Capítulo 7 – O Mundo Onírico de Shangling


 De acordo com a explicação de Bai Xiaosheng, as tarefas no Exame de Shangling eram numerosas e exaustivas, como os ensaios políticos e artigos para a Escola Confucionista, a observação do talento natural de cada candidato no controle da energia espiritual, além da compreensão e domínio das técnicas marciais para a Escola de Cultivo. As provas da Escola de Habilidades eram ainda mais difíceis de realizar: era necessário confeccionar pílulas mágicas em um forno e observar os astros no local… Havia muitos testes, todos diferentes entre si. Ainda assim, o número de inscritos no Exame de Shangling era elevado. Se fossem avaliados minuciosamente, quem saberia quanta mão de obra, materiais e tempo seriam necessários?

Para resolver esse problema, a Academia de Shangling reuniu todo o poder dos usuários de formações de feitiços de Xia do Sul e criou especialmente uma formação chamada “Mundo Onírico de Shangling”.

Após a ativação da formação, cada pessoa seria puxada para esse mundo onírico. Todos os testes da Academia — seja o Exame de Shangling ou as avaliações semestrais — eram realizados nesse Mundo Onírico.

— Era, na verdade, uma simulação.

O coração de Lin Shu bateu forte contra o peito e ele rapidamente virou para a página seguinte.

A próxima página trazia a descrição sequencial da seção da Escola Confucionista no Exame de Shangling, então Lin Shu folheou várias páginas até chegar à seção da Escola de Cultivo.

O teste era dividido em três partes e, uma vez explicadas, eram bem fáceis de entender.

Primeiro teste: conjurar a partir do nada uma árvore grossa o suficiente para envolver com os braços e erguer uma plataforma de cem metros de altura a partir de um monte de terra. O cultivo exigia, primeiro, concentração e cultivo do qi.

Todos os aprendizes sentavam-se e meditavam dentro do Mundo Onírico de Shangling. Primeiro, precisavam circular o qi por todo o corpo, passando pelos 720 pontos de acupuntura. Depois disso, o Mundo Onírico designava aleatoriamente alguns pontos e selecionava automaticamente um caminho entre eles dentro dos meridianos. O aprendiz então precisava circular o qi por esse caminho cinco vezes. Em seguida, o Mundo Onírico inseria barreiras que obstruíam os meridianos e pontos de acupuntura. O candidato precisava então escolher entre romper as barreiras ou contorná-las, fazendo o máximo esforço para circular o qi por todo o corpo apesar dos bloqueios existentes.

Segundo teste: O Caminho, o caminho que não é o Caminho, e o caminho que não é não o Caminho[1] — para cultivar o caminho imortal, era preciso primeiro compreender o Caminho[2].

Esse teste media puramente a profundidade da compreensão dos candidatos. O Sonho Ilusório selecionaria 20 citações fundamentais dos clássicos, e o estudante deveria então explicar seu entendimento sobre a frase. Depois disso, o Sonho Ilusório reuniria duas pessoas com pontos de vista opostos sobre a mesma citação no mesmo sonho. Os dois deveriam então realizar uma discussão sobre o Dao naquele sonho compartilhado.

Terceiro teste: no nível mais baixo das artes marciais, alguém é apenas altamente habilidoso. No nível intermediário, torna-se um sábio. No nível mais alto, alcança o Dao. Artes marciais e Dao não podem ser separados um do outro.

Ao entrar no terceiro teste, o Sonho Ilusório giraria e os estudantes escolheriam sua própria arma. Seria dividido nos seguintes doze tribunais para praticar habilidades marciais: aurora, crepúsculo, dia e noite; primavera, verão, outono e inverno; nublado, ensolarado, chuvoso e nevando. Bao Xiaosheng adicionou anotações e comentários dizendo que o nível técnico das artes marciais era secundário — a parte essencial era a compreensão do Dao através das artes marciais. Mesmo que dois estivessem balançando um machado, aqueles com alta compreensão seriam diferentes dos de baixa compreensão.

Após descrever o terceiro teste, Bao Xiaosheng continuou explicando. Seu ponto geral era que esses três testes eram excepcionalmente difíceis, mas a verdadeira intenção da Academia não era que os candidatos os completassem perfeitamente, e sim usar esses testes como pretexto para observar o talento e a compreensão naturais de cada estudante. Desde que o primeiro teste fosse concluído com êxito, se o candidato tivesse algum momento de destaque em qualquer parte dos dois testes seguintes — que eram arbitrários — ainda assim era perfeitamente possível passar no Exame Shangling e entrar na Academia.

Isso queria dizer... que o “talento natural” em que todo o Exame Shangling se baseava era talento natural no reino das artes místicas — e não talento natural conforme as leis da física?

—Sim, realmente não havia necessidade de inspecionar o talento físico, porque seria impossível para alguém cujos meridianos fossem lentos e bloqueados reunir e circular o qi pelo corpo, não importava quantas imagens de pontos de acupuntura visse ou quanto do Clássico de Cultivo de Qi memorizasse. Ao chegar no Sonho Ilusório, naturalmente não conseguiria imaginar métodos a partir do nada.

O Sonho Ilusório Shangling era uma terra de fantasia.

Ou seja, enquanto ele estivesse lá, não teria nenhuma limitação imposta por seu corpo físico.

Para os outros, se seus meridianos fossem inatamente bloqueados, nenhum plano ou estratégia permitiria que passassem no primeiro teste.

Mas os meridianos de seu corpo em sua vida anterior já eram algo que nem podia mais ser descrito como “desobstruído” ou “fluido”. Ele não sabia quantas centenas de vezes, dia e noite, havia circulado seu qi pelos 720 pontos de acupuntura: comandando seu qi para fluir rápido, para fluir devagar, para fluir suavemente, para fluir com força. Já havia se tornado íntimo do caminho e das seções exatas por onde seu qi devia passar. O conteúdo testado no primeiro exame era tão fácil quanto beber um copo de água fresca.

Porém, era o segundo teste que o deixava sufocado. Para ele, que frequentemente tinha dificuldade até para falar frases simples no dia a dia, discutir o Dao com alguém era uma fantasia comparável às Mil e Uma Noites. E, ainda assim, de acordo com Bai Xiaosheng, não seria difícil para ele entrar na Academia Shangling — afinal, ele tinha a base de sua vida anterior.

Resumindo, quem precisa refinar droga de pílulas? Seria totalmente aceitável entrar diretamente para a Academia de Cultivo. Não apenas o Exame Shangling não seria problema, como também não precisaria se preocupar com nenhum dos testes da Academia.

O único problema era como explicar por que ele seria capaz de passar no Exame Shangling se claramente não conseguia condensar nem uma gota de poder espiritual e não era capaz de matar nem uma galinha.

Li Jimao e Li Yamao observavam Lin Shu com atenção. Vendo-o encarar, sem expressão, a capa do livro por um tempo muito, muito longo, não conseguiram evitar de chamá-lo:

—Lin-xiongdi?

Lin Shu soltou um suspiro longo e disse:

—Vamos.

Como o Exame Shangling estava se aproximando, os negócios da livraria do lojista iam de vento em popa. Praticamente todos que iam até lá compravam diversos manuais de instrução. Ao ver aqueles três comprarem apenas um volume fino, o dono ficou profundamente insatisfeito. Observando-os se afastar, resmungou, furioso:

—Pah! Lixos que vão fracassar na prova!

Lin Shu caminhou em silêncio.

Passar na prova já não era algo com que se preocupasse.

Ele temia era passar — e todos na Academia começarem a desconfiar de como, em nome do céu, ele havia conseguido isso.

O cenário de sua vida anterior, quando seus livros e materiais eram jogados no chão por outros, subitamente surgiu diante de seus olhos. Aquilo lhe causava ânsia de vômito.

Ao retornar, ele não fez nada além de se esforçar ao máximo para, com seu vocabulário miserável, ensinar Li Jimao e Li Yamao a reconhecer os pontos de acupuntura e a condensar e circular o qi. Também lhes ensinou as formas mais básicas da espada: estocar, perfurar, golpear, cortar e varrer. Com esse conhecimento, caso realmente tivessem algum talento inato para cultivo, naturalmente seriam escolhidos pela Academia.

Por conta disso, Li Jimao e Li Yamao passaram a confiar e admirar Lin Shu completamente — mas ele se sentia cada vez mais desconfortável.

Por causa disso, naquela noite, teve um sonho extremamente estranho.

No sonho, ele estava novamente naquele trecho sombrio de floresta nos arredores da Cidade de Minzhou. Vagava sozinho e sem rumo quando ouviu passos apressados atrás de si. Ao se virar, viu que era, na verdade, aquela Ling Baochen que havia conhecido por acaso anteriormente.

Ling Baochen agarrou a ponta de sua roupa, o rosto bonito sem nenhuma cor. Sua voz estava completamente desesperada.

—Lin-shixiong — Ling Baochen chorava sem parar —, a Jovem Senhorita foi capturada pelo rei dos cadáveres. Eu consegui escapar, mas não sei o que fazer… Lin-shixiong foi o primeiro lugar no Exame Shangling, deve ter cultivado profundamente e possuir habilidades marciais extremamente elevadas. Com certeza conseguirá salvar a Jovem Senhorita!

Ele não sabia como responder e foi arrastado por Ling Baochen todo o caminho até a caverna do rei dos cadáveres.

Ling Baochen puxou uma espada e lhe entregou.

E ele, totalmente sem poder espiritual, sacou a espada e olhou ao redor, completamente perdido.

—E então o rei dos cadáveres o golpeou de uma só vez, matando-o instantaneamente.

A última cena foi da Jovem Senhorita pendurada no ar pelo rei dos cadáveres, olhando friamente para seu corpo dilacerado e mutilado:

—Inútil. Já devia ter arrancado sua pele há muito tempo.

Lin Shu sentiu como se fosse agarrado pela garganta pelo próprio Destino. Após uma breve sensação de sufocamento, abriu os olhos.

“……”

Não dá para continuar assim.

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O autor tem algo a dizer:

Estudantes da Academia socializando:

—Como é que ele consegue tirar primeiro lugar em todas as provas se claramente não sabe fazer nada???

—Com certeza é porque a Jovem Senhorita está ajudando ele.

—Dependa da Jovem Senhorita e evite vinte anos de sofrimento.

—Jovem Senhorita, me carrega também?

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Notas:

[1]: Essa parte faz referência (embora não cite diretamente) aos ensinamentos de Laozi (também conhecido como Lao Tzu ou Lao-Tze). Ele foi um antigo filósofo chinês e fundador do Daoismo filosófico (há uma diferença entre o Daoismo filosófico e o religioso — nossa história lida principalmente com o Daoismo religioso, no qual cultivadores tentam se tornar imortais daoistas). Laozi é considerado o autor do Tao Te Ching (道德經 – dào dé jīng), também traduzido como O Clássico do Caminho e da Virtude.

Resumidamente, o ponto principal de Laozi é que existe uma ordem natural subjacente ao universo, mas essa ordem é informe e não pode ser compreendida, conceituada ou expressa em palavras. A forma como sabemos que ela existe, segundo Laozi, é por meio de suas manifestações em nosso mundo — incluindo a qualidade da nossa própria vivência. Experimentamos o Dao (também transliterado como Tao e traduzido como Caminho) por meio das nossas experiências de vida.

É um conceito muito difícil de captar, e provavelmente cometi inúmeros erros aqui, então peço desculpas se notarem algo. Se algum estudioso de filosofia chinesa antiga estiver lendo isso (rs), por favor, manifeste-se nos comentários. Neste trecho, o segundo teste se trata justamente de dois escolhidos com pontos de vista opostos discutindo e debatendo uma citação de um dos clássicos — possivelmente o Tao Te Ching em si.

[2]: Mais uma vez, aqui se fala sobre como é necessário compreender o Caminho (o Dao). Ao compreender o Caminho, a pessoa se torna sábia e se funde com os ritmos não-planejados do universo, alcançando assim a “perfeição”.


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