Capítulo 71 a 75

Capítulo 71: Cultivo Pareado Universal

Kong Hou colocou a mão na mão de Huan Zhong. Era uma mão grande, e quando os dedos quentes fecharam sobre a dela, cobriram-na completamente.

— Você não disse que, por enquanto, não haveria problemas? — ela perguntou.

— Só por enquanto — respondeu Huan Zhong. — O reino secreto pode mudar num instante, e um passo em falso pode causar qualquer tipo de ferimento.

Apertando a mão de Kong Hou, Huan Zhong deu um passo à frente.

— Qual é seu nível em formações?

— Acabei de aprender o básico; ainda estou decorando o mapa dos Cinco Elementos e dos Oito Trigramas. Nunca montei uma formação sozinha — Kong Hou coordenava seus passos com os dele. As pernas de Huan Zhong eram longas, mas ele não andava rápido; ela conseguia acompanhar perfeitamente.

— Formação não é como outras habilidades; é melhor aprender devagar.

Mal terminou de falar, Huan Zhong brandiu a Espada do Rugido do Dragão na mão. Um pássaro negro estranho caiu do céu, o corpo e a cabeça separados pela energia da espada. Kong Hou espiou o pássaro e percebeu que ele tinha dois pares de asas.

Pisando no chão coberto de folhas secas e galhos que estalavam, Kong Hou olhou para o pequeno riacho onde flores flutuavam. Seu indicador arranhou a palma da mão de Huan Zhong.

— Huan Zhong, esse riacho é estranho.

Não havia árvores floridas por perto, o que indicava que as pétalas tinham caído na água rio acima. Contudo, conforme a água corria, algumas flores deveriam pousar na margem ou mudar de cor dentro do riacho. Mas nenhuma pétala se agarrava às margens. Todas flutuavam vivas, sem estarem molhadas.

Huan Zhong parou e olhou para Kong Hou com apreço.

— Às vezes, uma paisagem bonita é uma armadilha perigosa.

A Espada do Rugido do Dragão brilhou intensamente em sua mão. Ele fez um movimento, e um vendaval levantou folhas secas ao redor. O riacho parou de fluir completamente.

Kong Hou piscou. Quando olhou de novo para o riacho, percebeu que não era um pequeno córrego, mas um vale aparentemente sem fundo. Se alguém fosse atraído pela beleza e pisasse no riacho, mesmo que não caísse e se machucasse gravemente, ficaria cheio de hematomas. Isso destruiria sua beleza.

Quem quer que tivesse deixado esse reino secreto para trás deve ter se esforçado bastante.

Sentindo um calafrio pela espinha, Kong Hou agarrou a manga de Huan Zhong.

— Huan Zhong, o que aqui é realmente real?

— Às vezes, os olhos te enganam, mas o coração não — Huan Zhong puxou Kong Hou para voar sobre o cânion. — O que é falso nunca pode se tornar verdade; quem observar com atenção encontrará as pistas. Além disso, o dono deste reino secreto não quer que ninguém morra; ele quer exercitar os cultivadores que aqui vêm, então toda ilusão tem uma fraqueza.

— Parece que o dono original deste reino secreto era uma boa pessoa.

Depois do aviso de Huan Zhong, Kong Hou começou a observar seriamente os arredores. Logo percebeu que, na bifurcação à frente, o caminho para o norte era verdadeiro e o caminho para o oeste era falso.

— Os cultivadores capazes de deixar um reino secreto no Mundo Lingyou são grandes poderes prestes a ascender. No momento da ascensão, eles esperam que seus discípulos também consigam ascender — Huan Zhong olhou ao redor. — Os tesouros mundanos no reino secreto são presentes dos anciãos para seus pupilos.

Os manuais de cultivo passados nas grandes seitas eram experiências acumuladas por gerações de grandes poderes. Tinham sido editados e ampliados centenas de vezes. Essa era a riqueza valiosa que os anciãos deixavam para trás.

— Entendo — Kong Hou assentiu. — Como quando alguém fica rico e ajuda seu povo.

Huan Zhong: "…"

Essa analogia não parecia errada.

— Me pergunto para onde o Ancião Lin foi enviado.

Kong Hou e Huan Zhong escolheram o caminho correto. Ela continuou a olhar ao redor, querendo encontrar vestígios da Árvore Buscadora de Nuvens. O Mestre do Pavilhão Sun tinha encontrado a Árvore na periferia do reino secreto. Será que ela ainda estaria por lá?

— Lin Hu tem sangue de yao antigo. O reino secreto não permite que ele fique conosco — Huan Zhong explicou. — O dono desse reino deve ter sido um grande poder de milhares de anos atrás. Naquela época, os cultivadores yao não tinham boa relação com os humanos e frequentemente entravam em conflito.

O reino secreto tem uma consciência deixada pelo seu mestre e mantém os hábitos daquele tempo. Por isso, quando Lin Hu foi transportado para cá, provavelmente foi levado sozinho para algum lugar específico.

— Então o reino secreto está expulsando o Ancião Lin?

Kong Hou nunca achou útil o sangue yao quase imperceptível de Lin Hu. Agora sabia que servia para ser expulso.

— Não se preocupe com ele. Tem grande cultivo, viveu muito tempo e viu muita coisa. Nada vai acontecer — Huan Zhong empurrou a espada e cortou uma cobra preta que saltou da grama. — Fique atenta para não se machucar.

— Isso… — Kong Hou olhou para a mão que segurava. — Se não há perigo fatal, não deve haver problemas.

Não seria conveniente ele segurar a mão dela assim sem motivo.

— Mesmo sem perigo fatal, se você descuidar pode se machucar — Huan Zhong observou a cobra preta virar nada, seu olhar ficando mais severo. — Se ferirem seus olhos ou rosto, será muito difícil curar.

Ferimento no rosto...

Kong Hou caminhou obediente ao lado de Huan Zhong e disse sinceramente:

— Huan Zhong, é sorte sua e minha termos sido transportados para o mesmo lugar.

Huan Zhong parou e olhou de soslaio para ela. No seu campo de visão, Kong Hou sorria, os olhos curvados e o rosto de pele clara, extremamente bonito.

Kong Hou inclinou a cabeça e olhou para os olhos bonitos de Huan Zhong. Sentiu que a mão dele, segurando a sua, estava excepcionalmente quente, tão quente que chegava a queimar.

Os dois procuraram ao redor, mas não encontraram nenhum vestígio da Árvore Buscadora de Nuvens. O céu foi escurecendo gradualmente. O reino secreto também tinha sol e lua, nuvens, neblina, chuva e neve. Era como outro mundo.

— Ainda falta um mês. Podemos seguir devagar; não há pressa — Huan Zhong parou e estabeleceu um perímetro. — Vamos descansar aqui esta noite.

O lugar era amplo e adequado para descansar.

— Tudo bem — Kong Hou tirou duas almofadas macias do anel de armazenamento. Entregou uma para Huan Zhong e jogou a outra no chão, sentando-se de pernas cruzadas sobre ela. Pequenas flores vermelhas do tamanho de unhas cresciam aos seus pés. Kong Hou aproximou sua almofada da de Huan Zhong para evitar esmagá-las.

Quando Huan Zhong percebeu o movimento dela, suas sobrancelhas suavizaram. Ele tirou comida para colocar sobre a mesa e admirou as flores com Kong Hou enquanto comiam. Não muito longe deles, cresciam algumas ervas espirituais, mas não chegaram perto delas.

As ervas espirituais balançavam ao vento, balançavam de novo, mas não conseguiam atrair a atenção do casal.

Depois de comer, Kong Hou sentiu que a densidade da energia espiritual ali era alta. Seria um desperdício não meditar ali, então puxou Huan Zhong para meditar juntos. As coitadas das ervas espirituais balançavam como peixes nadando na água, as folhas retas se transformando em ondas, mas nenhum dos dois sequer olhou para elas.

A energia espiritual se reunia de todas as direções, cercando Kong Hou e Huan Zhong e penetrando lentamente em seus corpos. Talvez porque ambos tinham bases espirituais pentádicas, sentados juntos, absorviam a energia espiritual de forma excepcionalmente intensa. Logo, os dois estavam quase envoltos por uma energia espiritual tão densa que dava para sentir.

Kong Hou podia sentir a energia espiritual circulando dentro do seu corpo. Além da energia espiritual que seu corpo refinava por conta própria, havia outra onda de energia espiritual ajudando a limpar seus meridianos. Essa corrente era extremamente forte, mas não passava por todo o corpo; seguia a energia espiritual dela e circulava lentamente.

Com essa energia espiritual desconhecida, seu corpo absorvia a energia tão rapidamente que Kong Hou sentia como se estivesse ficando louca.

Quando abriu os olhos novamente, o sol estava alto no céu. Virou-se para olhar Huan Zhong. Talvez fosse ilusão, mas sentiu que a aparência dele estava muito melhor naquele dia.

Huan Zhong abriu os olhos devagar e encontrou o olhar de Kong Hou.

Na noite anterior, por acaso, ele e Kong Hou haviam realizado um cultivo pareado universal. Esse tipo de cultivo exige a harmonia do céu, da terra e do homem. Duas pessoas com a oportunidade se sentam juntas e podem causar uma combinação da energia espiritual. A energia espiritual de um circula nos meridianos do outro, e o cultivo avança muito mais rápido e facilmente.

O cultivo pareado universal é diferente do cultivo pareado entre homem e mulher. As condições são rigorosas e poucos cultivadores têm essa chance. Muitos cultivadores, em toda a vida, nunca encontram a pessoa com quem têm esse tipo de destino. Por isso, o mundo do cultivo quase não fala desse tipo de cultivo pareado. O mais comum é o cultivo entre casais.

Tocando sua plataforma espiritual, que hoje não doía, Huan Zhong tinha um olhar complexo. Ele não esperava que entre ele e Kong Hou também existisse esse tipo de karma.

— Huan Zhong, o que aconteceu? — Kong Hou esticou os braços, esticou as pernas e sentiu que essa meditação tinha sido muito confortável.

— Isso é o cultivo pareado universal — Huan Zhong respondeu. — Eu não esperava por isso.

— Cultivo pareado universal? — Kong Hou já tinha ouvido falar desse método com o Shixiong mais velho, mas ele disse que era uma questão de sorte. Cultivadores que combinassem e conseguissem absorver a energia espiritual do mundo juntos eram difíceis de encontrar.

Difíceis de encontrar... era só isso, tão simples?

— Talvez a energia espiritual do reino secreto seja tão densa — Kong Hou olhou para Huan Zhong. — Vamos tentar de novo quando sairmos do reino espiritual?

— Tudo bem — Huan Zhong assentiu e, ao se levantar, estendeu a mão para Kong Hou novamente. — Devemos continuar a explorar.

Desta vez, Kong Hou não perguntou o porquê. Ela simplesmente colocou a mão na palma de Huan Zhong.

— Precisamos procurar — disse ela — talvez a Árvore Buscadora de Nuvens esteja por aqui perto?

Depois de alguns passos, Kong Hou percebeu que as pequenas ervas haviam produzido uns frutos vermelhos muito fofos. Parou e perguntou:

— Que tipo de planta é essa?

— Dizem que essa é uma erva que pode arrancar as próprias raízes do solo e se mover para onde quiser antes de fincar raízes e crescer — Huan Zhong apontou para os pequenos brotos. — Já vi essa planta em livros; parece que se chama...

— Ah! — um grito agudo veio de longe. A voz parecia ser de Ling Bo.

Kong Hou se abaixou e arrancou as plantas junto com o solo e as raízes. Guardou tudo no anel de armazenamento.

— Huan Zhong, essa voz é real ou o reino secreto a criou?

— Venha comigo — disse Huan Zhong, olhando para o céu acima da origem do grito. A energia espiritual e a energia yao estavam misturadas. Alguém estava lutando na floresta ali perto.

Kong Hou entrou na mata e viu Ling Bo segurando sua espada lifebond, com sangue ainda não limpado no rosto. Ela protegia uma mulher atrás de si, que estava completamente desarrumada.

A garota protegida parecia se chamar... Jin Ling?

Cerca de uma dúzia de pássaros negros estranhos os cercavam, parecendo prestes a atacá-los a qualquer momento.

A batalha estava para começar.

— Não pise no meu vestido — Ling Bo puxou a barra da roupa. — Esse é o modelo mais novo.

 Capítulo 72: Névoa

Como discípula genial símbolo da Seita do Amanhecer Claro, Ling Bo possuía grande habilidade no caminho da espada. Mesmo tendo ingressado na seita há apenas algumas décadas, já havia atingido o cultivo de Formação do Núcleo. Sua velocidade de cultivo atraía a admiração e o assédio de inúmeros cultivadores. Só quando a Seita das Nuvens Esplêndidas revelou Kong Hou, que alcançou a Construção da Base em apenas quatro anos, é que o brilho de gênio ao redor dela começou a se apagar.

Acostumada a ser bajulada por todos, Ling Bo realmente se sentiu um pouco incomodada. E ao perceber que a beleza de Kong Hou também rivalizava com a sua, ficou ainda mais perturbada. Não havia nada que pudesse fazer. Não eram apenas os cultivadores homens que tinham espírito competitivo — as cultivadoras também tinham.

Após ser transportada para o reino secreto, descobriu que havia se separado de seus shixiong e shidi. Não muito longe do local onde caiu, viu uma discípula da Seita da Fortuna Primordial que havia despencado em um desfiladeiro. Ao passar, decidiu ajudá-la e a puxou para cima. Teria sido melhor se estivesse resgatando um homem bonito — resgatar uma mulher bonita, afinal, contava como o quê?

Ela carregou esse fardo consigo pela jornada, matando yaos ilusórios pelo caminho. Por sorte, o fardo sabia quais lojas vendiam os melhores prendedores de cabelo, quais tinham os melhores cosméticos, então ela tolerou sua companhia até agora.

Mas quando vários yaos ilusórios as cercaram, ela percebeu que o tal fardo havia pisado em seu vestido e o sujado. Havia uma grande pegada na barra, tão escura que a deixou desconfortável. Seu vestido ficou horrível, e ela perdeu até a vontade de brandir sua espada.

Precisava lançar alguns feitiços de limpeza primeiro.

— Que hora é essa pra você se preocupar com o vestido?! — Kong Hou surgiu voando e ergueu a Espada Geada da Água para bloquear um yao ilusório. Em seguida, deu um chute e afastou um macaco de rosto azul e cabelo branco que voava em sua direção.

— Como você veio parar aqui? — Ling Bo se concentrou novamente e voou para perto de Kong Hou. Cortou um yao ilusório que tentava atacar pelas costas. — Essa sua técnica de espada parece ser daquelas de iniciante da Seita das Nuvens Esplêndidas, não?

Puf, isso era uma provocação à sua técnica de espada?

Kong Hou golpeou o ar, e a energia espiritual penetrou no peito do yao ilusório. Ele desapareceu imediatamente.

— Celestial, que engraçado. O caminho da espada é apenas meu caminho secundário. Meu cultivo principal é o caminho da música. Não ouso ser como a Celestial, que se mantém firme e destemida em batalha.

Essa pirralha estava zombando dela por não estar levando a batalha a sério. Parecia obediente, mas era cheia de artimanhas.

As duas brandiram suas espadas em uníssono e eliminaram os yaos ilusórios que avançavam. Ling Bo disse:

— Segure as pontas por um instante; vou lançar dois feitiços de limpeza.

Kong Hou: "…"

Não diziam que os cultivadores do caminho da espada eram desapegados de coisas materiais? Essa era a discípula genial da grande Seita do Amanhecer Claro?

Assim que terminou de falar, Ling Bo nem esperou uma resposta. Lançou diretamente um feitiço de limpeza sobre seu vestido. Kong Hou afastou os yaos que voavam ao redor com alguns golpes de espada e se virou para encará-la com um olhar fulminante.

— Já terminou?

— Terminei — respondeu Ling Bo. — Hoje, vou mostrar a você o que é verdadeira técnica de espada.

Ela voou para o alto, e sua espada brilhou com uma luz prateada. Os yaos ilusórios soltaram gritos agudos e metade deles foi exterminada instantaneamente.

— Está vendo? — Ling Bo olhou de cima para Kong Hou. — Isso é técnica de espada de verdade.

Kong Hou virou o rosto para o lado.

— Huan Zhong.

Ling Bo: "…"

Se soubesse que Huan Zhong da Seita Radiante estava ali, jamais teria feito exibição de sua técnica de espada. Isso não era se envergonhar?

— Como está se sentindo? — Huan Zhong permanecia à parte, sem lutar, para que Kong Hou pudesse adquirir mais experiência de combate.

— Nada mal — Kong Hou guardou sua espada e caminhou até ele. Ao vê-la se aproximar, Huan Zhong estendeu a mão.

— Você se saiu bem agora. Mas prestou atenção apenas aos inimigos à sua frente e esqueceu das costas. Se estivesse sozinha, isso seria perigoso.

Kong Hou colocou a mão na de Huan Zhong e novamente sentiu aquela sensação de calor a envolver. Sorriu para ele.

— Vou prestar mais atenção da próxima vez.

Ela havia se esquecido de se proteger, justamente porque Ling Bo e Huan Zhong estavam ali.

Huan Zhong também percebeu isso. Riu, um tanto impotente, mas não teria coragem de deixá-la correr riscos de verdade, então disse:

— Quando sairmos do reino secreto, você deveria treinar mais com Lin Hu.

Ao ouvir a conversa entre os dois, o olhar de Ling Bo se voltou para eles. Aquilo era o que chamavam de amizade platônica entre homem e mulher? Será que ela não tinha amigos o bastante para entender o que era amizade?

Jin Ling, que permanecia em silêncio ao lado dela, reconheceu Huan Zhong e Kong Hou. Não imaginava que aqueles dois fossem discípulos de seitas importantes. Ao lembrar de como havia se exposto diante deles, quis desaparecer imediatamente.

Mas o reino secreto era perigoso demais, e ela não se atrevia a sair andando por aí sem rumo.

No passado, por causa das bajulações dos shixiong e shidi de sua seita, ela nunca levou o cultivo muito a sério. Depois de entrar na floresta, finalmente percebeu a importância do cultivo. Quer fosse Ling Bo da Seita do Amanhecer Claro, quer fosse Kong Hou da Seita das Nuvens Esplêndidas, todas tinham um nível de cultivo superior ao seu.

Ela se tornará a mais fraca das três.

Ela havia se humilhado… e agora ainda estava cheia de dívidas. E a credora era justamente Ling Bo, a quem desprezava havia várias dezenas de anos.

A vida era realmente cheia de reviravoltas. A virada em sua vida foi tão brusca que ela mal conseguiu reagir. Naquela floresta pouco habitada, não havia shixiong nem shidi para bajulá-la. Quando caiu no desfiladeiro, perdeu toda a energia espiritual e não conseguia sair dali, muitos pensamentos passaram por sua mente.

Ela sempre quis depender dos outros. Mas havia momentos em que isso simplesmente não era possível. Será que minha forma de pensar estava errada?

Ao ver como Kong Hou e Ling Bo conseguiam erguer suas espadas e lutar, enquanto ela só conseguia se esconder de lado, Jin Ling de repente se sentiu envergonhada. Esse sentimento era tão desconfortável que ela baixou a cabeça timidamente e não conseguiu dizer uma palavra por um bom tempo.

Huan Zhong, aquele homem bonito mas que não sabia viver direito, já não despertava mais nenhum interesse nela.

Os quatro mergulharam em um silêncio impossível de descrever.

De repente, uma névoa espessa se espalhou, e toda a floresta ficou encoberta.

— A formação mudou de posição — Huan Zhong segurou com força a mão de Kong Hou. — Lembre-se, não solte.

— Huan Zhong…

Huan Zhong percebeu que a voz de Kong Hou estava frágil… e tremia. Ele se virou para olhar. O rosto de Kong Hou estava coberto de sangue, e até mesmo a carne estava se desprendendo de seu corpo. As pupilas de Huan Zhong se dilataram. Em seguida, ele soltou a mão da "Kong Hou".

Macaco Ilusório da Confusão?

Havia um tipo de macaco capaz de copiar a aparência humana e criar ilusões que deixavam as pessoas aterrorizadas e em pânico. Essas emoções negativas eram o alimento que os fortalecia.

— Quii, quii, quii! — Ao perceber que havia sido descoberto, o macaco ilusório da confusão fugiu às pressas. Huan Zhong ergueu a espada. Quando estava prestes a desferir um golpe, viu um pequeno macaco da confusão escondido atrás do tronco de uma árvore.

O pequeno macaco era magro e mirrado. Seus olhos pretos encaravam o macaco da confusão que fugia, e ele estendeu um bracinho peludo.

— Hoje vou te poupar. Mas se houver uma próxima vez, eu mesmo corto sua cabeça fora.

Huan Zhong embainhou a espada. Em seguida, deduziu a posição da formação e começou a procurar por Kong Hou.

O macaco da confusão, após saltar para trás do tronco da árvore, abraçou o macaquinho e espiou por trás da madeira enquanto observava o corpo de Huan Zhong desaparecer na neblina.

— Huan Zhong, por que sua mão está tão áspera? — Kong Hou estranhou. A mão de Huan Zhong era quente, macia e firme. Por que agora parecia seca como casca de árvore?

— Porque minha mão… foi decepada.

A voz vinha entrecortada. Kong Hou se virou. Não estava segurando Huan Zhong… mas sim um braço. Huan Zhong estava parado a três passos de distância, olhando para ela com um olhar sombrio.

Kong Hou parou de andar e jogou o braço fora. Retirou a Espada Geada da Água do cabelo e avançou contra aquele “Huan Zhong” para cortá-lo.

— O que é você que ousa se passar pelo Huan Zhong?!

Huan Zhong era tão perfeito em sua mente, tão bonito, tão elegante… Que raio era essa coisa?

— Olhe essas perninhas curtas, essa corcunda horrorosa — que parte da elegância do Huan Zhong você tem?!

O “Huan Zhong” se movia rapidamente e guinchava enquanto fugia de Kong Hou. No entanto, ela não conseguia feri-lo. Irritada, Kong Hou atirou um talismã. O talismã se transformou em uma rede dourada no ar e prendeu o “Huan Zhong” dentro dela.

— Ainda quer fugir? — Kong Hou se aproximou da rede dourada e a levantou. Então viu que o monstro que havia se passado por Huan Zhong… era um macaco muito feio.

— Quiii — O macaco capturado juntou as mãos e olhou para Kong Hou com olhos redondos, como se estivesse implorando.

— Agora quer implorar? — Kong Hou sentiu o cheiro forte de peixe vindo do macaco — um odor de quem vive há anos em cavernas sem tomar banho. Segurando o macaco com uma mão e apoiando a outra na cintura, ameaçou: — Nunca comi carne de macaco antes… não sei qual é o gosto.

Os olhos do macaco rolaram para cima e ele desmaiou.

— Desmaiou? — Kong Hou cutucou a cabeça peluda do macaco. — Cadê aquela sua coragem de antes? Agora vai fingir de morto?

Kong Hou não sentia nenhuma energia demoníaca ou sangrenta vinda do macaco. Foi por isso que não o matou imediatamente.

— Muito bem, pode parar com a encenação — ela abriu a rede dourada. — Se não sair daqui agora, aí sim eu vou comer macaco.

O macaco, que fingia estar inconsciente, ouviu isso e pulou num instante. Com todos os quatro membros trabalhando ao mesmo tempo, ele engatinhou e tropeçou floresta adentro, sumindo da vista de Kong Hou. Ela achou aquilo um pouco estranho. A única habilidade daquele macaco era se disfarçar de humano… então como ele conseguiu separá-la de Huan Zhong sem que ela percebesse nada?

Ela tirou um leque usado para avivar chamas durante a forja e o usou para abanar enquanto observava a névoa ao redor. Conseguia ver o caminho sob seus pés, mas não se atrevia a se afastar muito — tinha medo de que Huan Zhong não a encontrasse.

— Huan Zhong, você está por perto?

— Huan Zhong?

Não houve resposta ao redor. No meio da névoa, o único som que se ouvia era a respiração de Kong Hou. Sem vento, sem outras presenças, nada. Kong Hou retirou a Fênix Alada e olhou em volta, atenta.

Crac, crac.

Passos soaram. Os passos eram calmos, cada um medido com precisão.

Uma lufada de vento soprou. Um Huan Zhong vestido de branco, com o cabelo preso em uma presilha de jade, surgiu por perto. Ele fez um gesto com a mão em direção a Kong Hou.

— Kong Hou, venha rápido.

Whoosh.

Kong Hou posicionou os dedos nas cordas da Fênix Alada e gritou com firmeza:

— Vá embora!

A névoa estava carregada de perigo. Huan Zhong jamais ficaria parado pedindo que ela se aproximasse. Normalmente, ele caminhava com passos precisos, como se cada passo fosse calculado — mas nem sempre era assim.

No dia em que ela fora atacada por um cultivador maligno na Cidade Yan, os passos de Huan Zhong haviam sido apressados e cheios de ansiedade. Ninguém consegue manter a mesma postura quando alguém próximo está em perigo.

A Fênix Alada soou. Como esperado, o “Huan Zhong” se dissipou em névoa e desapareceu.

Kong Hou pousou a mão sobre as cordas. A melodia cessou, a névoa se adensou, e o silêncio voltou a reinar ao redor. No instante seguinte, passos voltaram a ecoar na neblina — e junto deles, uma tosse leve.

— Huan Zhong? — Kong Hou olhou na direção do som, mas não tirou a mão das cordas da Fênix Alada.

O Huan Zhong que surgiu da névoa usava uma túnica vermelha viva que ela nunca havia visto antes. A túnica reluzia como uma lanterna escarlate.

Capítulo 73: Gentil e Poderoso


Os dedos de Kong Hou pararam de se mexer. Ela olhou atordoada para o Huan Zhong de túnica vermelha por um momento.

— Huan Zhong?

— Kong Hou, você está bem? — O Huan Zhong de túnica vermelha guardou a Espada Rugido do Dragão na bainha e caminhou rapidamente até ela. Parou a três passos de distância. — Não tenha medo, eu não sou um yao ilusório.

Acostumada a vê-lo de túnica branca, a primeira reação de Kong Hou ao ver Huan Zhong vestido de vermelho não foi desconfiança, mas choque. Túnica branca, túnica vermelha, e a névoa ao redor faziam o homem à sua frente parecer um íncubo capaz de roubar a alma das mulheres.

A pessoa diante dela usava roupas completamente diferentes do usual, mas Kong Hou sentia dele uma sensação de conforto. Ela guardou a Fênix Alada. Kong Hou recolocou o grampo de cabelo com cabeça de fênix e caminhou na direção de Huan Zhong.

— Não se mexa — disse Huan Zhong. — Cada pedra aqui, cada folha de grama, pode ser parte de uma formação do reino secreto. Se for ativada, você pode ser transportada para outro lugar. Enquanto falava, ele caminhava de maneira estranha até chegar perto dela, então segurou sua mão com firmeza.

Kong Hou desamarrou a fita prateada do pulso e amarrou os pulsos dela e de Huan Zhong juntos. Sorriu satisfeita.

— Agora não vamos nos separar.

— Sim... — Huan Zhong olhou para os pulsos amarrados e entrelaçou os dedos dela. — Aquelas duas jovens devem ter sido transportadas para lugares diferentes. Vamos sair dessa floresta enevoada primeiro.

— Tudo bem. — Kong Hou esfregou secretamente os dedos de Huan Zhong. A mesma sensação quente — sim, era ele.

Caminhando à frente, Huan Zhong corou, tentando ignorar os pequenos movimentos de Kong Hou.

Será que ela estava brincando de cócegas com ele?

— Huan Zhong, por que você mudou de roupa de repente? — Kong Hou olhou para ele com os olhos brilhando. — Ficou muito bonito.

— Roupa branca suja fácil — respondeu ele, levantando Kong Hou e dando dois passos para trás, à esquerda. Ela olhou para trás no lugar para onde haviam se esquivado. Antes havia uma grande pedra, que agora era uma árvore.

— Que arriscado — Kong Hou bateu no peito. — Huan Zhong, você teve medo que eu não conseguisse te ver na névoa, então trocou para a túnica vermelha?

— Não — Huan Zhong soltou a cintura dela, desviou o rosto e disse: — Só peguei uma túnica qualquer.

— Ah. — Mesmo sem acreditar, Kong Hou respondeu afirmativamente. Homens podiam ser estranhos às vezes, ela entendia. Essa túnica era muito mais chamativa do que as roupas que ele usava normalmente, com padrões e formações fluídas, bordados com pedras preciosas. Além do brilho das pedras, não havia outra forma de descrever aquela túnica.

Mas mesmo tão extravagante, a túnica vermelha em Huan Zhong parecia etérea.

— Dê um passo para o norte.

Kong Hou seguiu e se moveu para a esquerda. Um grito veio da névoa densa atrás deles, misturado a soluços femininos.

— Não olhe para trás — Huan Zhong apertou ainda mais a mão de Kong Hou. — Dê três passos para o leste.

Os soluços ficaram mais altos. Kong Hou cerrou os dentes e conteve o impulso de olhar para trás. Obedeceu às ordens de Huan Zhong. Ele não a enganaria. Ela confiaria nele, e não nos soluços que surgiam do nada.

— Tudo bem. — Depois de um tempo desconhecido caminhando, a névoa finalmente se dissipou. Kong Hou olhou ao redor. Aquele era o caminho que haviam seguido para entrar na floresta. Agora, estavam de volta ao ponto inicial.

— Kong Hou, rápido, solte-o! — Ling Bo pulou da árvore, a espada apontada nervosamente para Huan Zhong. — Ele não é o Mestre Espiritual Huan Zhong — é um yao ilusório do reino secreto.

Embora não gostasse de Kong Hou, ela não queria que o mundo da cultivação perdesse um talento tão importante.

— Celestial Ling Bo, você está enganada — Kong Hou sorriu sem jeito. — Esse é realmente Huan Zhong. Já resolvemos a formação dentro da névoa; você não precisa se preocupar.

Mas suas palavras não fizeram Ling Bo baixar a guarda. A expressão dela ficou ainda mais feia. Ela olhou para onde Kong Hou e o yao ilusório haviam amarrado suas mãos juntas. A mão dela suava enquanto segurava a espada.

— Não me importa quem você é — disse —, saia imediatamente do lado de Kong Hou.

Essa maldita jovem era tão forte quando a ridicularizava. Como podia não reconhecer um humano de um yao? Quando o Mestre Espiritual Huan Zhong usou roupas tão brilhantes e complexas? Embora... tivesse que admitir que ele era muito bonito, aquilo não combinava com os hábitos do Mestre Espiritual Huan Zhong.

Como cultivadora de espada, ter uma espada apontada para si era a provocação mais séria. Huan Zhong lançou um olhar para Ling Bo e depois para Kong Hou, que fazia uma careta ao lado.

— Caminhante do Caminho Ling Bo, sou eu — falou ele.

Ling Bo resmungou:

— Não tente me enganar. Agora há pouco, um yao ilusório fingiu ser a maldita... Celestial Kong Hou para se aproximar de mim. Yao ilusórios são os melhores em enfeitiçar as pessoas para que não possam distinguir a verdade da ilusão. Você, como yao ilusório, não é habilidoso, mas sabe como seduzir. Eu entendo que cultivação é difícil; se você sair do lado dela, não te matarei.

Ela era a Celestial Ling Bo da Seita Alvorecer Claro — e não diria palavrões!

Olhando para a expressão séria de Ling Bo, Kong Hou sorriu para ela com mais calor.

— Celestial Ling Bo, não se preocupe. Ele é Huan Zhong, eu garanto.

Ling Bo encarou Huan Zhong e Kong Hou por vários segundos antes de abaixar lentamente a espada.

— Vou acreditar nela por enquanto, mas você tem que ficar do meu lado.

Se essa jovem fosse morta por um yao ilusório na frente dela, a Seita Nuvem Radiante iria chorar na frente da Seita Alvorecer Claro todo dia. E onde ela encontraria uma cultivadora genial com base espiritual pentádica para retribuir?

— Não — disse Huan Zhong com expressão fria —, Kong Hou fica ao meu lado.

— Ha! — Ling Bo ajeitou a manga. Esse yao ilusório que seduzia com beleza tinha a audácia de ser tão desobediente? Achava que sua fama de mulher mais bela da Seita Alvorecer Claro era em vão?

— Celestial Ling Bo, vamos conversar — Jin Ling surgiu por trás do tronco da árvore e segurou a manga dela. — E se ele for mesmo o Mestre Espiritual Huan Zhong?

Se fosse, seria constrangedor quando se encontrassem de novo. E, mais importante, Celestial Ling Bo não poderia vencer o Mestre Espiritual Huan Zhong. Ela sabia que, quando cultivadores de espada ficavam com raiva, não faziam distinção entre homens, mulheres ou animais. Cortavam tudo com a espada.

Ling Bo franziu a testa, olhando várias vezes para as roupas de Huan Zhong. Se ele fosse mesmo o Mestre Espiritual Huan Zhong, por que usava túnica vermelha de repente? De relance, viu Kong Hou. Um pensamento absurdo lhe passou pela cabeça:

Ele... queria usar a beleza para atrair Kong Hou?

— Desculpe, me enganei há pouco. Mestre Espiritual, me perdoe — Ling Bo se curvou em pedido de desculpas a Huan Zhong. Mas seu corpo permanecia tenso, mostrando que não tinha baixado totalmente a guarda.

— Caminhante do Caminho, não precisa se desculpar tanto. O reino secreto está cheio de armadilhas, é melhor ser cauteloso — disse Huan Zhong sem soltar a mão de Kong Hou.

— O que vocês encontraram lá dentro? — Kong Hou estava curiosa. O cultivo e o estado mental de Ling Bo não se comparavam aos de Huan Zhong. Como ela havia saído antes dele?

— Nada — Ling Bo aparentava certo desconforto. Não podia contar a Kong Hou que um yao ilusório havia se passado por ela, acariciado seu cabelo de forma provocante e fingido ser indefeso. Ficou tão furiosa que bateu no yao e danificou sua aparência.

Quando voltou a si, já estava fora da névoa. Se contasse a verdade, pareceria ciumenta da beleza de Kong Hou. Jamais diria isso em voz alta, sob risco de vida.

De repente, uma luz prateada voou na direção deles. Huan Zhong segurou a espada com uma mão e redirecionou a luz. Não era luz prateada — era uma espada assassina feroz.

— Afastem-se deles! — Lin Hu apareceu, com as roupas em farrapos e aparência desleixada, parecendo não ter passado por situação fácil.

— Eu já disse que ele não é o verdadeiro Mestre Espiritual Huan Zhong. Até o Ancião Lin suspeita — Ling Bo puxou a espada novamente e empurrou Jin Ling para o lado. — Fiquem um pouco mais longe.

Jin Ling silenciosamente colocou mais alguns selos defensivos e recuou para trás do tronco da árvore.

A batalha estava prestes a começar quando Lin Hu parou de repente, olhando desconfiado para Huan Zhong.

— Mestre?

Huan Zhong olhou para ele com frieza.

— Já está mais lúcido?

Lin Hu guardou a espada na bainha e deu alguns passos em direção a Huan Zhong e Kong Hou.

— Por que está vestindo isso?

— Estou de bom humor — Huan Zhong sacudiu a manga e a Espada Rugido do Dragão desapareceu da mão. Virou-se para Kong Hou e disse: — Descanse um pouco. Depois, vamos seguir para o leste.

Lin Hu: “...”

Então, você usou túnicas brancas ou claras todos os dias por trezentos anos antes porque estava de mau humor?

— Espere, vou fazer uma leitura — Kong Hou tirou as conchas de tartaruga de jade que o Mestre do Pavilhão Sun lhe dera. Ela olhou para as mãos amarradas deles. — Huan Zhong, colabore comigo.

Lin Hu: “...”

— Você sabe adivinhar? — Ling Bo tossiu e guardou a espada, fingindo que nada havia acontecido.

— Só um pouco — Kong Hou respondeu com humildade. Segurou a concha de jade com as duas mãos, se curvou três vezes para o céu e começou a recitar o cântico básico da adivinhação.

— Perguntando aos céus, ao leste, ao sul, perguntando à terra, ao oeste, ao norte, sorte e azar, ajoelhando-se para agradecer aos céus e à terra.

A concha de tartaruga caiu no chão. Kong Hou olhou para ela várias vezes.

— A leitura indica que devemos seguir para o sul.

— O sul é fogo, eu...

— O sul não é ruim — disse Huan Zhong. — Vamos para o sul.

— O sul representa o fogo, o fogo representa a luz; é uma boa escolha — disse Lin Hu com o rosto tenso. — Mestre, vai comigo trocar de roupa?

Huan Zhong olhou para a mão que segurava a de Kong Hou.

— Não precisa, espere até sairmos deste lugar.

Vendo Huan Zhong tão decidido, Lin Hu não insistiu.

Ele se lembrou que o Mestre detestava coisas vermelhas, especialmente roupas vermelhas. No dia em que o Mestre saiu do palácio imperial, todo o palácio estava coberto de seda vermelha. Era o dia em que o imperador casava sua nova imperatriz, no terceiro dia após a morte da mãe do Mestre.

Vestindo branco, o Mestre segurava a pequena espada que o Mestre da Seita Jin Yue lhe dera. Entrou no salão principal com o rosto fechado, arrancou a pérola do dragão do trono e saiu do palácio sem olhar para trás, para nunca mais voltar.

Claro que, desde então, ele nunca mais fora visto usando roupas vermelhas.

Enquanto Ling Bo e Jin Ling sentavam-se à margem para descansar, Kong Hou puxou a manga de Huan Zhong.

— Huan Zhong, que tal fazer outra leitura? Talvez eu não esteja certa.

— Não precisa — Huan Zhong entregou a ela uma garrafa de líquido espiritual. — Eu confio em você.

Kong Hou ergueu uma mão e cobriu o rosto.

— Mas não me sinto muito segura.

Embora suas últimas adivinhações tivessem sido muito precisas, e se dessa vez não estivesse?

— Não importa. Com Lin Hu e comigo aqui, mesmo que a leitura não seja precisa, não haverá perigo — disse Huan Zhong com calor. — Beba uma garrafa de líquido espiritual. O reino secreto muda todos os dias, qualquer direção é a mesma.

— Huan Zhong — Kong Hou virou a cabeça para ele.

— Sim? — ele olhou de volta.

— Mesmo que eu tivesse um pai gentil, poderoso e atencioso, ele não seria melhor para mim do que você é.

Capítulo 74: Mansão



— O papel de pai, para Kong Hou, era uma parte da vida que lhe faltava. Quando ela era uma princesa fantoche no palácio do Imperador Jinghong, já imaginava como seria ter um pai perfeito.

Alto, bonito, confiável, invencível. Contanto que ele estivesse presente, ela não precisaria temer nada, e ninguém poderia maltratá-la. Depois, ela teve o shixiong, teve o Mestre, e um grupo de colegas discípulos, confiáveis e nem tanto. A partir daí, nunca mais fantasiou como seria seu pai perfeito.

Enquanto Huan Zhong segurava sua mão e cortava os yao com sua espada, ela de repente sentiu que Huan Zhong era como o pai perfeito que ela sempre imaginou. Mais importante, ele era muito mais bonito do que seu pai imaginário.

Outra garrafa de líquido espiritual foi empurrada para a mão de Kong Hou. Huan Zhong disse com expressão firme:

— Beba mais uma.

— Ainda não terminei esta — Kong Hou e Huan Zhong sentaram lado a lado na pedra. As pernas dela balançavam no ar. Não parecia que estavam explorando um reino secreto, mas sim em um passeio juntos.

Embora você não tenha terminado de beber, o Mestre quer tapar sua boca — pensando isso, Lin Hu encostou-se na raiz da árvore, olhou para os dois sentados juntos e depois virou-se para outra direção.

Um velho como ele, que vivera mais tempo, não conseguia entender o mundo dos jovens.

— Certo — Kong Hou tirou a erva espiritual que havia arrancado. Ela tinha ficado na bolsa de armazenamento por algumas horas e parecia um pouco murcha, as folhas grudadas umas nas outras. Kong Hou cutucou as folhas com o dedo. — Que tipo de ervas espirituais são essas?

Huan Zhong olhou para as ervas por um tempo. Sob o olhar esperançoso de Kong Hou, ele balançou a cabeça lentamente.

— Não as reconheço.

— Até você não as reconhece — Kong Hou tirou um pequeno vaso que havia guardado em algum momento. Pegou um punhado de terra do chão e colocou as ervas lá dentro casualmente. — Já que já arranquei, não é bom jogar fora. Quando sairmos do reino secreto, vou guardar no carro.

— Tudo bem — Huan Zhong olhou para a erva mais um pouco. Folhas normais, caule normal, parecia... uma erva daninha comum. No entanto, vendo Kong Hou pingar duas gotas de líquido espiritual no vaso, ele não disse nada.

Ling Bo sentada no galho da árvore observava a proximidade entre Huan Zhong e Kong Hou. Ela suspirou, segurando o rosto nas mãos. No mundo da cultivação, ela era uma cultivadora feminina popular e respeitada. Para entrar no reino secreto, não levara suas servas e não dava muita atenção a ostentação. Mas quando entrou no reino, se viu com um fardo: ter que assistir outra cultivadora sendo bajulada por todos.

Na maioria das vezes, as pessoas conseguiam o que mais queriam; a má sorte dela era ter esbarrado em Kong Hou.

— Celestial Ling Bo.

Ling Bo se virou e viu Kong Hou segurando um fruto espiritual, acenando para ela.

— Venha, coma um fruto espiritual.

Ela desceu da árvore e caminhou até Kong Hou. O fruto parecia inocente; ela ainda o comeria.

Depois de comer o fruto espiritual, Kong Hou usou a Espada Geada d’Água para fazer um buraco no chão e enterrou todos os caroços dos frutos ali.

— O que você está fazendo? — Ao ver Kong Hou usar uma espada divina tão fina para cavar no chão, Ling Bo olhou para Huan Zhong. Queria ver como ele, um cultivador da espada, conseguiria suportar ver sua parceira estragar uma espada divina assim.

Mas Huan Zhong suportou. Ele até tirou um cantil de água e lavou as mãos de Kong Hou depois que ela terminou de mexer na terra.

Uma discípula da Seita Radiante agindo assim — cadê os princípios dos cultivadores da espada? Ling Bo aguentou calada, sem se atrever a criticar porque não poderia vencer Huan Zhong.

— Se esses caroços germinarem e crescerem, os cultivadores que entrarem no reino secreto daqui a quinhentos anos terão frutos para comer — Kong Hou bateu a terra com um lenço e depois regou o solo.

— Você se preocupa com algo que acontecerá daqui a quinhentos anos? — Ling Bo quase zombou, mas, ao ver o Mestre Espírito Huan Zhong levantar a cabeça e olhar para ela, mudou o tom. — Você é muito atencioso.

Ela não podia ficar ali. Precisava encontrar seus shixiong e shidi para ficar com eles. Se ficasse mais tempo com esse pessoal, também ficaria mal da cabeça.

— Antes de virmos, a seita disse que esse reino secreto não tinha perigos. Mas eu sinto que não é bem assim — Jin Ling, que era animada e falante, não suportava o silêncio de todos. — Aqueles yao ilusórios atacaram para ferir, justo agora.

— Sim, eu também senti isso — Ling Bo, mimada pelos shixiong e shidi, não conseguiu se conter. — Os yao ilusórios que me atacaram foram cruéis, não parecia um mero teste.

Se o palpite fosse certo, haveria mortes no reino secreto desta vez. Quando os discípulos da seita entram em reinos secretos, carregam talismãs defensivos, e suas roupas têm selos que bloqueiam alguns ataques. Mas os cultivadores nômades que entram no reino não são tão protegidos. Se...

— O reino secreto mudou — disse Lin Hu, levantando-se. Segurando a espada pelo punho, olhou ao redor e falou para Huan Zhong: — Mestre, melhor sairmos daqui primeiro.

Huan Zhong tirou um lenço para Kong Hou secar a água das mãos.

— Vamos.

— Para onde iremos? — Lin Hu perguntou, sem saber que era besteira, pois a resposta era óbvia.

— Para o sul — Huan Zhong puxou Kong Hou para ficar de pé e olhou para Jin Ling e Lin Hu. — Lin Hu vai na frente, vocês dois no meio.

Jin Ling obedientemente foi para o meio sem dizer nada. Ling Bo olhou para o par e caminhou ao lado de Jin Ling, segurando sua espada. Decidiu que não olharia para trás.

Ao atravessarem a mata densa, lá fora não havia picos altos nem vales profundos como imaginavam. Era uma vasta propriedade rural. Os portões estavam escancarados. Ao lado deles, um monumento de pedra tinha gravado: — “Viajantes, por favor entrem.”

Não havia assinatura nem data. O monumento de pedra estava ali sozinho, coberto de hera e desgastado pelo vento e pela luz do dia.

— De acordo com os padrões dos livros de histórias, quando alguém entra em lugares com placas dizendo para não entrar, coisas ruins acontecem. Mas esse tipo de placa que pede para entrarmos é um aviso amigável ou uma armadilha? — Kong Hou ficou olhando para o monumento por um tempo e virou-se para perguntar a Huan Zhong. — Devemos entrar?

— Tem uma barreira ao redor. Não podemos sair — Lin Hu cutucou o chão e caminhou ao lado de Huan Zhong. — Além de entrar nesta propriedade, não temos outra escolha.

— Escolha forçada não é convite algum — Kong Hou pisou nos degraus cobertos de musgo. Havia uma parede sombra atrás dos portões, e por trás dela um amplo pátio.

Ao atravessarem o pátio da frente, havia vários pátios menores atrás, mas apenas um tinha os portões abertos.

— Isso significa que devemos entrar nesse pátio? — Kong Hou ficou na ponta dos pés e espiou para dentro. Só viu algumas romãzeiras plantadas que estavam florescendo. O pátio parecia calmo e pacífico.

Chegando a esse ponto, era impossível não entrar. Huan Zhong calmamente guiou Kong Hou para dentro do pátio. Ele tinha muitos quartos, mas só cinco tinham as portas abertas.

— Um, dois, três, quatro, cinco... — Jin Ling contou os quartos com voz baixa, com expressão hesitante. — Somos cinco pessoas aqui — devemos escolher um quarto cada?

Lin Hu olhou para Huan Zhong, que assentiu.

— Eu vou entrar e olhar primeiro — Lin Hu segurou a espada e entrou em um dos quartos. Atrás da porta havia um quarto comum, um suporte de cítara num canto com uma cítara cauda de fênix sem poeira. Ele usou a espada para levantar as cortinas da cama. Dentro, uma cama grande e confortável, cobertores dobrados com cuidado. A colcha bordada com nuvens da sorte e celestiais voadores.

Não havia nada suspeito no quarto. Era refinado e confortável. Mas isso era justamente o mais estranho.

Ele olhou ao redor novamente e achou uma caixa trancada num canto. Lin Hu não sentiu nenhuma energia demoníaca ou espiritual vinda da caixa. Era uma caixa comum. Não sabia se estava ali só para não deixar o quarto tão vazio ou se havia outro significado.

Saindo do quarto, Lin Hu descreveu a situação para os outros.

— Pela minha experiência, essa caixa definitivamente tem problema — Kong Hou falou baixinho. — Então, devemos escolher um quarto cada um. Nos livros, quem age sozinho costuma ser o primeiro a morrer.

Lin Hu pensou: que experiência você tem, uma garota de dezesseis anos viajando sozinha pela primeira vez?

— A senhorita Kong Hou está certa — Lin Hu assentiu e disse: — Senhoritas, por favor, escolham.

Jin Ling olhou para Kong Hou, que olhou para Ling Bo. Ling Bo apontou para o quarto a leste.

— Esse — disse.

Jin Ling, um pouco assustada, escolheu um quarto no meio. Kong Hou escolheu um quarto no meio, mas mais perto do oeste. Huan Zhong e Lin Hu ficaram com os dois quartos mais próximos dela.

Por acaso ou propositalmente pelo reino secreto, assim que escolheram seus quartos, a chuva começou a cair forte, como se não fosse se contentar até encharcá-los por completo.

— Embora eu sinta que o reino secreto quer que entremos para passar no teste, isso não está sendo direto demais? — Kong Hou, debaixo do beiral, olhou para o céu e disse a Huan Zhong: — Se não entrarmos, será que vai cair granizo em seguida?

Assim que terminou de falar, as nuvens negras no céu se dissiparam de repente, revelando um sol brilhante.

Kong Hou: “...”

Isso tentando esconder só chama mais atenção?

Olhando para a luz do sol lá fora, Huan Zhong colocou dois selos na porta do quarto de Kong Hou. Eram selos para proteger a casa e defender contra yao. Com esses dois selos, os yao não poderiam entrar no quarto pelo lado de fora.

O céu escureceu gradualmente, como se estivesse lembrando Kong Hou e os outros que era hora de ir dormir.

Kong Hou achou que as coisas do reino secreto não eram confiáveis. Tirou uma cama e cobertores do anel de armazenamento e os colocou no meio do quarto. A mesa que estava no centro foi empurrada para o canto.


Capítulo 75: Baú do Tesouro

Sob o luar, a mansão estava envolta em paz. O monumento de pedra fora dos portões da mansão permanecia silencioso sob a lua. Em seu verso, onde a luz do luar não alcançava, duas palavras podiam ser distinguidas.

Mansão dos Sonhos.

Quando as pessoas aprendem a pensar, já sabem sonhar. Enquanto os cultivadores compreendem os caminhos do universo, eles, estritamente falando, ainda são mortais e não podem ser considerados imortais.

Kong Hou estava deitada em sua própria cama, enrolada nos cobertores macios, dormindo. A fita amarrada no pulso emitia uma luz tênue no escuro, como uma pequena lanterna iluminando o quarto sombrio.

Ela começou a sonhar novamente. Estranhamente, dessa vez, ela não estava dentro do sonho. Era uma observadora objetiva que podia ver tudo o que acontecia, mas não podia participar.

No sonho, uma forte neve caía sobre a Seita da Nuvem Esplêndida, e toda a montanha estava coberta de branco. Porém, mais chamativos do que a neve branca eram os estandartes brancos pendurados nos portões e nos telhados, assim como Qing Yuan Shishu ajoelhado no salão memorial.

Comparado ao Qing Yuan Shishu da realidade, que tinha um rosto corado, o Qing Yuan Shishu do sonho parecia magro e frágil, com uma expressão cheia de culpa. Fora do salão memorial, o Shixiong mais velho e o segundo Shixiong estavam desolados, deixando a neve acumular em suas cabeças. Logo, ela viu outras pessoas familiares da Montanha da Nuvem Esplêndida, mas não viu Mestre.

Onde teria ido Mestre?

Ela quis encontrá-lo, mas não conseguia controlar o mundo no sonho. Não achou Mestre, mas viu o pai e o filho Du em Cidade do Monte entrando em conflito com Ling Bo da Seita do Amanhecer Claro, quase chegando às vias de fato. Naquele momento, o cultivador maligno que se disfarçava de cultivador comum aproveitou para matar Du Jing. Depois disso, Cidade do Monte impôs uma regra proibindo discípulos da Seita do Amanhecer Claro de entrar na cidade.

Por que estava assim? Kong Hou viu os cultivadores nômades no sonho acreditando nas palavras do cultivador maligno, e a relação com os discípulos da seita piorava. Ela viu alguns dos discípulos talentosos da Seita da Brisa Fresca sendo mortos por cultivadores malignos, e a energia espiritual da plataforma espiritual deles sendo roubada. Também o conflito entre a Seita da Fala do Salgueiro e a Seita da Jade Verde se intensificou depois que um discípulo da Seita da Fala do Salgueiro destruiu o noivado no mesmo dia. A situação piorou a ponto de os discípulos das duas seitas brigarem sempre que se encontravam, e até ferirem pessoas inocentes nessas lutas.

Nesse sonho, ela não aparecia, Huan Zhong não aparecia. Parecia que tudo não tinha nada a ver com eles.

Onde estavam Huan Zhong, onde estava o Ancião Lin — para onde eles tinham ido?

Aquele era um cultivador maligno, não acredite nele!

Kong Hou queria alertar os cultivadores nômades, que tinham uma relação péssima com os discípulos da seita, mas não conseguia falar. Só podia assistir às cenas e aceitar tudo, impotente e em pânico.

Então Kong Hou foi entendendo. Esse sonho era feito especialmente para ela. Quanto mais ela não queria que algo acontecesse, mais inevitável aquilo se tornava. Quanto mais ela queria ver alguém, menos ela conseguia vê-lo.

Depois de entender isso, Kong Hou não se desesperou. Relaxou corpo e mente e tentou usar sua vontade para mudar o rumo do sonho. Mas o sonho era extremamente teimoso. Não deixava Kong Hou alterá-lo e ainda a fazia ver o quanto os cultivadores malignos tinham poder.

Kong Hou ficou com raiva — e tão irritada que acordou. Seu cobertor estava caído no chão. A chuva tamborilava na janela. Em algum momento da noite, a chuva tinha recomeçado.

Ela saltou da cama, pegou o cobertor e jogou na bolsa de armazenamento, então percebeu que a caixa no canto estava aberta. Colocou alguns selos defensivos em si mesma e se aproximou com cuidado.

A caixa não atacou. Dentro dela havia um manual secreto de cultivo, um manual de espada e várias pedras preciosas. Os manuais estavam amarelados pelo tempo. Ela não sabia quantos anos eles tinham.

Quinhentos anos atrás, quando o reino secreto foi aberto, ninguém pegou esses dois manuais secretos. Isso significava que ninguém tinha entrado naquele quarto ou talvez ninguém tivesse passado no teste do reino secreto.

Mas como ela havia passado no teste do reino secreto — só por causa desse sonho irritante?

— Então isso é a compensação para mim? — Kong Hou tirou o manual de espada, olhou por cima e o guardou na bolsa de armazenamento, sem interesse. Daria para Huan Zhong.

Ela abriu o manual secreto. Dentro estavam as conclusões do dono do manual, além do estado mental ideal para os cultivadores. Aquilo parecia mais interessante. Quanto ao método de cultivo ali descrito, Kong Hou não achou nada especial. A maioria dos métodos de cultivo no mundo eram amplamente divulgados. Os métodos mencionados naquele livro podiam ser encontrados em livros de cultivo publicados hoje em dia.

Sobre os outros métodos que ainda não tinham sido testados, Kong Hou não teve coragem de experimentar, com medo que algo acontecesse aos seus meridianos. Mandaria isso de volta para a seita para que Mestre e os shishu discutissem juntos. Era mais confiável.

Quando se tem anciões para apoiar, não se deve desperdiçar essa chance.

Quanto às pedras espirituais, talismãs e outros itens, Kong Hou colocou tudo numa bolsa de armazenamento e guardou na bolsa principal. Não sabia se o Ancião Lin e Huan Zhong tinham conseguido algo. Se não tivessem, poderia compartilhar um pouco com eles para aliviar a decepção.

A noite foi sem sonhos. Quando Lin Hu acordou pela manhã, o sol já estava alto no céu. Franziu a testa. Na noite anterior, dormira tão profundamente que perdera toda a vigilância. Após se vestir, abriu a porta e, ao passar pelos quartos de Jin Ling e Ling Bo, ouviu a respiração tranquila dentro deles. Também havia som vindo do quarto da senhorita Kong Hou. Ficou aliviado e foi até o quarto de Huan Zhong.

— Mestre? — bateu na porta e ouviu um som de confirmação. Empurrou-a devagar e viu Mestre em pé dentro do quarto. A caixa no canto estava aberta e cheia de itens de jade, joias e pedras espirituais. Havia tantas pedras que estavam até transbordando.

— Alguém entrou aqui durante a noite? — Lin Hu ficou ao lado de Huan Zhong, olhando a pilha de pedras espirituais com uma ponta de ansiedade.

— Ninguém entrou — Huan Zhong balançou a cabeça. Na noite anterior, ele tinha colocado vários limites na porta, que só retirou quando Lin Hu bateu.

Lin Hu coçou o queixo. Será que a senhorita Kong Hou estava certa e havia algo estranho nessas caixas?

— Mestre, aconteceu algo estranho na noite passada? — Os testes do reino secreto eram variados e estranhos. Quem sabia como Mestre tinha manipulado o reino para que ele desse uma pilha tão grande de presentes?

— Na noite passada... eu tive um sonho — Huan Zhong franziu o cenho. Claramente, o sonho não fora bom e ele não queria pensar mais nisso.

Lin Hu percebeu isso e não insistiu. Mas o tom dele estava um pouco cansado. — No meu quarto não tinha nada — agachou para examinar as coisas na caixa. Os talismãs eram reais, as pedras espirituais também. Havia ainda uma capa de fita cinco cores na caixa, com grande poder ofensivo. Era um talismã divino de qualidade suprema.

Virando a cabeça, viu que Mestre já tinha trocado de volta para roupas brancas. Lin Hu não conseguia imaginar Mestre usando aquela capa.

— Tem algo errado com essa capa de fita? — Vendo Lin Hu segurando a capa por muito tempo, o olhar de Huan Zhong ao observar a capa ficou um pouco pesaroso.

— Nenhum problema — Lin Hu negou com a cabeça e dobrou a capa.

Huan Zhong pegou a capa das mãos dele, tirou uma caixa de brocado da bolsa de armazenamento e guardou a capa dentro. — Kong Hou pode usar isso.

— Mestre, você trata a senhorita Kong Hou como sua filha — Lin Hu pegou as pedras espirituais do chão, colocou-as numa bolsa junto com as pedras preciosas e deixou os talismãs de lado.

— Eu não me casei — Huan Zhong fechou a caixa e a colocou delicadamente sobre a mesa. — Onde eu teria uma filha?

Ao ouvir passos do lado de fora, levantou-se e foi até a porta.

— Huan Zhong, você já acordou?

Huan Zhong abriu a porta e viu a jovem em pé sob o beiral molhado, segurando um livro amarelado.

— Você dormiu bem na noite passada? — Huan Zhong se virou de lado para deixar Kong Hou entrar. Quando se virou, percebeu que a porta de Ling Bo estava quase abrindo, então fechou a porta e caminhou ao lado de Kong Hou.

— Não muito bem — Kong Hou entregou o manual de espada para Huan Zhong. — Recebi um manual de espada. Não sei quão bom ele é — falou, entregando-o. — Se for útil para cultivadores de espada como você, farei uma cópia e enviarei de volta para a seita.

Wu Chuan Shixiong e o Shixiong mais velho também cultivavam a espada. Se Huan Zhong pudesse usar aquele manual, com certeza eles também poderiam.

Huan Zhong pegou o manual de espada. Ao ver as palavras “Espada do Céu e da Terra” escritas na capa, sua expressão mudou. Ao abrir o livro, leu: “Quando um cavalheiro aprende a espada, deve estar entre o céu e a terra, por isso essa técnica é chamada de espada do Céu e da Terra. Aqueles que aprendem essa espada devem ser cavalheiros. Os que não forem, morrerão ao ler este livro.”

Esse tipo de maldição era comum há mil anos. Cada seita tinha métodos diferentes de cultivo. Para evitar que outros aprendizes roubassem seus segredos, muitas seitas escreviam coisas como “quem não pertence à minha seita não alcançará o caminho aprendendo esta técnica” em seus manuais.

Os anciões dessas seitas jamais imaginariam que, mil anos depois, todos os manuais secretos das seitas deixariam de ser segredos. As seitas reuniram suas melhores técnicas e criaram os manuais de cultivo mais lógicos e perfeitos.

Os tempos mudam — essa é a verdade desde os tempos antigos.

Mas a Espada do Céu e da Terra era diferente. Diziam que essa técnica havia sido criada por um cultivador de espada que ascendeu há três mil anos, reunindo o melhor do mundo do cultivo da época. No dia em que dominasse a espada, poderia destruir o céu e a terra, fazendo as estrelas mudarem de lugar.

Entretanto, após a ascensão desse cultivador, a técnica da espada não foi passada adiante, apenas as lendas sobre a espada do Céu e da Terra.

Uma técnica lendária de espada surgindo de repente assim na frente dele, entregue com tanta casualidade.

— Mestre, o que é isso? — Lin Hu percebeu Huan Zhong perdido, olhando o livro. Ficou confuso. Será que a senhorita Kong Hou tinha dado um livro impróprio para Mestre?

Ele se aproximou para ver melhor. Então achou que seus olhos estavam pregando peças.

— Espada do Céu e da Terra?

Seria só uma coincidência de nomes?

Não importava se fosse a verdadeira Espada do Céu e da Terra ou não, mas um artefato divino perfeito para uma mulher usar apareceu no quarto de Mestre, e a senhorita Kong Hou, cultivadora da voz, recebeu um manual de espada. Esse reino secreto era tão descuidado ao distribuir seus presentes?

— É verdade — Huan Zhong virou-se para Lin Hu. — Esta é a lendária Espada do Céu e da Terra.

Lin Hu: “...”

Virou-se para olhar Kong Hou. Se ela continuasse sendo tão generosa assim, o Mestre provavelmente teria que trabalhar feito um boi e servi-la a vida inteira para compensar.

Claro que isso não era o mais importante. Nesse grupo de três, por que ele era o único que não tinha recebido nada?

— Senhorita Kong Hou, está no seu quarto? Tenho uma caixa de pedras espirituais no meu quarto; aconteceu algo aí no seu?

Ao ouvir o chamado de Ling Bo no pátio, Lin Hu tocou o rosto sem graça.



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