Capítulo 56 – Corrente Subterrânea
O local do interrogatório foi escolhido por Lu Heng. Assim que saiu do Palácio Imperial, ele imediatamente enviou alguém para procurar Wang Yanqing. No entanto, teve o azar de encontrar Fu Tingzhou e o Prefeito Cheng no caminho, então mudou de ideia. Mandou silenciosamente uma mensagem para Wang Yanqing para que ela chegasse antes deles e se escondesse atrás do biombo.
Já era entardecer, a luz estava fraca, e a casa, sombria e desocupada havia muito tempo — esconder alguém ali não era difícil. Porém, afinal de contas, havia dois oficiais da corte sentados do lado de fora, incluindo seu velho inimigo, Fu Tingzhou. Wang Yanqing tinha receio de incomodá-los, por isso manteve a respiração e os movimentos leves. Havia limitações demais, o que não lhe deixava muito espaço para observar as expressões dos outros.
Wang Yanqing balançou levemente a cabeça:
— Eu estava muito longe, não consegui ver claramente. Mas as reações deles não pareciam ser treinadas.
Lu Heng tinha a mesma impressão. Durante o interrogatório, havia prestado atenção às mãos da sogra e nora. Seus dedos eram grossos, as palmas, ásperas, e os dedos, rachados. Quem pratica artes marciais também desenvolve calos, mas a posição de segurar uma arma é diferente da de manejar ferramentas agrícolas — e os calos que surgem também são totalmente distintos. Pela aparência, não havia nenhum traço de disfarce.
Por ora, Lu Heng acreditava que elas estavam realmente ali para clamar por justiça. Ele lançou um olhar para o céu do lado de fora e disse:
— Esse lugar tem muito movimento, alguém pode voltar a qualquer momento. Vamos, conversamos melhor quando voltarmos.
Wang Yanqing assentiu com a cabeça. Ela não deixou passar que Lu Heng dissera “alguém pode voltar a qualquer momento”, referindo-se a Fu Tingzhou ou ao Prefeito Cheng. O Prefeito Cheng era apenas de quarto escalão — mesmo que visse Lu Heng escondendo uma forasteira na casa, não ousaria espalhar a notícia. Nesse caso, a única preocupação de Lu Heng só poderia ser Fu Tingzhou.
Estranho… por que o Segundo Irmão está evitando que Fu Tingzhou me veja? Ainda que fosse embaraçoso admitir, Fu Tingzhou ainda era apaixonado por ela. Mesmo se a encontrasse, ele não a denunciaria para os superiores. O que, afinal, o Segundo Irmão teme?
Desde que encontrara Fu Tingzhou, surgiram cada vez mais coisas que ela não conseguia explicar. Wang Yanqing ficou em silêncio e seguiu Lu Heng de volta ao pátio improvisado onde estavam hospedados. Tudo durante a patrulha ao sul era simples, e até mesmo Wang Yanqing havia sido discretamente incluída na comitiva. Não pôde trazer muitas criadas — apenas Ling Xi a acompanhava.
Ao ver Wang Yanqing e Lu Heng voltando, Ling Xi nada perguntou. Trouxe chá quente, fechou a porta com habilidade e se retirou. Wang Yanqing já estava acostumada com esse tipo de tratamento e não achou estranho, mas não teve tempo de tomar o chá. Aproximou-se e perguntou:
— Segundo Irmão, o que está acontecendo?
Ela havia passado o dia inteiro na carruagem e só então pôde colocar os pés no chão. No entanto, antes mesmo de pegar sua bagagem, alguém surgiu dizendo que o comandante a procurava. Wang Yanqing não entendeu nada e acabou sendo colocada atrás de um biombo desbotado e empoeirado. Depois, Lu Heng, Fu Tingzhou e um oficial que ela não conhecia entraram na sala.
Lu Heng recostou-se na cadeira e respondeu com indiferença:
— Como você ouviu, alguém saiu do palácio para clamar por justiça. O imperador soube e me ordenou que resolvesse o caso em três dias.
— Três dias? — Wang Yanqing ficou chocada. — Como o imperador pôde ser tão exigente?
Lu Heng tamborilou os dedos no apoio da cadeira e disse lentamente:
— Fui eu quem pediu essa ordem.
Wang Yanqing ficou sem palavras por um instante. Olhou para Lu Heng, sem entender o que ele pretendia.
Lu Heng não parecia disposto a se explicar e disse apenas:
— A situação já chegou a esse ponto. Vamos resolver o caso primeiro. O que você acha da mensagem de “salve-me” escrita no pano — verdadeira ou falsa?
O sangue no pano era real, mas isso não significava que fosse, necessariamente, do filho da família Liu. E se a sogra e a nora da família Liu tivessem exagerado de propósito para chamar atenção? Wang Yanqing pensou um pouco, depois balançou a cabeça com honestidade:
— Há poucas informações para julgar. Mas senti que havia muitas coisas que a Tia Liu não contou.
— Sim — Lu Heng concordou —, eu também senti. Elas pareciam assustadas, hesitavam em falar, e suas palavras eram vagas.
— É normal que estejam com medo — disse Wang Yanqing. — Você conduziu a audiência conjunta em uma sala de três repartições. Além disso, o prefeito da região delas estava presente. É natural que fiquem receosas.
Lu Heng não podia fazer nada quanto a isso. Era bom em impor respeito, mas os Guardas Imperiais não ensinavam como ser acolhedor. Ele comentou:
— Se você as interrogasse, acha que conseguiria chegar à verdade?
Wang Yanqing pensou por um momento e, por fim, assentiu lentamente:
— Acho que sim. Mas quero vê-las sozinha, de preferência sem oficiais ou guardas por perto.
Se estivessem sob custódia dos Guardas Imperiais, isso seria fácil de arranjar. Mas quem as detinha era Fu Tingzhou. Lu Heng amaldiçoou sua má sorte internamente, mas manteve a expressão serena:
— Sem problema. Eu vou providenciar isso.
Os dias de verão eram longos. Com o calor pairando sobre a terra, até o ar parecia envolto numa neblina azulada. Os oficiais e soldados viajavam longas distâncias durante o dia e ainda tinham que patrulhar à noite — um sofrimento. Mas não ousavam negligenciar as ordens do Marquês de Zhenyuan. Um grupo patrulhava ao redor da muralha quando, de repente, alguém de visão aguçada avistou alguns homens jovens e fortes se aproximando.
O uniforme dos Guardas Imperiais era reconhecível a oitocentos metros de distância. Os soldados imediatamente ficaram em alerta, postaram-se diante da estrada e perguntaram em voz alta:
— Quem está aí?
O guarda imperial da frente mostrou rapidamente seu emblema na cintura e disse:
— O Mestre Lu teme que as testemunhas possam fazer algo. Por isso, ordenou que viéssemos verificar.
Os soldados de patrulha pertenciam à Divisão Militar das Cinco Cidades e sabiam que não deviam confrontar os Guardas Imperiais:
— O Marquês de Zhenyuan proibiu qualquer um de entrar sem permissão.
O guarda imperial se impacientou e elevou a voz:
— Só queremos dar uma olhada nas testemunhas. Qual o motivo dessa desconfiança?
Na pesada noite de verão, as duas equipes começaram a discutir assim que entraram em desacordo. Os soldados que guardavam o portão permaneciam firmes, nervosos, sem ousar abandonar seus postos. Duas mulheres em trajes de servas do palácio se aproximaram. Os soldados mantiveram os olhos na frente, mas ainda assim as pararam:
— Quem são vocês?
As criadas se curvaram corretamente e abriram voluntariamente as caixas de madeira que carregavam:
— Viemos entregar as refeições.
Os soldados examinaram as duas. Ambas usavam uniformes simples de criadas do palácio, com cartões de identificação na cintura. As duas trocaram olhares — por serem de fora, era normal que os soldados não as conhecessem. Os soldados notaram que os cartões estavam gastos nas bordas, as roupas estavam um pouco velhas e as barras das saias sujas de poeira, como se tivessem caminhado muito.
No geral, eram duas criadas comuns. A única coisa fora do normal era que eram incrivelmente bonitas. Especialmente a que vinha atrás — mantinha a cabeça baixa, mas a testa exposta era de um branco neve, e seu corpo, esguio. Uma mulher assim seria apenas entregadora de comida no palácio?
Os soldados estavam desconfiados. Inspecionaram as caixas de comida, mas só havia dois pratos simples e duas tigelas de arroz. A criada tirou um palito de prata e testou cada prato diante dos soldados. Sua mão não tremia, e o palito não mudou de cor. Os olhos dos soldados recaíram sobre as duas, e a criada ficou visivelmente nervosa, com a voz rígida:
— Senhor, somos criadas do Departamento de Alimentação, e viemos entregar as refeições…
Era verão, as roupas eram leves e não escondiam espadas. Os soldados as examinaram várias vezes, mas não viram nada suspeito. Pensaram que talvez estivessem sendo paranoicos, ou que o sustento do palácio realmente as sustentasse. Com isso em mente, recolheram as espadas e as deixaram passar.
As criadas fecharam as caixas, fizeram uma reverência impecável e caminharam até a porta com passos curtos. A outra mulher seguiu atrás, cabeça baixa, parecendo resguardada. Quando a porta se fechou, Ling Xi soltou um suspiro de alívio. Entregou a caixa para Wang Yanqing e disse:
— Senhorita, eu fico de vigia aqui. Vá e volte logo.
Wang Yanqing assentiu. Sabia que o tempo era curto, então não perdeu tempo e foi rapidamente até o cômodo. A porta se abriu de repente, e as pessoas dentro se assustaram e se viraram depressa.
De pé na porta, Wang Yanqing anunciou:
— Sou criada do Departamento de Alimentação. Fui incumbida de entregar as refeições às senhoras.
Ao ouvirem que se tratava da pessoa encarregada da comida, a sogra e a nora da família Liu primeiro relaxaram, depois esfregaram as mãos com certo embaraço:
— Então é uma nobre do palácio… A gente comeria qualquer coisa, não precisava vir alguém tão importante entregar.
Wang Yanqing sorriu discretamente:
— Sou apenas uma criada do palácio, não precisam me chamar de nobre. As senhoras gostariam de comer agora?
A sogra e a nora já estavam famintas havia horas. Quando ouviram isso, assentiram apressadamente. A nora se adiantou para pegar a caixa. A sogra, um pouco constrangida, comentou:
— Nunca imaginei ver alguém do palácio nesta vida… Você é linda como uma pintura de Ano-Novo. Não, as pinturas de Ano-Novo nem chegam aos seus pés… ah, cuidado!
A nora Liu se apressou para pegar a caixa. As duas pareciam segurar ao mesmo tempo, mas quando Wang Yanqing soltou, a moça não conseguiu segurar firme. Num reflexo, tentou agarrá-la, mas não teve sucesso. A caixa caiu no chão com um estrondo, e o caldo se espalhou.
O rosto da nora Liu ficou vermelho até o pescoço. Ela se ajoelhou rapidamente para recolher a comida:
— Me desculpe! Foi tudo culpa minha, não consegui segurar…
—Não é incômodo algum. —Wang Yanqing se abaixou espontaneamente, segurando a barra da saia, para limpar a bagunça no chão.—A culpa foi minha por não segurar direito. Essa comida caiu no chão e não pode mais ser consumida. Vou pedir para trazerem outra refeição para vocês daqui a pouco.
Mamãe Liu olhou para o arroz branco espalhado no chão e disse com pesar:
—Não adianta trazer outra. Encostou só um pouco na terra, dá pra comer depois de escovar.
—Como assim? —disse Wang Yanqing.—O chão está sujo, como eu deixaria isso entrar na boca de vocês? Esperem só um pouquinho, a comida vai chegar logo.
Mamãe Liu hesitou, como se fosse dizer algo, mas acabou fechando a boca. No fundo, ela achava mesmo que ainda dava pra comer. Se um arroz tão bom se sujasse um pouco e fosse jogado fora, seria um grande desperdício. Mas as pessoas no palácio eram cheias de regras, e Mamãe Liu não ousava contrariar, então apenas assentiu.
A nora Liu, que havia derrubado a tigela de arroz, estava tomada pela culpa. Permaneceu ajoelhada no chão, recolhendo os cacos de porcelana e limpando o caldo entornado. Wang Yanqing, em silêncio, recolheu os restos na marmita e fechou a tampa.
Na verdade, não foi culpa da nora Liu ter derrubado a marmita — foi Wang Yanqing quem soltou de propósito, fazendo com que ela não conseguisse segurá-la a tempo.
O susto é sempre um dos sentimentos mais difíceis de disfarçar. Porque o inesperado muitas vezes representa perigo, e as pessoas mostram seu instinto puro nesse momento. Quando a marmita caiu de repente, a nora Liu ficou paralisada por um instante antes de tentar agarrá-la. Ao ouvir o barulho da tigela quebrando, medo e culpa cruzaram seu rosto. Ela rapidamente ajoelhou-se para limpar tudo. Seus movimentos eram ágeis, como alguém acostumada ao trabalho doméstico — nada parecido com quem tivesse treinado artes marciais.
A expressão pesarosa da Mamãe Liu sobre a comida também parecia sincera. Enquanto falava com Wang Yanqing, seus olhos não desviavam dos grãos de arroz espalhados. Quando ouviu que a comida seria jogada fora, franziu as sobrancelhas, baixou as pálpebras e apertou os lábios. Quis falar, mas se conteve.
Se fossem assassinas ou espiãs, a primeira reação ao ver algo caindo teria sido de alerta — e não de culpa. Ao ver a comida derramada, a nora Liu ajoelhou-se de imediato para limpar, expondo completamente as costas para Wang Yanqing. Quando Wang Yanqing se aproximou de repente, os músculos da moça nem chegaram a se retesar.
A julgar por essas reações, eram mesmo uma dupla de sogra e nora do campo. Agora que sua identidade estava confirmada, o próximo passo seria mais fácil.
A mãe e a nora da família Liu não entendiam os protocolos do palácio, então, sob o pretexto de esperar pela refeição, Wang Yanqing ficou mais um tempo ali.
—Me desculpem mesmo por ter feito vocês esperarem tanto. —disse ela.
Mamãe Liu, vendo que aquela mulher bela como uma fada não as desprezava por serem rudes, e ainda falava com tanta gentileza, sentiu coragem para responder:
—Ora, que isso? A gente lá no campo às vezes come só no Xushi. Quando o trabalho atrasa, é comum comer só no Haishi. Agora aqui não temos nada pra fazer, se alguém tem que pedir desculpas, somos nós por dar esse trabalho.
(Xushi: 19h–21h. Haishi: 21h–23h.)
Wang Yanqing sorriu:
—Que bom que vocês não se incomodam. A comida deve chegar logo. Por que não se sentam para conversarmos um pouco?
Ela disse isso, mas no fundo sabia que a comida não viria. Tinha entrado escondida, e não podia deixar rastros. Aquela refeição estava fadada a não acontecer. Assim que Wang Yanqing saísse, os verdadeiros servos do palácio trariam a comida.
Gente do campo não era cheia de cerimônia, então, vendo que Wang Yanqing falava com simpatia, mãe e nora sentaram-se. Fingindo curiosidade pela vida rural, Wang Yanqing começou a perguntar sobre a lavoura.
Inicialmente, Wang Yanqing era vista como uma figura distante, imponente e temida pelas duas. Mas agora, mostrando interesse, sua imagem pareceu descer à terra. Mamãe Liu, surpresa ao descobrir que nem todo mundo do palácio era inalcançável, encheu-se de coragem e começou a falar sem parar.
Wang Yanqing ouvia com atenção, sorrindo e assentindo de tempos em tempos. Em poucas falas, já havia descoberto a situação familiar, a idade e a vila de origem de Mamãe Liu. A nora, observando a conversa, ficou sem jeito e puxou discretamente a manga da sogra:
—Mãe… essa moça talvez nunca tenha pisado na terra… como é que vai ter paciência pra ouvir isso?
—Está tudo bem. —respondeu Wang Yanqing, rindo.—Na verdade, eu cresci no campo. Quando pequena, minha avó ia pro roçado e eu ficava esperando na beira das plantações. Como eu não teria visto a terra?
Na realidade, Wang Yanqing não lembrava disso. Apenas repetia o que Lu Heng havia lhe contado. No fundo, havia arrependimento. Sua família fora destruída. Perdeu os pais e a avó aos sete anos e agora nem lembrava mais do rosto da avó. Se ela ainda estivesse viva, talvez fosse como essa senhora à minha frente… com o mesmo rosto enrugado, mas firme e digno.
Suspirando em silêncio, Wang Yanqing ganhou a confiança das duas e aproveitou para tocar no verdadeiro assunto:
—Tia, ouvi dizer que vocês vieram relatar uma injustiça. O que aconteceu?
Ao ouvir isso, os olhos vivos de Mamãe Liu murcharam e ela soltou um suspiro profundo:
—Pois é… até agora, nem sabemos se meu velho e meu filho estão vivos ou mortos.
—Por quê? —perguntou Wang Yanqing.
—Em abril, foram chamados pela corte para trabalhar na construção do palácio. Em junho, os homens das vilas vizinhas começaram a voltar… mas deles, nenhuma notícia. Esperei, esperei… já estamos em julho, e nada. Fui até a prefeitura do condado perguntar. Primeiro, os funcionários não quiseram falar, nos mandaram embora. Depois, levei gente da vila comigo. O oficial nem saiu pra nos atender. Então sentamos do lado de fora esperando. Quando viram que não íamos embora, o magistrado disse que os homens da Vila Hegu tinham pego uma enchente no caminho e foram levados pela água.
Enquanto falava, Mamãe Liu olhava com os olhos vazios. As dobras nos cantos da boca desciam como peso morto — uma calma entorpecida de tanta dor.
Wang Yanqing pensou um pouco e perguntou:
—Eles foram levados pela enchente a caminho da obra? Mas a convocação foi em abril… por que a prefeitura só falou disso em julho?
—Pois é, eu mesma não entendo. —disse Mamãe Liu.—Não acho que tenham sido levados pela água. Depois disso, o chefe da vila saiu batendo de porta em porta dizendo que o governo estava pagando despesas de funeral. Cada família podia mandar alguém na sede do condado pra receber. Depois disso, ninguém mais tocou no assunto. Eu não acreditei que meu filho tinha morrido assim, então nem fui pegar o dinheiro.
—E os outros da vila foram?
—Claro. —respondeu Mamãe Liu, soltando um suspiro ainda mais fundo.—A vida segue, e eles não tinham mais ninguém… então, o que eu ia fazer? Todos diziam que eu era teimosa, mas toda noite, quando fecho os olhos, vejo meu filho sofrendo. Criei ele com tanto esforço, acabei de casá-lo, como poderia aceitá-lo sendo levado assim, sem nem entender como? Mesmo que tivesse sido uma enchente, deveria haver ao menos um corpo.
A nora ficou em silêncio, sentada ao lado da sogra, cabeça baixa. A luz do lado de fora ia escurecendo, camada por camada. As três estavam sentadas à mesa de madeira vazia, imóveis como estátuas de templo, manchadas de tempo e dor.
Wang Yanqing refletiu por um momento e perguntou:
—Todos os vilarejos tinham que enviar trabalhadores?
—Tinham.
—Além da Vila Hegu, aconteceu isso com mais alguém?
— Nunca ouvi falar disso. — disse a Tia Liu solenemente. — As pessoas das outras vilas voltaram cedo, mas a nossa permaneceu em silêncio. Foi por isso que achei estranho. Fui até a prefeitura do condado para reclamar, mas o magistrado me chamou de louca e depois nem me deixou mais entrar. O nosso peixe-pescador voltou, e finalmente eu tinha uma prova, mas mesmo assim não consegui entrar no gabinete. Antigamente eu ouvia as óperas do povo da vila, e diziam que, quando alguém era injustiçado e o magistrado do condado não se importava, essas pessoas iam até a capital e conseguiam justiça. Eu nem sabia onde ficava a capital, então tentei procurar o prefeito. Mas eu não conhecia Weihui. Fiquei três dias do lado de fora e nem consegui passar pela porta do gabinete.
A nora Liu escutou aquilo e acrescentou:
— Minha mãe sofreu muito para vingar meu pai e meu marido. Quando ela foi até o governo do condado reclamar, o magistrado quase mandou executá-la. Depois que implorei com todas as minhas forças, ele foi generoso e deixou ela ir. Depois disso, não tivemos mais coragem de voltar lá, então viemos para Weihui. Mas o prefeito estava ocupado cuidando dos assuntos das carruagens e nem nos deixaram chegar perto do portão. Ficamos três dias na Mansão Weihui. Quando vimos que a audiência tinha acabado, minha mãe não quis voltar de mãos vazias, então arriscou a vida e veio até o palácio tentar a sorte.
Não sei dizer se isso foi sorte ou azar, pensou Wang Yanqing, com pesar por aquela dupla de sogra e nora tão determinada. De repente, algo lhe pareceu estranho. Ela ergueu a cabeça bruscamente, com os olhos brilhando:
— Você disse que primeiro foi ao governo do condado apresentar sua queixa, e só depois viu o peixe-pescador. Sem nenhuma prova, por que achou que não foi um acidente?
O olhar de Wang Yanqing já não era o da gentil e amável criada de antes, mas Tia Liu estava mergulhada em suas próprias lembranças e não percebeu nada de estranho. Ela lambeu os lábios, hesitou um momento e respondeu em voz baixa:
— Na verdade, não foi só essa enchente. Antes da convocação, outras pessoas também foram embora e desapareceram sem motivo. Além disso, um tempo atrás, durante a noite, ouviu-se um estrondo nas montanhas. Disseram que era terremoto, mas o meu velho disse que não. Se fosse mesmo terremoto, os peixes do rio com certeza teriam fugido. Eu nem liguei muito na hora. Quem imaginaria que, logo depois, o governo do condado viria recrutar os trabalhadores e, até hoje, ninguém da vila voltou? Quanto mais penso, mais estranho parece. Como isso pode ser desastre natural? Alguém deve estar por trás disso!
As informações que Tia Liu revelou eram muito úteis. Wang Yanqing estava prestes a fazer outra pergunta quando alguém bateu à porta atrás dela. A voz de Ling Xi soou do lado de fora, um pouco tensa:
— O tempo acabou. Precisamos ir.
Só então a mãe e a nora da família Liu perceberam que havia uma criada do palácio do lado de fora. Levantaram-se às pressas, confusas, e começaram a pedir desculpas repetidamente. Percebendo que a situação havia mudado, Wang Yanqing interrompeu as duas:
— A culpa foi toda minha. Me distraí conversando e perdi a noção do tempo. Temos regras no palácio, precisamos voltar logo. Fiquem aqui, não precisam nos acompanhar.
Ao ouvir isso, Tia Liu nem ousou insistir. Wang Yanqing saiu levando a caixa de comida. Assim que Ling Xi a viu, falou em voz baixa:
— Senhorita, não diga nada por enquanto. Caminhe pela parte escura.
Wang Yanqing assentiu discretamente. As duas saíram. Os soldados que guardavam a porta franziram o cenho ao vê-las:
— Por que demoraram tanto lá dentro?
Ling Xi abaixou os olhos e respondeu:
— A tia insistiu que esperássemos até elas terminarem a refeição para pegar a caixa de volta.
Os soldados não entendiam os protocolos do palácio e, por ora, não desconfiaram de nada, então as deixaram passar. Wang Yanqing abaixou a cabeça e saiu rapidamente. Havia uma esquina logo à frente, e passos firmes e ritmados soaram atrás delas. O coração de Ling Xi apertou, e ela se posicionou atrás de Wang Yanqing para ocultar sua silhueta.
As duas viraram a esquina, mais assustadas do que feridas. Ling Xi não sabia se haviam sido descobertas ou não, então apenas apressou Wang Yanqing:
— Vamos sair daqui o quanto antes.
Wang Yanqing não respondeu diretamente, mas disse apenas:
— Não se esqueça de levar comida para elas depois.
Ling Xi assentiu:
— O comandante vai providenciar isso.
Fu Tingzhou sempre suspeitou que Lu Heng não permaneceria em silêncio por muito tempo. E, como esperado, quando algo estava prestes a acontecer, chegou uma notícia de que alguns Guardas Imperiais estavam causando problemas na entrada. Fu Tingzhou foi verificar pessoalmente. Quando se aproximou, vislumbrou duas mulheres dobrando a esquina.
Mesmo que tenha sido apenas por um instante, Fu Tingzhou reconheceu a silhueta: era Qing Qing.
Fu Tingzhou não disse nada. Assim que apareceu, os Guardas Imperiais causadores de problemas se dispersaram rapidamente. Ele empurrou a porta e entrou. Quando Tia Liu viu quem era, arrastou a nora para se ajoelharem.
— Minhas reverências ao Marquês.
As duas estavam ajoelhadas, com a postura toda errada, mas Fu Tingzhou não prestava atenção nelas. Ele ficou ali, com as mãos para trás, sentindo um perfume no ar que ainda não havia se dissipado.
Aquele aroma lhe era muito familiar, e Fu Tingzhou nem ficou surpreso — ele já suspeitava. Perguntou para as duas ajoelhadas:
— Quem estava aqui agora há pouco?
Tia Liu tremeu e respondeu:
— Uma... não, duas criadas do palácio que vieram trazer a comida.
— Como ela era?
Essa pergunta pegou Tia Liu desprevenida. Ela franziu a testa e respondeu:
— Era bem alta, branquinha e magra, o rosto muito marcante.
Fu Tingzhou assentiu levemente:
— E o que ela conversou com vocês?
— Só perguntou sobre o que aconteceu naquele dia... — Tia Liu começou a ficar nervosa. — Ela não era só uma criada do palácio?
Se fosse apenas Lu Heng envolvido nesse assunto, Fu Tingzhou não teria mostrado piedade. Mas como Qing Qing também estava, ele não queria expô-la. Com calma, respondeu:
— Sim, uma criada do palácio. Não se preocupem. Só estou checando.
Tia Liu soltou um suspiro de alívio, e seu rosto relaxou. Fu Tingzhou lançou um último olhar para elas antes de sair e fechar a porta. Do lado de fora, ordenou aos soldados:
— Vigiem bem. Não deixem ninguém se aproximar.
Os soldados apenas assentiram. Fu Tingzhou permaneceu ali, imóvel, e os guardas começaram a suar de nervoso. Será que ele descobriu alguma coisa?
Enquanto eles tremiam de medo, Fu Tingzhou disse:
— Na próxima vez que aquelas duas criadas vierem trazer comida...
Ele parou no meio da frase e, por fim, balançou a cabeça:
— Ela não vai voltar. Bom, façam seu trabalho direito.
O Marquês de Zhenyuan deixou aquelas palavras enigmáticas e, então, silenciou de forma inexplicável. Os soldados, confusos, concordaram com surpresa.
Fu Tingzhou caminhou de volta para seus aposentos sob a escuridão da noite. O calor do sétimo mês fazia o chão parecer uma fornalha, o ar denso de poeira e abafamento. Ele avançava em direção ao palácio, onde a guarda estava claramente desorganizada, e um pensamento vago surgiu em sua mente:
Talvez eu tenha encontrado uma maneira de salvar Qing Qing.
Capítulo 57 – Entendimento Tácito
Mesmo que Wang Yanqing tivesse tentado apressar o interrogatório, o tempo acabou passando do esperado. Quando saíram, acabaram se deparando com um incidente. Wang Yanqing estava com pressa de ir embora e nem olhou para trás para ver quem era. A outra pessoa também não a seguiu, então ela presumiu que ninguém havia notado.
Wang Yanqing soltou um suspiro de alívio e voltou silenciosamente para o pátio de Lu Heng. Ele ouviu passos do lado de fora e, sem levantar a cabeça, disse:
— A porta não está trancada, pode entrar.
Wang Yanqing abriu a porta e entrou virando-se de lado. Lu Heng estava folheando uma pilha de documentos sob a luz. Ele tinha um grande volume de papéis nas mãos e ia puxando alguns, separando-os em pilhas distintas. Lu Heng fechou o volume em que estava e perguntou:
— E aí, correu tudo bem?
Wang Yanqing ainda usava as roupas de criada do palácio e não queria preocupar Lu Heng, então respondeu:
— Sem surpresas. Correu bem.
Lu Heng se levantou e lhe serviu uma xícara de chá, colocando-a em suas mãos:
— Molhe a garganta primeiro. Não se apresse, fale com calma.
Wang Yanqing tinha passado a noite toda correndo de um lado para o outro e sua boca estava realmente seca. Ela pegou a xícara, cuja temperatura estava perfeita. Deu apenas um gole, aliviando o ressecamento da garganta, e a colocou de volta:
— Segundo Irmão, pode estar acontecendo algo estranho na vila de Hegu.
Seus lábios molhados com o chá brilhavam sob a luz, como se estivessem revestidos com uma camada de verniz. Lu Heng sentiu uma coceira ao ver aquilo e estendeu a mão, pressionando o canto dos lábios de Wang Yanqing, acariciando as gotas d'água inexistentes, e perguntou com naturalidade:
— Por que você diz isso?
A mente de Wang Yanqing estava focada no caso que acabara de descobrir. Mesmo com Lu Heng mexendo em seu rosto, ela suportou com bom humor e relatou suas descobertas com seriedade:
— Assim que entrei na casa, aproveitei a oportunidade para derrubar as caixas de comida. As reações da mãe e da nora da família Liu em relação à comida foram muito reais, e o comportamento delas era compatível com o de camponesas, não pareciam treinadas. Depois, fui perguntando devagar sobre os desaparecimentos. As vozes estavam cheias de mágoa, muito críticas ao magistrado do condado e até ao prefeito. Por isso, quando responderam na frente do Prefeito Cheng esta noite, hesitaram e esconderam muitas coisas.
Lu Heng não se surpreendeu. Com a bajulação de Cheng Youhai, era provável que o povo sob sua administração estivesse insatisfeito. O que realmente chamou sua atenção foi outra coisa:
— Você derrubou a comida delas e mesmo assim estavam dispostas a contar a verdade?
— Claro — Wang Yanqing respondeu prontamente —. Eu fiz de propósito, para criar uma oportunidade para elas me ajudarem.
Lu Heng pegou uma mecha do cabelo de Wang Yanqing e a enrolou nos dedos. Mesmo sem dizer nada, seus olhos deixavam claro o que pensava.
Por que você fez isso?
Quando ele fazia esse olhar, significava que estava falando sério. Wang Yanqing não sabia como explicar e perguntou:
— Segundo Irmão, se você conhecesse duas pessoas, uma que te ajudou e outra que pediu sua ajuda, de qual você gostaria mais?
Lu Heng respondeu sem hesitar:
— Claro que da que me ajudou.
— Errado — Wang Yanqing balançou a cabeça —. Na verdade, a gente tende a se apegar mais a quem pede nossa ajuda.
Essa frase soava estranha num primeiro momento, mas, pensando bem, fazia sentido. Lu Heng perguntou com curiosidade:
— Por quê?
Wang Yanqing abriu as mãos e disse:
— Também não sei. Talvez seja da natureza humana. A gente não dá valor ao que é fácil de conseguir, e se importa mais com aquilo que entrega de livre vontade.
Lu Heng não conseguiu conter o riso ao ouvir isso. Pressionou o espaço entre as sobrancelhas, os ombros tremendo levemente com a risada.
— Você tem razão.
Lu Heng era conhecido em particular como “tigre sorridente”, porque sempre carregava um meio sorriso. Era raro ele rir genuinamente, mas ultimamente, todas essas raras ocasiões estavam ligadas a Wang Yanqing.
Quando riu o suficiente, uma camada de frieza lentamente tomou conta do fundo de seus olhos. As palavras de Wang Yanqing descreviam com precisão sua psicologia. Lu Heng ainda se precaveria contra alguém que fosse gentil com ele; mas se fosse alguém que ele próprio trouxesse, alguém de quem cuidasse pessoalmente, em quem investisse tempo e energia... como poderia se irritar com essa pessoa? Não conseguiria se zangar, e a outra parte invadiria sua vida com uma velocidade assustadora.
Ele tinha um exemplo pronto diante dos olhos.
Depois que Wang Yanqing terminou de falar, percebeu que Lu Heng havia ficado em silêncio por muito tempo e perguntou:
— Segundo Irmão, o que houve?
Lu Heng também não sabia o que havia de errado. Inesperadamente, chegara o dia em que teria que ser alertado por sua discípula de que algo não estava bem.
Desde quando minha atitude com Wang Yanqing se tornou tão perigosa assim...?
Lu Heng se acalmou e respondeu, com meia verdade:
— Nada demais. É só que ouvir você falar me deu uma sensação de crise.
Wang Yanqing ficou confusa:
— Por quê?
— Você é muito perspicaz. Se quiser, consegue facilmente conquistar o afeto de um homem.
Seus olhos estavam repletos de sorrisos, brilhando como se admirasse um punhado de água da Via Láctea. Wang Yanqing ficou um pouco envergonhada, resmungou e disse com irritação:
— Segundo Irmão, como pode dizer isso da sua irmã? Por que eu me preocuparia com esse tipo de coisa?
— Não fique brava — Lu Heng apressou-se em consolar —. Só tenho medo de alguém gostar tanto de você que acabe te enganando.
— Eu não vou cair nessa — Wang Yanqing respondeu com firmeza, um toque de orgulho e autoconfiança em seu desprezo —. Os homens só pensam em uma ou duas coisas. As mentiras deles são tão baratas que eu jamais seria enganada.
— Nesse caso, melhor ainda — disse Lu Heng, suspirando com afetação —. Mas isso me deixa ainda mais preocupado.
Wang Yanqing pareceu perceber algo e seu rosto congelou levemente:
— Por quê?
Lu Heng olhou para ela e sorriu, mas não respondeu. Em vez disso, perguntou:
— E o que você descobriu com esse pequeno truque?
Ele mudara o assunto de propósito, o que significava que ela não devia insistir mais. Wang Yanqing o acompanhou:
— Elas reclamaram do magistrado e do prefeito. Disseram que, se essas autoridades não tivessem sido negligentes, não teriam sido forçadas a apelar para a corte imperial. Também mencionaram que, antes do chamado para trabalho forçado, pessoas desapareceram sem motivo aparente. E uma noite, ouviram um som nas montanhas, parecido com um terremoto.
Os olhos de Lu Heng se contraíram levemente — essa era uma informação importante.
— Só desapareceram pessoas da vila delas? — ele perguntou.
— Pelo que entendi, parece que foram mais.
Lu Heng foi até a mesa buscar os documentos. À noite, os Guardas Imperiais haviam trazido todos os arquivos relevantes da Mansão de Weihui. Antes de Wang Yanqing voltar, Lu Heng estava examinando os casos de desaparecimento dos últimos anos. Mas eram muitos registros, e sem um foco, ele avançava muito lentamente.
Agora, porém, Wang Yanqing lhe dera um ponto de partida: antes do chamado para trabalho forçado.
Wang Yanqing também o ajudou a procurar. Depois de muito tempo sem encontrar nenhum caso que se encaixasse, ela se inclinou para olhar a pilha de Lu Heng:
— Segundo Irmão, teve alguma pista no seu lado?
Lu Heng não respondeu. Jogou o pergaminho sobre a mesa, sem um sorriso sincero nos lábios.
Ele também não encontrara nenhum desaparecimento suspeito — e isso era o mais suspeito de tudo.
Desde o décimo segundo mês do ano anterior, não havia casos não resolvidos de desaparecimento na Mansão de Weihui. Será que a segurança era tão boa assim?
Lu Heng não contou isso a Wang Yanqing. Fechou os arquivos e disse:
— Se não encontramos nada, deixamos pra lá. Você está cansada o dia inteiro, vá dormir.
Wang Yanqing hesitou:
— Mas só temos três dias...
— Ainda há tempo — Lu Heng esticou a mão, segurou o queixo dela e disse —. Confie mais no seu irmão. Se me atrevi a prometer, é porque vou sair dessa inteiro.
Wang Yanqing se acalmou imediatamente. Sempre confiara em Lu Heng sem reservas, e toda vez o resultado mostrava que ele merecia essa confiança. Ela hesitou e perguntou:
— Então você vai dormir também?
Lu Heng assentiu, respondendo de forma descontraída:
— Se uma bela moça me pergunta isso no meio da noite, como eu poderia recusar?
Wang Yanqing corou, lançou-lhe um olhar e disse:
— Não tem bela nenhuma aqui. Vai mesmo à vila de Hegu amanhã?
Lu Heng assentiu de novo. Wang Yanqing declarou imediatamente:
— Eu vou também.
Lu Heng suspirou:
— A vila de Hegu fica nas montanhas, será muito cansativo. E você vai menstruar em uns dois dias. Não é recomendável ir agora.
As pupilas de Wang Yanqing se dilataram. Ela ficou realmente chocada antes de conseguir falar:
— Não tem problema. Eu quero te ajudar.
Depois de dizer isso, não se conteve e perguntou com um tom difícil de descrever:
— Como você sabe?
O ciclo de Wang Yanqing era irregular. Nos últimos seis meses, melhorara com o uso de remédios, mas ainda variava. Ela mesma não sabia quando iria descer... Como Lu Heng podia saber?
Lu Heng manteve uma expressão totalmente tranquila, como se estivesse falando sobre o nascer do sol no dia seguinte:
— Eu anoto os dias em que sua menstruação veio nos últimos seis meses. A partir disso, é fácil calcular.
O rosto de Wang Yanqing congelou por completo. Não queria mais continuar com esse assunto, então se levantou depressa e abriu a porta:
— Segundo Irmão, vou voltar agora. Me espere amanhã, não vá sair escondido.
Lu Heng estava sem palavras. Ela acha que eu sou o quê, um ladrão?
— Eu sei — respondeu Lu Heng. — Já que você não quer me ouvir, então cuide-se. Agora que está fora de casa, é inconveniente preparar remédios. Tome cuidado para não acabar sentindo dor de novo.
No ano anterior, quando Wang Yanqing teve sua menstruação, ela chegou a desmaiar de dor. Depois de meio ano tomando medicamentos, os sintomas melhoraram muito. Embora ainda sentisse incômodo na parte inferior do abdômen nesses dias, a dor era quase insignificante comparada ao que sentia no início.
Wang Yanqing assentiu e saiu correndo da casa de Lu Heng como se estivesse fugindo. Lu Heng ficou parado na porta, observando até ela entrar em seu quarto antes de fechar a própria porta com calma.
Lu Heng não falava à toa com Wang Yanqing — ele pretendia mesmo dormir. Não havia mais nada a descobrir naqueles arquivos, e não valia a pena perder tempo. Era melhor descansar para se encontrar com o magistrado do condado responsável pela Vila Hegu no dia seguinte.
Lu Heng estava bastante interessado agora. Que tipo de joguinho essas pessoas estavam armando?
·
Todos sabiam que Lu Heng havia assumido um novo caso, e ele, sem a menor cerimônia, deixou a patrulha noturna do palácio nas mãos de Chen Yin, levou alguns homens e saiu como se estivesse em desfile.
Agora, ele agia sob ordem direta de investigação, e atrapalhá-lo seria o mesmo que obstruir uma ordem do imperador. Todos o observavam atentos, mas ninguém ousava dizer nada.
Wang Yanqing arrumou uma pequena bagagem e partiu junto com Lu Heng. A Vila Hegu fazia jus ao nome: ficava em um vale profundo cercado por montanhas, com um grande rio fluindo nas proximidades. O vilarejo era rodeado por montanhas e águas, e a paisagem era bela — mas entrar e sair de lá pelas trilhas montanhosas era muito difícil.
O grupo era formado só por homens, e como Wang Yanqing não se sentia à vontade montando a cavalo, optou por usar uma liteira. Felizmente, o prefeito Cheng também viajava em uma liteira, então o pedido dela não causou maiores inconvenientes. O magistrado do condado de Qixian já aguardava na entrada do vilarejo e, ao ver o grupo se aproximando lentamente, correu para recepcioná-los:
— Este oficial saúda o Comandante Lu e cumprimenta o Prefeito Cheng.
A liteira (轿) é uma cadeira fechada com duas hastes laterais que permitem ser carregada por dois homens — frequentemente vista em dramas históricos.
Os carregadores abaixaram a liteira, e o Prefeito Cheng desceu. Olhou as montanhas ao redor, sem pressa alguma, visivelmente exausto.
Lu Heng desmontou do cavalo com um movimento simples e direto, sem um gesto a mais — em forte contraste com o corpo inchado do Prefeito Cheng. O prefeito se aproximou e elogiou, bajulador:
— O Lorde Lu é leve como uma andorinha, com vigor extraordinário. Seus subordinados o admiram imensamente.
Lu Heng lançou um olhar de desdém a Cheng Youhai e sequer se deu ao trabalho de responder. Observou o grupo à sua frente e perguntou:
— Quem é o Li Zheng da Vila Hegu?
Um senhor de aparência cuidada se adiantou, juntando as mãos em saudação, com uma voz trêmula:
— Comandante, eu sou Li Lin.
Li Zheng tinha por volta de cinquenta anos, cabelos grisalhos e a postura um tanto curvada. Mas, em comparação com outros homens da mesma idade, estava livre de doenças, com o rosto rosado e aparência saudável.
Lu Heng perguntou:
— A família de Liu Shan e Liu Shoufu mora em sua vila?
Li Zheng assentiu rapidamente:
— Sim, moram.
Liu Shan era o marido da Tia Liu, e Liu Shoufu, o filho deles. Lu Heng disse:
— Vá na frente, quero inspecionar a casa deles.
Li Zheng não se atreveu a recusar e guiou Lu Heng, o Prefeito Cheng e o magistrado do condado, Tao Yiming, até a casa da Tia Liu. Todos os olhares estavam fixos em Lu Heng, de modo que ninguém percebeu uma mulher saindo discretamente de outra liteira. Ela esperou o prefeito e os demais se afastarem e, então, misturou-se à multidão curiosa, seguindo em silêncio.
A Tia Liu ainda estava presa no palácio, então a casa estava vazia. Li Zheng abriu o portão do quintal, curvou-se e disse:
— Mestre Lu, esta é a residência da família Liu Shan.
Lu Heng entrou pelo portão de madeira e examinou os arredores em silêncio. Embora o quintal fosse pequeno, estava bem arrumado. Enxadas, foices e outras ferramentas agrícolas estavam empilhadas num canto, e redes de pesca penduravam em outra parede. Lu Heng reparou que uma das paredes era nova e perguntou:
— Eles reformaram isso aqui?
— Sim — respondeu Li Zheng. — Antes, a família Liu Shan era muito pobre. Depois, ele se casou com uma esposa muito capaz, e ele mesmo também era trabalhador. Quando não tinha serviço na lavoura, ia pescar no rio para complementar a renda. Com o tempo, a vida foi melhorando. Alguns anos atrás, juntaram uma boa quantia e reformaram o muro. Depois casaram o filho e gastaram o resto. Queriam economizar mais uns anos e reconstruir a casa.
Lu Heng não disse nada e entrou na casa. Como mãe e nora não sabiam o que aconteceria, haviam trancado a porta com um cadeado de cobre. Li Zheng ficou constrangido. Esfregou as mãos e falou:
— Mestre, me perdoe, mas eu não tenho a chave da casa. Não posso abrir.
Lu Heng pegou o cadeado, examinou-o e logo o soltou, fazendo sinal para que um de seus homens cuidasse disso. Um Guarda Imperial aproximou-se, tirou um arame da manga, inseriu no buraco da fechadura e, em segundos, o cadeado de cobre se abriu.
Li Zheng ficou boquiaberto, em total choque. Quando o guarda abriu a porta, Lu Heng limpou a manga com calma e entrou.
Aquele cadeado era simples demais. Nem valia o esforço. Lu Heng caminhava devagar pela casa. Onde ele passava, o grupo o seguia. O Prefeito Cheng, sem saber o que ele procurava, acompanhava de perto e comentou, bajulador:
— Mestre Lu, esta é uma moradia simples, tê-lo aqui é até constrangedor. O senhor não quer ir até o condado para organizarmos um banquete…?
Lu Heng o interrompeu com leveza:
— E esse tipo de moradia simples não está sob o governo do Mestre Cheng?
O Prefeito Cheng ficou paralisado, sem resposta. Lu Heng examinava as paredes ao redor e, ao passar pelo salão, deslizou o dedo sobre a mesa.
Um rastro cinza apareceu. O Prefeito Cheng se apressou, constrangido:
— Olhem só, as mãos do Mestre Lu ficaram sujas, tragam água quente para ele…
Lu Heng tirou um lenço, limpou os dedos e disse:
— Prefeito Cheng, não sou tão frágil assim. Não se incomode. Além de Liu Shan e seu filho Liu Shoufu, quem mais morreu?
O Prefeito Cheng se atrapalhou, olhou para o magistrado de Qixian, que por sua vez lançou um olhar a Li Zheng. O ancião se adiantou, com um sorriso tenso e tremendo:
— A vila tem cinquenta e duas casas, com dois homens por casa. Ao todo, cento e dois foram levados pela enchente.
Lu Heng perguntou de imediato:
— E os outros dois?
Li Zheng sorriu, constrangido:
— O filho do velho passou no exame e entrou para a escola do condado.
Um homem que passava no exame ganhava reputação. Mesmo que não se tornasse oficial, sua família era isenta de trabalho forçado e impostos. Lu Heng tocou o queixo levemente:
— Entendo. Onde aconteceu o acidente? Leve-me até lá.
Todos se entreolharam em silêncio. Lu Heng não tinha pressa. Apenas os observava com um sorriso tranquilo, esperando. Por fim, o Prefeito Cheng, sem ter como manter as aparências, gritou:
— Vocês não ouviram o que o Mestre Lu disse? Onde foi o acidente?
O magistrado Tao Yiming se adiantou e respondeu:
— Comandante, os trabalhadores da Vila Hegu desapareceram a caminho da capital do estado. Ninguém sabe exatamente onde foram mortos.
— Oh? — Lu Heng arqueou uma sobrancelha. — Então como sabem que foi uma enchente?
Silêncio total.
Lu Heng olhou para o Prefeito Cheng e perguntou em tom lento:
— Prefeito Cheng, o que o senhor acha?
O prefeito estava visivelmente constrangido:
— O condado de Qixian reportou dessa forma, e este oficial não pensou muito… Tao Yiming, o que está acontecendo de verdade?
Tao Yiming abaixou o olhar, hesitou por um momento e respondeu:
— Foi negligência minha. O governo do estado não recebeu notícias da chegada dos aldeões da Vila Hegu. Naquele período, houve muitas enchentes nas montanhas, então presumi que haviam sido levados pelas águas.
Lu Heng lançou um olhar calmo:
— Aqui acontecem muitas enxurradas repentinas?
Li Zheng respondeu com um suspiro e assentiu levemente. Lu Heng então disse:
— Já que aqui ocorrem enxurradas com frequência, Li Zheng deve estar muito familiarizado com elas. Espero que possa nos guiar. Quero ver os lugares mais afetados por inundações nesta região.
O prefeito Cheng hesitou:
— Mestre Lu, a estrada na montanha é difícil e perigosa…
Lu Heng interrompeu levemente as palavras do prefeito Cheng:
— Se o prefeito estiver muito cansado, pode simplesmente ficar aqui.
O prefeito Cheng engasgou com o restante da frase. Lu Heng tinha uma posição oficial mais alta do que eles. Era uma figura de prestígio ao lado do imperador e também comandava os Guardas Imperiais. Para funcionários civis locais como eles, Lu Heng era alguém que detinha o poder sobre sua vida, morte e carreira. Ele podia fazer com que perdessem o cargo ou fossem promovidos com uma única palavra. Os oficiais não ousaram dizer mais nada e correram para fazer os preparativos.
Os aldeões que observavam a movimentação do lado de fora do pátio viram os oficiais entrarem na casa e conversarem. Depois, saíram conduzindo cavalos e carregando cadeirinhas de transporte. Parecia que estavam prestes a sair novamente.
Os aldeões perguntavam, confusos:
— O que está acontecendo lá dentro?
— Não sei, talvez tenha acontecido algo com a família Liu.
— Que confusão tudo isso causou. Por que os magistrados estão aqui?
— Não é só nosso magistrado do condado. Viram? Aquele ali é o nosso prefeito. E o homem ao lado dele dizem que é um alto oficial da capital.
Os curiosos estavam maravilhados e, por um tempo, houve várias suposições sobre o que estava sendo discutido, tornando o ambiente bem agitado. As pessoas atrás queriam saber o que estava acontecendo e continuavam se empurrando para frente. Uma mulher da aldeia foi empurrada por trás, caiu e esbarrou na pessoa ao lado. A mulher se firmou e resmungou:
— Moleques malcriados que gritam feito loucos, por que estão empurrando as pessoas?
Os responsáveis eram um grupo de crianças quase adolescentes, e o líder fez careta para a mulher antes de desaparecer. A mulher os xingou e, ao se virar, viu uma dama. Assustada, murmurou:
— Eu… eu esbarrei em você agora há pouco? Me desculpe, a culpa foi daqueles garotos barulhentos. Você é nora de qual família? Nunca te vi antes.
Wang Yanqing assentiu e sorriu para a mulher da aldeia, dizendo:
— Vim com os oficiais da prefeitura. Não sou daqui.
A mulher soltou um som de compreensão, sem parecer surpresa. Era claro que em uma aldeia como a deles não se criava gente tão bonita. Se não fosse o céu azul acima, teria achado que tinha visto um fantasma.
Lu Heng saiu cercado por um grupo de pessoas. Ao ver Wang Yanqing, caminhou diretamente em sua direção:
— Qing Qing…
À medida que Lu Heng se aproximava, as pessoas, sem saber por quê, se afastavam instintivamente, como se tivessem encontrado uma criatura perigosa. Quando Lu Heng estendeu a mão para Wang Yanqing, ela de repente soltou um gemido suave, franzindo a testa e cobrindo o abdômen.
Lu Heng parou com a mão no ar, depois segurou o braço de Wang Yanqing e perguntou naturalmente:
— O que foi?
Ele a apoiou de lado, bloqueando a visão dos que estavam atrás. Seu tom era preocupado, mas havia confusão evidente em seus olhos.
O que ela estava fazendo? Fingir estar ferida para culpar alguém era forçado demais, não?
Wang Yanqing piscou para Lu Heng e disse:
— Mestre, estou me sentindo mal de repente…
Lu Heng a encarou em silêncio. Por um instante, pensou que Wang Yanqing tivesse ficado menstruada de repente, mas, observando sua expressão, não parecia ser o caso. Isso o deixou ainda mais confuso. Ela nunca mencionou nada antes, por que essa encenação agora?
Felizmente, Lu Heng crescera ao lado do imperador. Não se atrevia a dizer que sabia tudo, mas sua capacidade de adaptação e leitura de intenções alheias era considerável. Ele olhou nos olhos de Wang Yanqing e pareceu entender suas intenções:
— Se não está se sentindo bem, então não vá para as montanhas. Por que não fica na aldeia e descansa um pouco?
Wang Yanqing suspirou aliviada. Estava preocupada que Lu Heng não entendesse sua intenção, mas felizmente ele captou. Ela assentiu com culpa:
— Está bem. Acabei causando problemas aos Senhores.
O prefeito Cheng ouviu a movimentação ali, deu uma olhada e perguntou:
— Mestre Lu, ouso perguntar… quem é esta dama?
Lu Heng respondeu:
— Esta é minha…
Antes que ele terminasse de falar, Wang Yanqing se adiantou:
— Criada.
Lu Heng ficou em silêncio por um momento, engoliu o restante das palavras e assentiu com um sorriso:
— Sim, ela é minha criada, veio comigo hoje para cumprir tarefas. Não esperava que passasse mal de repente. Não sei se há alguma casa conveniente por aqui, onde ela possa descansar um pouco?
Mestre Lu tinha falado. Quem, entre os presentes, ousaria recusar? Todos disputavam a chance de ajudar, e isso se tornou mais uma ocasião para adivinhar intenções. Lu Heng observou aquelas pessoas, tentando adivinhar em silêncio para qual casa Wang Yanqing gostaria de ir. No fim, apertou de leve a carne do braço dela como punição e disse:
— Então vou incomodar Li Zheng.
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Nota da autora:
Lu · Big Data · Heng: Adivinhar o coração do imperador na corte e o de uma mulher em casa... isso sim é cansativo.
Capítulo 58 — Inocência Infantil
Li Zheng levou Lu Heng para conhecer os rios ao redor. O comandante era tão refinado que nem o magistrado do condado nem o prefeito ousaram evitar acompanhá-lo. O Prefeito Cheng apenas sorriu amargamente, entrou na cadeira de palanquim selada, e seguiu montanha adentro sob o sol escaldante.
Lu Heng e o prefeito levaram consigo a maioria dos criados. Após sua partida, a vila de Hegu voltou a ficar silenciosa. Cinquenta e uma famílias desta vila haviam acabado de perder seus pais, maridos ou filhos. Cada casa exibia tecidos brancos de luto, flutuando ao vento sob o sol quente do sétimo mês, deixando o ambiente sombrio.
Sob essa perspectiva, Wang Yanqing teve sorte. Não precisou sofrer solavancos na estrada e pôde sentar-se calmamente sob o beiral para fugir do calor. Pensou que, de fato, ela e o Segundo Irmão haviam crescido juntos, e a sintonia entre eles era extraordinária. Ela não precisou dizer uma palavra — e ele entendeu exatamente o que queria dizer.
Apesar de ele ter beliscado seu braço, ainda estava meio dormente.
A casa de Li Zheng recebeu subitamente uma hóspede distinta, e o ar parecia até mais apertado. Li Zheng acompanhava os mestres, e restaram apenas sua velha esposa, a Senhora Qian, sua nora, a Senhora Wu, e seu neto de cinco anos, Li Zhengze. Nervosa, a Senhora Qian convidou Wang Yanqing a se sentar e gritou para a nora:
— Vá logo chamar Zheng Zheng para fazer uma reverência à nobre!
Ao ouvir isso, Wang Yanqing se apressou em dizer:
— Não, Senhora, eu sou apenas criada do Mestre Lu, não sou nenhuma nobre.
A Senhora Qian insistiu e pessoalmente trouxe o neto para cumprimentar Wang Yanqing. Para ela, o prefeito era a figura de maior prestígio que conhecia — e até o prefeito respeitava aquele jovem mestre. A identidade dessas pessoas estava além da sua compreensão. Um funcionário de sétimo escalão diante da porta do primeiro-ministro, e até mesmo a criada ao lado de um grande mestre era feita de ouro.
Wang Yanqing se levantou rapidamente e impediu os movimentos da Senhora Qian:
— Que é isso, Senhora. Levante-se, por favor, vai assustar a criança.
Wang Yanqing se abaixou e afastou o neto dela com gentileza, e só assim a Senhora Qian recuou. Wang Yanqing suspirou aliviada e fez sinal para que as senhoras Qian e Wu se sentassem rapidamente. Após tanta agitação, enfim puderam conversar.
Com esse vai e vem, uma fina camada de suor surgiu no corpo de Wang Yanqing. Ela tirou um lenço e começou a se enxugar, quando a Senhora Wu se apressou em dizer:
— Espere um pouco, senhorita, vou buscar um leque...
Dizendo isso, a Senhora Wu ergueu a cortina e correu para o cômodo dos fundos, fazendo barulho enquanto revirava as coisas, até que apareceu com um leque de seda:
— Senhorita, isso foi presente dos meus pais. Dizem que é o estilo da capital, nem lá há algo mais moderno do que isso. Ainda nem usei, pode usar primeiro.
Wang Yanqing agradeceu e se levantou para pegar. Olhou o padrão no leque de seda — de fato, era do estilo da capital, mas do ano passado. Um novo modelo já havia se tornado tendência este ano. Wang Yanqing não comentou nada e sorriu em surpresa:
— É realmente um modelo novo. A família da Senhora Wu é da capital, para estar tão bem informada?
Era um assunto quente e apropriado. Ela precisava sondar informações com sutileza, e jamais poderia perguntar diretamente sobre segredos alheios. Um elogio aqui, outro ali — sua cidade natal, a capital, era uma boa porta de entrada.
A Senhora Wu sorriu satisfeita, como Wang Yanqing já esperava. O que ela não esperava era ver uma expressão complexa passar rapidamente pelo rosto da Senhora Qian.
Seus olhos semicerrados, os brancos virados ligeiramente para cima — como se em desprezo. Mas um sorriso breve permanecia nos lábios. Wang Yanqing ficou surpresa com a descoberta. Passou a observar a Senhora Qian discretamente, enquanto ouvia a Senhora Wu, que tentava conter-se, mas no fim não resistiu à vontade de se gabar:
— Meus pais têm conhecidos na capital que fazem uns pequenos negócios. Já falei várias vezes que não preciso dessas frescuras, mas meu irmão sempre traz pra mim.
Wang Yanqing assentiu com um sorriso:
— Entendo. A família da Senhora Wu é muito generosa com você.
E, como previsto, o desprezo no rosto da Senhora Qian se aprofundou. Como sogra, era normal não gostar de uma nora exibida, mas a expressão dela não era raiva ou aborrecimento — era desprezo?
Pelo que Wang Yanqing observara, a família Li Zheng não era rica a ponto de desprezar alguém cuja família revendia produtos da capital. Além disso, ao ouvir que sua nora vinha de uma família abastada, a Senhora Qian demonstrou desprezo, mas também... um leve sorriso nos cantos da boca.
Do que ela está rindo?
Wang Yanqing refletiu em silêncio, surpresa por já ter encontrado uma pista.
A Senhora Wu estava animada falando da família, mas foi interrompida bruscamente pela Senhora Qian:
— Já é o sétimo mês. Em dois meses, é hora de Qi’er fazer o exame.
Foi uma mudança de assunto tão súbita que a Senhora Wu hesitou. Wang Yanqing sorriu e perguntou:
— A senhora está falando do seu filho? Ouvi dizer que ele tem ótimas notas na escola do condado. Com certeza será um dos primeiros neste outono.
Esse era o tema favorito da Senhora Qian, e ela logo começou a tagarelar sobre o filho, Li Qi. Enquanto isso, o sorriso da Senhora Wu congelou, como flor de papel.
Nesse momento, Li Zhengze entrou correndo para brincar com a mãe. A Senhora Wu afastou a mão do filho e disse baixinho:
— Não faça bagunça. Não está vendo a hóspede?
Rejeitado, Li Zhengze saiu cabisbaixo. A Senhora Qian não suportou ver o neto triste e correu atrás, chamando-o carinhosamente de "meu docinho".
Com a saída da Senhora Qian, a Senhora Wu sorriu, sem jeito, para Wang Yanqing:
— Senhorita, não se ofenda. Minha sogra já está velha, adora falar de coisas ultrapassadas com todo mundo.
Li Zheng e a Senhora Qian tinham muito orgulho do filho estudioso. Mesmo com várias reprovações, acreditavam que ele passaria no exame este ano. Mas a Senhora Wu já havia percebido que Li Qi não tinha talento para os estudos. Aquela vida tinha chegado ao limite — jamais conseguiria passar nos exames imperiais. Ainda assim, Li Qi tinha uma visão inflada de si mesmo, se recusava a trabalhar ou plantar, e passava os dias recitando poesias piegas. A Senhora Wu já estava cheia disso.
Wang Yanqing ouviu com um sorriso, fez perguntas pontuais, mas evitou se envolver diretamente no conflito entre sogra e nora. Não era elegante comentar, mas falar mal dos outros em conjunto era uma das formas mais rápidas de estreitar laços entre desconhecidos. Mesmo sem participar ativamente, em pouco tempo, a Senhora Wu já estava íntima de Wang Yanqing.
Depois de avaliar bem a situação, Wang Yanqing comentou:
— Senhora, não precisa se preocupar. O erudito Li tem uma boa reputação. Vocês nunca passarão fome. Ainda por cima, por ele ser registrado como estudioso, sua família não foi convocada para o trabalho forçado desta vez. Se não fosse por isso, talvez nem Li Qi nem o Senhor Li Zheng tivessem voltado.
A Senhora Wu suspirou:
— Pois é... foi uma sorte no meio da desgraça.
— Que sorte nada — disse Wang Yanqing com um sorriso — foi o destino, uma coincidência alinhada.
Percebeu que a Senhora Wu fez um leve bico. Wang Yanqing pegou o leque e o abanou devagar:
— É verdade. Seja como for, Li Qi sempre teve muita sorte.
Pelo tom, havia mágoa em relação ao marido e à família dele. Os olhos de Wang Yanqing brilharam levemente. Olhou para fora e viu que a Senhora Qian ainda brincava com o neto. Mudou então a expressão para uma tristeza discreta e suspirou:
— Neste mundo, as coisas são tão injustas. Os ricos continuam ricos por gerações, enquanto os infelizes só se afundam. A senhora tem um marido estudioso, um filho inteligente e obediente... nunca vai precisar se preocupar. Já pensou se estivesse no lugar de outra mulher? Teria que pagar impostos, e se perdesse os homens da casa, como sustentaria a família?
Wang Yanqing suspirou fundo, mas sem tirar os olhos da Senhora Wu. Ao ouvir isso, a outra mulher abaixou os olhos e mordeu os lábios.
Está se sentindo culpada. Wang Yanqing identificou isso quase de imediato. A culpa era um sentimento de pessoas com senso moral elevado. E, nesse estado, a pessoa era mais propensa a buscar autopunição — que, por consequência, poderia beneficiar os outros.
Aproveitando-se da brecha, Wang Yanqing disse com naturalidade:
— Felizmente, eles receberam alguns taéis de prata do governo do condado. Embora tenham perdido os principais pilares da família, ainda têm algum dinheiro em mãos. Devem conseguir se manter por alguns anos. Só não sei como farão quando essa prata acabar...
A Senhora Wu abaixou ainda mais a cabeça, sem responder. Wang Yanqing segurou a mão dela com um sorriso:
— E tudo graças ao bom coração do Senhor Li Zheng. Ouvi dizer que a família da Tia Liu foi à prefeitura várias vezes pedir justiça, mas foram ignorados. Acabaram irritando o magistrado e quase sofreram tortura. Foi Li Zheng quem intercedeu e conseguiu o dinheiro do funeral para os moradores. Se os homens mortos na enchente soubessem disso, com certeza ficariam gratos. Seu filho teve a sorte de nascer numa família assim.
— Que sorte que nada! — explodiu a Senhora Wu, respirando fundo. Depois baixou a cabeça e murmurou: — Desculpe, me exaltei.
— O que houve? — Wang Yanqing perguntou, com ar preocupado. — Não se preocupe. Também sou criada, entendo esses sofrimentos. Seus sogros te tratam mal?
Essas palavras estavam engasgadas há muito tempo. Hoje, um impulso tomou conta da Senhora Wu, e ela deixou escapar tudo o que sufocava:
— Não é que me tratem mal. Afinal, a família de Li Zheng tem sua dignidade. Mas nunca me consideraram de verdade. Tudo de bom é dado ao Zhengze pelas minhas costas, e ainda mandam ele não me contar. Ora, quem se importa?
Depois que a emoção encontra uma saída, é difícil contê-la. Wang Yanqing fingiu surpresa:
— Sério? Eu achava que o Senhor Li Zheng fosse tão honesto, responsável... E a senhora sua sogra, tão direta. Como pode dizer essas coisas às escondidas?
—Eles estão acostumados a fazer cena. —Vendo que Wang Yanqing parecia não acreditar, Senhora Wu se apressou em provar o que dizia, e como quem abre uma represa, começou a falar mal dos sogros: —Senhorita Wang, vou contar só para você. Não se deixe enganar por essa aparência de divindade que meus sogros fazem questão de mostrar. Na verdade, os moradores da aldeia foram passados para trás com relação à verba do funeral que o governo do condado repassou.
Wang Yanqing cobriu a boca em surpresa. Pensou se sua atuação não teria sido exagerada demais, mas continuou, igualmente exagerada:
—Sério que isso aconteceu?
—Aconteceu mesmo —afirmou Senhora Wu. —Minha sogra é uma mão de vaca de marca maior. Mas de repente ela passou a comprar carne com frequência e, outro dia, quando eu deixei uma tigela cair, ela nem ficou brava. Só falou para comprar outra. Dois dias atrás, eu a ouvi escondida dizendo para o Zhengze que todo o dinheiro da casa seria dele no futuro, e insistindo para ele não me contar de jeito nenhum.
Senhora Wu revirou os olhos com força e bufou com um sorriso de desprezo:
—Se isso não for dinheiro sujo, é o quê então?
Morando sob o mesmo teto, por mais cautelosos que fossem, não havia como esconder tudo. Mesmo sem falar de dinheiro, dava para perceber pelos comportamentos e atitudes.
Senhora Wu percebeu que seu sogro e sogra pareciam ter recebido uma bolada recentemente, enquanto sua própria família não teve aumento nenhum na renda. A única coisa fora do comum era o número de mortes recentes na aldeia. Se não era ganância pela pensão dos mortos que o governo pagava, o que mais poderia ser?
Wang Yanqing então compreendeu: a família de Li Zheng havia enriquecido recentemente e tentava esconder isso da nora, mas não contavam que Senhora Wu ouviria escondido. Isso explicava por completo o atrito que ela presenciara entre sogra e nora mais cedo.
Com o peito cheio de ressentimento, Senhora Wu fazia questão de ostentar a suposta fortuna de sua família de sangue diante da sogra. Senhora Qian, por outro lado, sabia exatamente o quanto haviam guardado, e desprezava o tal “bom nome de família” da nora. O canto da boca dela não escondia o sorriso, satisfeita por se sentir superior a Wu e nem se dar ao trabalho de desmenti-la.
Agora, Wang Yanqing tinha uma pista importante: a família de Li Zheng havia enriquecido de maneira inconfessável. Ela não sabia de onde viera aquele dinheiro, mas era certo que a quantia não era pouca —certamente superior à renda de um cidadão comum.
Pensativa, Wang Yanqing sondou outro assunto:
—Não fazia ideia de algo assim… Os dois anciãos realmente não parecem esse tipo de pessoa. Ouvi dizer que alguém desapareceu aqui por perto. Será que a família do desaparecido está procurando alguém na aldeia e ofereceu recompensa?
Senhora Wu torceu o nariz:
—Os que sumiram ultimamente eram todos órfãos, viúvos ou velhotes vadios. Nem família tinham. Quem é que vai gastar dinheiro procurando por eles?
Wang Yanqing demonstrou surpresa:
—Todos eram sozinhos, viúvos, órfãos ou idosos? Céus… Acabei de ver Zhengze arrastando a senhora para fora. Eles são uma criança e uma idosa… será que estarão bem lá fora?
Ao ouvir isso, Senhora Wu ficou inquieta, levantou-se e olhou para fora:
—Não pode ser. Não ouvi falar de mulher ou criança desaparecida.
Mas, sendo seu filho, Senhora Wu não conseguiu mais ficar parada. Disse apressadamente:
—Senhorita, fique à vontade, vou sair para procurar o Zhengze. Com licença.
—Não tem problema nenhum —respondeu Wang Yanqing, incentivando-a a ir logo.
Depois que Senhora Wu saiu, Wang Yanqing ficou sozinha na sala. Lançou um olhar para fora da janela, depois se levantou silenciosamente e passou a examinar o ambiente com cuidado.
Remexeu nos lugares onde algo poderia estar escondido, sempre tomando o cuidado de colocar tudo de volta exatamente como estava. Graças aos anos de prática em artes marciais, sua audição era mais aguçada que a das outras pessoas. Assim que ouviu passos apressados se aproximando, ela rapidamente ajeitou tudo, voltou ao lugar onde estava e pegou o leque com naturalidade.
Ela mal tinha abanado o leque duas vezes quando ouviu a voz de Senhora Wu do lado de fora:
—Quantas vezes eu já te falei? Não vá perto do rio! Tem monstros no fundo do rio, e se você bobear, eles te puxam para baixo e te comem!
A voz aguda de Senhora Qian respondeu de imediato:
—Se vai falar, fala logo. Não precisa assustar meu neto precioso!
Wang Yanqing sorriu discretamente ao ouvir a típica briga entre nora e sogra.
Enquanto “cuidava da saúde” na casa de Li Zheng, logo o meio-dia se aproximava. Como os que haviam saído ainda não tinham voltado, Wang Yanqing teve que almoçar ali mesmo. Senhora Qian e Senhora Wu a receberam com grande hospitalidade. Após a refeição, Wang Yanqing se ofereceu para ajudar, mas foi imediatamente recusada por Senhora Qian:
—Senhorita, a senhora é nossa convidada de honra, como poderia deixar que fizesse esse tipo de trabalho? Por favor, descanse no salão.
Senhora Wu também reforçou:
—Isso mesmo, Senhorita Wang. A senhora não está bem, não deveria nem tocar em água. Eu já estou acostumada com isso, rapidinho eu limpo tudo.
Wang Yanqing parou de insistir e respondeu:
—Certo, muito obrigada.
Enquanto Senhora Wu lavava a louça e limpava a mesa do lado de fora, Senhora Qian levou o neto para dentro e tentou fazê-lo dormir. Wang Yanqing sentou-se junto à janela, apoiando-se na lateral e abanando-se com calma. Observou a luz do sol escaldante lá fora e não pôde deixar de se perguntar: Onde será que o Segundo Irmão está agora?
Com esse sol de rachar, será que eles conseguiram comer algo ao menos?
Senhora Qian tentava adormecer o neto, mas um menino de cinco anos tem mais energia que uma velha. No fim, foi Senhora Qian quem dormiu, e os olhos de Li Zhengze continuavam alertas. Ele se esgueirou para fora dos braços da avó, desceu da cama, calçou os sapatos e saiu correndo.
Pelo jeito, já estava acostumado a fazer isso.
Depois que terminou de arrumar o almoço, Senhora Wu viu o filho agachado num canto brincando com pedras e o mandou voltar a dormir. Wang Yanqing interveio:
—Senhora Wu, pode ir descansar. Eu não consigo dormir mesmo, fico de olho nele por aqui.
Senhora Wu hesitou, mas Wang Yanqing disse:
—Por acaso gosto muito de crianças, estou me divertindo.
Há um ditado antigo que diz: mulher sem filhos que abraça meninos terá um filho homem no futuro. Senhora Wu passou um bom tempo tentando decifrar quem era Wang Yanqing, mas agora já não suspeitava mais dela, e foi descansar tranquila.
Ela era diferente de Wang Yanqing. Havia acordado cedo para cuidar da casa e dos sogros, e ainda tinha cozinhado e limpado —o corpo já pedia repouso.
Li Zhengze estava agachado debaixo do beiral brincando com pedrinhas, enquanto Wang Yanqing o observava da janela. Depois de um tempo, ela disse:
—Assim você não vai acertar.
Li Zhengze a olhou de relance, mas a ignorou. Wang Yanqing pegou um feijão preto da mesa, lançou-o com leveza e acertou em cheio a pedrinha de Li Zhengze.
Ele virou-se, inflou as bochechas e retrucou:
—Qual é a graça? Eu também sei fazer isso!
Wang Yanqing assentiu:
—Certo, então vamos competir para ver quem acerta melhor.
Com o queixo apoiado na mão, Wang Yanqing passou a provocá-lo com calma. Como esperado, Li Zhengze perdeu várias vezes e logo se rendeu. Aproximou-se dela e perguntou:
—Como você faz isso?
Wang Yanqing respondeu com lentidão:
—Quer aprender?
Li Zhengze assentiu energicamente. Wang Yanqing disse:
—Pode aprender, mas tem que me pagar.
—Pagar?
—É a taxa de aprendizado —explicou ela. —Vou te ensinar meu truque, mas você tem que me dar a coisa mais importante que tiver.
Pela primeira vez, o pequeno Li Zhengze, de apenas cinco anos, foi confrontado com a ideia de troca. Pensou com dificuldade e respondeu:
—Espera aqui. Vou buscar minhas balas de gelatina. Mas você não pode ensinar mais ninguém!
Dito isso, saiu correndo. Wang Yanqing estranhou que ele precisasse sair para buscar as balas. Preocupada com a segurança da criança, resolveu segui-lo.
Li Zhengze correu até o rio e agachou-se perto de um salgueiro, cavando com empenho um montinho de terra. Wang Yanqing o observava em silêncio, atenta a cada movimento.
Ele cavou vários buracos, até encontrar o seu “tesouro”. Tirou algumas pedras do solo, escolheu a maior e entregou a Wang Yanqing:
—Essa é a coisa mais valiosa que eu tenho. Achei ela no rio depois de procurar muito. Dou ela pra você. Agora me ensina a brincar de pedra.
Wang Yanqing pegou a pedra molhada, olhou para ela e sorriu com ternura:
—Combinado.
O coração da criança era puro e sincero. Quando ela pediu um pagamento, ele foi e desenterrou o que tinha de mais precioso só para dar a ela. Wang Yanqing honrou sua palavra e começou a ensiná-lo.
Sentados debaixo do salgueiro à beira do rio, ela e o menino disputavam para ver quem jogava a pedra com mais precisão, sem ligar para a terra no chão.
Foi essa a cena que Lu Heng encontrou quando voltou pelo dique.
O Prefeito Cheng já estava exausto. De longe, viu alguém sob a sombra dos salgueiros e perguntou:
—Quem está ali?
Um dos atendentes estreitou os olhos:
—Parece que é uma mulher e uma criança brincando com pedras.
O Prefeito Cheng ficou pasmo:
—Com esse calor! Tudo bem as crianças, mas uma adulta também está fora de si?
O atendente lançou um olhar indescritível a Lu Heng e respondeu, em tom velado:
—Parece que é a mulher que o Mestre Lu trouxe.
O Prefeito Cheng congelou por um instante, depois deu uma risada seca:
—Ha ha ha… A senhora Lu é mesmo pura e animada, cheia de inocência infantil!
Temendo irritar Lu Heng, o prefeito fez questão de exagerar o título de Wang Yanqing. Ela podia se dizer uma criada, mas Lu Heng não a largava nem quando saía para tratar de casos —claramente era alguém importante para ele. Então, o Prefeito Cheng resolveu chamá-la de "senhora", esperando agradar Lu Heng e evitar qualquer atrito.
Lu Heng olhou para os salgueiros e as colinas ao longe, o rio brilhando feito Via Láctea, e a mulher sentada no chão com seu vestido claro, como se não se importasse com nada ao redor. Ignorou completamente o comentário anterior e sorriu:
—De fato… sua inocência infantil permanece intacta.
Capítulo 59 – Dormindo Juntos
Wang Yanqing ouviu vagamente um burburinho atrás de si, virou-se e viu um grupo de pessoas caminhando pela margem do rio. Era Lu Heng e sua comitiva, que haviam subido a montanha para inspecionar o terreno. Wang Yanqing rapidamente largou a pedra que segurava e disse a Li Zhengze:
— A pessoa que eu estava esperando voltou. Já fizemos bastante por hoje, é melhor você voltar logo.
Li Zhengze viu o grupo, guardou a pedra assustado e correu. Wang Yanqing se levantou e, para sua surpresa, percebeu que havia terra na barra de sua saia. Constrangida, apressou-se em limpá-la discretamente.
Felizmente, o grupo maior não percebeu sua presença. Os oficiais cercavam o prefeito e o magistrado do condado, passaram pela sombra dos salgueiros e seguiram direto para a aldeia. Apenas Lu Heng se afastou do grupo e veio em sua direção.
Lu Heng guiava seu cavalo e parou sob os galhos de salgueiro, sob o sol ofuscante do meio do verão. Ele observou Wang Yanqing e perguntou com um sorriso:
— O que você estava fazendo?
A saia de Wang Yanqing estava um pouco amassada por ter ficado sentada por muito tempo ao ar livre, suas têmporas brilhavam com suor e sua pele alva estava levemente corada. Ela levantou a mão para afastar um fio de cabelo do rosto e respondeu:
— Nada demais.
Sua mão estava prestes a tocar a bochecha quando foi segurada por Lu Heng. Ele tirou um lenço e cuidadosamente limpou a sujeira em seus dedos:
— Eu te vi brincando com terra daqui da metade do rio. Quantos anos você tem?
— Não era brincadeira com terra — corrigiu Wang Yanqing, com seriedade. — Eu estava passando meus conhecimentos sobre a arte de organizar tropas.
Lu Heng não conseguiu conter o riso:
— Qing Qing tem esse tipo de talento? Por que não me ensinou esse conhecimento único e foi logo passar para um estranho?
Wang Yanqing respondeu calmamente:
— Você não deve aprender a brincar com pedras. Se for visto por outras pessoas, vai acabar manchando sua autoridade de oficial.
Lu Heng por fim soltou uma risada leve. O sol de julho era intenso. Ele sorriu com suavidade; sua figura era esguia e reta, os olhos brilhavam como estrelas e seu corpo exalava o aroma das montanhas e florestas.
Antes deles voltarem, Wang Yanqing sentia que aquela aldeia nas montanhas estava envolta em uma atmosfera de luto, cercada por montanhas íngremes e um silêncio assustador. Porém, assim que eles retornaram, ela teve a impressão de que aquele lugar era cheio de montanhas verdes e águas cristalinas, um território vasto, pleno da força da natureza e vitalidade.
Tudo isso havia mudado apenas por causa dele.
Wang Yanqing olhou para o uniforme azul-escuro de oficial que ele usava, de onde um peixe voador a fitava com olhos de cobre, de dentes e garras expostos. Ela comentou:
— Segundo Irmão, por que ainda está usando roupas escuras nesse calor?
Lu Heng limpava com cuidado o pó dos dedos dela e respondeu:
— Usar vermelho ou roxo para caminhar pelas montanhas e florestas seria um tanto desajeitado.
Lu Heng usava roupas escarlates ao cavalgar ou comparecer à corte, mas a maioria de suas vestimentas era discreta quando estava em missão. Nas poucas ocasiões em que precisava revelar sua identidade, vestia trajes oficiais azuis ou pretos. O uniforme da Guarda Imperial era chamativo demais, e ele não gostava de se expor sem necessidade.
Ao menos, não faria tolices como usar vermelho no meio do mato.
Seu cavalo era bem treinado, mesmo sem ser segurado, não saía do lugar e pastava tranquilamente sob a árvore. Quando Lu Heng assobiou, ele se aproximou espontaneamente. Lu Heng guardou o lenço, segurou a mão de Wang Yanqing e, com a outra mão, conduziu o cavalo em direção à aldeia. Ao passar por uma árvore, lançou um olhar para trás.
Atrás do tronco, um garotinho rapidamente encolheu a cabeça, deixando à mostra apenas os olhos escuros, que os observavam com curiosidade e medo.
Lu Heng reconheceu a criança com quem Wang Yanqing estava falando mais cedo e perguntou:
— Quem é esse?
— O neto da família de Li Zheng, chama-se Li Zhengze.
— Fácil de lembrar, Zhengze. É um bom nome.
Eles pararam de conversar, já que não era o lugar ideal para isso. Quando voltaram à aldeia, já era tarde. Todos beberam água, comeram alguma coisa e, após descansarem um pouco, partiram rumo a Xiancheng.
Era inviável hospedar tanta gente na Aldeia Hegu. Lu Heng já havia analisado o terreno ao redor, então não havia necessidade de permanecer ali. Seria mais conveniente ir para a sede do condado, já que ele nunca se permitia desconforto com roupas, alimentação, hospedagem ou transporte.
Naquela mesma noite, Lu Heng, o Prefeito Cheng e os demais chegaram ao Condado de Qixian e ficaram na sede do governo local. O magistrado do condado, Tao Yiming, convidou os superiores para jantar no melhor restaurante da cidade e mandou que limpassem os quartos na sede do governo.
Provavelmente, a sede do governo de Qixian nunca havia sido tão movimentada. Dois superiores chegaram de uma vez, cada um com muitos assistentes. Foi um transtorno organizar os quartos, designar pessoal, cortar grama e alimentar os cavalos. Durante esse processo, Tao Yiming propôs ceder a residência do magistrado para Lu Heng, mas ele recusou.
Ele tinha uma espécie de mania por limpeza — não gostava de usar coisas dos outros, tampouco gostava que mexessem nas suas. Preferia ficar em uma casa pequena, desde que estivesse limpa e vazia.
O restaurante, ciente da chegada dos superiores, já havia reservado o local. Lu Heng, Prefeito Cheng, Tao Yiming e outros oficiais do governo comeram no segundo andar, enquanto Wang Yanqing jantou sozinha em uma sala reservada. Para ser honesta, ela estava satisfeita com isso. Não precisava se preocupar com a expressão dos outros, nem manter sua persona. Podia comer em paz.
A maioria dos encontros sociais no meio oficial era assim: três partes comida, sete partes bebida. Wang Yanqing achava que aquilo demoraria, mas terminou bem mais rápido do que o esperado.
O garçom entrou e a convidou respeitosamente para descer. Wang Yanqing saiu para embarcar na liteira, e logo depois os carregadores a levantaram e a levaram de volta para a sede do governo.
Como era uma mulher, desembarcou por outro lugar diferente dos homens e só saiu da liteira ao entrar nos muros do pátio. Assim que saiu, uma criada se aproximou e a guiou até o quarto onde passaria a noite.
A sede estava lotada naquele momento, mas Wang Yanqing foi levada a um lugar calmo e silencioso. O pátio tinha acabado de ser limpo. Não era grande, mas era tranquilo. Havia três cômodos na frente, cercados por muros dos dois lados, conectados a outros pátios por portas de ébano. Alguns bambus formavam um quadrado, como um tabuleiro de xadrez.
No pátio, havia uma trilha de pedras, ainda úmida por ter sido lavada e varrida. A criada levou Wang Yanqing até a porta, abriu-a e disse:
— Senhorita, aqui era originalmente um arquivo, mas o magistrado do condado soube que o Mestre Lu prefere lugares tranquilos, então mandou limpar tudo imediatamente. Chá quente e água quente estão prontos. Veja se falta alguma coisa.
Wang Yanqing levantou a saia e cruzou o batente, balançando a cabeça ao ouvir aquilo:
— Não. Obrigada.
A criada limpou as mãos na barra da saia e disse:
— Que bom. Ainda tenho tarefas na cozinha, então vou me retirar. Se precisar de algo, é só chamar. Com licença.
Wang Yanqing agradeceu por reflexo. Após a criada sair, ela caminhou lentamente pelo cômodo. Os três quartos não eram grandes, completamente diferentes da Mansão Lu. O cômodo oeste estava abarrotado de caixas e pergaminhos, mal dava para entrar. A sala principal estava mobiliada com caligrafias, pinturas e cadeiras. O quarto leste foi arrumado para servir de dormitório para Lu Heng, com roupa de cama posta.
Tudo parecia comum para Wang Yanqing, mas, para um governo de condado, limpar um local assim já era considerável. Ela não tinha grandes expectativas sobre onde ficaria temporariamente. Quando se virou, de repente se deu conta de algo:
Por que só havia uma cama?
Quando Lu Heng entrou, viu Wang Yanqing procurando por todo o cômodo e perguntou:
— O que está procurando?
Wang Yanqing estava sem palavras. Franziu a testa e perguntou:
— Por que prepararam apenas um quarto?
Havia mais de um quarto, mas apenas uma cama.
Lu Heng respondeu com naturalidade, sentando-se e ajustando a roupa:
— Você fez questão de dizer que era minha criada hoje. Não é normal que uma criada divida o quarto com o amo?
Wang Yanqing ficou sem reação por um momento. Lu Heng serviu chá com calma, olhou para ela com tranquilidade e comentou com um sorriso:
— Por que, quer que mandem arrumar outro quarto?
Bastava uma palavra dele para o magistrado do condado agir. Mas isso mostraria mudança de postura e poderia levantar suspeitas. Wang Yanqing rangeu os dentes:
— Esquece. De qualquer forma, não é como se isso já não tivesse acontecido antes. Melhor não incomodar.
Lu Heng bebia chá tranquilamente, mas ao ouvir isso, bateu o copo com força sobre a mesa — ploc! — e perdeu todo o interesse pela bebida. Justo quando Wang Yanqing pensava ter resolvido tudo, ouviu um barulho atrás de si. Assustada, virou-se:
— Segundo Irmão, o que foi?
Lu Heng sentou-se ereto, puxou o canto da boca com frieza e disse:
— Nada.
Disse que não era nada, mas pelo tom, não parecia ser verdade. Wang Yanqing o olhou, desconfiada. Se não era nada, por que ficou irritado de repente?
Ela deixou as coisas de lado por ora, sentou-se à mesa e o encarou com olhos brilhantes e preocupados:
— Segundo Irmão, o que está pensando?
Lu Heng também queria saber por que estava irritado. Suspirou, cerrou os dentes e disse:
— Nada. Só pensei numa pessoa azarada.
Pelo tom, parecia alguém do meio oficial. Wang Yanqing suspirou e não perguntou mais. Limpou as gotas de água da mesa, serviu chá novamente e disse:
— Segundo Irmão, não pense em coisas ruins. O mais importante é o agora.
Lu Heng semicerrava os olhos, sorrindo de forma enigmática:
— Você tem razão. Estou sendo mesquinho.
— Segundo Irmão, você descobriu algo à beira do rio hoje?
Era curioso. Ele mesmo foi quem insistiu para que ela o chamasse de “Segundo Irmão” no início, mas agora, ao ouvi-la repetir isso, Lu Heng se sentia incomodado.
— Agora não tem ninguém por perto, você não precisa me chamar de Segundo Irmão o tempo todo.
Wang Yanqing olhou para ele. Mesmo sem dizer nada, seus olhos límpidos e cada vez mais sérios pareciam perguntar: Do que você está falando?
Lu Heng ergueu uma sobrancelha. Também percebeu que suas palavras não faziam sentido e soavam completamente irracionais. Tentou formular uma explicação, mas logo desistiu.
— Esquece. Falamos disso depois. Acho que eles nos acham uns inúteis da capital e, por isso, me levaram para ver várias áreas com risco de enchente.
— E então?
— Tudo uma grande bobagem — respondeu Lu Heng, seco. — Ouvir aquelas mentiras foi uma tortura. Só aproveitei para ter uma noção geral do terreno e voltei mais cedo.
Wang Yanqing assentiu, com uma expressão pensativa no olhar. Lu Heng deu um gole no chá e perguntou, com tom descontraído:
— E você, grande artista?
Wang Yanqing estava concentrada em seus pensamentos, mas ao ouvir o apelido, pareceu um pouco constrangida.
— A situação era especial naquele momento. Não tive escolha senão agir daquele jeito…
— Não precisa se explicar pra mim — disse Lu Heng, sorrindo. — Você nunca precisa se desculpar por fazer o que quer, nem comigo. Sua atuação foi muito boa, eu quase acreditei. Mas…
Os olhos de Wang Yanqing se apertaram, tensa, achando que havia cometido algum erro. Lu Heng, por sua vez, deu outro gole no chá, fazendo suspense, e comentou com leveza:
— Suas habilidades de atuação são muito ruins.
— Foi exagerado demais? — perguntou ela, preocupada.
Lu Heng assentiu:
— Então você mesma percebeu.
Wang Yanqing pareceu desanimada, mas estava tentando de verdade. Suspirou, e humildemente pediu conselho:
— Segundo Irmão, como eu deveria atuar então?
Lu Heng chegou a abrir a boca para instruí-la, mas, no último instante, riu e respondeu:
— Eu nunca estudei isso. Como vou saber?
Sem conseguir a dica que queria, Wang Yanqing desistiu com um aceno:
— Deixa pra lá. Irmão, acho que você precisa ver isso aqui.
Ela tirou algo da bolsa. Lu Heng pegou, examinou e perguntou com um sorriso:
— Como conseguiu isso?
O rosto de Wang Yanqing se iluminou ao contar:
— Quando você foi inspecionar a casa da Tia Liu, percebi que a expressão do Li Zheng estava estranha. Suava muito, esfregava as mãos e parecia inquieto. Achei que ele sabia de algo e tentei entrar na casa. Lá, percebi que a esposa dele e a nora também agiam de forma esquisita. Aproveitei que a velha saiu e provoquei a nora discretamente…
Wang Yanqing interrompeu o relato. Lu Heng, segurando o riso, fixou o olhar nela e comentou com aprovação:
— Eu entendo. Dois generais não cabem num mesmo exército. Meu irmão e eu já nos estranhávamos morando na mesma casa, imagina sogra e nora. Continue.
Wang Yanqing ficou surpresa. Sempre imaginou que ele era do tipo que exigiria que a esposa fosse obediente aos sogros e cuidasse dos cunhados. Mas ele parecia tão mente aberta… Por que pensei assim dele? Que tipo de mal-entendido eu criei sobre meu Segundo Irmão?
Ela sacudiu os pensamentos e seguiu:
— Conversando com a nora, a Senhora Wu, descobri que o casal Li Zheng tinha ganhado bastante dinheiro. Eles revelaram isso ao neto, mas a Senhora Wu ouviu sem querer. Ela achou que estavam escondendo o dinheiro das pensões imperiais para viúvas e órfãos. Quando ela saiu, aproveitei para vasculhar a casa, mas infelizmente… não achei nada.
Lu Heng ergueu as sobrancelhas, elogiando:
— Qing Qing, você fez muito hoje. Se metade da Guarda Imperial fosse tão capaz quanto você, a dinastia Ming seria invencível.
Wang Yanqing balançou a cabeça, com modéstia:
— Me aproveitei de ser mulher e fingi ser inocente. Se fosse um homem no meu lugar, a Senhora Qian e a Senhora Wu jamais sairiam de casa. Os guardas sob seu comando têm talentos diferentes. Cada um faz o que sabe, ninguém substitui ninguém.
Sem perceber, o olhar de Lu Heng ganhou um traço de ternura. Ela não estava errada. Resolver um caso não era tarefa de uma só pessoa. Era resultado do trabalho conjunto: investigação, prisão, interrogatório, redação de documentos. Se um subordinado arrogante quisesse todo o crédito sozinho, ele o puniria. Mas, com Wang Yanqing, ele só desejava que ela fosse mais arrogante… mais egoísta.
Lu Heng passou a mão pelos cabelos dela e disse:
— Você fez um ótimo trabalho. Ninguém supera você em interrogatórios.
O elogio inesperado a deixou envergonhada. Baixou o rosto, tímida, mas com um sorriso:
— Que bom que o Segundo Irmão não se incomoda. À tarde, a Senhora Qian e a Senhora Wu dormiram, e o neto, Li Zhengze, ficou brincando sozinho debaixo do beiral. Aproveitei e fiz um truque com ele. O menino gostou tanto que quis me tomar como mestra. Pedi que ele trocasse isso pelo objeto mais valioso que tivesse. Achei que ele traria o dinheiro escondido pela avó, afinal, a Senhora Wu disse que ela contou a ele…
Lu Heng percebeu que vivia sorrindo quando estava com Wang Yanqing. Levou o punho à boca e tossiu discretamente, contendo o riso:
— Qing Qing, mesmo que isso seja responsabilidade do governador, a Guarda Imperial também atua em nome da lei e da ordem. Você não devia me contar esse tipo de coisa, né?
Ela falava como uma criminosa confessando os detalhes do crime. Lu Heng pensou consigo: Como pode ser tão adorável?
Wang Yanqing protestou, séria:
— Mesmo que ele tivesse trazido, eu não pegaria!
Agora sim, ela parecia ainda mais culpada. Lu Heng quase não conteve o riso e disse:
— Eu sei. Tá tudo bem, não vou contar pra ninguém. Continue.
Ele agora era como um cúmplice que prometia silêncio. Wang Yanqing lançou um olhar irritado e respondeu:
— No fim, ele saiu correndo, cavou sob o salgueiro à beira do rio e me trouxe aquela pedra.
Lu Heng entendeu na hora:
— Então você brincou com ele a tarde toda… por uma pedra de argila?
Wang Yanqing corrigiu, com firmeza:
— É uma pedra.
— Tá bom, uma pedra. — Lu Heng se corrigiu e perguntou: — E onde ele achou isso?
— No rio.
Lu Heng assentiu, passando os dedos pelo copo de chá, pensativo. Silenciou. Wang Yanqing o observou e perguntou baixinho:
— Segundo Irmão, você já entendeu tudo?
Lu Heng suspirou, resignado:
— Me sinto honrado por você pensar tão bem de mim, mas foi só um dia.
Wang Yanqing pareceu decepcionada. Olhou para os arquivos empilhados no cômodo oeste e sugeriu:
— Já que estão ali, por que não damos uma olhada neles, em segredo?
Lu Heng olhou na direção do cômodo. Estava escuro e abarrotado de documentos — pareciam até um monstro gigante. Ele desviou o olhar e respondeu:
— Esquece. É coisa demais. Não termino até amanhã. Com uma bela mulher ao meu lado, por que deixar um tesouro quente e perfumado para entrar numa sala fria cheia de papéis?
Wang Yanqing franziu a testa, achando a situação bem complicada:
— E o que vamos fazer? Um caso tão grave em Hegu, e o governador local devia tratar com seriedade. Mas o magistrado já tentou expulsá-los várias vezes… Será que tem algo errado com Tao?
Como uma enciclopédia humana, Lu Heng respondeu prontamente:
— Tao Yiming ganhou fama no quinto ano de Zhengde. É natural da prefeitura de Qingyuan. A família era pobre, ele fracassou no exame imperial e desistiu de ser acadêmico. Sem parentes influentes nem mestres, não conseguiu se juntar a nenhuma facção. Por isso, teve má sorte. Depois de vinte anos na administração, ainda é apenas um magistrado de sétima patente. Sempre é designado para aldeias pobres e remotas.
Wang Yanqing entendeu. Era alguém que tentou mudar o destino pelos estudos, mas não conseguiu mudar tudo. Refletiu um pouco e, de repente, percebeu algo estranho:
— Segundo Irmão… Tao Yiming é só um magistrado de sétima patente. Como você sabe tanto sobre ele?
Mesmo que a Guarda Imperial coletasse informações, havia muitos oficiais importantes para se preocupar. Por que Lu Heng conhecia esse em especial?
Lu Heng, por dentro, elogiou: Ela não é nada burra. Terminou seu chá e respondeu:
— Eu não o conhecia. Nem sabia quem era Cheng Youhai. Descobri tudo na mesa do jantar, mais cedo.
— Ah… — Wang Yanqing entendeu, surpresa. — Então foi por isso que você aceitou jantar com eles. Mas havia tanta gente ali… E o Tao Yiming não é burro, ele não ia sair contando sua vida. Como você fez?
Lu Heng deu de ombros, como se fosse a coisa mais simples do mundo:
— Ele não precisou contar. Só pela conversa, roupas e postura, já dá pra inferir a origem e trajetória de alguém. Toda pessoa, só de aparecer, já mostra falhas em todos os aspectos.
Wang Yanqing ficou impressionada. Quando se tratava de observar pessoas, Lu Heng era mesmo imbatível.
Ela então perguntou, séria:
— E agora, o que fazemos?
Lu Heng sorriu e respondeu com toda sinceridade:
— Dormir.
A ponta das sobrancelhas de Wang Yanqing se contraiu. Ela achou que tivesse escutado errado, mas ao trocar olhares com Lu Heng, gradualmente percebeu que era verdade.
Wang Yanqing ficou em silêncio, sem saber o que Lu Heng pretendia fazer dessa vez. Ele lançou-lhe um olhar e disse com clareza:
— Não estou mentindo pra você, dessa vez é verdade. Você não quer dormir porque tem medo de atrasar a investigação, ou está preocupada comigo?
Wang Yanqing não sabia se estava sendo desmascarada ou injustiçada, e respondeu irritada:
— Não.
— Ótimo. — Lu Heng levantou o queixo em direção à cama e disse: — Está ficando tarde, você deveria dormir.
Ao ver com os próprios olhos o rosto de Wang Yanqing corar lentamente, Lu Heng se acalmou. No fim das contas, ele não teve coragem de envergonhá-la e falou antes que ela pudesse abrir a boca:
— Mas você está dormindo fora de casa, então seja mais cuidadosa. Não troque de roupa essa noite e não durma muito profundamente, fique mais alerta.
Wang Yanqing soltou um longo suspiro de alívio. Ela queria dizer isso agora há pouco, mas teve medo de que o Segundo Irmão interpretasse mal. Felizmente, ele também pensou nisso.
Sentindo-se aliviada, Wang Yanqing foi até o quarto se preparar para dormir. Sentado sozinho na sala principal, Lu Heng olhou para a xícara de porcelana na mão e suspirou suavemente após um longo tempo.
A brisa da noite do lado de fora da janela era tênue, e o luar parecia derreter no ambiente. O som era tão suave que parecia uma ilusão.
Depois de se lavar, Wang Yanqing soltou os cabelos e deitou-se na cama com todas as roupas. Com receio de passar vergonha, apagou as luzes do quarto antes de se deitar, deixando acesa apenas uma lamparina na parede do canto.
Ela fechou os olhos, e o tempo pareceu se distorcer na escuridão. Após um período indefinido, passos puderam ser ouvidos suavemente ao seu redor, seguidos por uma respiração familiar. Wang Yanqing despertou do torpor na mesma hora. Abriu a boca e chamou, hesitante:
— Segundo Irmão?
Quando Lu Heng ouviu esse chamado, sentiu-se ainda mais desconfortável. Respondeu, com a voz plana e indiferente, sem emoção alguma.
Ao ver que era de fato ele, Wang Yanqing fechou os olhos novamente, aliviada. Quando Lu Heng percebeu que ela havia voltado a dormir, seu coração ficou em silêncio por um instante.
Ele não sabia se agradecia por ela confiar em seu caráter ou se odiava o fato de ela estar tão próxima de seu verdadeiro segundo irmão.
Lu Heng apagou a última luz. Ele ainda estava em dúvida há pouco se deveria entrar para dormir ou ir até o quarto leste para cuidar dos assuntos da noite, mas ao ouvir as palavras de Wang Yanqing, mudou de ideia repentinamente.
Ela chamou por Segundo Irmão no sono e, em seguida, adormeceu tranquilamente. Se ele deixasse passar essa oportunidade de novo, não seria ele o estranho?
Lu Heng deitou-se vestido, sem intenção de dormir a noite toda. Como poderia dormir com outra pessoa tão perto, que poderia se aproximar sorrateiramente a qualquer momento? Portanto, em teoria, deitar-se na cama ou ir para o quarto leste ler dava no mesmo.
Mas, quando realmente se deitou e ouviu a respiração longa e suave dela, Lu Heng inesperadamente percebeu que aquilo não era tão repulsivo quanto imaginava. Aos vinte e três anos, numa noite de verão comum, ele se deitou em uma cama desconfortável dentro de uma mansão estranha e, de repente, foi abalado por tudo aquilo em que acreditava até então.
Sempre pensou que não podia confiar em ninguém, que jamais conseguiria dormir em paz ao lado de outra pessoa, e que se casar seria apenas mais uma encenação. Nunca quis isso, por isso sempre evitou o casamento. Pensava que seria assim, mas, na verdade, nunca havia tentado.
Parecia precipitado demais tirar uma conclusão tão cedo.
Lu Heng ainda refletia sobre os planos para sua própria vida quando, de repente, ouviu um som estranho vindo de fora da janela. Quase ao mesmo tempo, abriu os olhos abruptamente.
Capítulo 60 – Sequestrada
Na escuridão, os olhos de Lu Heng brilhavam intensamente. Alerta ao seu redor, ele não sentia sono algum e imediatamente se sentou. Wang Yanqing não tinha dormido profundamente — ela estava atordoada e sem reação quando Lu Heng se deitou —, mas ao sentir o movimento dele ao se levantar, despertou de súbito.
Wang Yanqing abriu os olhos e, antes mesmo de entender o que estava acontecendo, esticou a mão em direção à adaga sob o travesseiro. Lu Heng segurou sua mão e sussurrou suavemente:
— Sou eu. Não faça barulho.
Os olhos de Wang Yanqing foram se ajustando lentamente. Quando finalmente viu com clareza quem estava à sua frente, assentiu levemente. Ao perceber que ela estava mesmo acordada, Lu Heng soltou sua mão com cuidado e se levantou da cama.
Ambos estavam vestidos, o que agora facilitava a movimentação. Com a faca em mãos, Lu Heng foi silenciosamente até a janela e espiou pela fresta.
O pátio estava vazio. Sem dizer uma palavra, Lu Heng se preparou para abrir a janela. Wang Yanqing o seguia de perto e, ao ver o que ele fazia, arregalou os olhos, alarmada:
— Segundo Irmão!
Assim que ela falou, a janela foi empurrada e bateu forte contra a moldura de madeira. Wang Yanqing levantou o olhar, e suas pupilas se dilataram involuntariamente.
Uma lua minguante pendia sozinha no céu noturno sem fim, como um gancho. No telhado do escuro prédio da prefeitura, um homem de papel estava de costas para a lua. Suas bochechas eram pintadas de vermelho vivo, os olhos negros e fundos, e um sorriso exagerado se abria em seu rosto — como se estivesse zombando deles.
Mesmo que Wang Yanqing já tivesse presenciado eventos sobrenaturais antes, ela se assustou naquele instante. A figura de papel era do tamanho de uma pessoa real. O corpo era feito de papel branco, com roupas e traços faciais pintados com cores vivas. Era tão realista que, à primeira vista, parecia de carne e osso.
Wang Yanqing se lembrou subitamente dos bonecos de papel usados em oferendas nos festivais de Sheri — eram exatamente assim.
A brisa noturna soprava, e o ar estava carregado de umidade abafada. Provavelmente choveria em breve.
O vento frio a ajudou a se acalmar. Ela se aproximou de Lu Heng e perguntou em voz baixa:
— Segundo Irmão, quem colocou esse boneco de papel no telhado?
Lu Heng fixou o olhar no telhado, balançando a cabeça lentamente:
— Pode ser que ele não tenha sido colocado ali.
Wang Yanqing franziu o cenho, confusa:
— O quê?
Antes que terminasse de falar, ela viu a figura de papel se mexer. As articulações pareciam rígidas, como se estivesse aprendendo a se mover, e executava uma série de movimentos lentos e estranhos — o sorriso exagerado permanecia voltado para eles o tempo todo. Assim que terminou a sequência, girou abruptamente e saltou da viga sem qualquer aviso.
Wang Yanqing prendeu a respiração, franziu a testa e perguntou:
— O que é isso?
A movimentação da figura alarmou os oficiais do lado de fora. Um grito alto ecoou pela rua, seguido por outro:
— Peguem-no!
No silêncio da noite de verão, aquele brado ressoou como um trovão. Os passos ficaram mais apressados, chamas tremeluziram por todos os lados, e então bateram com força na porta do pátio:
— Comandante, parece haver um assassino na prefeitura! O senhor está bem?
Lu Heng guardou a faca na bainha. Sorriu brevemente e disse:
— Vamos ver o que está acontecendo.
Os Guardas Imperiais bateram na porta por um bom tempo, aflitos. Quando estavam prestes a arrombá-la, ela se abriu de dentro para fora. O comandante apareceu vestido com perfeição, calmo, e atrás dele vinha uma dama. Os guardas suspiraram aliviados e apressaram-se em saudá-lo com o punho cerrado. Ao mesmo tempo, sentiram-se tolos. Como ousaram pensar que o comandante poderia ser surpreendido sem resistência e precisaria de ajuda?
— Comandante, eu vi um boneco de papel de origem desconhecida e temi por sua segurança, por isso vim prestar assistência. Aguardando suas ordens.
— Estou bem. — respondeu Lu Heng com indiferença, e então perguntou: — Para onde aquela coisa foi?
— Correu para o sudoeste.
— Persigam. Cerquem a área e não deixem escapar.
— Sim, senhor!
Os subordinados bateram continência ao mesmo tempo e se dispersaram pelos lados com eficiência — claramente treinados para esse tipo de situação. Além dos Guardas Imperiais, os funcionários da prefeitura também haviam acordado e correram para ajudar. Gritos e passos caóticos ecoaram por todo o complexo do governo, rompendo o silêncio da noite.
Lu Heng ficou parado no portão do pátio, com as mãos cruzadas nas costas, afastado da confusão. Virou-se para Wang Yanqing e perguntou:
— Está com frio?
Os botões do casaco de Wang Yanqing estavam bem abotoados, e ela balançou a cabeça com o semblante sério. Lu Heng disse:
— Ótimo. Pode ser que isso dure um pouco. Você prefere assistir do lado de fora ou voltar para descansar? Se quiser voltar, enviarei uma equipe para guardar a porta. Não precisa se preocupar com segurança.
Wang Yanqing sacudiu a cabeça novamente:
— Não, quero observar do lado de fora.
Vendo que ela estava decidida, Lu Heng não insistiu:
— Daqui a pouco vai haver muita gente, e talvez eu não consiga cuidar de você. Fique atenta e evite os lugares escuros.
— Entendi. — respondeu Wang Yanqing. — Segundo Irmão, vá cuidar das suas coisas. Eu fico por aqui.
Os pátios adormecidos começaram a acender suas luzes um a um. O Prefeito Cheng saiu correndo ainda de pijama, espantado:
— Mestre Lu, o que aconteceu?
Lu Heng estava no centro da multidão, vestindo um uniforme azul oficial, com o cinto de couro justo na cintura. Seus ombros retos, postura ereta e pernas longas o destacavam imediatamente. Mesmo no meio da multidão, ele era o mais imponente, transmitindo uma aura fria e firme.
A brisa úmida e fresca soprava das profundezas da noite. As chamas tremulavam de um lado para o outro, projetando sombras instáveis sobre o corpo de Lu Heng. À luz do fogo, seu perfil parecia talhado em jade:
— Também não sei. Ouvi um som estranho no meio da noite e, ao abrir a janela, vi um boneco de papel com feições bizarras em cima do telhado. Ele fez alguns gestos sem explicação e depois saltou para o pátio da frente.
A voz do Prefeito Cheng mudou de tom:
— O quê? Boneco de papel?
Os Guardas Imperiais que vieram com Lu Heng o cercavam. Um deles retornou apressado da frente, curvou-se com o punho cerrado e relatou:
— Comandante, eu vi claramente o boneco de papel correndo naquela direção, mas ele simplesmente desapareceu.
— Oh? — perguntou Lu Heng. — Verificaram o cruzamento à frente?
— Está sendo vigiado. Ninguém o viu passar.
O Prefeito Cheng, escondido atrás de Lu Heng, empalideceu e murmurou, trêmulo:
— Como pode haver algo assim numa prefeitura respeitável? Será que são fantasmas ou espíritos?
Lu Heng virou-se e o encarou:
— O Prefeito acredita em fantasmas e espíritos?
Pegando-o de surpresa, Cheng hesitou antes de responder, sem muita convicção:
— Se fosse em tempos normais, eu certamente não acreditaria... Mas o Mestre Lu viu o boneco com os próprios olhos, agora há oficiais por toda parte e mesmo assim a coisa sumiu no ar. Tenho vinte anos de serviço e nunca vi nada parecido.
Lu Heng assentiu e suspirou:
— Pois é. Assim que ele pulou, organizei imediatamente os Guardas Imperiais e os funcionários para persegui-lo. Mas mesmo à vista de todos, desapareceu. A prefeitura tem tamanho limitado — onde mais poderia estar?
Ao ouvir isso, o Prefeito Cheng exclamou:
— Não tenho nada a ver com isso. Se o Mestre Lu quiser, pode revistar meu quarto. Não me oponho.
Ao ver Tao Yiming se aproximando lentamente, Lu Heng sorriu:
— Juiz Tao, o que acha?
Tao Yiming também saudou com as mãos juntas e declarou:
— Espero poder cooperar com o Mestre Lu na investigação.
Sem rodeios, Lu Heng imediatamente enviou equipes para revistar os quartos — nem mesmo as casas de Cheng Youhai e Tao Yiming foram poupadas. Guardas e soldados abriram portas, vasculhando cada cômodo à luz de lanternas. Todos os presentes esperavam do lado de fora, em silêncio, pelo resultado da busca.
Era o sétimo mês do ano — fazia calor durante o dia, mas à noite o tempo já começava a esfriar. O Prefeito Cheng esfregou os braços e comentou:
— Mestre Lu, me perdoe. Saí com tanta pressa que nem tive tempo de me vestir. Minha aparência deve ter lhe causado riso.
Lu Heng acenou com um leve sorriso, indicando que não se importava. Passado um tempo, os Guardas Imperiais retornaram e relataram:
— Comandante, não encontramos o boneco de papel.
Tao Yiming permaneceu impassível, mas o Prefeito Cheng ofegou:
— Isso... que diabos está acontecendo!
Nesse instante, um homem entrou correndo em pânico:
— Mestre Cheng, Mestre Lu, Juiz Tao — algo aconteceu!
O semblante de Lu Heng permaneceu inalterado:
— Por que tanto alvoroço?
— Não sei como, mas penduraram um boneco de papel no portão da prefeitura. Venham ver!
Lu Heng e o Prefeito Cheng correram para o portão. Todos os funcionários também se dirigiram para lá. E de fato, nos degraus do portão principal havia um boneco de papel — com barba e cabelos finos, sobrancelhas e olhos incrivelmente realistas, e uma boca vermelha que se abria quase até as orelhas.
Ao vê-lo, o Prefeito Cheng soltou um grito abafado e rapidamente cobriu os olhos. Os soldados ao redor começaram a murmurar:
— Todas as saídas estavam vigiadas... como ele foi parar lá fora?
Sons de surpresa surgiram enquanto um pânico silencioso se espalhava pela noite. Lu Heng se aproximou do boneco calmamente, como se não ouvisse nada, e ficou cara a cara com a figura de papel imponente.
Ele não conseguia enxergar claramente de longe, mas agora que estava mais perto, percebeu que o boneco era mesmo muito realista. Lu Heng tocou o papel e perguntou:
— De qual loja veio esse trabalho artesanal?
O Prefeito Cheng fechou os olhos e não disse nada, nem mesmo ousava olhar para o boneco de papel. Tao Yiming foi quem teve que se adiantar e responder:
— Embora haja lojas de papelaria funerária neste condado, o trabalho delas é bastante grosseiro. Seria impossível fabricar um boneco de papel tão realista. Esse aí deve ter vindo de fora.
— De fora? — um leve sorriso surgiu nos lábios de Lu Heng. — Os portões da cidade estão trancados. Como poderia vir de fora?
O Prefeito Cheng perguntou com cautela:
— Então, segundo a brilhante opinião do Mestre Lu...
— Voltem a dormir por enquanto. — Coisas estranhas vinham acontecendo uma após a outra, mas Lu Heng de repente desistiu de investigar e disse: — Já é tarde, e não é bom para a saúde continuar se desgastando. Houve muitos contratempos esta noite. Agradeço a cooperação dos senhores.
Prefeito Cheng e Tao Yiming apressaram-se em recusar, sem ousar contrariá-lo. Lu Heng encerrou o assunto com suas palavras, e ninguém se atreveu a insistir. Os funcionários do governo começaram a se dispersar um por um. Um Guarda Imperial olhou para o boneco de papel que ainda sorria na porta, juntou as mãos em sinal de respeito e perguntou:
— Comandante, e quanto a... isto?
Lu Heng lançou um olhar e respondeu:
— Encontre um lugar limpo, longe da água, e guarde-o. A investigação de amanhã dependerá desse boneco de papel.
— Sim, senhor.
Os Guardas Imperiais já tinham visto de tudo — vivos e mortos —, então um boneco de papel não era nada para eles. Avançaram, ergueram o boneco alto e o levaram para os fundos. A multidão se dispersou, e Lu Heng foi o último a sair, caminhando de volta com calma. Wang Yanqing se aproximou dele em silêncio. Lu Heng olhou para trás e apertou de leve o rosto dela, divertido:
— O que foi? Está tão séria.
Wang Yanqing balançou a cabeça, mas não disse nada.
Assim que voltaram para o quarto, Wang Yanqing fechou a porta imediatamente e disse:
— Segundo Irmão, algo estranho aconteceu esta noite.
Lu Heng sorriu:
— Eu sei.
— Então você...
Lu Heng balançou a cabeça, segurou a mão dela, sentiu a temperatura em seu pescoço e disse:
— Sua situação é especial. Precisa se cuidar mais nestes dias. Já está tarde, vá dormir logo.
Quando Lu Heng falou lá no portão que era tarde e que ficar acordado faria mal à saúde, ele na verdade estava se referindo a Wang Yanqing — como se ele ligasse para a saúde de Cheng Youhai ou Tao Yiming.
Wang Yanqing captou a insinuação na voz dele e perguntou apressada:
— E você?
— Não se preocupe, eu fico aqui no quarto. — Depois de responder, Lu Heng comentou casualmente: — E vou dar uma olhada na sala oeste.
— Você já não falou demais hoje mais cedo?
— Pois é. — Lu Heng sorriu levemente. — Por isso preciso investigar agora.
Wang Yanqing foi mandada para a cama, e Lu Heng foi ler na sala oeste. Com receio de atrapalhar o sono dela, cobriu bem as luminárias. Através da cortina da cama, Wang Yanqing via um reflexo alaranjado e difuso vindo da porta, e ouvia vagamente o som de páginas sendo viradas.
Ela não se lembrava de seu passado, mas parecia que o verão deveria ser assim mesmo.
Em algum momento, fechou os olhos e caiu num sono profundo.
Durante o sono, pareceu ouvir a porta se abrindo e fechando — alguém saía e voltava. Ela quis abrir os olhos, mas seus membros pareciam cheios de chumbo. Não conseguia se mover.
No início da manhã seguinte, Wang Yanqing acordou de repente. Estava deitada na cama e, ao se mexer um pouco, sentiu dor na cintura e no abdômen.
Ela soltou um longo suspiro.
Que azar... Lu Heng estava certo.
Sua menstruação havia chegado.
Felizmente, ela havia preparado uma bolsinha antes da viagem e não foi pega de surpresa. Wang Yanqing trocou de roupa novamente e, ao sair, percebeu que Lu Heng já havia saído fazia tempo. A vela da sala oeste estava pela metade, e um dossiê inacabado ainda estava aberto sobre a escrivaninha.
Wang Yanqing pegou o arquivo, que falava de um caso de desaparecimento. O denunciante dizia que sua família vivia aos pés do Ministério Qingxu, onde jovens adultos desapareciam com frequência. Certa vez, ao caminhar à noite, achou ter visto um sacerdote taoísta do Ministério Qingxu carregando algo pela porta dos fundos.
Jovens adultos? Essa descrição se parecia com a da Vila Hegu. Wang Yanqing sentou-se e começou a ler o dossiê com atenção. De repente, a porta foi empurrada e Lu Heng entrou. Ao ver que Wang Yanqing já estava vestida, comentou:
— Acordou cedo? Por que trocou de roupa hoje?
Wang Yanqing abaixou a cabeça e virou uma página, fingindo não ouvir. Lu Heng percebeu, mas não insistiu. Disse apenas:
— Que bom que acordou. Pedi à cozinha que trouxesse o café da manhã daqui a pouco. Coma bem, não vá se esforçar.
Ao ouvir aquele tom estranho na voz dele, Wang Yanqing levantou a cabeça e perguntou:
— Segundo Irmão, vai sair?
— Sim. — Lu Heng assentiu. — Mandei investigarem a loja que fez os bonecos de papel, e acabei de receber uma pista. Vou verificar pessoalmente. Vai ficar bem sozinha aqui?
— Estou bem. — Wang Yanqing balançou a cabeça, mas suspirou em seguida, com um toque de culpa: — É uma pena que eu sempre acabe ficando para trás e não possa ir com você.
Lu Heng se aproximou, apoiou uma mão na mesa e passou a outra pelos cabelos dela. Olhou fundo em seus olhos e disse com seriedade:
— A melhor ajuda que você pode me dar é cuidar bem de si mesma. Descanse. Não pense demais. Se eu não voltar até o meio-dia, coma sozinha.
Ele se curvou na frente de Wang Yanqing. Sua voz não era autoritária, mas sua postura era dominante, como se tivesse cercado tudo ao redor dela. Wang Yanqing assentiu em silêncio. Lu Heng afagou seu cabelo mais uma vez, levantou-se e saiu.
Ele havia feito uma promessa ao imperador: resolver o caso em três dias. E aquele já era o segundo.
Lu Heng estava tão enérgico que não parecia cansado. Mesmo tendo sido interrompido a noite inteira, saiu cedo naquela manhã para investigar os bonecos de papel. O Prefeito Cheng não teve escolha senão acompanhá-lo, arrastando seu corpo esgotado para fora, forçado a acompanhar o ritmo.
Levaram muita gente consigo. A sede do governo ficou subitamente vazia, até o canto das cigarras pareceu silenciar. Wang Yanqing, por estar debilitada, permaneceu no quarto examinando os arquivos sozinha. A sala oeste continha muitos dossiês — material suficiente para mantê-la ocupada por horas. Ela procurou casos semelhantes e os analisou um a um com cuidado.
Ouviu uma batida na porta.
Wang Yanqing estranhou que o almoço estivesse chegando tão cedo e disse:
— Pode entrar.
Ela pousou o arquivo, e a pessoa que entregava a comida entrou, colocando a marmita sobre a mesa da sala principal. Era um rapaz com roupas de criado, cabeça baixa e rosto jovem. Wang Yanqing o encarou e perguntou:
— Por que você está trazendo a comida?
O rapaz respondeu com os olhos abaixados:
— A cozinha está ocupada. A Tia Zhao pediu que eu entregasse o almoço para a senhorita.
Wang Yanqing assentiu, lembrando que a criada do dia anterior tinha o sobrenome Zhao. O rapaz abriu a marmita e tirou primeiro uma tigela de sopa. Ao ver sementes de cássia e crisântemos na sopa, Wang Yanqing franziu levemente a testa:
— Foi o Segundo Irmão que mandou esse almoço?
Assim que terminou de falar, recuou — mas já era tarde demais. O rapaz avançou com um golpe. Wang Yanqing ergueu o braço para se defender, mas o agressor parecia ter previsto seu movimento, desviou rapidamente, sacou um tubo de fumo com a outra mão e soprou direto no rosto dela.
Uma baforada de fumaça branca atingiu o rosto de Wang Yanqing. Ela tentou ao máximo prender a respiração, mas acabou inalando um pouco sem querer. Logo, sentiu-se tonta, e a outra pessoa se aproximou, cobrindo sua boca e nariz com um lenço encharcado de entorpecente. Dessa vez, ela desmaiou completamente.
Tudo aconteceu em um instante, e Wang Yanqing perdeu a consciência antes mesmo de conseguir gritar por socorro.
·
No horário de Wei Shi, Lu Heng cavalgava e parou diante da estrada montanhosa. Tao Yiming levantou a mão e apontou para a construção escondida na mata acima:
— Mestre Lu, esse é o Monastério Qingxu.
(Nota: Wei Shi — entre 13h e 15h.)
O sol ardia intensamente, e o prefeito Cheng não pôde deixar de enxugar o suor da testa. Ergueu a cabeça com esforço para olhar em direção à montanha:
— O sacerdote taoísta que sabe amarrar papel, mencionado pelo dono da loja, vive aqui?
Não havia muitos artesãos capazes de fazer um boneco de papel tão grande sem que se deformasse. Lu Heng mandou alguém investigar as lojas que trabalhavam com artigos fúnebres de papel. Em todo o condado de Qixian, ninguém era capaz de produzir figuras tão refinadas. Por fim, um lojista do condado de Linxian trouxe notícias de que havia presenciado os rituais do Monastério Qingxu, e que os sacerdotes dali sabiam fazer tudo por conta própria. Os bonecos de papel que criavam pareciam vivos, muito melhores do que os vendidos nas lojas.
Foi assim que Lu Heng e seu grupo chegaram ao Monastério Qingxu.
— Sim — respondeu Tao Yiming. — O Monastério Qingxu existe há muito tempo, desde antes de eu assumir o cargo. Mas os sacerdotes daqui são bem estranhos. Eles não vão às casas dos patrões fazer rituais, não aceitam encomendas de fora, e quase não têm contato com os moradores do sopé da montanha. Por isso, quase não há incenso queimando no templo.
— Que estranho — comentou o prefeito Cheng. — Monges e sacerdotes taoístas não costumam atrair as pessoas para doarem dinheiro e acenderem incenso? Se não se comunicam com o povo, como sobrevivem?
Tao Yiming balançou a cabeça:
— Nunca tive contato com os monges ou sacerdotes daqui, então não sei.
Lu Heng vestia um uniforme azul-escuro, sentado ereto sobre o cavalo. Mesmo sob o sol escaldante e entre pedras quentes como ouro derretido, mantinha a postura erguida. Estava completamente revigorado, sem uma gota de suor no rosto. Como um pinheiro nas montanhas, como a brisa na floresta, onde quer que estivesse, sua presença era sempre firme e impressionante. Ele segurou as rédeas com uma mão e disse com indiferença:
— Seja o que for, vamos subir e dar uma olhada.
Enquanto Lu Heng subia a montanha acompanhado pelo magistrado e seus homens, Wang Yanqing acordou de repente, seu rosto pálido e gelado apoiado em um travesseiro.
Ela estava em um quarto com as janelas fechadas, à meia-luz. O efeito do entorpecente ainda não havia passado. Com suor frio escorrendo pelas costas e um desconforto extremo, ela mal conseguia mover os dedos. Respirando fundo em silêncio, começou a pensar rapidamente: Onde estou? Quem me sequestrou?
Se conseguiram deixá-la inconsciente e tirá-la da sede do governo do condado, o significado por trás disso a deixava gelada só de imaginar.
Wang Yanqing sentiu uma cólica no abdômen. Estava sem comer e ainda levara um susto. As dores menstruais, que haviam sido controladas recentemente, voltaram com força.
Ela instintivamente levou as mãos ao ventre. Nesse momento, passos soaram ao seu lado, e Wang Yanqing percebeu que havia outra pessoa no quarto.
Virou a cabeça imediatamente, e ao mesmo tempo, uma voz familiar ecoou em seus ouvidos:
— Qing Qing, você acordou.
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