Capítulo 81 – Saindo do Banho
Wang Yanqing voltou para casa de carruagem, e Ling Xi e Ling Luan já a aguardavam havia muito tempo. Assim que a viram, correram para ajudá-la a tirar o traje de musicista.
— Senhorita, a água já está pronta. Quer tomar banho agora? — perguntou Ling Xi.
— Eu mesma dou conta. Vão cuidar das roupas primeiro — respondeu Wang Yanqing.
Ling Xi e Ling Luan assentiram, deixaram os itens de banho no cômodo, fizeram uma reverência e se retiraram. Para se disfarçar como uma musicista, Wang Yanqing havia usado bastante pó no corpo. Ela suportou o incômodo o caminho todo, mas agora que finalmente estava de volta, mergulhou rapidamente na água para lavar o cheiro de pó e restaurante.
Ela se afundou na banheira, os cabelos soltos caindo pelas costas, revelando apenas os ombros finos e graciosos. Sua pele parecia jade sob a névoa; nem as gotas d’água conseguiam aderir a ela. Elas escorriam pelas clavículas e logo se perdiam na água morna.
Wang Yanqing pegou a água com as mãos e a derramou sobre os braços, refletindo sobre o que havia acontecido. Só soube à tarde que teria que se passar por uma musicista. Teve tempo apenas para ensaiar duas músicas e, depois de mal decorar como tocar o guqin, foi levada ao restaurante. Já havia uma mulher no quarto quando ela chegou. Usava o traje de musicista e não pareceu surpresa ao vê-la. Entregou a Wang Yanqing um novo conjunto de roupas e explicou com cuidado como tocar o guqin e como reagir caso alguém lhe dirigisse a palavra.
O tom dela era calmo e firme, como se já tivesse feito aquilo muitas vezes. Será que era uma Guarda Imperial disfarçada? Ou talvez uma espiã da Guarda?
A Torre Ruyi era conhecida por ser a melhor da capital. Naturalmente, conhecia os tabus das famílias de altos oficiais, e não chamaria qualquer uma para entreter um convidado de alto escalão como o Marquês de Wuding. O dono do lugar seria extremamente cauteloso, escolhendo apenas mulheres confiáveis para isso.
Wang Yanqing era uma estranha. Se a outra mulher também fosse, seria difícil o dono da Torre confiar em ambas.
Quando Guo Xun e os outros entraram no salão privado, Wang Yanqing ficou muito nervosa, temendo ser notada. Felizmente, os três estavam ocupados discutindo assuntos da corte e não lhe deram atenção ali atrás do biombo. Não demorou para Lu Heng chegar, e o coração de Wang Yanqing finalmente se aliviou. Só então pôde observar o comportamento dos presentes.
A música havia sido cuidadosamente organizada, com o pipa como instrumento principal. Wang Yanqing apenas precisava acompanhar em certos trechos, tocando notas mais baixas para intensificar a melodia. O plano seguiu sem problemas. Fu Tingzhou e Guo Xun se ausentaram um após o outro, e Lu Heng pôde conversar com Xia Wenjin a sós. Wang Yanqing, sentada atrás do biombo modificado, pôde ver claramente todas as expressões de Xia Wenjin.
Lu Heng recusou-se a trocar de assento ao entrar na sala privada. O posicionamento era crucial: Guo Xun ocupava o assento principal, Xia Wenjin estava à esquerda, Fu Tingzhou à direita, e Lu Heng ao fundo. O biombo ficava ao lado direito da sala, de frente para Xia Wenjin, permitindo que Wang Yanqing o observasse sempre que ele levantava a cabeça. Enquanto Lu Heng conversava, ela ficava escondida, analisando silenciosamente. Quando ele terminou suas perguntas, fingiu precisar falar em particular e assim retirou Wang Yanqing discretamente.
Tudo correu com naturalidade, e Xia Wenjin não suspeitou de nada. Wang Yanqing não soube o que aconteceu depois. Assim que saiu, foi imediatamente escoltada até a saída lateral da Torre Ruyi, onde já havia uma carruagem à sua espera. A Guarda Imperial já havia preparado o caminho, e Wang Yanqing voltou à residência dos Lu sem sequer tropeçar em uma pedra.
Tudo correu surpreendentemente bem — nenhuma das situações que haviam ensaiado se concretizou. Pensando nisso enquanto estava na água, Wang Yanqing sentiu que o banho começava a esfriar, então se levantou para se vestir.
Wang Yanqing não gostava de depender dos outros para tarefas pessoais, então tomava banho e trocava de roupa sozinha. Como já era quase hora de dormir, nem se preocupou em vestir um bustiê. Colocou uma roupa de baixo limpa, amarrou o colarinho de qualquer jeito e saiu para pentear o cabelo.
Sentou-se diante do espelho e começou a pentear os longos fios com cuidado. Ao procurar o creme para os cabelos, percebeu que uma das caixas estava faltando. Instintivamente chamou:
— Ling Xi...
Mas logo se lembrou de que havia dispensado as criadas. Mesmo que chamasse, elas não a ouviriam.
Wang Yanqing suspirou baixinho e já ia se levantar para procurar o creme sozinha, quando uma voz surgiu atrás dela:
— O que você está procurando?
Wang Yanqing se assustou ao ouvir a voz. Virou-se rapidamente, mas suspirou de alívio ao reconhecer a figura atrás dela. Depois, lembrando-se da própria situação, segurou com pressa as lapelas da roupa e se levantou:
— O que você está fazendo aqui?
Lu Heng piscou, com um olhar inocente:
— Eu vim porque quis. Não posso?
Ele continuava agindo como se nada tivesse acontecido, devolvendo a pergunta para ela. Wang Yanqing engasgou, mordeu o lábio e disse:
— Já está tarde...
Era noite, tudo silencioso, e ele aparecia no quarto de uma dama. Será que achava isso apropriado? Lu Heng também olhou pela janela e assentiu:
— De fato, já está tarde. É melhor terminar de pentear o cabelo, logo será hora de dormir. Você acabou de chamar Ling Xi, o que está procurando?
Era como tentar argumentar com quem não se importava. Wang Yanqing não teve outra escolha senão responder:
— Uma caixa de creme para os cabelos. Acho que a Ling Xi deixou no Pavilhão Duobao.
Lu Heng saiu obedientemente para procurar no Pavilhão. Assim que ele se afastou, Wang Yanqing correu para pegar um casaco comprido e o amarrou depressa no corpo. Já vestida, Lu Heng voltou com algo na mão:
— Havia várias no Pavilhão Duobao. Como eu não sabia qual você queria, peguei a que tinha o cheiro que eu mais gostei. Serve?
Wang Yanqing olhou e assentiu:
— Serve.
Ela estendeu a mão para pegar o creme, mas Lu Heng não entregou.
— É difícil passar na parte de trás do cabelo. Eu faço isso para você.
Wang Yanqing recusou rapidamente:
— Isso não é apropriado...
— Você me ajudou com meus curativos, agora eu passo o creme pra você. Educação básica — disse Lu Heng, ignorando a recusa dela. Segurou-lhe os ombros e a empurrou de volta ao banquinho diante do espelho. — Isso não é nada. Vou ter que aprender mesmo, já vale como prática.
O tom dele era suave, mas a atitude firme. Wang Yanqing não ousava levantar a voz — se alguém entrasse agora, seria ainda mais embaraçoso. Antes que pudesse reagir, Lu Heng já a tinha colocado no lugar. Ela suspirou discretamente, sabendo que não poderia vencê-lo, e acabou cedendo.
Lu Heng abriu a caixinha, liberando um leve aroma vegetal que tomou o quarto. Ele pegou uma pequena porção com os dedos, ergueu os cabelos molhados de Wang Yanqing e começou a aplicar o creme com cuidado.
O perfume se espalhou, e a fragrância delicada ficou mais forte. Enquanto aplicava, Lu Heng comentou:
— Quando abri, achei que combinava com o seu cheiro natural. Mas agora acho que é até exagerado, esconde a sua fragrância delicada de verdade.
Wang Yanqing corou ao ouvir isso. Ela nunca tinha percebido seu próprio cheiro, mas também ficou constrangida demais para perguntar como ele sabia. Fingiu que não ouviu e desviou o assunto:
— Quando você voltou?
Wang Yanqing achava que ele demoraria, já que precisava socializar com o Marquês de Wuding e os outros. Por isso, tomou banho e se trocou com calma. Na verdade, Lu Heng já havia voltado havia um tempo. Quando soube que ela estava no banho, foi trocar de roupa e depois foi direto ao quarto dela. Como ela não saía, pensou que tivesse dormido e quase mandou alguém ajudá-la.
Mas Lu Heng temia que ela ficasse constrangida, então disse:
— Não demorou muito, você saiu justo quando eu entrei.
O coração de Wang Yanqing apertou ao ouvir isso. Ele chegou antes? Ela mordeu a parte de dentro do lábio inferior, irritada:
— Por que não me chamou quando chegou?
O lavatório ficava nos fundos do quarto de Wang Yanqing. Fora do anexo havia um canto quadrado cercado por biombos e cortinas. Dentro ficavam baús de roupas e cestos — um espaço reservado para trocar de roupa. Havia uma penteadeira ao oeste do biombo e a cama ao sul. A frente da cama também era bloqueada por um biombo dobrável com pintura de paisagem. Do lado de fora do biombo, havia um conjunto de mesinha e cadeiras de mogno com pernas curvas.
Todo o espaço do quarto não era aberto, mas dividido em áreas funcionais com cortinas, biombos e divisórias do chão ao teto. Pouco antes, Lu Heng não havia entrado no quarto, estava esperando do lado de fora. Quando Wang Yanqing saiu, sua visão foi bloqueada pela divisória e ela não olhou propositalmente para fora, por isso não percebeu que havia alguém ali. Da mesma forma, Lu Heng, sentado fora, não podia ver o que acontecia lá dentro.
No entanto, só de pensar que ela trocou de roupa enquanto Lu Heng estava sentado do lado de fora, Wang Yanqing já se sentia desconfortável. Lu Heng não discutiu e assentiu calmamente:
— Está bem, vou prestar atenção da próxima vez.
Próxima vez?
As sobrancelhas de Wang Yanqing se moveram levemente. Ela não quis dizer isso, mas experiências anteriores já a haviam ensinado a não tentar argumentar com Lu Heng — ele sempre acabava conseguindo ainda mais. Então, fingiu que não ouviu. Lu Heng pegou uma mecha do cabelo molhado dela, passou o bálsamo e a colocou para o outro lado. Wang Yanqing pegou o pente de marfim e começou a escovar lentamente os fios que caíam pela frente, perguntando:
— Irmão, por que voltou tão cedo?
Lu Heng respondeu com naturalidade:
— Qual a graça de beber com um monte de homens?
Bem melhor voltar pra casa e ver a beleza saindo do banho.
Wang Yanqing segurou uma mecha de cabelo preto e disse, surpresa:
— Eu vi você rindo e conversando no banquete, brincando e falando com todo mundo. Achei que estava se divertindo.
— Justamente por isso é chato — disse Lu Heng. — Quem liga pros filhos e netos deles? Os meus próprios filhos ainda nem nasceram.
Sempre que Lu Heng estava por perto, se ele quisesse, não havia momento de silêncio constrangedor. Sabia muita coisa, tinha excelente memória, era articulado e conseguia cuidar de todos ao redor. Para os outros, isso era confortável — mas para ele, não tinha graça nenhuma.
Cada palavra era pensada, cada resposta calculada. Não podia ouvir com leveza, nem falar com liberdade. Nada melhor do que um momento de calma. Lu Heng aplicou o bálsamo nos cabelos dela, pegou o pente e perguntou:
— Você acha que Xia Wenjin falou a verdade hoje?
Wang Yanqing pensou por um instante e respondeu:
— Pode não ter sido toda a verdade, mas ele provavelmente não mentiu sobre Xue Kan.
Pessoas comuns revelavam emoções com facilidade, mas altos funcionários eram mais difíceis de decifrar. Wang Yanqing analisou cuidadosamente a reação de Xia Wenjin naquela noite e disse:
— Quando você mencionou que Xue Kan confessou, ele controlou rapidamente a expressão, mas as sobrancelhas se ergueram — estava surpreso. Depois, quando você testou se ele estava dizendo a verdade, ele fingiu estar bravo e indignado, mas as sobrancelhas permaneceram relaxadas. Sobrancelhas erguidas demonstram ausência de pressão. Se ele tivesse incitado Xue Kan, mesmo confiando no caráter dele, não estaria tão tranquilo.
Lu Heng assentiu. Era semelhante ao seu próprio julgamento. Wang Yanqing tirava conclusões pelas expressões; ele, pela lógica. Não fazia sentido Xia Wenjin tomar uma atitude dessas. O príncipe herdeiro ainda era jovem, havia várias concubinas grávidas no harém — ninguém sabia o que o futuro traria. Por que Xia Wenjin se exporia tão cedo? Era mais provável que essa acusação tivesse sido inventada por Zhang Jinggong para eliminar os demais.
Xia Wenjin provavelmente tinha certeza disso, por isso agia com confiança.
Lu Heng arrumou cuidadosamente o cabelo de Wang Yanqing atrás das costas, segurou seus ombros com ambas as mãos e se inclinou para olhá-la no espelho:
— O imperador só me pediu para descobrir o que aconteceu. Não tenho tempo pra saber quem é quem. Amanhã, posso ir vê-lo pessoalmente.
Wang Yanqing assentiu, mas não se moveu. Seu instinto dizia que aquilo não era o que Lu Heng realmente queria dizer. E, de fato, Lu Heng fez uma pausa antes de continuar:
— Você ouviu o que Fu Tingzhou disse hoje. O que acha que vai acontecer se o imperador o conceder em casamento com o Marquês de Yongping?
Wang Yanqing achou a pergunta de Lu Heng estranhamente deslocada e respondeu, confusa:
— Então isso é bom. Ele e o Marquês de Wuding se beneficiam mutuamente. Ele combina perfeitamente com a senhorita Hong. São um casal ideal. Irmão, por que pergunta?
Algo pareceu brilhar nos olhos de Lu Heng — algo escuro, misterioso, com um significado que ela não conseguia decifrar. Mas, ao olhar de novo, os olhos dele estavam límpidos e suaves, encarando-a com ternura. Wang Yanqing pensou que devia ter sido o reflexo no espelho de bronze... talvez tivesse se enganado.
O que Lu Heng queria perguntar? Ele queria saber se ela o culparia. Quando Wang Yanqing recuperasse a memória e percebesse que ele havia manipulado a situação para forçar Fu Tingzhou a se casar com a filha da família Hong — destruindo completamente o caminho entre Wang Yanqing e o homem por quem ela tinha sentimentos. Mas então, Lu Heng refletiu e percebeu: o que está feito, está feito. Se houvesse afeto e Wang Yanqing se magoasse, Lu Heng voltaria atrás?
Ele sabia que não.
Portanto, nem valia a pena perguntar.
Lu Heng olhou para Wang Yanqing e sorriu. Estendeu a mão para tocar sua bochecha e a encarou através do espelho:
— Qing Qing, e se eu pedir ao imperador que conceda nosso casamento?
Wang Yanqing ficou levemente surpresa e, então, entendeu de repente — era isso que ele queria dizer. Por isso estava tão estranho antes. Ela apertou os lábios e disse:
— Mas o seu período de luto ainda não acabou.
Lu Heng ergueu as sobrancelhas, sem saber se ficava feliz ou triste. A parte boa era que ela não recusou — só estava preocupada com o luto. A parte ruim... é que o luto era real.
E quanto mais pensava, mais frustrado ele ficava. A pele sob sua mão era como resina fina, a beleza refletida no espelho parecia esculpida em jade... mas ele não podia fazer nada. Lu Heng não se deu por satisfeito e, de súbito, se inclinou e mordeu com força a bochecha dela. Wang Yanqing riu e se afastou:
— Para com isso, até creme de cabelo você já passou no rosto!
Aproveitando a deixa, Lu Heng mudou de posição, agarrou os lábios de Wang Yanqing e os tomou ferozmente. Um dos braços envolveu os ombros dela, puxando-a com força contra o peito. Wang Yanqing tentou empurrá-lo, sem sucesso, até quase perder o fôlego no beijo.
Lu Heng então parou, também ofegante. Encostou-se ao pescoço dela, sua respiração quente soprando junto à orelha de Wang Yanqing:
— Pronto, você disse. Vamos nos casar quando meu luto terminar.
Capítulo 82 – Por Trás das Cortinas
No Pavilhão Dongnuan, o sol brilhava sobre o queimador de incenso, e uma fumaça esverdeada subia em espiral pela luz dourada.
Lu Heng permanecia em frente à mesa imperial, relatando a investigação ao imperador com calma e clareza.
— Após o fim da corte no décimo segundo dia do décimo mês, Xue Kan visitou a residência da família Peng e mostrou a Peng Ze a versão final do memorial que acabara de escrever. Peng Ze ofereceu-lhe uma refeição. À mesa, disse que havia bebido demais e não estava em plena consciência. Pediu a Xue Kan que deixasse o memorial, dizendo que o leria quando estivesse sóbrio no dia seguinte. Xue Kan concordou, e no dia seguinte, Peng Ze foi ao Pavilhão Wenyuan procurar o Primeiro-Auxiliar Zhang, e teve uma conversa secreta com ele, a sós, por meia hora. À tarde, o Primeiro-Auxiliar Zhang apresentou uma cópia do memorial e solicitou audiência.
Enquanto falava, Lu Heng entregou ao imperador o rascunho original do memorial escrito por Xue Kan. O imperador o pegou e examinou. De fato, era bastante semelhante ao que Zhang Jinggong havia apresentado. Ao perceber que o imperador já havia lido quase tudo, Lu Heng prosseguiu:
— Encontrei esse rascunho no estúdio da família Xue, junto com várias folhas rasuradas. Um servo da família também confessou que Xue Kan vinha trabalhando nesse memorial desde o início do décimo mês, revisando e reescrevendo inúmeras vezes, mas não conseguia se decidir. Um outro servo disse que, em determinado dia, por volta do meio do mês, Xue Kan voltou para casa embriagado e parecia estar de ótimo humor. No décimo quarto dia, Peng Ze ofereceu um banquete para Xue Kan na Torre Zuixian, devolveu-lhe o memorial, elogiou a redação e o incentivou a apresentá-lo ao imperador o quanto antes. Xue Kan ainda hesitava, até que, no vigésimo dia, Peng Ze o procurou novamente e disse que o Primeiro-Auxiliar Zhang também apreciara muito a ideia e que, se Xue Kan apresentasse o memorial, Zhang o apoiaria. No vigésimo primeiro dia do décimo mês, Xue Kan transcreveu o memorial e o trouxe até esta mesa.
Lu Heng não conectou diretamente as causas e efeitos, mas só com a sequência de datas e ações já bastava para que o imperador deduzisse o ocorrido. O imperador pousou o rascunho e perguntou:
— Onde está Xia Wenjin?
As suspeitas do imperador não eram seletivas. Se Zhang, o Primeiro-Auxiliar, não era puro, então e os outros membros do gabinete? Eles também não desejavam influenciar o herdeiro do trono? Lu Heng estava preparado e respondeu com calma:
— Xue Kan e o Ancião do Gabinete Xia têm, sim, uma relação pessoal. A última vez que se encontraram foi no sexto mês. Desde a Patrulha do Sul, o Ancião Xia não voltou a vê-lo. Segundo um servo da mansão Xia, eles conversaram por uma hora naquele mês, mas o servo apenas trocou o chá e se retirou, não ouvindo claramente o conteúdo.
Essas informações cobriam restaurantes, as casas das famílias Xue, Peng e Xia, assim como residências de oficiais na cidade imperial. Lu Heng havia desvendado tudo com clareza, chegando a escutar parte das conversas, o que demonstrava o poder da rede de inteligência da Guarda Imperial. O título de olhos, ouvidos e garras do imperador não era exagero.
Lu Heng reunira muitas pistas — o suficiente para resolver o caso. Ele testou pessoalmente Peng Ze e Xia Wenjin, apenas por garantia. As reações de ambos confirmaram suas suspeitas. Lu Heng não tinha dúvidas sobre sua conclusão e foi ao palácio confiante.
Ele não apontou diretamente quem formava facções ou buscava ganhos pessoais. Apenas expôs os fatos diante do imperador, e este que tirasse suas próprias conclusões. O imperador suspirou levemente. Parecia que o resultado estava dentro do que ele já imaginava.
O imperador não comentou a disputa entre Zhang e Xia, mas perguntou calmamente:
— A situação em Datong está cada vez mais tensa. Em sua opinião, quem deve ser enviado para liderar o exército?
Essa era uma pergunta difícil. Lu Heng fez uma pausa e respondeu com cautela:
— Em minha opinião, o Vice-Censor Imperial Zeng Xian conteve a revolta em Liaoyang, repeleu repetidamente as tribos do norte em Shandong, construiu a cidade externa de Linqing, e tem rica experiência em batalhas contra os mongóis. O Vice-Censor Imperial Yang Bo cultivou terras, construiu canais e fortalezas enquanto atuava como inspetor geral na província de Gansu, pacificou os Handong e realizou muitos feitos em defesa da fronteira, mantendo Suzhou em ordem. Já o falecido Marquês de Zhenyuan, Fu Yue, foi governador militar de Xuanfu, Datong e Shanxi. Era renomado entre os soldados do noroeste. Diz-se que Fu Yue comia e dormia com os soldados em Datong e contava com seu amplo apoio. Se seu neto, Fu Tingzhou, for enviado para Datong, certamente elevará o moral das tropas e alcançará resultados superiores com menor esforço. Acredito que esses três nomes são boas opções.
Esses três candidatos vinham de origens pobres, burocráticas e nobres — cobrindo todas as bases possíveis. Exceto Fu Tingzhou, que nunca havia estado no campo de batalha, os outros dois tinham sólida capacidade militar. O imperador pensou consigo mesmo que Lu Heng era realmente escorregadio: respondeu prontamente, sem se comprometer, deixando a decisão nas mãos do imperador.
— Zeng Mian é atualmente governador de Shandong e não pode ser transferido sem autorização — disse o imperador. — Yang Bo seria adequado, mas voltou para casa após a morte de sua mãe e ainda está em luto. Se Fu Yue estivesse vivo, seria a escolha perfeita para este comando. Mas o céu inveja os bons generais. Antes de morrer, Fu Yue disse que criou pessoalmente o neto, ensinando-lhe artes marciais, estratégia e tática militar. Que, se um dia houvesse dificuldades nas nove cidades, Fu Tingzhou poderia ser enviado para resolvê-las. Fu Yue lutou contra os mongóis por muitos anos e conhecia Datong como ninguém. O sucessor que criou deve ser competente. No entanto, Fu Tingzhou ainda é muito jovem.
Não importava o quão bem Fu Yue tivesse ensinado, Fu Tingzhou nunca estivera em combate real. Quem podia garantir que ele não era apenas um teórico? O imperador refletia há dias. Havia muitos generais, mas ninguém com o perfil certo, no momento certo.
As fronteiras da dinastia Ming eram longas. Jurchens no nordeste, mongóis no noroeste, piratas japoneses no sudeste, tribos instáveis no sudoeste. Um único movimento afetava todo o sistema, e generais não podiam ser transferidos de forma impulsiva. Dos desempregados militares na capital, poucos eram adequados: muitos estavam velhos, acomodados ou cheios de si. Fu Tingzhou tinha o nome, mas faltava-lhe experiência.
O imperador ponderou por muito tempo. Agora era hora de decidir. Ao ouvi-lo, Lu Heng compreendeu sua inclinação.
Ele já esperava por isso. A família Lu era de tradição militar — como não saber quem ainda estava disponível no tribunal? Seguindo a linha do imperador, Lu Heng comentou:
— Wei Huo tinha apenas vinte anos quando se destacou em combate. Os oficiais militares não são como os civis; idade não é obstáculo.
Quanto mais velhos os oficiais civis, melhor. Mas os generais de fronteira devem ser jovens. Desde os tempos antigos, os grandes generais surgiam na juventude. Com a idade, vinha o medo e a hesitação nos campos de batalha.
O imperador também pensava assim. Porém, hesitava:
— Mas ele não tem experiência em comandar tropas. E se for jovem e impetuoso e cair em alguma armadilha?
— O Marquês de Zhenyuan pode não ter experiência — respondeu Lu Heng —, mas o Marquês de Wuding esteve por anos no exército e tem muitos subordinados capazes. Ouvi dizer que o Marquês de Zhenyuan se casará em breve com a terceira senhorita do Marquês de Yongping. Quando o casamento se realizar, ele se tornará sobrinho e genro do Marquês de Wuding. Com isso, é natural que o Marquês envie homens de confiança para acompanhá-lo e aconselhá-lo no campo de batalha.
O imperador olhou para Lu Heng. Este abaixou os olhos, sereno, deixando-se observar. As sobrancelhas do imperador se moveram ligeiramente, e um brilho de compreensão surgiu em seu olhar.
Então era isso. Ele se perguntava por que Lu Heng havia contido discretamente a confiança da família Fu algum tempo atrás. E agora, indicava Fu Tingzhou. Esse era o objetivo desde o começo.
Lu Heng se envolvera profundamente no roubo daquela mulher — e ainda estava preso à cena. Zhang Jinggong usara o imperador para suprimir rivais, o que o deixara furioso ao perceber. Mas Lu Heng, que tramava abertamente contra adversários e ainda roubava a mulher de outro, parecia aceitável aos olhos do imperador.
Foi da natureza humana se entregar ao vinho, ao sexo e à riqueza. Lu Heng sabia o que era mais importante. Embora tivesse suprimido a família Fu, ele jamais atrasaria os assuntos da guerra. Sabia ceder quando era necessário. Só podia usar esse evento nacional para satisfazer seu desejo pessoal.
Depois de entender tudo isso, o imperador sentiu-se mais tranquilo em relação a Lu Heng. Quanto mais capaz fosse um oficial, menos se temia que fosse impedido por seus próprios interesses. Se fosse alguém como Hai Rui, sem desejos e inteiramente voltado para seus ideais, o imperador nem ousaria usá-lo.
O imperador estava plenamente ciente das intenções de Lu Heng e, ao dizer aquilo, Lu Heng também lhe pedia — indiretamente — que satisfizesse seus desejos. O imperador sempre fora muito tolerante com seus ministros que haviam prestado serviços meritórios, e aquilo não era grande coisa. Disse, satisfeito:
— Você fez bem em me lembrar que espadas não têm olhos no campo de batalha. Antes de ir para a guerra, é preciso resolver primeiro o casamento. Fu Tingzhou e a filha do Marquês de Yongping têm idades semelhantes e se dão bem. Se puderem se casar, será uma bela história.
Lu Heng alcançou seu objetivo, uniu as mãos em saudação e declarou:
— O imperador é sábio.
Era fácil para o imperador conceder um casamento às famílias Fu e Hong, mas, inesperadamente, isso também resolvia as pendências de Lu Heng. Era sua própria mulher e seu próprio esforço. O imperador não teria que se tornar o vilão da história. O imperador continuou:
— Peng Ze está fomentando problemas, e os funcionários do Ministério de Nomeações talvez não estejam alheios a isso. Você deve investigar o pessoal do Ministério de Nomeações e do Ministério da Receita, assim como Li Shi e Zhai Luan, e ver o que têm feito neste período.
Li Shi e Zhai Luan eram ambos estudiosos do gabinete. Havia seis membros no total. O imperador agora investigava quatro de uma vez. Era evidente que haveria uma investigação em larga escala. Lu Heng aceitou a ordem, curvou-se e se retirou.
Os objetivos de Lu Heng haviam sido alcançados com sucesso naquele dia. Quanto à concessão imperial de casamento entre ele e Wang Yanqing, ele jamais teve intenção de pedi-la desde o início.
O cerne do problema entre ele e Wang Yanqing não era uma questão de formalidade. Se isso não fosse resolvido, mesmo que Wang Yanqing fosse forçada a se casar por decreto imperial, ela não perdoaria Lu Heng e talvez até o rejeitasse e se afastasse. Essas questões precisavam ser resolvidas por ele, pessoalmente.
Ele teria que atuar em duas frentes. Precisava cultivar rapidamente os sentimentos de Wang Yanqing por ele, e não podia afrouxar a pressão sobre Fu Tingzhou. Wang Yanqing podia ser conquistada aos poucos, mas Fu Tingzhou precisava ser suprimido imediatamente — ele não podia ter chance alguma de reacender a chama.
Lu Heng já havia concluído o caso de Xue Kan e estava prestes a entrar na segunda fase da missão, mas Guo Xun e os demais ainda estavam lutando. Com Zhai Luan e Qin Fu, um tentando apaziguar e o outro recusando-se a cooperar, Guo Xun e o Chefe Auxiliar Zhang entraram em confronto.
O Chefe Auxiliar Zhang era impaciente e autoritário, e interveio no interrogatório de Xue Kan. Guo Xun já nutria antipatia por esse grupo de burocratas e, sem a menor cortesia, ignorou Zhang e fez diversos comentários sarcásticos.
Zhang Jinggong não suportava esse tipo de provocação, então também contra-atacou. Guo Xun era o Marquês de Wuding, muito estimado pelo imperador e difícil de atingir, mas os demais membros da família Guo não tinham essa proteção. Como Chefe Auxiliar, Zhang Jinggong não podia tocar em Guo Xun diretamente, mas tinha poder de sobra para lidar com os outros.
Quando os aliados de Guo Xun foram implicados, ele ficou furioso. Passou a implicar cada vez mais o grupo de Zhang e a acusá-lo de envolvimento na questão da sucessão do príncipe herdeiro para qualquer um que quisesse ouvir. Afinal, o imperador havia encarregado Guo Xun de investigar o caso, mas não o questionou sobre os métodos para encontrar provas. Guo Xun implicava pessoas sem cautela, e a prisão ficou superlotada por um tempo.
Enquanto as duas grandes facções — a militar e a burocrática — se enfrentavam ferozmente, uma notícia bombástica chegou subitamente do harém. O foco da investigação, o príncipe mais velho, protagonista do memorial que provocara a ira do imperador, faleceu de doença tarde da noite.
No décimo segundo mês do décimo segundo ano do reinado Jiajing, o filho mais velho — que o imperador esperara por tantos anos — morreu apenas dois meses após nascer.
Nem mesmo o palácio imperial era imune às doenças. A morte de bebês era comum, especialmente no caso do príncipe mais velho, que nascera prematuramente e já era frágil. O imperador ficou profundamente abalado e de muito mau humor. Quando Guo Xun e os outros viram o que havia ocorrido — que o príncipe mais velho morrera —, perceberam que continuar discutindo sobre a sucessão seria como jogar sal na ferida do imperador. Guo Xun e Zhang Jinggong só puderam recuar e comparecer ao palácio cabisbaixos para prestar esclarecimentos.
O imperador ficou furioso ao ver aqueles homens. Ele havia enviado dois grupos de pessoas ao mesmo tempo para descobrir quem havia incitado a sucessão do príncipe. Lu Heng havia entregue um relatório completo um mês antes. Porém, aquele grupo — com os melhores recursos — não apresentara resultado algum até então. Só agora, com o candidato morto, voltavam para prestar contas? Como o imperador não se enfureceria?
Zhang Jinggong, Guo Xun e Zhai Luan estavam em pé no Palácio de Qianqing, ouvindo a bronca do imperador de cabeça baixa, envergonhados. Era mesmo um azar. Aqueles que estavam ali não eram tolos. Viram claramente que o imperador queria usar a questão da sucessão para acertar as contas dentro da corte. Não os forçava isso a escolher lados? Mas em que momento uma divisão na corte ocorria sem feridas graves e derramamento de sangue? No fim, ainda assim não escolheram bem — o príncipe mais velho morrera de doença.
Zhang Jinggong e Guo Xun também se sentiam injustiçados. Mas sorte também fazia parte da competência — só restava aceitá-la.
Guo Xun originalmente pretendia esperar até que o caso estivesse praticamente resolvido para, então, ao apresentar o relatório ao imperador, aproveitar seu bom humor e mencionar casualmente a concessão de casamento. No fim, o príncipe morreu na infância, e Guo Xun foi repreendido em vez de recompensado.
Ele não ousou mais tocar no assunto do casamento. O imperador agora estava de luto pelo filho. Quão míope seria Guo Xun se fizesse tal pedido naquele momento?
Depois que terminou de repreendê-los, o humor do imperador foi gradualmente se acalmando. Havia várias concubinas grávidas no harém. Apesar da tristeza, não era como se o mundo tivesse acabado. Após dar sua bronca, ele finalmente ofereceu um pouco de alívio.
O imperador declarou:
— Meu filho não estava destinado a viver no palácio, mas como pai e filho têm um laço, não posso deixá-lo partir sozinho. Ordeno que o príncipe mais velho receba o título de Príncipe Aichong e seja enterrado em Xishan. A Concubina Imperial Yan Li perdeu o filho ainda jovem. Não suporto ver tal sofrimento, então concedo-lhe o título de nobre concubina. O Ministério dos Ritos emitirá uma anistia geral ao país. A partir deste mês, os prisioneiros condenados à morte serão perdoados, e os exilados terão seus crimes isentados. Cometeremos menos mortes para orar por Príncipe Aichong.
Todos os oficiais responderam em uníssono. O imperador acrescentou:
— No início do ano, a Imperatriz Viúva Zhang faleceu, e no fim do ano, o Príncipe Aichong também partiu. Ainda assim, os assuntos do império não podem ser negligenciados. A situação em Datong está cada vez mais tensa e não pode mais ser adiada. Fu Tingzhou, Marquês de Zhenyuan, será nomeado Comandante-Chefe de Datong para protegê-la. Lembro que Fu Tingzhou ainda não é casado. Afinal, ele é descendente direto de Fu Yue. Se algo acontecer no campo de batalha, eu me sentirei em dívida com o General Fu. A terceira filha do Marquês de Yongping é respeitosa e sensível, e combina com o Marquês de Zhenyuan. Concedo o casamento a esses dois — escolheram bem a época para se casar.
Guo Xun se alegrou ao ouvir as primeiras palavras, mas ao escutar as últimas, estremeceu. A concessão de casamento havia sido mencionada há pouco tempo, e fora confidencial. Exceto por alguns amigos próximos, Guo Xun não contara a ninguém. Por que o imperador tomou a iniciativa de conceder esse casamento? O imperador acabara de mobilizar Fu Tingzhou e promover uma aliança entre os marqueses de Zhenyuan, Yongping e Wuding. Qual era sua verdadeira intenção?
Quanto mais Guo Xun pensava, mais assustado ficava. Depois de lidar com Guo Xun e sua facção, o imperador voltou-se para Zhang Jinggong. Este endireitou as costas, abaixou a cabeça e ficou em silêncio — sabia que o momento mais importante havia chegado.
O Palácio de Qianqing ficou tão silencioso que se podia ouvir o som do ar se movendo. A voz do imperador ecoou lentamente:
— Xue Kan fez uma proposta arrogante para estabelecer um príncipe que desconsiderava meu povo. Peng Ze fabricou uma conspiração e trouxe confusão à corte, prejudicando a linha de frente em Datong. Zhang Jinggong servia como Chefe Auxiliar, mas ouviu apenas um lado e agiu arbitrariamente. Ordeno que se retire do cargo e reflita sobre seus erros em casa.
Zhang Jinggong não ousou retrucar uma única palavra, apenas juntou as mãos em sinal de respeito e ofereceu seu pedido de desculpas. Para oficiais comuns, uma demissão era um assunto sério, mas para um assistente-chefe, ser demitido e reinstalado era questão de uma simples frase. Tudo dependia de o superior estar ou não disposto a continuar a usá-lo. Havia margem nas palavras do imperador. Embora estivesse claramente ressentido com Zhang Jinggong por sua teimosia e por rejeitar opiniões contrárias, ainda assim reconhecia suas capacidades.
Depois que Zhang Jinggong entrou para o gabinete, ele havia promovido resolutamente a limpeza das terras agrícolas e confiscado as terras ocupadas por eunucos, cultivadores e templos. Não hesitou em ofender outros e implementou um novo sistema de seleção para os exames imperiais. O imperador queria resolver o problema da anexação de terras, mas desta vez foi enganado por Zhang Jinggong, o que o fez perder prestígio e o deixou furioso. Assim, suspendeu Zhang Jinggong e o demitiu como um gesto simbólico, mas pretendia chamá-lo de volta depois de um tempo.
Zhang Jinggong entendeu isso e suspirou de alívio em segredo. O imperador primeiro usava de gentileza e poder para repreender todos, antes de deixá-los sair.
Todos saíram do Palácio Qianqing. Guo Xun e Zhang Jinggong vinham se enfrentando há muito tempo, e já se detestavam havia muito. Agora que a facção de Guo Xun havia conquistado poder militar e recebido um casamento de prestígio, enquanto Zhang Jinggong havia sido suspenso, Guo Xun não conseguia disfarçar o orgulho. Sorriu e juntou as mãos em direção a Zhang Jinggong:
— Zhang trabalhou arduamente por um ano, e agora pode descansar com tranquilidade. Meus parabéns. Infelizmente, há muitos assuntos pendentes no fim do ano e meu escritório está sobrecarregado, então não poderei lhe fazer companhia. Perdoe-me, Zhang, mas partirei primeiro.
Zhang Jinggong olhou para Guo Xun e zombou:
— Por favor, Marquês de Wuding, agora sou apenas um homem comum e não ousaria desperdiçar o tempo do Marquês de Wuding.
Guo Xun partiu satisfeito, deixando sua marca. Zhai Luan se aproximou para saudar Zhang Jinggong, trocou algumas palavras com ele e voltou ao pavilhão.
Zhang Jinggong caminhava sozinho pelo palácio imperial. Todos estavam ocupados se deslocando de um lado para o outro, e apenas ele saía em silêncio. Os eunucos que passavam lançavam olhares furtivos a Zhang Jinggong, mas ele não se importava nem um pouco. Sua carreira já havia passado por altos e baixos várias vezes. No pior momento, quase foi liquidado até a morte por Yang Ting. O que significava essa pequena turbulência agora?
Era apenas ridículo que Guo Xun estivesse tão orgulhoso, achando que a demissão de Zhang Jinggong fora causada por ele. Realmente estúpido. O imperador nem esperou que eles relatassem os resultados da investigação — já os repreendeu assim que os viu. Isso demonstrava que o imperador já sabia a verdade. Se não foi Guo Xun quem investigou, então quem foi?
Guo Xun não passava de uma lâmina na mão de outro. Lu Heng era o verdadeiro homem assustador, por ter atravessado uma questão tão sensível, saído ileso e permanecido oculto nos bastidores o tempo todo.
Capítulo 83 — Indo para a Guerra
O ano estava chegando ao fim. O vento assobiava, e cada casa pendurava lanternas vermelhas. Vendedores empurravam seus carrinhos pelas ruas e vielas, vendendo artigos para o Ano Novo. A capital estava imersa numa forte atmosfera festiva. Não importava o que tivesse acontecido naquele ano — o Ano Novo sempre chegava.
Na Mansão do Marquês de Zhenyuan, os criados também corriam de um lado para o outro, ocupados entrando e saindo. No décimo segundo mês, o Príncipe Aichong faleceu. O imperador perdera mãe e filho no mesmo ano, e estava tão entristecido que ordenou que não houvesse festividades de Ano Novo no palácio. Diante disso, os nobres de fora também contiveram qualquer ostentação, temendo ofender o imperador.
E isso era ainda mais verdadeiro para a Mansão do Marquês de Zhenyuan. Embora o casamento concedido pelo imperador fosse uma boa notícia, o Marquês logo partiria para a guerra. A Madame e a Velha Madame da casa não tinham ânimo algum — não estavam em clima para banquetes de fim de ano.
No pátio principal, Fu Tingzhou discutia os novos arranjos de pessoal com um mordomo, quando de repente vozes se elevaram do lado de fora da janela. Pessoas discutiam em voz alta, em uma confusão barulhenta que não cessava. Fu Tingzhou lançou um olhar na direção do som e perguntou:
— O que está acontecendo?
Um jovem entrou rapidamente e cumprimentou Fu Tingzhou:
— Marquês, a Velha Madame mandou alguém.
Fu Tingzhou suspirou em silêncio. A única pessoa que ousava ignorar suas regras — e que ele não conseguia afastar — era sua mãe. A perturbação causada por Chen Shi já havia se espalhado até ali, e Fu Tingzhou não pôde evitar de sair pessoalmente. Levantou-se, mas caminhou lentamente, dizendo ao mordomo:
— Quando eu sair, os assuntos da mansão devem ser arranjados conforme eu acabei de dizer. Especialmente aqueles cargos-chave — estes não podem ser alterados sob hipótese alguma. Se alguém reclamar, diga que foi por minha ordem.
O “alguém” nas palavras de Fu Tingzhou referia-se ao pai, Fu Chang, e à mãe, Chen Shi. Esses dois jamais entenderiam, mas ambos tinham autoconfiança demais. Poderiam aproveitar a ausência de Fu Tingzhou em Pequim e, com “boa vontade”, assumir os assuntos da mansão. Fu Tingzhou não podia deixar que isso acontecesse. Melhor deixar os criados decidirem por conta própria do que permitir os conselhos daqueles dois.
Fu Tingzhou sentia-se exausto só de pensar nisso. Ele iria para Datong, para o campo de batalha. O caminho à frente era difícil e incerto, e mesmo assim ele ainda precisava se preocupar com o que ficava para trás. O mais irônico era que não eram inimigos que causavam essas dores de cabeça — eram seus próprios familiares.
Se Qing Qing ainda estivesse aqui, será que eu estaria tão amarrado assim?
Assim que esse pensamento surgiu, Fu Tingzhou rapidamente o afastou. O mordomo o acompanhava de perto e assentia. Ele conhecia muito bem a conduta da Velha Madame.
O mordomo não pôde evitar um suspiro ao ver que Fu Tingzhou, tão ocupado, havia emagrecido visivelmente em poucos dias. Após hesitar, disse:
— Marquês, não se preocupe. Eu cuidarei bem da Mansão do Marquês. A Velha Madame negligenciou os assuntos do lar durante o ano inteiro — ela não entende as dificuldades de estar no comando. O senhor está encarregado dos assuntos externos, não pode manter os olhos aqui dentro o tempo todo. Se houvesse uma senhora sensata nesta casa, o senhor se livraria de muitas preocupações.
Fu Tingzhou riu de si mesmo. Sim, se Wang Yanqing estivesse ali, ele já estaria se preparando para liderar o exército. Não precisaria se preocupar com a bagagem, com a alocação de pessoal ou com a gestão da mansão em sua ausência. Desta vez, ele teve que cuidar de tudo sozinho — e só então percebeu quantas pequenas questões ele nunca enxergara.
Descobriu que só conseguia se concentrar no mundo lá fora porque alguém, silenciosamente, cuidava de tudo para ele. Durante todos esses anos, jamais se preocupou com comida, roupas, moradia ou transporte. Nunca achou as viagens trabalhosas. Quando queria cavalgar, bastava mencionar — e alguém prontamente preparava sua bagagem: remédios para ferimentos, roupas, tudo o que ele podia ou não lembrar. Se precisasse, aquilo estaria lá.
Tudo era tão naturalmente simples e perfeito, que Fu Tingzhou achava que cuidar das trivialidades da vida era fácil — bastava o tempo de queimar um incenso.
Wang Yanqing era como ar e água para ele. Quando a tinha, não notava sua presença. Quando ela se foi, tudo se tornou extremamente difícil.
Quando ela desapareceu, Fu Tingzhou sentiu raiva e ressentimento, acreditando que precisava salvá-la — como se ela não pudesse viver sem ele. Mas depois, aos poucos, percebeu que mesmo sem memória, acordando em um lugar estranho, ela ainda conseguia levar uma boa vida. Na verdade, quem não conseguia viver sem ela era ele mesmo.
Chen Shi ainda esperava do lado de fora, mas Fu Tingzhou parou diante da porta, com o rosto melancólico e o olhar nostálgico — obviamente pensando em alguém. O coração do mordomo apertou. A pessoa nos pensamentos do marquês provavelmente não era quem ele desejava. Então, arriscou uma nova sugestão:
— Marquês, o imperador concedeu seu casamento com a terceira senhorita Hong. É uma grande honra. Embora tenha sido decidido por decreto imperial, o senhor irá para Datong e não se sabe por quanto tempo ficará. Não é adequado deixar a senhorita Hong esperando indefinidamente. Por que não pede perdão ao imperador e adia a partida por alguns dias para antecipar o casamento?
Essa era a opinião não só de Chen Shi e da Velha Madame, mas também da Mansão do Marquês de Yongping. Ninguém sabia quanto duraria a guerra — poderia ser questão de meses ou de anos. Não dava para arrastar Hong Wanqing indefinidamente. Em uma emergência, não havia necessidade de tanta cerimônia. Mesmo sem completar os seis rituais do casamento, não poderiam simplesmente ignorá-la. Se casassem rapidamente, tanto a família Fu quanto a Hong poderiam respirar aliviadas. O imperador concedeu o casamento justamente antes da guerra — sugerindo que apoiava essa solução.
Chen Shi e a Velha Madame já haviam mencionado isso várias vezes, ainda que indiretamente. Mas Fu Tingzhou fingia não entender. Estava decidido a partir para Datong — e quanto ao casamento, ignorava completamente, como se tanto fizesse.
Chen Shi estava tão ansiosa que até o mordomo já não conseguia se conter e resolveu lembrá-lo com sutileza. Ele conhecia os pensamentos de Fu Tingzhou. O marquês e Wang Yanqing cresceram juntos, sob os olhos de todos os criados antigos. Sempre foram inseparáveis. Se não fosse pela diferença entre homem e mulher, teriam até dividido a cama desde pequenos. Naquela época, o velho marquês e os criados achavam que os dois acabariam casando — tamanha era a sintonia. Por isso, fecharam os olhos para aquela proximidade. Mas quem imaginaria que as coisas se tornariam um caos quando crescessem?
Quando Fu Tingzhou propôs aliar-se à Mansão Yongping e manter Wang Yanqing como concubina, o mordomo achou injusto com ela. Mas, como servo da família Fu, acreditava que seu marquês merecia o melhor — e calou-se.
As pessoas não deveriam trair a própria consciência. Uma vez egoístas, acabavam cometendo erro após erro. Wang Yanqing caiu de um penhasco, e o marquês enlouqueceu em sua busca, ignorando o casamento com a família Hong. Foi aí que os Fu perceberam que Wang Yanqing tinha muito mais importância para Fu Tingzhou do que imaginavam.
Mas ainda assim, não levaram a sério. Afinal, era só uma mulher. Se ele não a encontrasse em poucos dias, esqueceria, pensaram. Mas Fu Tingzhou procurou feito louco por vários meses — e depois começou a enfrentar Lu Heng. Este, por sua vez, lutava com Fu Tingzhou como se tivesse enlouquecido.
O mordomo ficou horrorizado ao ver o que Fu Tingzhou fez nesse tempo. Nem mesmo os príncipes ousavam confrontar os Guardas Imperiais, mas Fu Tingzhou enfrentou o comandante mais temido desde a fundação da dinastia Ming — poderoso, audacioso e meticuloso. Como isso poderia acabar bem?
Especialmente durante a Patrulha do Sul — uma noite, Fu Tingzhou voltou coberto de sangue, o rosto pálido como papel, parecendo ter sofrido um golpe mortal. O médico disse que, se tivesse chegado um pouco mais tarde, estaria morto. A família Fu entrou em pânico e exigiu saber quem fizera aquilo — mas Fu Tingzhou permaneceu em silêncio. O mordomo tinha suas suspeitas.
Foi como um raio atingindo o mordomo — mas o pior ainda estava por vir. Fu Tingzhou parecia devastado depois disso, mergulhado numa melancolia sem fim. Nunca mais teve o vigor de antes. Até cogitou romper o noivado com a família Hong.
Quando retornou à capital, ordenou que o mordomo empacotasse os pertences de Wang Yanqing. Muitas dessas coisas passaram pelas mãos do mordomo, e aos poucos ele reuniu as peças do quebra-cabeça. Wang Yanqing parecia ter perdido a memória e se rendido a Lu Heng, mas o marquês ainda era obcecado por ela e insistia em “salvá-la”.
Mas pior do que confrontar Lu Heng era competir com ele por uma mulher. O mordomo estava enlouquecendo — mas não podia contar a ninguém. Felizmente, o imperador concedeu o casamento com Hong Wanqing. Agora o mordomo torcia para que o casamento acontecesse logo. Talvez, sem outra mulher por perto, o marquês ainda estivesse preso a Wang Yanqing. Mas se tivesse outra esposa, quem sabe essa obsessão passasse...
Quando ouviu as palavras do mordomo, o rosto de Fu Tingzhou permaneceu impassível. Respondeu sem hesitar:
— Ordens militares são como montanhas, e a situação no fronte muda rapidamente. Não há tempo para adiar por causa de casamento.
O mordomo ficou profundamente desapontado — mas não surpreso. Observou atentamente a expressão de Fu Tingzhou, tomou coragem e falou, ousadamente:
— Marquês, é bom que esteja preocupado com o campo de batalha, mas não pode ser descuidado com os assuntos da própria vida. A terceira senhorita Hong é sua futura esposa. Será melhor para todos se o senhor casar com ela o quanto antes.
Fu Tingzhou se virou e lançou ao mordomo um olhar gélido. Este suava em bicas, mas ainda assim cerrou os dentes — e não recuou.
Fu Tingzhou falava de interesses do país e da família, mas todos sabiam que estava apenas ganhando tempo — ainda pensando em Wang Yanqing. Ela agora estava nas mãos de Lu Heng. Mesmo que, um dia, Lu Heng se cansasse dela e a mandasse de volta para a Mansão Zhenyuan, seria possível reatar algo entre ela e Fu Tingzhou?
E onde ficaria a reputação da Mansão Zhenyuan, da Mansão Yongping... e até mesmo do imperador?
O que Fu Tingzhou mais odiava ouvir agora era a expressão “casamento concedido”. Todos o felicitavam, seus pais preparavam o casamento com alegria, e os que o rodeavam estavam felizes. Mas ele... era como se estivesse afundando em ondas turbulentas, tonto, sem saber onde estava.
Ele se arrependia.
Mas Lu Heng não lhe deixara espaço para remediar nada.
Fu Tingzhou sentia a garganta seca, e levou um momento para conseguir falar, rouco:
— Faça seu trabalho e não se preocupe com outras coisas.
Chen Shi esperou por muito tempo no vento gelado até finalmente ver Fu Tingzhou. Ele sabia que os problemas causados por sua mãe nunca teriam fim, então não teve escolha a não ser ir até ela pessoalmente. Quando Chen Shi o viu, imediatamente o puxou para sentar-se e começou a tagarelar:
— Marquês, você vai mesmo partir? O tempo esfriou de novo esses dias. Por que não espera até o Ano Novo passar para ir embora?
— Não. — Fu Tingzhou respondeu com o rosto inexpressivo, em tom calmo. — Ordens militares são tão pesadas quanto montanhas. Se forem atrasadas, os bens são confiscados e a sentença é a morte.
Chen Shi suspirou. Fu Tingzhou já havia falado em "morte", e ela não podia convencer o próprio filho a morrer. Então perguntou com sinceridade:
— Você já fez as malas? Levou comida? Está cercado só por homens, e homens não são cuidadosos ao arrumar bagagem. Que tal eu mandar alguém te ajudar?
Fu Tingzhou nem sequer deu ouvidos àquelas palavras e rejeitou sem piedade:
— Não precisa.
— Então... que tal levar duas criadas? Você não sabe quanto tempo ficará fora. Não pode estar sem alguém de confiança.
— O acampamento militar é área restrita. Mulheres não podem entrar.
— Está bem... — Chen Shi suspirou, decepcionada, e então disse com cautela: — Se não vai levar criadas, que tal casar antes de partir? A esposa do Marquês de Yongping me disse que a terceira senhorita é uma pessoa de grande senso de justiça e não liga para cerimônias vazias. Não faz mal se o casamento for um pouco apressado. Também seria uma bela história: uma mulher voltando cedo para cuidar dos sogros e administrar a casa enquanto o marido vai à guerra.
— O imperador já emitiu a ordem. — Os olhos de Fu Tingzhou não demonstraram qualquer emoção, e ele respondeu friamente: — Partirei imediatamente, sem atrasos.
Chen Shi fora rejeitada uma vez após a outra, e mesmo sendo lenta, perceberia o recado. Seu rosto caiu. Reprimiu a raiva e perguntou:
— Eu não sei quanto tempo você vai demorar, e a moça está esperando por você. Não podemos simplesmente ignorar isso. Antes de ir, deveria ao menos se encontrar com a terceira senhorita Hong, para tranquilizá-la.
— Minha partida já está marcada. Receio que não haja tempo.
Sem tempo para o Ano Novo, sem tempo para um casamento antecipado, sem tempo sequer para ver alguém. Por fim, Chen Shi não conseguiu mais se conter e perguntou friamente:
— Você não tem tempo ou não tem vontade? Marquês, já faz tanto tempo... você ainda está pensando em Wang Yanqing?
Fu Tingzhou se levantou com um estrondo, fez uma reverência formal e indiferente, e disse:
— Tenho outros assuntos a tratar. Desejo que minha mãe esteja bem. Com licença.
— Você... — Chen Shi bateu na mesa com raiva e gritou: — Pare aí mesmo! Eu sou sua mãe, você nem me escuta mais?
Fu Tingzhou a ignorou, virou-se e saiu. Enquanto descia, ouviu Chen Shi gritar com frustração:
— Injustiça! Que injustiça! Já não há mais possibilidade entre vocês dois, por que não consegue simplesmente tratá-la como morta?
Fu Tingzhou abaixou a cortina da porta, sem sequer olhar para trás, e entrou no vento gelado.
Caminhava rápido. O vento soprava em seu rosto, e o único som que ouvia era o assobio dos galhos secos no ar. Demorou para que ele conseguisse se acalmar e ouvir novamente a voz do mundo.
As palavras de Chen Shi eram como uma faca afiada, esfaqueando repetidamente feridas abertas em seu coração.
Já não há mais possibilidade entre vocês dois, por que não consegue simplesmente tratá-la como morta?
Sim, já era impossível. Mesmo que ele expusesse as mentiras de Lu Heng e contasse toda a verdade para Wang Yanqing, ela jamais voltaria para ele. Talvez, como Chen Shi dissera, o melhor fim teria sido Wang Yanqing ter morrido naquela encosta congelada no último décimo segundo mês — e jamais terem se reencontrado.
Mas ela claramente não estava morta — como Fu Tingzhou poderia fingir que não sabia?
Fu Tingzhou não sabia por quanto tempo ficou parado no vento gelado. Sentia-se entorpecido havia muito, até que finalmente se moveu, andando em uma direção como um boneco de corda.
Porém, essa direção não levava para casa. Levava à antiga residência de Wang Yanqing.
Fu Tingzhou parou diante da porta, sem entrar. Fechou os olhos, e diante dele surgiram os materiais de escrita sobre a escrivaninha, os livros antigos na estante, e muitos enfeites na prateleira de joias. Tudo como antes, como se alguém ainda morasse ali.
Enquanto não abrisse a porta, não veria o pó acumulado sobre os livros, nem o vazio no cômodo. Poderia se enganar e imaginar que ela ainda estava ali.
Desde a Patrulha do Sul, Fu Tingzhou tinha cada vez menos coragem de abrir essa porta. Usou dez anos de memórias para tentar reconquistar Wang Yanqing, mas ela não acreditou nele — preferiu confiar em um estranho.
Sim, ele nem sabia o que Wang Yanqing gostava de comer... por que ela deveria confiar nele?
Fu Tingzhou ficou muito tempo parado em frente à porta. Então, passos se aproximaram atrás dele, e alguém tossiu de leve, de propósito. Fu Tingzhou se virou com indiferença, mas ao ver quem era, seu semblante suavizou um pouco.
Não queria ser incomodado naquele momento, mas como a pessoa que viera era Fei Cui, antiga criada de Wang Yanqing, estava disposto a ser mais paciente. Ele perguntou:
— O que você está fazendo aqui?
Fei Cui fez uma reverência e respondeu em voz baixa:
— Marquês, preparei tudo o que me pediu. Quando será entregue à senhorita?
Ao ouvir as palavras de Fei Cui, Fu Tingzhou despertou um pouco do torpor. Depois de salvar Wang Yanqing na Patrulha do Sul e ser incriminado por Lu Heng, ele mandou reunir testemunhas e provas assim que retornou à capital. Tinha tanto material em mãos que queria ver como Lu Heng conseguiria se defender. Preparou tudo durante muito tempo, mas agora... hesitava.
Mesmo que provasse que Lu Heng era uma farsa e destruísse o sonho de Wang Yanqing, de que adiantaria? O casamento já fora concedido, e Fu Tingzhou não teria coragem de trazê-la de volta à Mansão Zhenyuan. Se a mantivesse em uma casa separada, como ela seria vista?
Não importava o quanto escondesse a verdade ou a protegesse, não poderia impedir Lu Heng ou a família Hong. Se agisse por impulso, não só comprometeria sua posição, como não conseguiria sequer garantir a segurança mínima dela.
Com que direito eu pediria que Wang Yanqing viesse comigo?
Fu Tingzhou ficou em silêncio por um tempo no vento, depois balançou a cabeça bem devagar e disse, com pesar:
— Esqueça.
Nem falemos de Lu Heng — ele sequer podia competir com a mansão do Marquês de Yongping. Melhor guardar tudo para quando voltasse do campo de batalha, com força suficiente para protegê-la.
·
Por causa da morte prematura do príncipe, toda a capital mergulhou no silêncio. Ninguém ousava chamar a atenção do imperador. O décimo segundo mês do décimo segundo ano de Jiajing foi excepcionalmente calmo, mas sob a superfície pacífica, o jogo de poder mudava drasticamente.
O Grande Ajudante Zhang Jinggong fora suspenso, e o Marquês de Zhenyuan, Fu Tingzhou, partira para Datong para liderar as tropas. No vigésimo dia do décimo segundo mês, Fu Tingzhou deixou a capital. No vigésimo quarto, os tribunais entraram em recesso.
Todos os oficiais imperiais receberam um longo feriado de quase um mês, e Lu Heng também teve alguns raros dias de descanso. Embora o imperador estivesse de mau humor naquele ano e ninguém ousasse causar problemas, Lu Heng teve um ano surpreendentemente tranquilo.
Na Mansão Lu, havia apenas dois mestres na capital: Wang Yanqing e Lu Heng. Não havia parentes a visitar, nem regras rígidas de grandes famílias. Podiam fazer o que bem entendessem. Wang Yanqing foi até Lu Heng e lhe entregou uma lista:
— Irmão, este é o cardápio do jantar de Ano Novo. O que acha?
Lu Heng não ligava muito para o que comia — apenas se estava envenenado ou não. Ele pegou a lista, deu uma olhada rápida. Os pratos eram padrão, leves e saudáveis, com baixas chances de conter veneno. Ele assentiu e disse:
— Está bom. Vamos seguir esse plano.
Wang Yanqing viu o gesto dele e resmungou:
— Você nem olhou.
As palavras vieram cheias de segundas intenções, com o final prolongado em tom acusatório. Quando Lu Heng viu ela fazer biquinho e encará-lo, seu coração se derreteu. Esticou a mão por sobre a mesa, segurou a mão de Wang Yanqing e sorriu:
— Eu vi, sim. Tudo o que for organizado por você, eu vou gostar.
Wang Yanqing fingiu puxar a mão de volta, mas não conseguiu se soltar. Levantou os olhos e o encarou:
— Só está dizendo isso para me agradar.
— Juro que não. — Lu Heng achou que a mesinha atrapalhava e foi sentar-se ao lado dela. — Qing Qing é perfeita, tudo que faz é bem feito. Como os pratos que você escolheu poderiam ser ruins?
Os olhos de Lu Heng eram um pouco mais claros que os das outras pessoas, como se contivessem um espelho d’água, brilhando à luz do sol. Mesmo quando não sorria, parecia que estava. Naquele momento, ainda segurava a mão de Wang Yanqing, encarando-a com seriedade. Suas palavras, apesar de aduladoras, carregavam uma sinceridade que a desarmava.
Wang Yanqing não resistiu e sorriu, puxando a mão para guardar o cardápio. Suspirou:
— Afinal, há poucas pessoas na mansão. Se fizermos comida demais para o jantar de Ano Novo, será um desperdício. Se fizermos pouco, parecerá vazio. De qualquer jeito, não dá certo.
Lu Heng ergueu uma sobrancelha e disse, devagar:
— Só estamos nós dois. Isso não é bom?
— Não é que seja ruim... só parece vazio, não tem aquele clima de Ano Novo.
Wang Yanqing achava que não se sentia como Ano Novo — e isso era ruim. Lu Heng perguntou:
— Quer sair para comemorar?
Wang Yanqing balançou a cabeça, ainda com pouca animação:
— Restaurante é barulhento demais. E vai saber se a comida lá é segura... melhor não.
Lu Heng segurou firmemente a mão de Wang Yanqing e disse:
— Faça o que quiser, não precisa economizar por minha causa. Você não pode ficar triste em um feriado. O que você quer fazer?
Os olhos de Wang Yanqing se moveram, ela pensou em algo e apertou os lábios, envergonhada. Quando Lu Heng viu o gesto, disse imediatamente:
— Não se mexa.
Wang Yanqing se assustou, arregalou os olhos e ficou parada, sem ousar mover um músculo. Lu Heng segurou o rosto dela com as mãos e falou com seriedade:
— Aprendi muito nesses dias estudando com você. Não diga nada, deixe-me adivinhar o que está pensando agora. Você piscou os olhos, deve ter pensado em algo, mas achou trabalhoso e ficou com medo de eu não concordar, então ficou com vergonha de dizer, certo?
Os olhos de Wang Yanqing se arregalaram de surpresa, e Lu Heng soube que tinha acertado. Ele segurou o rosto dela e, sem cerimônia, beijou seus lábios, dizendo:
— Não diga nada, sei que acertei. Esse foi meu prêmio. Peguei por conta própria.
Ele mesmo fazia as perguntas, corrigia as provas e distribuía os prêmios. Tudo tão redondinho que era até ridículo. Wang Yanqing riu e empurrou o ombro dele, repreendendo:
— Para com isso.
Lu Heng passou o braço pelos ombros dela, sentou-se e perguntou:
— O que você estava pensando agora?
Wang Yanqing curvou os olhos levemente, mas recusou-se a colaborar e respondeu de propósito:
— Você não disse que aprendeu muitas habilidades de observar expressões? Então, o que acha?
Ela devolveu a bola para Lu Heng, invertendo o jogo. Lu Heng ergueu as sobrancelhas, olhou para Wang Yanqing com um meio sorriso e disse:
— Se falar assim, vou levar a sério. Mas combinamos desde já que, se eu acertar, o prêmio vai ser mais do que beijos e abraços.
Na verdade, por mais aguçada que fosse a capacidade de observação e lógica de Lu Heng, ele não tinha como adivinhar o que Wang Yanqing estava pensando. Mas seu histórico era tão brilhante que Wang Yanqing ficou insegura depois de já ter sido enganada por ele, e não teve coragem de apostar novamente. Ela mordeu levemente o lábio e confessou:
— Nada demais, só achei meio solitário jantar de Ano Novo só nós dois. Não tem muito o que fazer além de comer. Se nós mesmos cozinhássemos, talvez fosse mais divertido.
Wang Yanqing falou devagar e em voz baixa, lançando olhares furtivos para a expressão de Lu Heng. Para uma mulher, cozinhar uma refeição era algo simples, mas para um homem, esse tipo de pedido podia parecer um pouco demais.
Um cavalheiro se mantinha longe da cozinha. Homens comuns já evitavam entrar ali, quanto mais um oficial de segundo escalão como Lu Heng. Quando viu que ele não respondia, Wang Yanqing apressou-se em dizer:
— Era só uma ideia. Cozinhar dá muito trabalho, melhor esquecer…
— Se estou com você, nada dá trabalho — interrompeu Lu Heng. — Ano Novo é dia de reunião familiar. Claro que devemos preparar o jantar juntos, como uma família. Desde que você não se importe com o trabalho.
Wang Yanqing respirou aliviada. Não esperava que Lu Heng realmente fosse aceitar. Seus olhos brilharam na hora e sua voz se animou:
— Então vou pedir à cozinha para preparar tudo e trocar o cardápio. Alguns pratos são trabalhosos demais. Irmão, você quer pedir alguma coisa?
Lu Heng balançou a cabeça e sorriu, dizendo que deixaria tudo por conta de Wang Yanqing. Mas, no fundo, suspirava consigo mesmo.
A hesitação de antes não era por medo de comentários alheios ou por achar que era “coisa de mulher” ir para a cozinha. Para ele, se a dignidade de um homem estivesse em nunca cozinhar ou ajudar em casa, então tal dignidade não valia nada. Ele hesitou porque… simplesmente não sabia fazer nada na cozinha.
Era uma área totalmente desconhecida para ele. Se algo desse errado, nem saberia que desculpa inventar. Wang Yanqing saiu animada para preparar tudo, enquanto Lu Heng apertava as têmporas como se estivesse prestes a ter uma dor de cabeça.
Pelo que conheço de Fu Tingzhou, ele nunca faria algo como cozinhar com uma mulher. Mas… e se fizesse?
E se Fu Tingzhou já tivesse cozinhado com Wang Yanqing antes e ela ainda guardasse alguma lembrança disso? Se, ao entrar na cozinha, ela descobrisse que Lu Heng não sabia fazer nada… não seria como se ele se entregasse completamente? Será que agora eu também teria que fingir que sei cozinhar?
Era demais até para Lu Heng.
Ele ponderou muito e, no fim, decidiu apostar. A véspera de Ano Novo se aproximava rapidamente. Quando os funcionários da cozinha souberam que os dois mestres iriam cozinhar, limparam tudo cedo e deixaram preparados todos os ingredientes lavados e cortados. Para não atrasar a ceia, Wang Yanqing arrastou Lu Heng para a cozinha à tarde.
Wang Yanqing sabia cozinhar e não era estranha à cozinha, mas para Lu Heng era a primeira vez que punha os pés ali. Sempre achara que cozinhar era uma coisa quase mágica. Ingredientes simples entravam na cozinha e saíam transformados em pratos variados. Mas, pessoalmente, percebeu que a cozinha não tinha nada de misteriosa — os pratos eram feitos com facas, como tudo mais.
A diferença talvez fosse que a faca de um Guarda Imperial era usada em pessoas vivas, enquanto a faca da cozinha era usada em coisas mortas.
Wang Yanqing andou pela cozinha e decidiu começar cozinhando o peixe. O cozinheiro já havia limpado o peixe e o deixado de molho num balde de água, até separando completamente a carne das espinhas com um fio de pesca. Wang Yanqing arregaçou as mangas. Lu Heng viu e perguntou:
— O que você vai fazer?
Wang Yanqing apontou para o peixe no balde e disse:
— Peixe deve ser cozido lentamente em fogo baixo. Vou colocar o caldo no fogão primeiro e ir preparando os outros pratos aos poucos.
Lu Heng não entendeu direito, mas sabia que era final de mês e Wang Yanqing não devia tocar em água fria. Abaixou as mangas dela e perguntou:
— O que devo fazer?
— Tire o peixe e faça alguns cortes nas laterais. Vou pegar a faca.
— Não precisa. — Lu Heng segurou a mão dela. — É perigoso. Deixa que eu faço.
A faca da cozinha já tinha sido lavada e estava sobre a tábua. Quando Lu Heng a pegou, sentiu-se desconfortável. O comprimento estava errado, o peso também. Aquilo não era sua lâmina bordada. Ele segurou a faca com hesitação pela primeira vez:
— Até onde devo cortar?
Wang Yanqing ficou surpresa ao ouvir aquilo:
— Só uns cortes superficiais para o tempero penetrar melhor. Não precisa ser muito fundo.
Lu Heng inclinou a ponta da faca no corpo do peixe, parando numa distância precisa e controlada. Wang Yanqing observava ao lado e comentou baixinho, esfregando os braços:
— Por que sinto que seus movimentos estão estranhos… como se estivesse torturando esse peixe…
Lu Heng pensou, em silêncio, que Wang Yanqing provavelmente estava certa.
Depois do primeiro corte, ele ganhou uma noção precisa da força e dos movimentos. Os cortes seguintes saíram incrivelmente uniformes. As incisões eram finas e regulares, todas parando na mesma profundidade.
Wang Yanqing colocou o peixe na frigideira, fritou levemente e depois transferiu para a panela. Lu Heng ficou ao lado, entregando os ingredientes, depois adicionou água e tampou a panela. Observando aquilo, ele comentou surpreso:
— Só isso?
— Sim — respondeu Wang Yanqing. — Agora é só esperar o caldo ficar branco.
Lu Heng refletiu por um momento e disse:
— Acho que ser cozinheiro não é tão difícil assim.
— Três refeições por dia podem parecer simples. Cozinhar, só por cozinhar, é fácil. Difícil é fazer algo realmente saboroso. As refeições do palácio, por exemplo, podem até parecer pratos simples de legumes, mas dão um trabalho enorme e só podem ser feitas por quem realmente domina a arte.
Ao dizer isso, Wang Yanqing lançou um olhar de soslaio para Lu Heng e completou:
— Além disso, mesmo que aprendesse, você se ofereceria para fazer o trabalho?
Lu Heng olhou para ela fixamente, assentiu com um sorriso e disse com extrema gentileza:
— Você está ficando cada vez mais ousada. Acha que eu não posso fazer nada com você só porque estamos na cozinha?
— Foi você quem começou com isso!
Wang Yanqing ficou um pouco receosa com o que aquele Lu Heng maluco poderia fazer, então correu rapidamente para o outro lado, pegou um pouco de massa e disse:
— Chega de brincadeira, está na hora de fazer os bolinhos.
A massa já havia sido sovada com antecedência e os recheios estavam todos prontos, só faltava montar os bolinhos. Afinal, a cozinha era uma área pública e Lu Heng não poderia realmente fazer nada com ela ali. Mesmo assim, ele anotou mentalmente a ousadia de Wang Yanqing com uma gentileza divertida. Aproximou-se dela e perguntou com paciência:
— Isso é pra quê?
A voz de Lu Heng era calma e sua expressão impassível, impossível saber o que ele estava pensando. Wang Yanqing achou que ele estava apenas mudando de assunto para encerrar a brincadeira. Ela espalhou o recheio sobre a massa e foi fechando a borda aos poucos com seus dedos finos. Mostrou para ele com cuidado:
— Assim.
Lu Heng assentiu e disse:
— Os dedos da Qing Qing são tão bonitos.
Wang Yanqing o fulminou com o olhar:
— Para de atrapalhar, vai acabar atrasando o jantar.
— Estou falando sério.
Lu Heng pegou o bolinho da mão dela e o colocou na tábua ao lado. Em seguida, segurou a mão de Wang Yanqing para examiná-la de perto. De fato, as mãos dela eram muito bonitas. Por ter praticado artes marciais na infância, seus dedos eram finos e fortes, com uma beleza realista e firme.
Lu Heng já havia admirado aquelas mãos antes, mas era como admirar uma porcelana de Jingdezhen ou um bordado de Nanjing. Hoje, no entanto, elas estavam cobertas de farinha enquanto moldavam os bolinhos com cuidado. A cena não era perfeita nem refinada, mas o tocou mais profundamente do que qualquer obra de arte que ele já tivesse visto.
Era como se as estrelas tivessem caído em seus braços, trazendo calor, simplicidade e realidade. Pela primeira vez, ele sentia o espírito do Ano Novo e o significado de lar ao seu redor. Nem os banquetes suntuosos do palácio, nem as multidões fazendo reverência de Ano Novo, nem as ruas movimentadas haviam lhe causado essa sensação antes.
Onde quer que estivesse, Lu Heng sempre observava tudo com cautela, alerta a qualquer perigo iminente. Só ali, com ela ao seu lado fazendo o jantar de Ano Novo, com farinha nas mãos, ele finalmente podia baixar a guarda.
Os dois trabalharam juntos: um segurava, o outro moldava os bolinhos; passavam os ingredientes de um para o outro e, apesar das pequenas atrapalhadas, conseguiram terminar um prato de bolinhos. Não havia calefação no chão da cozinha, e Wang Yanqing ficou tanto tempo em pé que suas pernas começaram a doer. Ela tentou aguentar, mas não conseguiu evitar mudar o peso de um pé para o outro enquanto permanecia de pé. Lu Heng notou algo estranho e, ao observar sua postura desconfortável, logo entendeu o que estava acontecendo.
— Suas pernas estão doendo de novo?
Ela tinha sido quem propôs cozinhar, mas suas pernas doíam após pouco tempo em pé. Estava empolgada demais. A dor era suportável, então Wang Yanqing apenas balançou a cabeça, dizendo que estava bem.
Mas como Lu Heng não perceberia a verdade? Cozinhar era para ser algo divertido para os dois, um passatempo descontraído. Se aquilo causava dor física a ela, a prioridade estava errada. Lu Heng chamou o cozinheiro e deixou o restante do trabalho com ele. Wang Yanqing se sentiu culpada:
— Mas nós combinamos de fazer juntos. Ainda nem terminamos e já estamos incomodando a cozinha...
— Sua intenção é boa, mas seu corpo é o mais importante — Lu Heng insistiu. — Vamos voltar para o quarto.
Os funcionários da cozinha, ao verem a situação, logo os encorajaram. Wang Yanqing e Lu Heng não estavam ajudando: estavam era deixando todos tensos. Era melhor deixarem o trabalho com quem sabia fazê-lo. Sem ter como insistir, Wang Yanqing entregou o resto dos pratos ao pessoal da cozinha e foi com Lu Heng para o quarto.
A dor nas pernas de Wang Yanqing era um problema antigo. No frio, com chuva e umidade, os ossos das panturrilhas dela doíam quando o tempo mudava. Lu Heng já conhecia essa condição, mas como era algo crônico e nem os médicos conseguiam prescrever algo eficaz, só restava cuidar dela com atenção constante.
Ao caminhar, Wang Yanqing ficava bem, mas assim que se sentou no quarto, a dor nas pernas se intensificou. Lu Heng saiu para pegar alguma coisa, e ela aproveitou para massagear discretamente a perna. Mas assim que ouviu passos, retirou a mão depressa — mesmo assim, ele viu.
Lu Heng colocou o aquecedor nas mãos dela e, sem dizer uma palavra, levantou a perna de Wang Yanqing e a colocou em seu colo:
— Está doendo muito?
Ela negou com a cabeça:
— Está tudo bem. Já me acostumei.
Lu Heng suspirou e começou a massagear os ossos da perna dela, surpreso:
— Você tem mais feridas do que eu.
Os dedos de Lu Heng eram firmes e encontravam sempre os pontos de pressão certos, fazendo as panturrilhas de Wang Yanqing doerem e relaxarem ao mesmo tempo. Ela já estava acostumada a esse tipo de contato e recostou-se lentamente no divã:
— Isso é uma coisa boa. Prefiro que meu corpo sinta dor se isso significar que meu irmão estará livre dela.
— Não diga bobagens — Lu Heng disse, apertando a panturrilha esguia dela. — Dizem que gente boa morre cedo, enquanto os desgraçados duram mil anos. Eu nem sonho com mil, mas você vai ter que ficar comigo por pelo menos cem. Eu estou bem. Quem não pode adoecer é você.
Wang Yanqing nem ficou constrangida ao ouvir "ficar comigo por cem anos". Assim como não mais se incomodava com ele segurando sua perna no colo e massageando-a. Talvez fosse porque se acostumou... ou talvez fosse uma aprovação silenciosa.
— É só um probleminha, não me incomoda tanto. Talvez seja por eu ser alta, minhas pernas acabam doendo mais.
Ao ouvir isso, Lu Heng riu baixinho:
— Então vou ter que puxar todos os ossos do seu corpo, pra não atrapalhar seu crescimento.
Wang Yanqing riu. Abraçou o aquecedor, encostou a cabeça no divã e começou a ficar sonolenta. Cobriu a boca e soltou um bocejo discreto. Lu Heng viu e disse:
— Se estiver com sono, tira um cochilo. Ainda vai demorar um pouco.
— Mas o jantar de Ano Novo…
— Eu te chamo quando estiver pronto. Fica tranquila, não vou comer sozinho.
Wang Yanqing relaxou. Encostou o rosto nos próprios cabelos e, como esperado, adormeceu. Lu Heng esperou que ela pegasse no sono, então colocou as pernas dela cuidadosamente sobre o divã, pegou o cobertor leve que estava ao lado e a cobriu com cuidado. Depois, sentou-se ao lado dela e passou os dedos pelo cabelo dela. Queria acariciá-la, mas teve medo de acordá-la.
No fim, retirou a mão e ficou apenas olhando seu rosto adormecido em silêncio. Mesmo sem fazer nada, ele não se sentia entediado.
Para Lu Heng, dinheiro não era nada. O que era realmente raro eram as pessoas dispostas a dedicar tempo e atenção. Ele traçou com os olhos os contornos dos olhos, nariz e lábios dela. Quanto mais olhava, mais sentia que não havia um único detalhe que não fosse bonito e adorável.
No entanto, mesmo com ela dormindo tão próxima, Lu Heng ainda se sentia inquieto. Era arrogante e bom em manipular os corações das pessoas, mas um pequeno jogo feito por capricho havia acabado revelando demais.
Lu Heng ficou apreensivo ao pensar em Fu Tingzhou, que havia deixado a capital há algum tempo. Ele esperava que Fu Tingzhou, ao retornar, viesse travar uma nova batalha desesperada para se aproximar novamente de Wang Yanqing. Lu Heng já havia se preparado para isso. Mas Fu Tingzhou… não voltou.
E isso não era um bom sinal. Fu Tingzhou estava mostrando autocontrole e contenção. Assim, de repente, os papéis se inverteram: o ofensivo e o defensivo trocaram de lugar. Lu Heng odiava essa sensação.
Mas ele já não podia mais controlar a situação como antes. Porque dessa vez… ele não suportaria as consequências de uma derrota.
Capítulo 84 – Ano Novo
Sob o vasto céu noturno, milhares de casas estavam iluminadas. Todas as criaturas vivas mergulhavam em suas próprias emoções, e diferentes retratos de famílias se desenrolavam por cada janela. No entanto, a setecentos quilômetros da capital, na Mansão Datong, o cenário da véspera de Ano Novo era completamente diferente.
Datong era uma cidade fronteiriça de importância estratégica. Mesmo durante o Ano Novo, o ar ainda estava carregado de frieza e tensão. Especialmente porque um novo comandante havia sido nomeado dois dias antes, as ordens militares estavam extremamente rígidas, e os soldados não estavam dispostos a correr riscos. Eles suportavam o frio e permaneciam firmes diante dos postos de sentinela, com os olhos fixos na vasta e escura imensidão do deserto.
Enquanto os soldados se entregavam ao tédio da vigília, seu comandante havia deixado Datong silenciosamente e agora caminhava por uma pequena vila fora da cidade. A vila não possuía terras férteis, nem montanhas — sem nenhum valor estratégico. Era apenas uma aldeia militar comum da prefeitura de Datong.
Ninguém sabia por que o comandante foi até lá sozinho na véspera de Ano Novo.
Nem mesmo Fu Tingzhou sabia. Desde que chegou à Mansão Datong, estava tão ocupado que mal tinha tempo para dormir. Precisava se familiarizar com o terreno, conhecer o pessoal, inspecionar a defesa da fronteira… havia inúmeras tarefas a cumprir. A véspera de Ano Novo havia chegado num piscar de olhos.
Aquele era o primeiro Ano Novo que Fu Tingzhou passava sozinho. Normalmente, quando estava na Mansão do Marquês, nunca precisava se preocupar com solidão ou tédio. Os soldados do acampamento, preocupados com o desconforto do novo comandante, prepararam especialmente um banquete de Ano Novo para ele. Apesar de o consumo de álcool ser proibido em tempos de preparação militar, após um ano inteiro de exaustão, era emocional e racionalmente impossível proibir completamente a carne e a bebida durante o Ano Novo.
Fu Tingzhou instruiu os patrulheiros a fecharem os olhos para o banquete. Recusou educadamente o convite para participar e caminhou sozinho pelo acampamento. O vento em Datong era mais intenso do que na capital, cortando a pele como lâminas. A noite era seca e fria, o céu límpido, sem nuvens, e o firmamento estrelado parecia ainda mais vasto e luminoso.
A noite estava escura — tão escura que passava uma sensação de pureza e clareza. As estrelas se espalhavam pelo céu, iluminadas ou apagadas, numerosas ou espaçadas, como um manto que cobria o mundo. Um traço da Via Láctea ondulava como ondas imensas. Diante daquilo, um homem parado na terra só conseguia sentir o quão pequeno era.
Na capital, jamais se via uma galáxia tão grandiosa. Fu Tingzhou ergueu a cabeça, contemplando aquele céu misterioso e próspero, e, de repente, desejou vê-la.
Mas esse amor estava separado por montanhas e mares que não podiam ser nivelados. Fu Tingzhou se ocupava intencionalmente para evitar pensar, mas naquele instante, não conseguiu evitar: queria ver Wang Yanqing. Mesmo que não pudesse vê-la, ainda assim podia visitar os lugares relacionados a ela.
Por isso, Fu Tingzhou foi à vila natal de Wang Yanqing, onde ela viveu antes dos sete anos. Era véspera de Ano Novo, e todos os moradores estavam em casa, comendo e comemorando, sem notar o rosto estranho que caminhava pelas estradas. Fu Tingzhou andava sem rumo pela estrada de terra e, sem perceber, parou em frente a um pátio.
O muro do pátio estava gasto, as marcas do tempo evidentes. O atual dono claramente não cuidava bem da casa, pois já havia rachaduras visíveis. Fu Tingzhou caminhou lentamente ao redor do muro, sem incomodar os moradores.
Ali fora a casa onde Wang Yanqing vivera com a avó, mas agora era diferente. Embora os moradores também tivessem o sobrenome Wang, não tinham nenhuma ligação com ela. Depois que Wang Yanqing foi levada para a capital, as terras ancestrais e a casa da família Wang foram tomadas por parentes. Se Fu Yue não tivesse pensado subitamente em visitar a viúva de seu subordinado, Wang Yanqing talvez tivesse crescido vivendo de favor.
Fu Tingzhou refletiu sobre isso e riu de si mesmo. No fim, ela cresceu de favor do mesmo jeito — na casa dos Fu. A única diferença era que a Mansão do Marquês de Zhenyuan era mais influente, e por isso mesmo, a malícia que ela sofreu foi dobrada.
Quase à meia-noite, o som de crianças gritando dentro do pátio tirou Fu Tingzhou de seus pensamentos. Ele se afastou silenciosamente da antiga residência da família Wang e caminhou para fora da vila.
Sob uma árvore seca na beira da estrada, um subordinado segurava os cavalos, esperando. Ao ver Fu Tingzhou se aproximar, soltou um suspiro de alívio. Ele se adiantou, juntou os punhos em saudação, e disse com o hálito branco saindo da boca no frio:
— Marquês, está quase na hora. Deseja retornar ao acampamento?
Fu Tingzhou havia vindo ali apenas para encerrar uma obsessão. As pessoas naquela casa não tinham mais relação com Wang Yanqing, e não havia sentido em permanecer. Ele assentiu:
— Vamos voltar.
O subordinado imediatamente soltou as rédeas da árvore e respeitosamente trouxe o cavalo. Fu Tingzhou pegou as rédeas. Naquele instante, o Ano Novo chegou, e o som de fogos de artifício ecoou na vila atrás dele. O cavalo se assustou com o estrondo e começou a se agitar. Fu Tingzhou usou toda a força para contê-lo, levantou a cabeça e olhou para as estrelas no céu.
Naquela noite, milhares de famílias estavam reunidas, e os nove estados celebravam em uníssono. Mas ela, que não tinha mais nenhum parente consanguíneo… o que estaria fazendo neste momento?
Naquele momento, Wang Yanqing estava deitada contra o peito de Lu Heng, esfregando os olhos, enquanto reclamava:
— Por que você não me acordou?
Lu Heng envolveu as orelhas dela com as mãos e respondeu:
— Não há mais anciãos na família, então não precisamos seguir formalidades. Você estava dormindo tão bem, pra quê acordar?
Wang Yanqing tinha adormecido sem querer depois de cozinhar. Se não fosse pelo som repentino dos fogos de artifício do lado de fora, ela teria dormido até amanhecer. Ainda meio sonolenta, seu corpo estava mole, incapaz de resistir aos braços de Lu Heng. Ela se aninhava como uma flor de begônia adormecida na primavera — bela mesmo em seu torpor. Até a voz, rouca e suave, parecia ainda mais doce:
— Mas… ainda não comemos a ceia de Ano Novo…
Ao dizer isso, algo lhe ocorreu, e ela olhou para Lu Heng com desconfiança:
— A ceia?
Acabara de acordar, os olhos estavam úmidos e brilhantes, com uma leve vermelhidão nos cantos. Aquela expressão sonolenta e levemente irritada era encantadora ao extremo. Lu Heng sentiu seu corpo inteiro arder. Mal conseguiu conter os impulsos que surgiam em seu coração. Sua garganta se moveu sutilmente, e o olhar desceu involuntariamente até os lábios dela:
— Ainda está lá.
— Sério? — Wang Yanqing ainda estava meio confusa, e perguntou com uma desconfiança suave — Você não comeu sozinho?
Sua voz rouca e delicada o provocava. Lu Heng pensou que, se fosse acusado injustamente assim, pelo menos teria direito a uma compensação. Então se inclinou, mordeu os lábios dela levemente e murmurou:
— Não comi.
Agora ele queria outro tipo de ceia de Ano Novo.
Os beijos de Lu Heng se tornaram cada vez mais intensos, e sua mão desceu até a cintura dela, contornando suavemente a silhueta. Wang Yanqing ficou tonta com a intensidade dos beijos, lutando para respirar. Enquanto ainda estava atordoada, uma sequência de fogos estourou lá fora, rompendo o silêncio com estrondos contínuos.
A explosão dos fogos a trouxe de volta à realidade. Aproveitando a chance de respirar, ela virou o rosto rapidamente, pressionou a testa contra o peito dele e disse, ofegante:
— Hoje é Ano Novo… tem gente esperando lá fora…
Se Lu Heng continuasse, talvez realmente não conseguisse parar. De fato, aquele não era o momento certo. Lu Heng se forçou a parar, os olhos avermelhados de frustração. Segurou a mão dela, mordeu de leve a ponta dos dedos, como se descontasse a irritação, e disse com voz rouca:
— Tá bom.
A força com que ele segurava a mão dela era grande, e demorou alguns segundos antes que finalmente a soltasse. Como se temesse se arrepender caso ficasse mais um segundo, saiu rapidamente do quarto, os passos pesados e apressados.
Depois que Wang Yanqing foi liberada por Lu Heng, ela se deitou no sofá, exausta. Respirou fundo, recuperando finalmente as forças. Só quando tentou se sentar no sofá percebeu que suas roupas estavam todas bagunçadas.
A roupa estava amassada, o cabelo solto, e até a fita na cintura da saia havia se rompido em algum momento. Qualquer um poderia adivinhar o que havia acontecido só com um olhar. Seu rosto ficou vermelho até a ponta das orelhas, e ela rapidamente se levantou para ajeitar as roupas.
Wang Yanqing esperou um bom tempo até o calor no rosto diminuir, antes de finalmente sair. Lu Heng parecia ter voltado ao normal e estava sentado na cadeira de flores de rosa, tomando chá. Ao ouvir passos, ele se virou, e por algum motivo, seus olhos pousaram nos lábios de Wang Yanqing.
Eles estavam extremamente vermelhos, com o lábio inferior inchado, dando-lhe um aspecto especialmente apetitoso. Lu Heng sentiu o fogo em seu corpo começar a se agitar novamente; no fim, ele que sofria com isso. Forçou-se a desviar a atenção e a se recompor:
— Estão soltando fogos no palácio. Quer ver?
Wang Yanqing não tinha muito ânimo para apreciar os fogos, desviou o olhar envergonhada e balançou a cabeça silenciosamente. Lu Heng também não demonstrou interesse e disse:
— Então vamos comer. Você trabalhou tanto nisso, não podemos deixar estragar.
No começo, Wang Yanqing não sentia fome para comer tão tarde, mas Lu Heng lembrou que ela não havia comido quase nada durante o dia. Ele a puxou e a obrigou a sentar na mesa quadrada. Os pratos foram servidos um a um, e quando Wang Yanqing sentiu o cheiro da sopa de peixe deliciosa, ficou com muita fome.
Lu Heng pegou uma colher de porcelana, serviu para ela uma tigela de sopa leitosa de carpa e disse:
— Você não comeu nada o dia inteiro. Não coma carne ainda, tome essa sopa para abrir o apetite.
A sopa de carpa tinha tofu e legumes, perfeita para um reforço noturno. Wang Yanqing abaixou a cabeça e deu um gole. Talvez por ter sido ela a cozinhar, achou o sabor bastante bom.
Lu Heng pensava o mesmo. Olhando para o peixe que cortara com as próprias mãos, não tinha coragem de pegar os hashis para comer:
— Parece tão bom e está tão bem feito que nem consigo comer.
Wang Yanqing sorriu, pegou os hashis de servir e, habilidosamente, tirou um pedaço de peixe, colocando na tigela dele:
— Faz tempo que não cozinho, então minhas habilidades podem estar enferrujadas. Irmão, perdoe se não ficar tão bom quanto o do chef.
Lu Heng respondeu:
— Impossível. Tudo que você cozinha é a comida mais deliciosa do mundo.
— Você só fala isso para me agradar — disse Wang Yanqing. — Esse prato é simples, qualquer um faz igual. Não tem nada de misterioso.
— Mas foi você quem fez — disse Lu Heng. — Tem tanta gente no mundo, que diferença faz pra mim se o deles é bom ou ruim? Só o que passa pelas suas mãos é único e incomparável.
Wang Yanqing baixou os cílios e bebeu a sopa, ignorando as palavras melosas de Lu Heng, mas um sorriso ainda brilhava em seus olhos. Terminou a tigela rapidamente e, assim que a colocou na mesa, Lu Heng ofereceu-lhe um bolinho de massa:
— Você fez esses, vem provar o primeiro.
Os hashis dele pararam bem na frente dela, sem intenção de se afastar. Wang Yanqing olhou para Lu Heng e percebeu que ele queria alimentá-la. Ela não pôde recusar e deu uma pequena mordida.
A massa macia e quente envolvia um camarão fresco. O sabor explodiu em sua língua, suave e tenro. Wang Yanqing só mordeu uma pontinha, e, depois de engolir, a ponta da língua rosa rapidamente lambeu o lábio inferior.
Quanto mais Lu Heng observava, mais faminto ficava por todos os sentidos. Levantou as sobrancelhas e não deixou Wang Yanqing escapar:
— Isso é comer? Gato come mais do que você.
Wang Yanqing ficou sem reação. Também queria comer direito, mas Lu Heng insistia em alimentá-la, e ela não tinha coragem de abrir muito a boca. Ele parecia gostar daquilo e não pretendia soltar a mão. Wang Yanqing só podia dar pequenas mordidas no bolinho e engolir com dificuldade.
Quando terminou um bolinho, temendo que Lu Heng a alimentasse de novo, rapidamente pegou outro sozinha:
— Irmão, eu fiz vários recheios, você pode experimentar os outros.
Ela se recusou a deixar que ele a alimentasse, o que deixou Lu Heng bastante arrependido. O jeito dela comer em pequenas mordidas era como um coelho forçado a comer carne. Era frustrante, mas ela não ousava reclamar. Aquilo era tão fofo que dava vontade de apertar ainda mais.
Lu Heng pensou que sua ideia era meio atrasada.
A refeição foi feita por ambos, e, feliz, Lu Heng comeu bastante. Sob suas várias ameaças e incentivos, Wang Yanqing também comeu alguns bolinhos. Sua barriga já estava estufada. Ela limpou a boca com um lenço e reclamou baixinho:
— Outras famílias dizem adeus ao ano velho e dão boas-vindas ao novo, expressam votos de Ano Novo, enquanto a gente só come.
A voz dela carregava um pouco de ressentimento. Lu Heng não resistiu e riu, dando um tapinha na testa dela com um sorriso:
— Comida sempre vem primeiro. Todos aqueles votos bonitos são vazios; comer uma refeição é o que realmente importa.
Wang Yanqing apertou a barriga através da roupa e disse irritada:
— Só gordura, vou acabar engordando.
— Não — disse Lu Heng sério. — Mas se você estiver insegura, eu posso tocar.
Wang Yanqing preferia acreditar em fantasmas a confiar em Lu Heng. Rapidamente bloqueou a mão dele e se levantou da cadeira:
— Irmão, feliz Ano Novo. Já está muito tarde, vou indo.
Ela olhou para ele desconfiada. A tentativa de Lu Heng falhou, e ele, meio arrependido, pediu que alguém trouxesse um manto para ela, e com as próprias mãos amarrou a gola de pele:
— Certo. Está tarde, tome cuidado com a estrada escorregadia.
Wang Yanqing assentiu e saiu, com um aquecedor de mãos e o manto. O vento lá fora trazia cheiro de papel queimado e fogos de artifício, mas ela não sentia frio.
Caminhou dois passos pelo corredor quando alguém a parou por trás.
Wang Yanqing se virou surpresa e viu Lu Heng, pensando que ele teria algo mais a dizer. Ele a olhou fundo nos olhos, deu um passo à frente, inclinou-se e beijou sua testa gentilmente:
— Qing Qing. Feliz Ano Novo.
************************
Nota do Autor:
Fu Tingzhou: Sinto saudades dela, fico imaginando o que estará fazendo.
Lu Heng: Obrigado pela preocupação. Ela está dormindo e não pode responder. Quer que eu diga algo para ela? Claro, não precisa falar, porque eu não vou contar.
Capítulo 85 Substituições
O Ano Novo do décimo terceiro ano de Jiajing foi muito silencioso, e até mesmo os banquetes eram raros na capital. Contudo, não muito tempo depois do primeiro dia do ano, chegaram mais más notícias vindas do palácio.
A Concubina Sênior Yan entrou em depressão após a morte do filho mais velho do imperador e, além disso, sofreu fraqueza física pós-parto. O remédio que tomava não surtiu efeito, e ela faleceu no sexto dia do primeiro mês.
Ela tinha apenas vinte e poucos anos, o auge da juventude, quando teve uma morte prematura. O imperador sentiu grande remorso e lhe concedeu um título póstumo: Rong’an Huishun Duanxi, a Imperial Concubina Nobre.
Historicamente, o título de Imperial Concubina Nobre não existia. Uma imperatriz era uma imperatriz, e uma concubina era uma concubina. Mesmo que recebessem um título elevado, ainda eram concubinas. Porém, havia várias concubinas favoritas nesta dinastia, como a Concubina Sun do imperador Xuande. No reinado de Chenghua, essa posição foi ocupada pela famosa Concubina Sênior Wan. O imperador deu a ela outro título, usando o mesmo selo e livro dourado que usou para coroar sua imperatriz, nomeando-a como uma segunda imperatriz; assim, ela foi uma Imperial Concubina Nobre.
— Essa distinção existe porque, em chinês, imperatriz usa o caractere 皇 (imperador), enquanto concubina imperial usa 贵 (valiosa), significando importante, mas não no nível do imperador — uma combinação dos dois títulos.
Mas, por mais honrada que fosse, ela ainda tinha uma vida para viver. As pessoas do harém lamentaram brevemente a bela e infeliz Concubina Sênior Imperial Yan e logo voltaram sua atenção para outras questões. Depois que a primeira concubina engravidou, o imperador parecia ter aprendido a ter mais filhos, e as boas notícias vieram do harém uma após a outra. A Concubina Duan e a Concubina Wang estavam prestes a dar à luz. No primeiro mês do ano, descobriu-se que a Concubina Du Kang estava grávida. A Concubina Lu Jing, que sempre teve desavenças com Du Kang, pareceu não querer ficar para trás e foi descoberta grávida pouco depois, apenas um mês atrás de Du Kang.
Agora, havia quatro concubinas imperiais grávidas dos herdeiros do imperador, todas com parto previsto para este ano. Os próximos meses no palácio seriam muito agitados, e as mortes infelizes do filho mais velho do imperador e da Concubina Nobre Yan foram como uma pedra jogada na água: causaram grande alvoroço, mas logo foram esquecidas. A atenção do antigo harém voltou-se para as quatro concubinas grávidas restantes.
Foram escolhidas por sorte quatro pessoas, mas a Imperatriz Fang não estava entre elas.
Uma corrente subterrânea agitava o harém, assim como as intrigas internas da antiga corte. Embora o imperador estivesse irritado por Zhang Jinggong tê-lo usado, a reforma precisava continuar. Então, no segundo mês, o imperador encontrou um pretexto para reinstalar Zhang Jinggong como Chefe Auxiliar.
Toda dinastia seguia um padrão semelhante. No auge, as dinastias Han, Tang e Song tinham suas diferenças, mas suas quedas foram causadas pela anexação de territórios. Já haviam se passado mais de cem anos desde a fundação da Dinastia Ming, quando o imperador Hongwu era apenas um camponês liderando uma insurreição. Mas agora, a Dinastia Ming enfrentava graves problemas com terras e refugiados.
Quando o imperador subiu ao trono, metade das terras agrícolas do mundo já havia sido engolida por grupos de interesse sob diversos nomes. Os refugiados representavam um décimo da população total e pequenas revoltas camponesas estouravam por toda parte.
O imperador teve um começo difícil, mas precisava estabilizar os assuntos internos antes de enfrentar a agressão externa. Depois de subir ao trono, passou a primeira metade do reinado enfrentando a Controvérsia dos Grandes Ritos, que usou para firmar sua posição e eliminar oficiais desleais. Agora, todo o poder havia retornado completamente ao imperador, que começava a agir para resolver os problemas antigos do país.
— A Controvérsia dos Grandes Ritos foi a disputa sobre a validade da sucessão imperial, pois os imperadores anteriores morreram sem herdeiros diretos.
O imperador inicialmente nomeou Zhang Jinggong porque ele contribuiu muito durante essa controvérsia e também porque era realmente capaz. Os adversários políticos de Zhang o acusavam de obstinado e de tomar decisões unilateralmente. Mas isso também mostrava que ele não tinha medo de desagradar ninguém e que agia conforme suas palavras.
Desde que entrou no gabinete, Zhang Jinggong promoveu mudanças para o povo e as terras. Ele mapeou as terras ao redor da capital e confiscou mais de cinquenta mil campos que haviam sido apropriados por oficiais meritórios, pessoas poderosas e com altas conexões. Confiscou mais de 500 fazendas desses nobres, devolveu algumas aos donos originais e entregou o restante ao tesouro nacional.
Fora da capital, ainda havia vastas províncias, e por isso o imperador jamais abriria mão de Zhang Jinggong.
A previsão de Zhang Jinggong estava certa. Logo após o Festival das Lanternas, o imperador o restaurou em seu posto original. Mas, desta vez, algo era diferente.
Ao retornar ao gabinete, Zhang Jinggong estava cheio de energia e queria mostrar resultados concretos. Imediatamente expandiu o projeto de mapeamento de terras para o país inteiro, focando a restauração onde a perda de terras era mais grave: nas províncias de Hubei, Hunan, Jiangxi, Jiangsu e Zhejiang. Ao mesmo tempo, cortou funcionários desnecessários e investigou corrupção. Essas ações, inesperadamente, mexeram com um ninho de vespas.
Jiangxi e Zhejiang eram províncias importantes para o Exame Imperial. Metade dos formandos e estudiosos do palácio vinha de uma dessas províncias, e as terras que Zhang queria liquidar estavam em nome dessas famílias acadêmicas.
Antes, quando Zhang Jinggong mapeava as terras da capital, os oficiais vibravam de entusiasmo. Agora, seu apoio vacilava e metade dos oficiais no tribunal não conseguia mais se conter. Muitos criticaram Zhang Jinggong e uma enxurrada de petições de impeachment inundou o palácio. Não eram apenas os oficiais da capital; muitos de outras regiões também levantaram suas vozes.
O evento mais escandaloso ocorreu quando um cometa apareceu no céu. O censor imperial de Nanjing, Feng En, apresentou um memorial ao imperador dizendo que era um aviso dos céus e que Zhang Jinggong era o cometa que traria desastre ao tribunal. Se ele não fosse removido, haveria discórdia interminável entre os oficiais, o governo ficaria desequilibrado e o mundo entraria em catástrofe. Ele instou o imperador a decapitar o traidor Zhang Jinggong.
O imperador era sábio e sabia que a tal catástrofe celestial não passava de bobagem. Era sua ideia reformar as terras. Embora Feng En parecesse estar xingando Zhang Jinggong, não estaria ele, na verdade, xingando o imperador por trazer má sorte? O imperador criticou duramente o memorial na sessão matutina do tribunal, dizendo com raiva:
— Feng En não estava apontando o dedo para Zhang Jinggong, mas usou essa oportunidade para me atacar. Ele merece a morte.
O imperador desabafou, mas as disputas de impeachment não cessaram; pelo contrário, ficaram mais intensas. No caos, o impeachment virou uma mistura de boatos, difamações e insultos. Os rumores se espalharam como fogo e algumas histórias verdadeiras se misturaram com mentiras, tornando impossível distinguir o real do falso.
Zhang Jinggong já esperava que pudesse ofender pessoas, mas não imaginava que seus colegas estudiosos, tão bem versados nos livros dos sábios e sempre falando pelo povo, o desejariam morto mais que os nobres e elites influentes temendo por seus interesses. As disputas de impeachment estavam muito mais graves do que ele previra. Saiam do controle e mostravam sinais de escalada.
Claro, o Marquês de Wuding também ajudou nessa onda. Afinal, boa parte das mais de quinhentas fazendas na capital confiscadas por Zhang Jinggong pertencia a Guo Xun.
Como diz o velho ditado, três pessoas falando fazem um tigre. Zhang Jinggong não tinha medo, mas pouco antes do Ano Novo, a confiança entre ele e o imperador começou a rachar. Se Zhang Jinggong podia usar alguém pequeno como Xue Kan para lutar contra seus adversários, não poderia também usar a liquidação das terras para obter ganhos pessoais?
Quando a primeira pessoa falou isso, o imperador ignorou, acreditando firmemente que o trabalho de Zhang Jinggong ameaçava seus interesses e que eles simplesmente queriam denunciá-lo. Mas, à medida que mais pessoas se manifestavam, o imperador começou a vacilar.
Uma vez que as sementes da desconfiança são plantadas, elas criam raízes e brotam como videiras parasitas, e qualquer pequena inconsistência faz a suspeita crescer descontroladamente. Como resultado, chegou o dia em que Zhang Jinggong descobriu de repente que o imperador não atendia mais suas solicitações incondicionalmente. Quando ele escrevia petições pedindo a remoção de certos oficiais, o imperador guardava os memoriais no bolso por períodos cada vez maiores, e seus olhos se enchiam inconscientemente de escrutínio ao olhar para ele.
Zhang Jinggong sentiu como se tivesse levado um tapa na cara. Era como se um balde de água fria tivesse sido derramado sobre sua cabeça, extinguindo seu entusiasmo pela reforma.
O clima mudava com frequência no início do ano, doenças contagiosas estavam em alta, e os idosos adoeciam com facilidade. Zhang Jinggong estava sendo alvo de impeachment havia dois meses e enfrentava pressão mental e exaustão causada pelo excesso de trabalho. Enquanto aguardava numa sala de serviço para uma sessão do tribunal, desmaiou repentinamente, e todos rapidamente o mandaram para casa. Quando o imperador soube disso, enviou pessoalmente um médico imperial para a mansão Zhang.
Zhang Jinggong ficou inconsciente por mais de um dia e só acordou ao meio-dia do dia seguinte. No entanto, depois de acordar, sua energia e espírito pareceram ter se dissipado, e seu corpo não estava tão bom quanto antes.
O imperador pessoalmente cuidou de seus remédios e ordenou que Zhang Jinggong descansasse e se recuperasse, mas ele pediu para se aposentar e renunciou ao cargo de Chefe Auxiliar.
Só após essa doença Zhang Jinggong percebeu que aqueles que ousam ser os primeiros neste mundo não têm um bom fim. Houve reformadores mais inteligentes, capazes e prestigiados em todas as dinastias, mas nenhum deles teve um desfecho feliz. Quando Shang Yang fez suas reformas, foi atropelado por cinco carroças puxadas por cavalos no mercado da cidade. Quando An Shi fez suas reformas, seus velhos amigos não ousaram mais visitá-lo. Por que ele achava que seria exceção?
Desde que entrou no serviço público, viveu três altos e baixos. Sua reforma anterior também foi criticada, mas na época o imperador confiava nele, então quanto mais queriam destituí-lo, mais seguro ele estava. Agora, havia uma fissura no coração do imperador. No momento, ele ainda estava disposto a apoiar Zhang Jinggong, mas e depois de um tempo?
Quando estava em uma posição baixa, ninguém lhe dava atenção. Quando subiu, chegou ao posto de auxiliar. Quando caiu em desgraça, foi derrotado pelo Partido Yang e preso. A maioria do tribunal o acusava de bajular superiores e faltar integridade. Quando as coisas iam bem, foi promovido de oficial de sétimo escalão a membro do gabinete em três anos, e agora a maioria na capital se curvava e o chamava de “Elder do Gabinete” ao vê-lo.
Sua carreira foi cheia de altos e baixos, enfrentou muitas dificuldades. Mas o caminho que percorreu na vida não foi em vão.
O imperador rejeitou várias vezes o pedido de aposentadoria de Zhang Jinggong. Mas Zhang Jinggong trabalhou muitos anos com o jovem imperador e já havia entendido seu modo de pensar. Sabia que o imperador lhe dava consideração, e que de fato era hora de se aposentar e voltar para casa. Ele submeteu mais uma vez um memorial pedindo aposentadoria por doença, e o imperador não teve escolha senão cessar seu cargo de Chefe Auxiliar e permitir que Zhang Jinggong fosse para casa se recuperar.
O Chefe Auxiliar Zhang, que antes detinha grande poder, havia partido.
Outro Chefe Auxiliar saiu, e antes que a capital entrasse em pânico, um novo ciclo de substituições já começara. Pela antiguidade no gabinete, Li Shi seria o próximo a ocupar o cargo de Chefe Auxiliar.
Só quando Li Shi assumiu o posto, percebeu que não era algo para qualquer pessoa. Ele não teve coragem de continuar a gerenciar as questões fundiárias, nem conseguiu resolver o complicado conflito de interesses. Para que o imperador precisava de um Chefe Auxiliar que não podia executar seus desejos e decretos imperiais? O imperador não ficou satisfeito, e Li Shi mesmo pediu demissão, saindo em dois meses.
A falha de Li Shi abriu caminho para o próximo na fila. Xia Wenjin, popularmente apoiado, assumiu o cargo de Chefe Auxiliar do gabinete, como esperado.
Zhang Jinggong e Li Shi renunciaram um após o outro, deixando duas vagas no gabinete. Enquanto Xia Wenjin assumia as responsabilidades do Chefe Auxiliar, Yan Wei, ministro do Departamento de Ritos, foi silenciosamente nomeado Grande Acadêmico do Palácio Wuying e entrou oficialmente no gabinete.
Quando Xia Wenjin finalmente se firmou, olhou para trás e encontrou um rosto familiar. Yan Wei era muito conhecido em todos os lugares. Era uma pessoa de conduta que não ofendia ninguém e gozava de excelente reputação na corte. Porém, Xia Wenjin sabia que Yan Wei, como Lu Heng, era uma raposa velha e escorregadia.
Pior ainda, Yan Wei tinha um filho, Yan Qinglou, esperto e travesso, especialista em agradar o imperador. Antes, também era amigo íntimo de Zhang Jinggong. Definitivamente, não era uma pessoa de boa índole. Lu Heng tinha o mérito de salvar o imperador e Xia Wenjin não podia fazer nada por enquanto. Contudo, Yan Wei e seu filho precisavam ser contidos logo, ou se tornariam uma grande ameaça no futuro.
Enquanto Xia Wenjin tramava silenciosamente o que fazer com o pai e o filho Yan, não esqueceu seu outro grande inimigo — o Marquês de Wuding, Guo Xun.
Isso mesmo, embora Guo Xun tenha atiçado as chamas que derrubaram o poderoso ex-Chefe Auxiliar Zhang Jinggong, ele também ofendeu o novo Chefe Auxiliar, Xia Wenjin. Guo Xun achava que tinha salvo a vida de Xia Wenjin no caso Xue Kan e lhe feito um grande favor, mas Xia Wenjin não sentia o mesmo. Inesperadamente, os dois viraram inimigos.
Lu Heng esperava completamente essas mudanças de poder, inclusive a animosidade entre Guo Xun e Xia Wenjin. Ele via isso muito claramente. Não foi Xia Wenjin quem derrotou Zhang Jinggong, mas Zhang Jinggong quem cometeu um grande erro e acabou se destruindo, levando à sua renúncia.
No serviço público, quem ri por último não é quem tem os métodos mais supremos, mas quem não comete erros. É com essa perspectiva que Lu Heng nunca falha em prever as mudanças que irão ocorrer. E, segundo seu julgamento, o próximo em perigo provavelmente seria Guo Xun.
Lu Heng sabia que Guo Xun estava indo bem por tempo demais e se tornara um pouco complacente. Quando as pessoas começam a se achar demais, a queda não está longe.
Enquanto Xia Wenjin cuidava dos assuntos pendentes de Zhang Jinggong, Lu Heng desapareceu novamente no meio do caos das mudanças de poder e recebeu ordem do imperador para investigar um caso.
Para ser exato, um livro proibido.
0 Comentários