Han Yan com as mãos cruzadas atrás das costas. Sua aparência marcante logo chamou atenção, deixando Han Yan extremamente envergonhada. Um pouco irritada, ela disse:
— Eu quero ir pra casa.
— Não necessariamente — respondeu Fu Yunxi com calma, como se a irritação dela não o afetasse em nada. Han Yan se recompôs; não sabia o motivo, mas achava fácil demonstrar emoções na frente dele — o que não era algo bom.
— Você sabia dos acontecimentos de hoje com antecedência, não sabia?
Percebendo que não conseguiria sair dali com facilidade, Han Yan resolveu manter a calma. Fu Yunxi não havia sofrido nenhum ferimento — pelo contrário, ainda teve tempo para salvá-la. Deixando de lado o modo como ele a encontrou, só de lembrar os guardas na saída do Wang Jiang Lou já era possível imaginar que os responsáveis por aquela farsa não sairiam impunes.
— Sim — respondeu Fu Yunxi prontamente.
Han Yan o lançou um olhar de canto e suspirou por dentro. Alguém como ele, tão jovem e com tanto poder... deve ter inúmeros truques na manga. Mesmo sem ela, ele teria lidado com tudo facilmente. Sua preocupação fora desnecessária.
Então, ela ouviu a voz um tanto fria de Fu Yunxi:
— Como você soube dos acontecimentos de hoje?
Han Yan entendeu que precisava explicar a presença de Shu Hong, então respondeu com uma meia verdade:
— Eu já tinha visto aquela dançarina de roxo antes e a ouvi conversando com alguém... Hoje, no calor do momento, perdi a compostura. Espero não ter causado incômodo a Vossa Alteza.
Ela não revelou tudo, e Fu Yunxi tampouco a pressionou, apenas lançou-lhe um olhar e disse:
— Obrigado.
Han Yan ficou em silêncio por um momento:
— Não mereço esse agradecimento. Vossa Alteza já me salvou várias vezes e não tenho como retribuir. Hoje foi só um esforço pequeno, além de que o senhor salvou minha vida... Na verdade, sou eu quem lhe deve muito.
— Quer dizer que estamos quites?
Han Yan ficou surpresa com a resposta repentina. Ao vê-lo olhando para ela de cima, com um leve sorriso nos lábios, sentiu-se incomodada e retrucou:
— Não existe favor de graça neste mundo. Estar em dívida com alguém é como carregar uma corrente pelo resto da vida — quão miserável isso seria?
Fu Yunxi parou de repente e a observou com atenção:
— Sua altura não mudou, mas seu temperamento cresceu bastante.
Han Yan ficou atônita e respondeu rápido:
— Você me conhecia antes?
Fu Yunxi permaneceu em silêncio e, de repente, se abaixou. Han Yan, sendo pequena, mal alcançava o peito dele. Quando ele tirou o manto de pele de raposa, ela ficou confusa. Mas então sentiu um calor sobre os ombros — o manto branco, ainda com o calor do corpo dele, foi gentilmente colocado sobre ela.
O coração de Han Yan estremeceu enquanto os longos dedos de Fu Yunxi ajustavam o laço. Suas mãos, claras como jade, entrelaçavam-se com a fita vermelha, tornando-se ainda mais belas, como uma peça de artesanato refinado. Seu olhar subiu até o rosto dele.
De perto, a beleza dele era misteriosa — não como a beleza marcante de He Lian Yu Yu, mas sim como a serenidade fria de neve e gelo. Sempre indiferente e distante, agora, ao se inclinar para ela, seus movimentos eram suaves. Os olhos de fênix meio cerrados deixavam impossível discernir seus pensamentos, mas ainda assim havia algo de hipnotizante nele. Os lábios finos pareciam conter um leve sorriso debochado. Esse homem é um enigma — impossível de decifrar, mas impossível de ignorar.
Com destreza, ele terminou o laço. Notando que Han Yan o encarava sem piscar, um traço de divertimento surgiu em seu olhar. Han Yan se deu conta, envergonhada, e desviou os olhos rapidamente.
— Eu não preciso...
— Apenas use — ele disse, ignorando como ela o havia chamado antes. Voltou à sua indiferença habitual, enquanto Han Yan sentia uma mistura de emoções; o manto de raposa era extremamente quente, aquecendo também seu coração.
Nesse momento, ouviram o estrondo dos fogos de artifício no céu. Ao levantarem os olhos, viram as brilhantes explosões colorindo a noite — a celebração da véspera de ano novo havia começado.
Somando suas duas vidas, fazia muito tempo que Han Yan não via fogos tão bonitos. Na vida passada, nesse mesmo momento, ela estava encolhida em um quarto escuro e estranho, com as lágrimas já secas e a garganta em frangalhos, passando o Ano Novo mais doloroso de sua existência. Ao olhar os fogos, lembranças dolorosas vieram à tona, entrelaçando-se com a cena diante de seus olhos, deixando difícil distinguir sonho de realidade.
Fu Yunxi permanecia ao seu lado, inicialmente também admirando o céu colorido. Mas, ano após ano, aquele espetáculo já não lhe causava mais impacto. Por acaso, seu olhar se voltou para a garota pequena ao lado e ele ficou brevemente paralisado.
Han Yan olhava para os fogos, o brilho da noite refletido nos olhos claros como nascente de água. Ele sabia que, apesar da pouca idade, ela era astuta e podia ser impiedosa quando necessário — ainda assim, era raro vê-la vulnerável. Agora, ao encarar o céu, seus olhos pareciam ansiar por algo, com lágrimas represadas, mas os dentes cerrados impediam que elas caíssem.
Tão teimosa... e ainda assim, tão comovente.
Ele não pôde deixar de lembrar da cena dela escondida atrás do vaso, mais cedo, no Wang Jiang Lou — vestida com uma fina jaqueta verde-clara, tremendo, os olhos repletos de medo e também de firmeza. Parecia uma pequena fera assustada, miserável, mas com o espinho de flor de ameixeira em mãos, escondia as presas, esperando o momento certo para atacar. Ela sabia se conter, seus pensamentos eram profundos — difícil imaginar que tinha apenas doze ou treze anos.
Agora, coberta pelo manto de raposa largo, sua figura parecia ainda mais frágil. As tranças longas caíam sobre o peito; comparadas ao coque habitual, lhe davam um ar mais delicado e gracioso. Se ao menos... fosse possível ignorar o autocontrole e a frieza que havia em seus olhos, tão incompatíveis com sua idade.
— Zhuang Han Yan — ele disse de repente.
Han Yan se virou, surpresa, vendo Fu Yunxi olhando para ela com curiosidade. Sentiu como se tivesse sido despida por aquele olhar e ficou um pouco constrangida. Ao mesmo tempo, não conseguia entender — por que o príncipe Xuanqing, famoso por sua frieza, parecia tão estranho diante dela?
— Zhuang Shiyang não te trata bem — disse Fu Yunxi. Não foi uma pergunta, mas uma afirmação. Han Yan reagiu instintivamente com uma expressão defensiva, depois sorriu de forma autodepreciativa em pensamento. Era mesmo óbvio demais que Zhuang Shiyang não gostava dela. Que diferença fazia se Fu Yunxi percebesse? Provavelmente, todos que estavam hoje no Wang Jiang Lou também já sabiam disso.
Ela sorriu:
— Que pai não trata bem a própria filha?
Fu Yunxi notou o tom leve dela, como se realmente não se importasse com aquilo. Uma imagem diferente lhe veio à mente — a garotinha de suas lembranças havia se transformado na jovem diante dele. Os olhos ainda eram límpidos, mas já não carregavam o brilho do passado. Foi Zhuang Shiyang quem a moldou assim...?
Depois de hesitar por um instante, ele estendeu a mão e afagou o cabelo de Han Yan.
Quando a mão dele pousou sobre sua cabeça, Han Yan enrijeceu, mas Fu Yunxi logo recuou o gesto, como se fosse um irmão mais velho cuidadoso, e disse suavemente:
— Já está tarde. Vou te levar pra casa.
Os olhos de Han Yan se arregalaram.
— A Shu Hong...
Fu Yunxi parou por um instante e disse:
— Mu Feng.
—Sim, meu lorde.
O guarda vestido de preto que apareceu de repente assustou Han Yan, mas Fu Yunxi já havia ordenado:
—Traga-a até aqui.
O guarda desapareceu num piscar de olhos. Han Yan o observou com atenção.
—Alguém nos seguiu hoje no Rio Shahe? Foi gente do Príncipe?
Fu Yunxi assentiu.
Han Yan apertou os punhos e disse lentamente:
—Obrigada.
—Não foi nada.
Pouco depois, Mu Feng de fato trouxe Shu Hong. Assim que a viu, Shu Hong correu preocupada, examinando Han Yan de cima a baixo.
—Senhorita, você está bem, certo?
Mu Feng, no entanto, parecia estranhamente focado em Mu Yan. Fu Yunxi ordenou que a carruagem próxima levasse Han Yan para casa. Ela tirou a pele de raposa que estava usando e a devolveu.
—Obrigada por hoje, Alteza... — Hesitou, depois acrescentou: —Se um dia precisar de Han Yan, darei o meu máximo.
Fu Yunxi achou aquilo divertido e não respondeu. Pegou a pele e virou-se para partir. Assim que a carruagem de Han Yan desapareceu na distância, Fu Yunxi olhou para Mu Yan e perguntou:
—O que aconteceu?
Naquele momento, Mu Yan estava com um lenço branco amarrado na mão direita, manchado com alguns pontos de sangue — claramente um ferimento de arma afiada. Ao ouvir a pergunta de Fu Yunxi, Mu Feng soltou uma risada estranha, enquanto Mu Yan, geralmente quieto, virou o rosto com desconforto.
—Fui descuidado.
Fu Yunxi não insistiu e caminhou tranquilamente em direção ao Ruyi Lou. Precisava discutir os acontecimentos de hoje relacionados ao sétimo príncipe com He Lian Yu e os demais. O calor da pele de raposa ainda o envolvia, e ele não pôde evitar um leve sorriso ao lembrar-se de Han Yan, deixando Mu Feng sem palavras.
Enquanto isso, Han Yan e Shu Hong estavam sentadas na carruagem. Shu Hong parecia um tanto preocupada.
—Senhorita, por que o Príncipe Xuanqing está sempre nos ajudando? A senhorita o conhecia de antes?
Han Yan balançou a cabeça, recordando-se da frase de Fu Yunxi mais cedo: "Você cresceu bastante." Ouvir aquilo dava a impressão de que ele já a conhecia no passado, mas ela não tinha lembrança alguma. Uma pessoa tão marcante quanto Fu Yunxi não seria esquecida facilmente, caso realmente tivesse feito parte de sua vida. Ainda assim, a forma como ele a tratava parecia mesmo a de um velho amigo.
Han Yan sentia-se um pouco confusa, pensando que aquela pessoa era realmente muito misteriosa. Por ora, não fazer dele um inimigo parecia uma escolha sensata. O relacionamento atual entre eles podia ser descrito como amizade, mas soava forçado.
Shu Hong disse:
—A Tia Mei está grávida agora, então quanto à Tia Zhou... podemos relaxar um pouco.
Han Yan sorriu de leve.
—Não é tão simples assim. O pai é completamente parcial com a Tia Zhou. A Tia Mei só tem o filho como trunfo, e isso não basta.
Shu Hong franziu o cenho, confusa.
—Mas agora o Senhor Zhao prometeu investigar a fundo...
Han Yan ficou em silêncio por um momento e depois curvou os lábios num leve sorriso.
—O Senhor Zhao é um bom oficial, mas isso não significa que ele ignore os prós e contras. Não é possível derrubar a Tia Zhou da noite para o dia. Amanhã, vá ao mercado. Meu pai tem tido muita sorte na carreira nos últimos anos; talvez ele tenha esquecido como se escreve a palavra "decreto imperial". O que tem de ser feito, deve ser feito.
Shu Hong assentiu.
Han Yan reparou que o cabelo de Shu Hong estava um pouco desarrumado, e o grampo de prata no coque havia sumido. Perguntou, curiosa:
—Onde está seu grampo?
Shu Hong corou pela primeira vez e gaguejou, dizendo que o havia perdido por descuido. Han Yan não deu muita importância. A carruagem logo chegou à residência da família Zhuang. Ji Lan e Mamãe Chen estavam esperando na entrada com uma lanterna. Ao verem Han Yan retornar, os rostos de ambas se iluminaram e elas correram para recebê-la.
Han Yan não mencionou nada sobre seu encontro com Fu Yunxi; apenas disse que teve alguns assuntos a tratar e voltou mais tarde do que o esperado. Assim que voltou ao Pátio Qingqiu, instruiu sua criada a informar Zhuang Hanming de que havia retornado. Ji Lan se aproximou para compartilhar o que tinha ouvido:
—Assim que a Tia Mei chegou em casa, o Mestre Zhuang chamou imediatamente um médico para examiná-la. Após confirmar que ela está realmente grávida, ele ficou ao lado dela o tempo todo, sem sair nem por um instante. A Tia Zhou tentou chamá-lo várias vezes, mas ele só respondeu, impaciente, que as autoridades cuidariam do caso.
—E como ela está agora? — Han Yan perguntou, tomando seu chá com tranquilidade.
Ji Lan entendeu que ela se referia à Tia Zhou e respondeu prontamente:
—Pedi para os criados ficarem de olho na Tia Zhou, para impedir que ela cometa alguma loucura.
Han Yan a olhou com aprovação.
—Fez bem.
Isso servia para evitar que a Tia Zhou entrasse em contato com alguém. Já que ela tinha conseguido se aliar a bandidos, não se exporia diretamente. Provavelmente havia um intermediário, alguém de fora da casa, o que tornava as coisas mais fáceis para ela. Mesmo que os bandidos percebessem que haviam sequestrado a pessoa errada, não saberiam como contatá-la. E sob os olhos atentos de todos, a Tia Zhou não teria coragem de se encontrar com o intermediário. Ambas as partes estavam no escuro — nada poderia ser feito.
—Senhorita — disse Mamãe Chen, trazendo uma tigela de sopa de gengibre —, a senhorita passou por um susto hoje. É melhor descansar cedo.
Ji Lan já havia contado a Mamãe Chen sobre o plano da Tia Zhou contra Han Yan. Embora tivesse se acalmado, Mamãe Chen ainda estava um tanto indignada.
—Se não fosse pela sua esperteza... essas mulheres têm corações de cobras e escorpiões!
Han Yan fez um gesto displicente com a mão e sorveu a sopa de gengibre com calma.
—Não foi nada. Amanhã, é só assistirmos ao espetáculo. A Tia Zhou se esforçou tanto... Seria um desperdício deixar todo esse trabalho em vão.
Ji Lan agora estava cheia de admiração por Han Yan, vendo Shu Hong, que geralmente era eficiente, parada como uma estátua. Ela a cutucou.
—Tá esperando o quê?
Shu Hong despertou do transe e, depois de ver Han Yan deitada na cama, saiu apressada.
Assim que a lamparina foi apagada, o quarto mergulhou de repente na escuridão. Deitada, Han Yan estava com a mente agitada. A cena no Wang Jiang Lou voltava à sua cabeça, e quando a lâmina do homem de preto desceu sobre ela, seria mentira dizer que não sentiu medo. Nesta nova vida, ela valorizava muito mais a própria existência. Havia muitas coisas das quais não queria abrir mão — ela não estava disposta a morrer assim.
Foi inesperado ser salva por Fu Yunxi.
O calor da pele de raposa ainda parecia presente em seu ombro. Essa pessoa é realmente estranha, pensou Han Yan. Será que ele me confundiu com outra pessoa? Ao pensar nisso, um sentimento estranho brotou em seu coração. Se ele realmente me confundiu... será que o Príncipe Xuanqing ainda vai continuar cuidando de mim como tem feito?
Sentiu um aperto no peito, virou-se várias vezes e, por fim, adormeceu profundamente já na madrugada.
Na manhã seguinte, Han Yan acordou bem tarde, sentindo-se um pouco grogue. Depois que Ji Lan a ajudou a lavar o rosto, Shu Hong retornou de fora e contou que a tia Zhou havia causado uma cena no Pátio Furong.
Han Yan apenas sorriu com isso:
— Vamos dar uma olhada.
Ao se aproximarem do Pátio Furong, ouviram um alto estalo — um pedaço de porcelana branca se espatifara no chão. A tia Zhou, que antes era gentil e atenciosa, agora estava com os cabelos desgrenhados, expressão abatida e olhos injetados de sangue. Em voz rouca, gritava:
— Quero ver o mestre! Me soltem!
Duas criadas tentavam contê-la, e, ao olhar mais de perto, Han Yan reconheceu uma delas: era Jiao Meng, a serva que atendia a concubina Mei.
— O que está acontecendo? — Han Yan perguntou, curiosa ao observar a cena.
Ao vê-la, a expressão da tia Zhou escureceu imediatamente. Os olhos se encheram de ódio intenso. Cerrando os dentes, ela cuspiu:
— Quarta Senhorita.
Han Yan sorriu para ela.
— Por que a tia está assim? Se a irmã Zhuang Yushan voltasse agora e a visse tão abatida, com certeza ficaria com o coração partido.
Mencionar Zhuang Yushan foi como jogar sal na ferida da tia Zhou. Ela se agitou ainda mais, gritando:
— Cale a boca! Isso é tudo culpa sua, sua bastarda...
Com um estalido seco, Han Yan bateu palmas e, finalmente, retribuiu o tapa que Zhuang Hanming lhe dera no dia anterior.
— V-você... você ousa me bater? — Tia Zhou cobriu o rosto e a encarou.
Han Yan permaneceu impassível ao lado da Mamãe Chen.
— Não estou cometendo crime contra superiores. Como filha legítima da família Zhuang, não posso aceitar o título de “bastarda”. Se uma filha legítima é uma bastarda, então o que é a irmã Yushan? E o que dizer do filho que a concubina Mei carrega? Digo, tia Zhou, como pode dizer isso e colocar nosso pai numa posição tão constrangedora? A senhora é apenas uma concubina. Como ousa insultar um oficial da corte? Han Yan está apenas educando uma serva indisciplinada em nome do pai.
— V-você... você é uma ingrata! — A tia Zhou tremia de raiva. Tinha tratado Han Yan tão bem por toda a vida, e agora levava uma bofetada daquela “fledgling” que criara com as próprias mãos.
— Tia, o que está dizendo? A palavra “piedade filial” se aplica a pais. A senhora é apenas uma concubina, espera que eu a trate como a dona da casa? Não quebre as regras! — Cada palavra era pronunciada com clareza. Embora seus lábios sorrissem, sua expressão era extremamente altiva, e o olhar que lançou à tia Zhou transbordava desprezo.
— Você... — A tia Zhou se viu impotente contra Han Yan e começou a chorar, a voz tomada de piedade. — Agora que Yushan foi levada pelos bandidos, sem sabermos se está viva ou morta, por que a Quarta Senhorita precisa tripudiar? Você e Yushan são irmãs. Agora...
Enquanto falava, suas lágrimas caíam ainda mais forte, a ponto de quase desmaiar.
Han Yan a observou com calma e disse:
— É compreensível que a tia esteja descontrolada, mas também há a concubina Mei na residência. Agora que ela está grávida de um filho do pai — que será o irmãozinho de Han Yan — isso é motivo de alegria para toda a casa. A tia Zhou, porém, em vez de parabenizá-la, está chorando e causando escândalo no Pátio Furong, podendo afetar a criança que ela carrega... foi intencional?
Assim que ela disse isso, a porta do quarto interno do Pátio Furong se abriu, e Zhuang Shiyang saiu, com o semblante fechado.
— O que é essa confusão toda? Mei’er precisa descansar agora que está grávida. Por que esse escândalo?
As palavras de Han Yan claramente haviam chegado a seus ouvidos.
A tia Zhou se sentia cada vez mais injustiçada e odiava ainda mais a concubina Mei e Han Yan. Logo cedo, os criados da mansão estavam cochichando, e um deles foi verificar a situação. Para seu espanto, era de conhecimento geral que Zhuang Yushan havia sido sequestrada por bandidos, e logo toda a capital já comentava que a Segunda Senhorita da família Zhuang havia perdido a pureza.
A princípio, a tia Zhou não acreditou. Ela de fato tinha feito um acordo com o magistrado Yin, mas havia especificado claramente que a pessoa envolvida era Zhuang Han Yan. Se fosse outra pessoa, o magistrado teria compreendido a situação e abafado o assunto, em vez de deixá-lo escapar.
Depois de mais investigações, descobriu-se que no dia anterior, enquanto o magistrado Yin investigava um caso no condado, alguém do lado de fora bateu o tambor pedindo justiça. Ao ver uma criada vestida de serva, supôs que era alguém enviado pela tia Zhou e declarou em voz alta, diante de vários transeuntes, que assumiria o caso da serva. Inesperadamente, a criada revelou que a Segunda Senhorita da família Zhuang havia sido sequestrada por bandidos. Com tanta gente ao redor, ele não pôde voltar atrás e acabou levando seus subordinados para investigar. Assim, não se sabia quem havia espalhado a notícia.
O que enfureceu ainda mais a tia Zhou foi que, no mercado, circulavam todo tipo de versões. Algumas até diziam que Zhuang Yushan havia sido violentada pelos bandidos durante o sequestro, e que suas roupas foram rasgadas — dando a entender que já havia perdido a pureza. Depois de uma noite inteira, parecia não haver mais nada a ser salvo.
Pensar em Zhuang Yushan fez a dor voltar ainda mais forte. Ela olhou para Han Yan e pressionou:
— Hoje os boatos pela cidade dizem que Yushan perdeu a pureza ao ser sequestrada pelos bandidos, e suas roupas foram rasgadas. Apenas você e ela subiram a montanha juntas. Por que teve que armá-la dessa forma?
Ao ouvir isso, a insatisfação anterior de Zhuang Shiyang com a tia Zhou pareceu desaparecer, e ele olhou para Han Yan com desconfiança:
— Yan’er, o que aconteceu?
Desde o incidente do dia anterior, Han Yan sabia que não poderia mais manter a fachada de boa convivência com Zhuang Shiyang. A tolerância dele ao tapa que a tia Zhou dera em Zhuang Hanming a fez enxergar tudo com clareza. Em vez de gentilezas vazias, era melhor golpear com firmeza. Assim, respondeu com um sorriso que não alcançou os olhos:
— Parece que a tia se esqueceu de que, além de mim, havia também doze guardas presentes. Eu não tinha nenhuma má intenção com a irmã Yushan, caso contrário, não teria subido a montanha com ela para rezar. Agora que a irmã Yushan está desaparecida, é compreensível que a tia esteja tomada pela dor, e eu não a culpo. No entanto, esses doze guardas não podem ser isentados — peço ao pai que os puna severamente. Não tenho medo de que a verdade não venha à tona.
A tia Zhou ficou atônita e tomada de fúria. Aqueles doze guardas haviam sido designados por ela e, até onde sabia, não haviam cometido nenhum erro. No entanto, Han Yan estava transferindo toda a responsabilidade para eles na frente de tanta gente. Era bem possível que Zhuang Shiyang os punisse, e embora o incidente não estivesse diretamente ligado a ela, se os guardas deixassem escapar qualquer coisa, ela estaria acabada. Zhuang Shiyang tinha um carinho genuíno por Zhuang Yushan. Agora que ela havia arruinado tudo, ele certamente ficaria furioso. E com a concubina Mei grávida, ela não podia correr esse risco. Por isso, respondeu suavemente:
— Fui tola... é que o caso de Yushan me deixou transtornada demais...
—Peço desculpas por qualquer ofensa causada à Quarta Senhorita e ao mestre. Aqueles guardas são da casa Zhuang e certamente não tinham más intenções; devem ter sido terceiros que deturparam os fatos.
Han Yan balançou a cabeça, com um ar claramente reprovador.
—Tia, isso não está certo. Mesmo que eles não tenham dito nada lá fora, ainda assim falharam em proteger a irmã Yushan. Eles devem ser punidos por negligência. Se não forem punidos desta vez, os próximos guardas certamente seguirão o exemplo. Se bandidos os encontrarem de novo, em quem poderemos confiar para garantir a segurança do nosso pai?
Zhuang Shiyang ouviu suas palavras e as considerou extremamente sensatas. Imediatamente disse, com a voz grave:
—Tragam os guardas que escoltaram a Senhorita ontem. Primeiro, castiguem-nos com sessenta bastonadas.
Sessenta bastonadas podiam ser fatais! Tia Zhou entrou em pânico:
—Mestre... Mestre...
Aqueles eram todos homens em quem ela havia investido muito dinheiro, pretendendo cultivá-los como seguidores leais. Agora estavam sendo eliminados de uma vez — como poderia aceitar isso?
Han Yan deu um passo à frente para consolá-la:
—Tia, não se alarme. Esses criados, que normalmente agem com arrogância por terem apoio, não respeitam os senhores da casa. Agora que estão sendo punidos, vão entender qual é o lugar deles. Já que a irmã Yushan está desaparecida, a senhora deveria voltar ao Pátio Gongtong e descansar.
Em seguida, instruiu Shu Hong:
—Traga os presentes que preparei para a Tia Mei.
Shu Hong prontamente avançou e apresentou uma pequena caixa de jade. Han Yan a abriu, revelando um Buda de jade translúcido, do tamanho do seu dedo mínimo, com um fino cordão vermelho atravessando o centro.
Han Yan entregou a caixa a Zhuang Shiyang, sorrindo ao dizer:
—Na verdade, vim hoje ao Pátio Furong para oferecer esse Buda de jade à Tia Mei. Consegui esse Buda em um templo há algum tempo; dizem que usá-lo traz paz e segurança. Como a Tia Mei está grávida do meu irmãozinho, estou lhe dando isso, desejando que ele venha ao mundo com saúde.
Zhuang Shiyang ficou muito satisfeito ao ouvir Han Yan se referir ao bebê como “irmãozinho” e raramente demonstrou tanta aprovação. Assentiu com a cabeça e elogiou:
—Você é mesmo muito atenciosa.
Han Yan lançou um olhar a Tia Zhou:
—Se está preocupada com a irmã Yushan, por que não vai até o salão budista e reza para que o Bodhisattva a proteja? Os deuses estão sempre observando, e o Bodhisattva vê tudo. Os maus, com certeza, serão punidos. O Bodhisattva é compassivo — talvez a irmã Yushan volte sã e salva em alguns dias.
Tia Zhou sentiu um calafrio com as palavras de Han Yan, como se houvesse um significado oculto por trás delas. A pele se arrepiou, e ela só conseguiu forçar um sorriso.
—O que a Quarta Senhorita disse faz sentido.
Vendo que a situação havia se acalmado, Han Yan despediu-se de Zhuang Shiyang e saiu do Pátio Furong de bom humor.
Mas assim que cruzou a porta, o sorriso desapareceu de seu rosto. Ji Lan, notando a expressão carregada, perguntou rapidamente:
—Senhorita, aconteceu alguma coisa?
Han Yan balançou a cabeça, sentindo-se inquieta. Aquela era a segunda vez que Tia Zhou mencionava a palavra “bastarda”. Antes, havia sido sobre Han Ming, e agora, sobre ela. Por mais ousada que fosse, Tia Zhou não inventaria algo tão grave sobre a origem dela e de Zhuang Hanming sem um motivo — a menos que houvesse um fundo de verdade. Além disso, onde há fumaça, há fogo, e o comportamento de Zhuang Shiyang em relação a eles realmente não era o de um pai.
Será que descobri o ponto-chave de tudo isso? Han Yan hesitou sobre se deveria investigar mais a fundo. Se o fizesse, como Zhuang Hanming lidaria com o rótulo de filho ilegítimo? Mas também não fazia sentido que Zhuang Shiyang aceitasse criar o filho de outro homem tão facilmente.
Depois de um longo tempo, ela finalmente disse:
—Ji Lan, descubra quais criados estão na casa há mais tempo. Se tiver uma chance, tente se aproximar deles e puxar conversa.
Ji Lan assentiu em silêncio. Han Yan suspirou — a alegria que sentira antes, por ter virado o jogo, dissipara-se, restando apenas um sentimento de melancolia.
Naquele momento, na mansão do Príncipe Xuanqing.
Uma folha de papel de arroz branco estava estendida, com alguns caracteres ainda exalando o perfume da tinta fresca. Fu Yunxi segurava o pincel com uma das mãos, mas parecia distante, perdido em pensamentos.
—O que há com vocês dois? —Cheng Lei não conseguiu mais segurar a língua e perguntou. Era direto, hábito herdado dos anos no campo de batalha, e não conseguia simplesmente ver o amigo naquele estado de letargia—. No que está pensando tão profundamente?
Fu Yunxi fez uma pausa e respondeu lentamente:
—Em nada.
Mudando de assunto, perguntou:
—Alguma movimentação no Oeste?
Cheng Lei lançou um olhar para a mesa, o rosto carregado de preocupação.
—Tudo igual. Desde que aquele maldito Turmu virou governante, tem atacado as vilas da fronteira de tempos em tempos. Mas não são ataques sérios — só furtos, saques pequenos. Nem vale a pena mencionar. Quando nossos soldados chegam, eles já recuaram. O povo sofre, e nós não temos como ajudar. É sinceramente mais frustrante do que uma guerra de verdade.
—Ele é esperto —respondeu Fu Yunxi—. A questão é se vai saber aguentar.
Cheng Lei deu de ombros.
—E você? A encenação do Sétimo Príncipe hoje foi bem grandiosa. Chegou ao ponto de matar tantos nobres da capital para gerar o caos, só pra fazer o povo acreditar que você foi morto por bandidos. Mas... —ele balançou a cabeça— ele realmente te subestimou.
Fu Yunxi abaixou a cabeça e escreveu na carta:
—Deixe-o. Não é a primeira vez.
Cheng Lei riu com malícia:
—Ouvi dizer que hoje uma donzela salvou o herói. E vou te dizer, a garotinha tem só treze anos. Não está preocupado com o que vão pensar de você sendo tão mais velho?
Fu Yunxi não se incomodou com a franqueza de Cheng Lei. Pensou naqueles olhos teimosos e límpidos, e só depois de uma breve pausa respondeu:
—Não tenho nada a ver com ela.
Cheng Lei balançou a mão, incrédulo:
—Quem acreditaria nisso? Ouvi dizer que todo mundo viu hoje, não foi, Mu Yan?
Sem obter resposta, ele se virou, confuso — e encontrou Mu Yan encarando, imóvel, o ferimento em sua mão. Os olhos afiados de Cheng Lei logo notaram que o curativo era feito com um lenço de mulher. Sentindo vontade de provocar, gritou:
—Mu Yan! Acompanhando seu mestre gelado, você finalmente despertou hoje, hein? Hahaha! Eu achava que você ia virar monge pro resto da vida, igual a ele! Quem diria que teria tanta sorte hoje? Parece que a mansão do Príncipe Xuanqing anda cheia de boas novas!
Mu Yan levou um susto, e um leve rubor surgiu em seu rosto normalmente inexpressivo. Ele se lembrou da pequena garota, magra e decidida, que apontara resolutamente um grampo de cabelo contra ele e, depois, enfaixara seu ferimento com delicadeza. Nunca estivera tão próximo de uma mulher antes, e não conseguia entender aquele comportamento contraditório. Instintivamente, guardou o lenço.
Naquele instante, Fu Yunxi terminava de escrever a carta. Dobrou-a com cuidado, colocou-a em um envelope e jogou nos braços de Cheng Lei.
Cheng Lei ainda balançava a cabeça, suspirando:
—Ainda nem é primavera...
—Cai fora! —Uma pedra de tinta voou em sua direção.
0 Comentários