Capítulo 76
A refeição chegou ao fim.
— Tia, deixa que eu lavo a louça. A senhora já preparou uma refeição tão caprichada pra gente — deve estar exausta. Zhenghao, um homem de verdade tem que estar sempre pronto pra ajudar, não é mesmo, cunhado?
Hu Jun lançou um olhar, e Hu Zhenghao imediatamente se levantou para ajudar. Shen Xianjun assentiu com aprovação.
— Garotos não devem ser mimados demais.
Enquanto Shen Xianjun falava, seu olhar se desviou para os gêmeos, apenas para encontrar o olhar fulminante de desapontamento de sua mãe.
Yang Yufen cerrou os dentes, forçando um sorriso. Que completo imbecil. Não era à toa que conseguia se infiltrar entre as fileiras inimigas sem ser descoberto — quem suspeitaria que um brutamontes imprudente fosse um agente infiltrado?
E a forma como ele passava informações, sempre envolvendo a própria família — como se fizesse questão de poupar os colegas e trazer desgraça só pros seus.
Incapaz de se conter, Yang Yufen revirou os olhos para o alto.
Os cantos da boca de Shen Xianjun se contraíram. O que foi agora? Será que ela não podia pelo menos me poupar dessa frente de todo mundo?
— Dabao, Erbao, vão brincar com a irmãzinha Yaoyao.
Yang Yufen enxotou as crianças para fora, para ajudarem na digestão. Wang Shuo também se levantou para ajudar a limpar a mesa, enquanto Zhou Ang puxava Qin Nian para ir ver as crianças. Yang Yufen, o Professor Wen e a Tia Wang se juntaram em um canto antes de saírem também.
Num instante, restaram apenas o Diretor Hu e Shen Xianjun na sala. Shen Xianjun sentiu um aperto no peito. Seu desaparecimento repentino por conta da missão sem dúvida tinha sido injusto com sua esposa.
O Diretor Hu era mentor de sua esposa, mas sua posição era praticamente paternal — na prática, ele era seu sogro. E somando a isso o prestígio intelectual do homem, Shen Xianjun não pôde deixar de engolir em seco.
— Vou preparar um chá pro senhor — ofereceu Shen Xianjun, levantando-se.
— Não precisa de formalidades. Você ainda não está totalmente recuperado. Vamos ver o que está lendo — já que hoje estou livre. Me lembro que você se formou no ensino médio? É bom continuar aprendendo. O que mais te interessa? Acredito que saiba dirigir, certo?
— Sim, eu sei dirigir. Também sei um pouco de conserto de carros. Nunca tive muito tempo pra estudar antes, mas agora comecei. A Niannian me deu um dicionário — respondeu Shen Xianjun, escolhendo bem as palavras.
— Hmm, começar com um dicionário é o caminho certo. Se você gosta de mecânica, vou procurar uns livros sobre princípios mecânicos pra você. O país está se desenvolvendo rápido, e os soldados também precisam expandir seus conhecimentos. Se sabe consertar um carro, pode consertar um tanque. Aprenda mais, e um dia consertar aviões também não será impossível.
O tom do Diretor Hu fazia parecer fácil, mas Shen Xianjun sentia o peso da expectativa esmagando seus ombros. Estão confiando demais em mim.
Na cozinha, Wang Shuo enxugava o suor do irmão jurado — em parte por empatia, mas também aliviado por não estar no lugar dele.
Do lado de fora—
— Já vou indo. Ainda tem o menorzinho, e o Pequeno Fang tem aula pra preparar e provas pra corrigir.
— Claro, pode ir tranquila.
Yang Yufen não insistiu para que a Tia Wang ficasse — afinal, eram vizinhas e podiam conversar a qualquer hora.
Agora restavam apenas o Professor Wen e Yang Yufen.
— Você realmente fez a escolha certa comprando imóvel. Os preços dispararam ultimamente — aquele que você comprou já valorizou mil e quinhentos.
O comentário do Professor Wen pegou Yang Yufen de surpresa.
— Tudo isso?
— Sim, e continua subindo.
Tendo ajudado Yang Yufen a comprar dois imóveis, o Professor Wen vinha acompanhando de perto o mercado.
— Isso dá uns duzentos ou trezentos por mês... Bem, já temos espaço suficiente pra morar. Não vou comprar mais nada. Quando os filhos crescerem, aquele lugar perto do complexo militar fica bem de frente pra rua — vou montar um pequeno negócio lá e me mudar, assim o casal jovem pode ter seu espaço.
Os primeiros lucros tinham vindo de uma questão de timing. Agora que os outros já tinham percebido, Yang Yufen sabia que não era hora de forçar a sorte.
— Vai se mudar? — o Professor Wen parou no meio do passo.
— Não agora. O Xianjun ainda está se recuperando, as crianças são pequenas. A Niannian também tem o trabalho dela. Antes, era só o Xianjun ausente, mas agora as coisas mudaram. Além disso, o lugar não é longe do complexo — se algo acontecer, chego lá num instante.
Yang Yufen sempre se sentira à vontade sozinha. Com tudo dando certo, não via motivo pra continuar se intrometendo.
— O registro familiar já foi transferido. Voltar pra vida no campo significaria ficar longe demais se a Niannian precisasse de mim. Ficar por perto é melhor, ainda mais com todos vocês no complexo pra dar uma olhada nas crianças. E a escola lá também é segura.
Ela suspirou.
— Já fazem três anos que os dois se casaram, mas mal passaram tempo juntos — são praticamente estranhos.
O Professor Wen assentiu.
— Você pensou em tudo. Ainda assim, é uma pena que tenha que fazer esse sacrifício.
— Sacrifício nada. Eu vou é aproveitar a liberdade. Além disso, preciso colocar juízo naquela cabeça dura pra ele parar de magoar a Niannian. Ela é boa demais — nunca briga, nunca reclama. Isso não é bom nem pra um casamento, nem pra uma família.
Yang Yufen passou os dedos distraidamente pela grossa pulseira de ouro envolta por um cordão vermelho no pulso. Aquele filho inútil nunca me comprou nem um fio de linha. Se não fosse pela minha nora, onde eu teria conseguido uma pulseira dessas?
Agora registrada como residente urbana no domicílio de Niannian, ela tinha mais do que muita gente poderia sonhar.
O Professor Wen comparou sua própria situação à de Yang Yufen e de repente percebeu que seus próprios pensamentos não eram tão lúcidos quanto os de Yang Yufen — que sequer havia frequentado a escola.
— Vi aquele trançado de bambu que você fez — estava muito bom. E os móveis também ficaram ótimos. Quando se mudar, o que pretende fazer?
— Aquilo é só trabalho mediano. Já vi gente que faz muito melhor. Os armários das lojas são tão estilosos... Só minha própria família tolera o que eu faço. Tecelagem de uso diário não dá muito dinheiro, e consome tempo demais. Estou pensando em abrir algo com comida.
Yang Yufen compartilhou seus planos com alegria.
O Professor Wen assentiu e sugeriu:
— Então venda macarrão. Seus lamens caseiros são bem elásticos, e os acompanhamentos são caprichados. O sabor talvez não seja o mais sofisticado, mas é muito bom. Servem tanto no frio quanto no calor, e não dão muito trabalho pra preparar.
— É uma boa ideia. Sou boa nisso.
Yang Yufen assentiu, sentindo-se muito mais tranquila agora que tinha um objetivo claro.
— Depois, quero levar aquele cabeça-dura e a esposa, junto com as crianças, pra visitar o túmulo do meu falecido marido assim que ele melhorar.
— É mais que justo. Caso contrário, quando o trabalho apertar, talvez nem encontrem tempo. E quando as crianças começarem a escola, só terão as férias de verão e inverno.
— Pois é. Depois dessa viagem, vai saber quando teremos outra chance.
Yang Yufen não pôde deixar de suspirar.
Naquela noite, o marido do Professor Wen tocou no assunto:
— A Niannian deve mesmo voltar pra prestar homenagens. Vou providenciar uma licença pra ela depois.
O Diretor Hu assentiu em concordância.
— Por que está tirando tantos livros?
— Pra garantir que o Xianjun estude mais. Caso contrário, a distância entre ele e a esposa só vai aumentar, e eles não terão mais assunto pra conversar.
O Diretor Hu respondeu sem hesitação.
— Mas isso é demais.
A Professora Wen observou enquanto o filho acrescentava silenciosamente ainda mais livros à pilha — claramente, ele tinha colocado ali seus próprios favoritos.
— A Niannian vai estar por perto. Se ele não entender algo, ela pode ensinar.
Capítulo 77
Qin Nian terminou de dar banho nas duas crianças e voltou para o quarto, onde viu Shen Xianjun costurando o cós de uma calça com agulha e linha.
— Você sabe costurar?!
Qin Nian ficou chocada, pois os pontos estavam mais alinhados do que os dela. Decidiu nem se oferecer para assumir a tarefa, com medo de passar vergonha.
— Minha mãe estava sempre ocupada demais pra cuidar de mim. Quando minhas roupas rasgavam, eu mesmo costurava. Depois de fazer isso várias vezes, acabei pegando o jeito.
Shen Xianjun guiava a agulha pelo tecido com habilidade. Ver aquele homem forte fazendo um trabalho tão delicado quase fez Qin Nian rir, mas ela beliscou a palma da mão para se conter.
— Hah, por que você não conta como vestia roupa nova e ia direto brincar no reservatório, escorregando morro abaixo e rasgando um rombo na calça e na blusa?
Yang Yufen entrou nesse momento, querendo falar sobre a viagem ao vilarejo para varrer os túmulos dos antepassados, e acabou ouvindo a conversa.
— Sua mãe não te bateu por causa disso?
Qin Nian se virou para Shen Xianjun, olhando para ele com uma expressão estranha.
O rosto de Shen Xianjun corou de vergonha ao lembrar daquilo.
Claro que tinha apanhado — levou palmada até em casa com o traseiro de fora e não teve coragem de sair por um bom tempo depois daquilo.
Ele lançou um olhar suplicante para a mãe, esperando que ela ao menos o poupasse daquele vexame.
Yang Yufen bufou.
— Naquela época, a avó dele tinha acabado de falecer e eu estava ocupada tentando ganhar pontos de trabalho. Nian, quero levar você, as crianças e o Xianjun de volta ao nosso vilarejo para prestar homenagens aos avós dele e ao pai. Você acha que consegue arranjar um tempo?
Yang Yufen olhou para Qin Nian com ternura.
— Mãe, vou precisar confirmar com minha supervisora primeiro. Ainda não posso garantir. Se formos, quanto tempo levaria a viagem?
— A Tia Guixiang me ligou mais cedo — agora as estradas de lá foram pavimentadas, então não vai ser tão trabalhoso quanto antes. Não vamos ficar muito tempo; ida e volta deve levar uns sete dias. Também não restaram muitos parentes por lá.
— Mãe, você não vai perguntar se eu tenho tempo?
Shen Xianjun se intrometeu.
— Você? Como é que não vai ter tempo? Depois de tantos anos no exército, quantas vezes você sequer voltou pra casa? Se for preciso, eu mesma falo com seu superior político — duvido que não te deem licença.
Respondeu Yang Yufen, impaciente.
Shen Xianjun ficou tenso. No início, quando se alistou, ele evitava voltar pra casa justamente para fugir do controle da mãe. Depois, simplesmente passou a achar cansativo demais.
Espera aí — será que esqueci de alguma coisa importante?
— Mamãe, conta uma história pra gente!
Dabao entrou cambaleando, agarrado a um travesseiro, com Erbao logo atrás.
— Mãe, entendi. Quando o Xianjun for fazer o exame de retorno daqui a uma semana e o médico liberar, eu peço licença à minha supervisora.
— Ótimo, ótimo. Vai, vai colocar as crianças pra dormir.
Yang Yufen já não tinha mais paciência para Shen Xianjun.
Na manhã seguinte—
— Irmão da Nian, já tomou café?
Yang Yufen tinha acabado de colocar a roupa da família na máquina de lavar quando viu Hu Jun na porta, carregando uma pilha de coisas.
— Já sim. Vim entregar uns livros pro Xianjun. Não precisa se incomodar, tia — vou direto pra base depois disso.
— Certo, ele está lá dentro.
Yang Yufen olhou discretamente para a pilha grossa de livros e saiu do caminho. Ainda bem que a mãe da sua nora não esperava que ela fosse estudar nessa altura da vida.
Na época do coletivo, quando havia aulas noturnas, ela só era boa com números — ler e escrever? Melhor nem tocar no assunto.
— Irmão.
Qin Nian estava prestes a levar as crianças para a escola.
— Não se incomodem comigo. Xianjun, como você está se recuperando, esses livros foram selecionados com cuidado pelo papai ontem. Estude direitinho. Nian, estou indo.
Hu Jun colocou a pilha na frente de Shen Xianjun, reforçou o recado e se despediu rapidamente antes de sair.
Qin Nian lançou um olhar para os livros, lembrando-se do que a sogra dissera.
— Hum… Se tiver dificuldade com alguma coisa, posso explicar depois do trabalho. Vou levar as crianças agora.
Ela saiu apressada com os filhos, ignorando a expressão atônita de Shen Xianjun. Se ficasse ali, ele com certeza imploraria para que ela devolvesse os livros.
Depois da visita de Hu Jun, Yang Yufen colocou a roupa na máquina, passou duas ou três horas cuidando da horta e alimentando as galinhas nos fundos, e depois foi direto para a cozinha.
Havia sobras do jantar anterior — bastava ferver um pouco de macarrão.
— O almoço está pronto.
Ao ouvir o chamado, Shen Xianjun saiu do quarto com uma expressão totalmente derrotada.
— Vamos comer isso de novo no almoço?
Ele olhou para a tigela de macarrão dele, depois para a da mãe.
— É macarrão de trigo fino com legumes e ovo — o que foi, estava esperando carne de dragão? Desde quando o exército aceita comilão enjoado? Come ou deixa.
Yang Yufen despejou óleo de pimenta na própria tigela — a nora não aguentava pimenta, então ela só fazia pra si mesma.
— Mãe, posso colocar um pouco também?
Shen Xianjun olhou cobiçoso para o óleo de pimenta.
— O médico disse que não pode comer comida apimentada. Pra que tanta gula?
Yang Yufen guardou o óleo de pimenta e começou a comer.
Shen Xianjun de repente percebeu que isso era pior do que estar no hospital. Lá, pelo menos, todo mundo comia comida sem graça. Agora, ele tinha que assistir e não podia tocar. A diferença era uma tortura — aceitaria até comer sobra!
Yang Yufen terminou de comer e lavou a louça. Shen Xianjun não era realmente exigente — só sentia falta de algo saboroso. E além disso, desperdiçar comida era errado.
— Estude direitinho. Não decepcione seu sogro e seu cunhado. Não vou te atrapalhar — vou conversar com a Tia Wang.
Dito isso, Yang Yufen saiu e só voltou na hora do jantar. Essa rotina se repetiu até o dia do retorno de Shen Xianjun ao hospital.
— Se cuidem no caminho.
Yang Yufen observava enquanto Qin Nian acompanhava Shen Xianjun à consulta. Qin Nian originalmente não havia pedido folga, mas o Diretor Hu insistiu.
— Nian, você e o Xianjun são casados e têm filhos. Não deveriam viver tão distantes. Mesmo com a sua sogra fazendo a mediação, vocês dois precisam trabalhar essa relação. Amanhã, vá com ele ao exame.
Sabendo que ele tinha razão, Qin Nian não discutiu e concordou obedientemente.
— Sua recuperação está indo bem. Se pretende viajar, espere mais duas semanas e volte para outro exame antes. Evite qualquer esforço ou impacto na região.
Depois de uma avaliação minuciosa, o médico assentiu, satisfeito.
— Doutor, ainda preciso manter a dieta?
Shen Xianjun não resistiu à pergunta.
— Sim, a não ser que queira ser dispensado do serviço.
O médico reforçou os cuidados antes de liberá-los.
— Ei, querida, posso te pedir uma coisa?
Nas últimas semanas, Shen Xianjun finalmente tinha percebido — quando sua esposa falava, a atitude da mãe era completamente diferente. Parecia que ele era o filho adotivo e Qin Nian a filha legítima.
Mas pensando bem, sua mãe sempre dizia que queria ter uma filha — nunca escondeu a preferência por meninas.
— O que foi?
Qin Nian olhou, confusa.
— Você poderia pedir pra mamãe parar de fazer macarrão todo santo dia no almoço? Já não aguento mais.
— Por que você mesmo não fala? Ela é bem razoável.
Qin Nian achou estranho.
A mágoa de Shen Xianjun aflorou.
— Com você ela é assim. Deixa pra lá. Só fala com ela, e não diz que fui eu que pedi.
— Mas eu nem almoço em casa.
A resposta de Qin Nian o deixou sem reação.
— Ah. É mesmo. Então ela vai saber que fui eu.
Capítulo 78
— Então por que você não vem almoçar em casa! — Shen Xianjun soltou de repente, deixando Qin Nian sem palavras. Que tipo de absurdo era aquele?
Vendo a expressão dela, Shen Xianjun coçou o nariz e ficou em silêncio, fingindo que não tinha dito nada.
O casal seguiu o caminho de volta sem trocar uma palavra, até chegarem ao conjunto residencial da família.
— Mãe, o médico disse que o ferimento do Xianjun precisa de um retorno em meia semana.
— Meia semana? Tudo bem. Não é urgente mesmo. Ele consegue fazer atividades simples, certo?
Yang Yufen ainda estava preocupada com o filho.
— Sem problemas. O médico disse que a recuperação está indo bem.
— Ótimo — Yang Yufen assentiu. — Você tem se enfiado nos livros esses dias. Já que a Nian está livre agora, tire suas dúvidas com ela. Senão, quando seu sogro te fizer perguntas, vai ficar sem resposta.
Shen Xianjun sentiu uma pontada no peito. Por que a minha mãe me trata tão diferente assim?
Ainda assim, ele vinha estudando com afinco, especialmente sobre princípios de mecânica — quanto mais lia, mais fascinado ficava.
Yang Yufen observou o jovem casal finalmente encontrando um ponto em comum, então pegou a cesta de legumes e saiu. Já fazia um tempo desde que ela ligara para o vilarejo, e alguém já devia estar no escritório da brigada.
— Tia Yang, chegou bem na hora — tem ligação pra você.
Yang Yufen tinha acabado de chegar quando a ligação foi completada.
— Yufen, é você?
— Gui Xiang, o que houve?
Assim que atendeu, Yang Yufen ouviu soluços abafados do outro lado da linha.
— Yufen, o velho e o nosso segundo filho foram trabalhar nas montanhas e caíram numa ravina. Quebraram os ossos e… e ele também bateu a cabeça. O pessoal da vila ajudou a levar pro hospital, mas o hospital do condado não consegue tratá-los, então os transferiram pra cidade. Os médicos da cidade disseram que não podem operar e pediram pra levá-los pra outro lugar melhor. Eu… eu não sei pra quem mais pedir ajuda…
Gui Xiang caiu no choro, cobrindo a boca. O marido e o filho estavam gravemente feridos. Se houvesse uma chance de salvá-los, ela venderia tudo o que tinha. Mas os médicos disseram que o hospital não tinha equipamento suficiente.
— Não entre em pânico. Veja se o hospital ou o chefe da brigada conseguem ajudar com a transferência. Eu vou procurar um hospital aqui. Lembra quando o Tiedan quase morreu dos ferimentos? Ele foi salvo. Vou voltar agora e pedir ajuda. Não se preocupe com dinheiro — salvar a vida vem primeiro. Esse número ainda pode receber ligação depois?
— Pode sim, é o telefone do hospital.
— Certo, não vamos perder tempo. Vamos descobrir como trazê-los pra cá.
Yang Yufen desligou, pagou pela ligação e anotou o número antes de sair correndo de volta pra casa.
— Xianjun, a família da Tia Gui Xiang está em apuros. O Tio e o segundo filho deles caíram numa ravina nas montanhas. O hospital local não consegue tratá-los — eles precisam vir pra cá. Se não fosse o Tio naquela época, você teria morrido nas montanhas.
Yang Yufen estava encharcada de suor, tomada pela ansiedade.
— Mãe, não se preocupe. Vou fazer umas ligações. Vamos encontrar um jeito. Se for preciso, troco até minhas condecorações do exército.
Shen Xianjun largou o livro e se levantou imediatamente.
Quando tinha dez anos, ele foi caçar nas montanhas e encontrou um lobo. O Tio lutou contra a fera e o salvou, mesmo sendo mordido nos braços e nas pernas. Quase morreu por isso, e Shen Xianjun nunca esqueceu.
— Mãe, manda eles pro hospital militar. Vou atrás do meu irmão mais velho. A casa da Professora Wen tem telefone — vai ser mais rápido.
Ao ver o desespero da sogra e do marido, Qin Nian se pronunciou:
— Isso, isso! Nian, muito obrigada.
Os três correram até a casa da família Hu. A Professora Wen vinha ficando em casa ultimamente, cuidando do Xiao Bao, então sempre havia alguém por lá.
— O que aconteceu? — a Professora Wen abriu a porta.
— Sogra, precisamos usar seu telefone. É urgente — tem vidas em jogo.
Shen Xianjun falou com pressa, e a Professora Wen deu passagem imediatamente.
O telefone da casa dos Hu não era trancado. Shen Xianjun discou direto para o número do seu oficial comandante.
A ligação completou em menos de três minutos e caiu direto no escritório.
— Senhor, aqui é Shen Xianjun. Há uma emergência familiar…
Ele explicou a situação rapidamente — seus parentes estavam no hospital da cidade em estado crítico.
— Senhor, sei que usar recursos militares para assuntos pessoais é errado, mas estou disposto a trocar minhas condecorações por isso. Se o Tio não tivesse me salvado naquela época, eu não estaria vivo hoje.
— Garoto, é bom ver que você sabe retribuir. Fique onde está. Vou fazer algumas ligações pra resolver isso.
A Professora Wen, ouvindo tudo, entendeu a gravidade da situação.
— Aqui está o número do hospital. Ligue primeiro pra sua Tia Gui Xiang e diga pra ela não entrar em pânico.
Yang Yufen entregou o número, e Shen Xianjun discou imediatamente.
— Sim, sim. Muito obrigada. Eu realmente não sabia mais o que fazer.
As lágrimas de Gui Xiang não paravam desde que atendeu.
— Tia, não fala assim. Só aguente firme mais um pouco.
Shen Xianjun a consolou brevemente, mas desligou rápido, com medo de perder a ligação de retorno do comandante.
Qin Nian percebeu que Shen Xianjun apertava o abdômen e correu para ampará-lo.
— Você forçou o ferimento? Senta um pouco.
— Não é nada. Só tensão.
Shen Xianjun mantinha os olhos grudados no telefone, temendo qualquer atraso.
Felizmente, a ligação veio logo.
— Está resolvido. Garoto, concentre-se em se recuperar e volte logo pro exército. Meus soldados nunca me decepcionam.
A chamada terminou abruptamente. Cerca de quarenta minutos depois, o telefone tocou novamente.
— Os pacientes estão sendo transferidos imediatamente. Vai um médico junto com eles…
Um trem adequado partiria da cidade em breve — mais rápido que carro. Com os contatos certos, conseguiram leitos com beliche, mas alguém precisava recebê-los para não perder a janela crítica de tratamento.
A Professora Wen ligou para Zhou Ang, que prontamente ajudou com os arranjos.
Em casa, Yang Yufen juntou todo o dinheiro que tinha.
— Já incomodamos seus superiores. As despesas, nós mesmos cobrimos.
Ela entregou o dinheiro a Shen Xianjun, que se virou para Qin Nian.
— Esposa, vou precisar usar nossas economias primeiro pro tratamento do Tio. Depois te dou todas as minhas mesadas.
Qin Nian também pegou suas economias, entendendo a urgência.
— Salvar vidas vem primeiro. Se não for suficiente, eu tenho mais.
— Mãe, o Comissário Político Zhao pediu pra entregar isso pra senhora mais cedo. Eu estava tão ocupado que esqueci.
Duas cartas, somadas ao dinheiro de Yang Yufen, totalizavam cinco mil yuans.
O trem chegaria na tarde seguinte. Hu Jun tirou uma folga para levar Shen Xianjun até a estação. Qin Nian foi para o trabalho, enquanto Yang Yufen limpava a casa extra do lado de fora do conjunto residencial para hospedar a família de Gui Xiang.
Com ferimentos tão graves, eles não poderiam sair logo após a cirurgia, nem permanecer no hospital indefinidamente — ossos quebrados levavam meses para curar.
Assim que a casa ficou pronta, Yang Yufen correu de volta para preparar o almoço. Calculando o tempo certo, levou marmitas até o hospital para esperar.
— Yufen.
— Gui Xiang, vai dar tudo certo. Come alguma coisa primeiro.
Os pacientes foram levados direto para a cirurgia.
— Certo.
— Chefe da brigada, aqui, coma um pouco também. A viagem foi longa.
Yang Yufen havia preparado duas refeições.
O chefe da brigada realmente estava com fome. Gui Xiang comia distraída, mas forçou-se a terminar, sem querer desperdiçar a gentileza de Yang Yufen.
Capítulo 79
— As passagens de volta já estão reservadas. Vou sair bem cedo depois de amanhã com os médicos da cidade. Quanto à Gui Xiang e os outros, vou ter que deixar com você — disse o chefe da equipe para Yang Yufen.
— Tudo bem. Já limpei o lugar onde estou ficando — tem dois quartos. Vocês podem ficar lá nesses próximos dias e cozinhar por conta própria. Os médicos têm onde ficar?
— Ainda não sei. O doutor entrou com eles na sala de cirurgia.
Uma oportunidade de aprendizado tão rara não era algo que o médico acompanhante perderia. Além disso, a cirurgia exigia compreensão do estado do paciente, então sua presença era necessária.
Shen Xianjun pagou as taxas e ficou esperando do lado de fora da sala de cirurgia.
Seu pai havia morrido cedo, e sua mãe vivia ocupada ganhando pontos de trabalho. Ele sabia que a avó sempre dificultava a vida da mãe, por isso preferia correr por aí. O velho sempre foi bom com ele, chamando-o de “terceiro menino”, mesmo sem terem o mesmo sobrenome — ainda assim, o tratava com amor de pai.
Quando se casou com Qin Nian, teve medo de ver os mesmos conflitos entre sua mãe e a sogra, então não deixou que a mãe comparecesse. Só não esperava que, logo após o casamento, seria enviado numa missão e desapareceria por tanto tempo.
Qin Nian terminou o expediente, pegou as crianças e voltou pra casa, mas não encontrou ninguém — ainda assim, havia comida na panela.
— A cirurgia foi relativamente tranquila, mas vamos precisar monitorar a recuperação — disse Zhou Ang ao sair da sala de cirurgia.
— Que bom, que bom.
Yang Yufen soltou um suspiro de alívio, enquanto Gui Xiang desabou de joelhos. Yang Yufen correu para ajudá-la a se levantar.
— Está tudo bem, está tudo bem — ela a consolou.
— Desde que ele sobreviva, já é o bastante. Não me importo se ele ficar aleijado ou paralisado, eu realmente…
Gui Xiang chorava sem controle no ombro de Yang Yufen, que a abraçou com cuidado.
Zhou Ang ouviu em silêncio. Para ferimentos como aqueles, paralisia ou dificuldade para andar eram sequelas comuns. Se a família conseguia aceitar isso, então todo o esforço para salvar o paciente não teria sido em vão.
— Mãe, leva a Tia pra casa primeiro. Eu fico aqui e ajudo com o que precisar — disse Shen Xianjun.
— Não, não, eu consigo. Sua mãe disse que você estava ferido — ainda está se recuperando.
— Tia, estou bem. Ficar deitado aqui ou em casa não faz diferença.
Shen Xianjun insistiu.
— Deixa ele ficar. O paciente não vai acordar logo depois da cirurgia, então não tem muito o que fazer. Vou te levar pra casa primeiro — o chefe da equipe também precisa de um lugar pra descansar. Amanhã eu te trago de volta.
Alguns procedimentos seriam mais fáceis de lidar com Shen Xianjun por perto, e o dinheiro também estava com ele.
O médico acompanhante saiu logo depois e se instalou no dormitório do hospital, então Yang Yufen não precisou cuidar disso.
Yang Yufen levou os dois até a casa do lado de fora do conjunto residencial.
— Depois que o chefe da equipe for embora, vocês podem ficar aqui. Vai ser mais fácil cuidar do pai e do filho. Eles não devem voltar direto pra casa depois da alta — se não se recuperarem direito, podem ter sequelas pro resto da vida.
— Isso está te dando muito trabalho.
— Que trabalho? Não precisa ser tão formal. Chefe da equipe, tem arroz, farinha e legumes aí dentro. É só cozinhar o que quiserem. Ah, tem um pedaço de carne também — lembra de cozinhar logo pra não estragar.
Depois de dizer isso, Yang Yufen levou Gui Xiang de volta ao conjunto residencial.
— Mãe, Tia Gui Xiang, já comeram?
— Essa é minha nora, a Niannian. Dabao, Erbao, venham cumprimentar a Vovó Gui Xiang.
Yang Yufen chamou as duas crianças.
— Vovó Gui Xiang.
— Ah, que crianças boas. Eu nem trouxe nada pra vocês…
Gui Xiang ficou constrangida.
— Você mandou tanto algodão pra eles. As roupas de inverno e os edredons foram todos feitos com o algodão que você enviou.
Yang Yufen a tranquilizou.
— Niannian, coloca as crianças pra dormir. Eu e a Tia vamos só fazer uns noodles. Você tem que trabalhar amanhã.
— Sim, sim, não precisa se incomodar.
Gui Xiang concordou rapidamente.
— Esse pátio é tão bonito. Sua nora é maravilhosa também — você é mesmo uma mulher de sorte.
Gui Xiang não conteve o suspiro de admiração.
— Com certeza. Nem esperei pedir — a Niannian tirou o dinheiro na hora, dizendo que salvar uma vida vinha em primeiro lugar. Vamos comer alguma coisa primeiro. Depois, te arrumo umas roupas pra tomar banho.
Quando as duas se deitaram na mesma cama, Gui Xiang soltou um longo suspiro, incapaz de dormir.
— O que foi?
— Pensando em como vou retribuir tudo isso… e o que fazer daqui pra frente.
Agora que a vida tinha sido salva, os problemas práticos vinham à tona.
— Não se preocupe. Ganhar dinheiro hoje em dia é mais fácil do que na época dos pontos de trabalho. Depois, te mostro o caminho. Eu já estava planejando visitar vocês logo — só não esperava que isso aconteceria.
— Já te causei tanto transtorno…
— Não somos irmãs velhas? Quando eu estava passando dificuldades, você também me ajudou.
— Graças a Deus você ainda está aqui. Caso contrário, eu…
Gui Xiang cobriu o rosto, tentando não chorar, mas as lágrimas vieram mesmo assim.
O chefe da equipe e o médico foram embora. No terceiro dia, o paciente finalmente acordou, mas o estado não era bom.
— O Segundo Irmão está com a mente como a de uma criança de sete ou oito anos. Mas, se a recuperação for boa, os membros devem voltar ao normal. O pé do velho está em estado mais grave — ele vai precisar de uma bengala daqui pra frente. A mão… a mão não consegue levantar peso. Não vai poder trabalhar na roça.
Shen Xianjun falou com dificuldade.
— Tudo bem. Está tudo bem.
Gui Xiang disse isso, mas suas mãos tremiam.
— O médico também disse que talvez a medicina avance no futuro, ou um dia o coágulo no cérebro do Segundo Irmão se dissolva, e ele possa se recuperar.
Mas ninguém podia garantir isso.
— Só de sobreviver já é uma bênção. Ter todos os membros inteiros já é uma sorte.
Gui Xiang virou as palavras para consolar Shen Xianjun.
— Velho, você foca na recuperação. Nosso filho ainda precisa da gente.
Gui Xiang segurou firme a mão do marido. Ela tinha medo — medo de que a pessoa que haviam lutado tanto para salvar desistisse de viver. Depois de tantos anos juntos, ela conhecia os pensamentos dele melhor que ninguém.
— Tá bom, não se preocupa. Não vou fazer nenhuma besteira. Agora a família vai depender de você.
O filho mais velho era casado, mas tinha dois filhos para sustentar. A família do segundo filho só tinha uma filha, e, com o Segundo Irmão nesse estado, era possível que a esposa dele decidisse ir embora.
Yang Yufen permaneceu calada. Não havia palavras úteis a se dizer naquele momento.
Depois que o chefe da equipe partiu, Gui Xiang se recusou a deixar Shen Xianjun continuar ajudando no hospital e o mandou de volta pra casa.
Pela primeira vez em dias, a família se sentou junta para uma refeição.
— Niannian, tem uma coisa que queria conversar com você — disse Yang Yufen depois do jantar, interrompendo Qin Nian enquanto ela recolhia os pratos.
— Pode falar, mãe.
Qin Nian voltou a se sentar.
— Eu tinha planejado ficar aqui até as crianças crescerem um pouco antes de me mudar. Mas com o que aconteceu com a Tia Gui Xiang, queria sair mais cedo. Mas não se preocupe — vou continuar lá fora, naquela mesma casa de antes.
— A mãe quer se mudar? Por quê?
Qin Nian nunca imaginou que a sogra fosse sair. A ideia parecia repentina demais.
— Quero ajudar a Tia Gui Xiang a começar um negócio. É muita dívida, e eles vão precisar de dinheiro no futuro. Só cuidar da terra e viver de economia não vai dar conta.
— A mãe quer abrir um negócio? Mas não precisa se mudar pra isso.
A sogra não era novata em negócios. Qin Nian não achava nada de estranho nisso.
Capítulo 80
Shen Xianjun achou um tanto estranho que sua mãe realmente conseguisse tocar um negócio. E se ela acabasse perdendo dinheiro?
— Vai ser mais conveniente assim — ir e voltar o tempo todo é cansativo. E, além disso, estou preocupada que sua Tia Gui Xiang não consiga dar conta das coisas.
Vendo a expressão preocupada no rosto de Yang Yufen, Qin Nian não teve coragem de recusar.
— Então, mãe, quando pretende se mudar? Vamos deixar seu quarto aqui reservado. Se for sair, vou comprar umas coisas de uso diário pra você. E, como vai começar um negócio, vai precisar de dinheiro — eu te dou um pouco.
Qin Nian pensou em como poderia ajudar. Fora dinheiro, não havia muito mais que pudesse oferecer.
— Mãe, não diga que não. Eu sei que você não tem muito guardado. Pode me pagar depois, quando começar a ganhar.
— Tá certo, eu sei que você é maravilhosa. Mas, com isso, vai ter que se esforçar ainda mais — trabalhar fora e cuidar das crianças ao mesmo tempo.
Yang Yufen sentiu-se culpada.
— Você já me ajudou a cuidar deles por tanto tempo. Agora eles estão na creche, e só têm uma pausa longa durante o Ano-Novo.
Considerando os horários da equipe do instituto de pesquisa, as crianças também podiam ficar na creche nas férias de verão, onde as professoras cuidariam delas.
— Como eu disse, é bem perto. Depois do trabalho, posso levar as crianças pra te visitar.
Shen Xianjun não conseguia dizer uma única palavra durante toda a conversa.
Na manhã seguinte, Qin Nian saiu para trabalhar, enquanto Yang Yufen, de forma incomum, ficou em casa.
— Larga esse livro por enquanto. Vou te ensinar a usar a máquina de lavar.
Yang Yufen tirou o livro das mãos de Shen Xianjun.
— Esse é o botão de ligar, e aqui ajusta o tempo. Deixa as roupas das crianças de molho por mais tempo, assim ficam mais limpas. E para de ficar parado sem fazer nada.
Yang Yufen foi dando instruções sem parar, arrastando o filho do pátio da frente até os fundos da casa.
Quando terminaram de juntar uma cesta de ovos e colher alguns legumes, Shen Xianjun já se sentia mais exausto do que depois de um treinamento militar.
— Mãe, uma hora vou ter que voltar pra minha unidade.
Shen Xianjun tocou nos ovos — olha, tinha bastante ali. Ia dar alguns para o Tio e para o Segundo Irmão depois; seriam bons pra saúde deles.
Pá!
Um tapa certeiro e firme caiu sobre ele, fazendo com que encolhesse os ombros.
— Mãe, por que me bateu?
— Vamos falar de voltar pra unidade depois. Ficar em casa à toa como se fosse um senhor — por acaso sua esposa te deve alguma coisa? Ela trabalha e ainda deu à luz seus filhos. Como pode ficar aí esparramado com essa cara de pau?
Depois da bronca, Yang Yufen arrancou a cesta de legumes da mão dele.
— Eu nunca disse que não ia fazer nada!
Shen Xianjun ficou encarando a silhueta da mãe se afastando.
— Não esquece de estender a roupa. Vou visitar a Tia Gui Xiang. Se vira com o almoço — não volto hoje.
Yang Yufen colocou a cesta no triciclo e saiu pedalando.
— Tá bom...
Shen Xianjun respondeu, e de repente seu rosto se iluminou.
— Yufen, chegou cedo!
No quintal, Gui Xiang varria quando ouviu a voz. Ao olhar para cima, viu Yang Yufen se aproximando.
Yang Yufen levou a cesta de legumes direto pra cozinha.
— Deixa a varrição pra depois. Vamos levar o almoço pro Ershun e os outros primeiro. Depois te mostro o bairro — você vai ficar por aqui um tempo, precisa conhecer bem a área.
— Tudo bem, me dá só um minutinho.
Segurando a marmita, Gui Xiang subiu na carroceria do triciclo.
— Esse treco é bem prático.
— Não é? E é mais fácil de pedalar que aquelas bicicletas Phoenix velhas. Depois te ensino a usar.
As duas amigas conversavam enquanto pedalavam, até chegarem ao hospital militar.
— O paciente está estável. Pode ser transferido em sete dias.
Zhou Ang, fazendo sua ronda, parou ao ver Yang Yufen e Gui Xiang.
— Que ótimo, que ótimo. O Terceiro Hospital é bem mais perto — só uns minutos a pé.
Yang Yufen ficou feliz por Gui Xiang — economizaria tempo e dinheiro.
A casa do lado de fora do conjunto residencial ficava próxima ao Terceiro Hospital.
— Tia, vou voltar ao trabalho.
Zhou Ang se despediu e saiu.
Gui Xiang se virou bem ao alimentar o marido — ele colaborava. Mas ao ver o filho Ershun, com olhos marejados e presos à sua figura, agora com idade mental de oito anos por causa do ferimento grave, ela não aguentou.
Enxugou incontáveis lágrimas às escondidas. Só depois de fazer o filho dormir com mingau doce é que ela saiu do hospital, a contragosto.
— Gui Xiang, pensei a noite toda. Pra facilitar o cuidado com Ershun e o pai dele, devíamos vender pãezinhos de café da manhã ali na frente do hospital. Podemos pedir pras enfermeiras chamarem a gente se acontecer alguma coisa — vai ser fácil de monitorar os dois.
Pacientes acamados exigiam cuidados constantes, especialmente durante o dia — e as noites também não eram fáceis.
A casa dela dava pra rua, mas ficar esperando clientes não resolveria os problemas de Gui Xiang. Era melhor tomar iniciativa.
Ela já tinha montado uma barraca na frente do Terceiro Hospital antes e conhecia bem a área. Não estava tentando roubar clientela — só queria o suficiente para sobreviver.
— Eu sigo você. Somos amigas há décadas, desde crianças. Você sempre teve boas ideias.
Gui Xiang se sentia segura com Yang Yufen por perto, pronta para ir aonde ela fosse.
Ainda assim, vendo todas as compras, Gui Xiang registrava silenciosamente os gastos em sua mente.
— Vamos manter o cardápio simples — pãezinhos de carne, de pasta doce de tâmara e de legumes. Dois tipos de legumes: repolho e alho-poró. Tenho uma fileira de alho-poró lá em casa — vamos transplantar alguns pro quintal. Em um mês, já estarão bons.
— Ótimo. Mas pra carne, vamos precisar de cupons de racionamento. Eu...
Gui Xiang puxou a roupa — até o que vestia agora era emprestado de Yang Yufen — como poderia ter cupons?
— Tenho uns guardados. Criamos galinhas, então os ovos cobrem nossas necessidades. Mal uso cupons de carne, só no Ano-Novo. Você já mandou algodão e tâmaras pra gente — ainda temos bastante tâmara seca. São doces o suficiente, nem precisa colocar muito açúcar.
— Que sorte eu tenho de ter você.
De volta ao hospital, compraram comida no refeitório. A maior parte do dinheiro já tinha ido embora, e ir e voltar era cansativo.
De volta em casa, as duas mulheres começaram a lavar e preparar os ingredientes.
— Deixa as tâmaras de molho primeiro. Hoje não vai dar tempo de fazer com carne — vamos usar ovos. Amanhã a gente acorda cedo e compra carne. Vamos preparar um panelão de mingau de painço. O clima tá esquentando, então não vai esfriar muito no caminho.
— Quanta farinha usamos?
Gui Xiang hesitou com o saco de farinha nas mãos.
— Vamos fazer duzentos. Se não vender tudo, a gente come. Se fizer pouco e vender bem, não vamos ter tempo de fazer mais.
Yang Yufen pensou por um instante antes de decidir.
— Certo. Já tá tarde — você devia voltar pra casa, não tem duas crianças pra cuidar?
Gui Xiang olhou as horas. Dava conta da massa sozinha.
— Tem razão. Vou deixar o triciclo com você — usa ele pra levar o jantar mais tarde. Hoje à noite eu fico com você. O café da manhã tem que ser vendido cedo, quando os pãezinhos estão mais fresquinhos. O horário faz diferença.
Yang Yufen olhou o relógio.
Gui Xiang a olhou com culpa.
— Prometi que ia te ajudar a ganhar dinheiro, e não vou descansar até conseguir. Agora vai logo. Preciso desenterrar umas raízes de alho-poró quando voltar. Você pode ir lavrando a terra aqui — quanto antes plantar, antes a gente colhe.
Dito isso, Yang Yufen lavou as mãos e correu de volta para o conjunto residencial.
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