Capítulo 86 — Indo Longe Demais
— Vossa Majestade, esta concubina realmente não sabia que havia coisas tão indescritíveis neste sachê. Se eu soubesse, mesmo com cem vezes mais coragem, jamais teria ousado trazê-lo para o Palácio da Lua Brilhante.
As pernas da Consorte Zhang já haviam fraquejado no momento em que entrou e viu Sua Majestade e a Imperatriz presentes. Quando o médico imperial confirmou que o sachê continha veneno, ela desabou no chão, tomada pelo terror, a mente acelerada — quem teria armado contra ela? Será que sua vida seria poupada?
— Céus, envie uma nevasca para provar o quanto sou injustiçada! — pensou ela.
Mas os céus não mostraram a menor intenção de ajudá-la — nem um floco de neve caiu, nem mesmo uma rajada de vento.
— Este... este “flor bêbada”, esta concubina nem sabe como é sua aparência, quanto mais se é venenosa. — Consorte Zhang chorava de forma lastimável. — Imploro a Vossa Majestade e a Vossa Majestade a Imperatriz que vejam a verdade — esta concubina não tem a menor intenção de fazer mal à Imperatriz!
— Basta. — O Imperador Longfeng esfregou as têmporas, irritado com o seu lamentar. — A Imperatriz ainda nem falou. Por que tanta pressa?
— Esta concubina não ousa, esta concubina está sendo injustiçada. — Consorte Zhang fungou baixinho, embora não ousasse mais chorar alto.
— Porquinho, viu isso? — Príncipe Chen sussurrou no ouvido de Jiuzhu. — Esta é uma das três táticas favoritas tanto das concubinas quanto dos oficiais da corte — o método do pranto.
— Quais são as outras duas?
— O método do clamor e o método do suicídio. Às vezes, para alcançar seus objetivos, combinam os três.
Jiuzhu lançou um olhar cheio de compaixão ao Imperador Longfeng. — Sua Majestade realmente tem uma vida difícil.
Com pessoas assim no tribunal e no harém, que vida de sofrimento ele deve levar.
— Pare de olhar assim — resmungou Príncipe Chen. — Se continuar olhando, metade das petições na mesa de Sua Majestade vai acabar na minha.
Jiuzhu rapidamente desviou o olhar. O príncipe ainda era jovem — não deveria sofrer como o Imperador.
— Vossa Majestade, Vossa Majestade a Imperatriz, o Quarto Príncipe e a Princesa Consorte do Quarto Príncipe chegaram.
O Imperador Longfeng não via esse filho desde a véspera de Ano Novo. Silencioso, passou os dedos sobre a xícara de chá na mão.
— Vossa Majestade — sorriu a Imperatriz Su —, aconteça o que acontecer, os laços de sangue não podem ser desfeitos. Que o passado fique para trás.
— Todos esses anos, você sofreu. — O Imperador Longfeng não queria mostrar expressão severa diante da Imperatriz Su. Segurou sua mão. — Mas de que adianta sangue? Diante da tentação pelo trono, tudo se torna insignificante.
— Pai, isso não é totalmente verdade. — Interveio o Príncipe Chen, inclinando-se. — Seu filho nunca cobiçou seu posto.
— Silêncio! — O Imperador Longfeng ficou ainda mais irritado. O fato de ele não cobiçar o trono era mais enfurecedor do que se cobiçasse.
Príncipe Chen voltou calmamente para o lado de Jiuzhu. Ela acariciou o braço dele, confortando. — Não fique chateado, Alteza. Até o Sexto Irmão é frequentemente repreendido pelo Tio em casa, mas o Tio se importa muito com ele.
— Ah... — Príncipe Chen fingiu tristeza. — A culpa é minha por não ser bom o suficiente.
— Vossa Alteza já fez mais do que o suficiente.
A Imperatriz Su lançou um olhar ao filho, que fazia papel de coitado na frente de Jiuzhu, e pigarreou, como aviso para ele se controlar. — Tragam o Quarto Príncipe e sua consorte para dentro.
— Xiangjuan, ajude a Consorte Zhang a se levantar. Que ela fale devagar, sentada.
Yun Yanze entrou no salão e fez uma reverência completa. — Este filho saúda o Pai Imperador e a Mãe Imperatriz.
— Levantem-se, ambos. Sentem-se. — A Imperatriz Su sorriu para o casal quando o Imperador Longfeng permaneceu em silêncio. Depois que se sentaram, ela trocou algumas palavras de cortesia.
Yun Yanze respondeu a cada pergunta impecavelmente, sem falhas.
A Imperatriz Su não tinha intenção de demonstrar afeto materno diante do Imperador Longfeng. Terminadas as formalidades, foi direta: — Convocamos vocês hoje porque o sachê que a Consorte Zhang trouxe ao Palácio da Lua Brilhante continha flor bêbada e substâncias que induzem à loucura.
Yun Yanze empalideceu, mas manteve a compostura. — Este filho nada sabe sobre isso.
— Exatamente porque não sabe, chamamos vocês aqui. — A Imperatriz Su fez um gesto, e o médico imperial apresentou o sachê envenenado sobre uma bandeja. — Veja, Quarto Príncipe.
A flor bêbada era bela em plena floração, mas seca parecia folhas murchas, sem qualquer charme.
Ao ouvir a palavra "veneno", Sun Caiyao olhou instintivamente para Ming Jiuzhu.
Percebendo o olhar estranho, Jiuzhu encontrou seu olhar. — Quarta Cunhada, aconteceu alguma coisa?
— Nada. — Sun Caiyao desviou os olhos apressadamente. — Nada mesmo.
— Vossa Alteza, a flor bêbada afasta insetos, mas seus caules e folhas são venenosos. Ingerir em excesso pode ser fatal. No entanto, essas pétalas secas sozinhas não são altamente tóxicas — mas, misturadas a este pó e usadas diariamente, podem levar quem as usa à loucura em um mês.
Ao ouvir as palavras do médico, Consorte Zhang lentamente recuperou a compostura. — Alguém... quis me fazer mal?
— Ainda não entre em pânico. Já ordenei uma revista em seus aposentos. Qualquer coisa suspeita será confiscada. — A Imperatriz Su a acalmou. — Esta noite, ficará na ala lateral do Palácio da Lua Brilhante.
— Muito obrigada pela misericórdia de Vossa Majestade! — Consorte Zhang finalmente entendeu — a Imperatriz a convocara para proteger sua vida.
— O Palácio da Lua Brilhante nunca hospedou outras concubinas. Que ela fique no Pavilhão da Brisa, então. Se estiverem preocupados, aumentem o número de guardas. — O Imperador Longfeng, que permanecera em silêncio até então, falou. — Não podemos quebrar o protocolo por ela.
Consorte Zhang: "..."
Muito bem. Ela entendeu — não era digna!
— Também serve. — A Imperatriz Su lançou um olhar repreensivo ao Imperador Longfeng antes de se voltar novamente para Consorte Zhang. — O Pavilhão da Brisa não tem outros moradores. Você ficará na câmara principal — melhor do que apertar-se no meu quarto lateral.
Diante da escolha, quem não preferiria a ala lateral do Palácio da Lua Brilhante?
— Obrigada, Vossa Majestade. — Consorte Zhang não ousou protestar.
Logo, os homens enviados para revistar os aposentos de Consorte Zhang retornaram.
— Relatando a Vossa Majestade e a Vossa Majestade a Imperatriz, encontramos dois frascos de pescoço longo pintados de vermelho, uma caixa de incenso contendo pó de flor bêbada e... e... — O eunuco líder hesitou, lançando olhares furtivos para Jiuzhu.
— E o quê? — A expressão da Imperatriz Su escureceu.
— E uma boneca amaldiçoada com os caracteres de nascimento da Princesa Consorte Chen. — O eunuco fez uma profunda reverência. — Este servo implora misericórdia a Vossas Majestades e Altíssimos.
Ao longo da história, a família imperial abominava feitiçaria. Encontrar a boneca debaixo da cama de Consorte Zhang quase os fez desmaiar de medo.
— Consorte Zhang?! — A fúria da Imperatriz Su era inconfundível.
— Vossa Majestade, esta concubina nada sabe sobre isso! — Consorte Zhang balançou a cabeça freneticamente. — Nunca acreditei em tais coisas!
— Esperem. — Jiuzhu falou. — Onde está essa boneca? Tragam para mim.
— Princesa Consorte, um objeto tão vil... —
— Traga para ela — Príncipe Chen interrompeu friamente. — Com o Imperador pai aqui, que mal poderia se aproximar?
Um eunuco entrou com uma bandeja coberta por um pano vermelho, com um pequeno volume visível por baixo.
Jiuzhu levantou o pano e examinou a boneca, então riu. — Isso não é uma boneca amaldiçoada — é só uma boneca de pano. Exatamente onde ela foi encontrada nos aposentos de Consorte Zhang?
— Respondendo à Princesa Consorte, debaixo da roupa de cama em que Consorte Zhang dormia.
— Se fosse mesmo uma boneca de vodu, quem teria coragem de escondê-la debaixo do próprio leito? — Jiuzhu pegou as agulhas de prata cravadas na boneca e cutucou o tecido algumas vezes, onde estavam escritos seus próprios caracteres de nascimento. — Uma boneca de vodu de verdade deve ser feita de palha, amarrada com linha vermelha onde se escreve o nome, os detalhes de nascimento — de preferência até a cidade natal da vítima. Esse é o método mais básico. Essa boneca de pano aqui é completamente inútil.
A boneca era macia e estranhamente satisfatória de cutucar.
Príncipe Chen, que estava sentado com uma perna sobre a outra, baixou a perna silenciosamente enquanto observava Jiuzhu espetar a boneca com alegria.
— Além disso, essas agulhas de prata estão todas erradas. Para uma maldição eficaz, usam-se agulhas de ouro — são muito melhores para selar o destino e cortar a respiração. — Jiuzhu sacudiu a boneca algumas vezes antes de jogá-la numa bandeja. — O mais importante é que bruxaria é pura bobagem. Se bonecas fossem capazes de eliminar todos os inimigos, que tipo de ordem teria sobrado para o nosso Grande Cheng?
Quando terminou, percebeu que todos a observavam em silêncio. — O que foi? — perguntou, intrigada.
— Hum... — Príncipe Chen olhou para a boneca que Jiuzhu acabara de cutucar. — Como você sabe tanto sobre bonecas de vodu?
— Qual é o problema? — Jiuzhu arrancou as agulhas restantes e as alinhou cuidadosamente. — Ambos os meus mestres eram praticantes das artes místicas. Eles me contaram muitas lendas populares.
— Quem tem o coração justo é imune ao mal. Mesmo que existissem fantasmas e demônios, eles fugiriam diante de soldados e oficiais.
Consorte Zhang, que até então lamentava sua inocência, silenciou, seu rosto marcado pelas lágrimas secando na brisa.
Até Yun Yanze e sua esposa ficaram paralisados, a expressão mistura de choque e confusão — especialmente ao ver Ming Jiuzhu espetar casualmente a boneca com seus próprios dados de nascimento.
Que tipo de pessoa teria coragem de fazer isso?
Será que ela não tinha nenhum senso de tabu?
Sun Caiyao engoliu em seco, agora olhando para Jiuzhu com admiração.
— Jiuzhu — finalmente conseguiu falar a Imperatriz Su, com a voz tensa — você está dizendo que Consorte Zhang foi incriminada?
— Sim. — Jiuzhu assentiu. — Consorte Zhang não é tola a ponto de esconder uma boneca de vodu num lugar tão óbvio, só esperando ser pega.
Dado o prestígio da Imperatriz Su no palácio, se Consorte Zhang tivesse mesmo escondido uma boneca amaldiçoada no seu leito, as criadas do palácio teriam denunciado antes do próximo amanhecer.
Consorte Zhang olhou para Jiuzhu com gratidão, todo rancor anterior pela falta de apoio à sua filha desaparecendo. Agora, só conseguia pensar em quão perspicaz e justa era a Princesa Consorte de Príncipe Chen — uma mulher que não prejudicaria um inocente.
— O cinábrio é altamente tóxico. Exposição prolongada pode levar uma pessoa à loucura — disse o médico imperial, encarando Consorte Zhang. Quem quer que a tenha ofendido claramente desejava que ela perdesse a razão.
— Obrigada, Médico. — Imperatriz Su assentiu. — Pode se retirar para a ala lateral por enquanto.
— Seu servo se retira. — O médico entendeu: o que viria a seguir não era para seus ouvidos.
Quando ele saiu, Príncipe Chen se virou preguiçosamente para Yun Yanze. — Irmão Quarto, já entendeu essa jogada?
— Essa é uma trama contra mim e a Quinta Irmã — Yun Yanze respondeu, olhando para Jiuzhu. — Alguém usou Consorte Zhang para nos colocar um contra o outro.
Toda a corte sabia da disputa dele com a família Ming. Se alguém incriminasse Jiuzhu usando Consorte Zhang, a suspeita recairia naturalmente sobre ele primeiro.
— Errado. A Princesa Consorte e eu somos um só, então essa é uma conspiração contra nós dois — e contra você também. — Príncipe Chen enfatizou o “nós dois” com um sorriso afiado. — Não distorça as palavras, Irmão Quarto.
Yun Yanze riu. — Você tem razão, Irmão Quinto.
Sun Caiyao acrescentou: — Irmão Quinto está certo. Essa foi uma armadilha contra nós e contra você.
Seu marido e Ming Jiuzhu não tinham ligação — nem deveriam ser mencionados juntos.
Yun Yanze olhou para ela, o sorriso gentil.
Consorte Zhang permaneceu em silêncio, sem coragem para falar. Se essa era uma conspiração contra dois príncipes imperiais, por que arrastá-la para isso?
Ela seria apenas um peão sem mente, descartável quando desejassem?
Será que ela não merecia dignidade?
Isso era ultrajante demais!
Capítulo 87 — Plano
Yun Yanze entendia bem — os esquemas e conspirações intricadas dentro do harém imperial frequentemente significavam que, mesmo que um “culpado” fosse identificado, ele podia não ser o verdadeiro mandante por trás dos bastidores.
A Imperatriz Su sabia disso, e até Yun Duqing provavelmente também.
Agora que a Imperatriz Su o havia convocado, deixava clara sua posição: ela não desconfiava dele, mas esperava que ele mostrasse sua sinceridade.
— O mandante disso é implacável, perturbando a paz do harém — um crime imperdoável. Este filho humildemente solicita permissão de Vossas Majestades para investigar este assunto a fundo. — Ele se levantou e fez uma profunda reverência. — Imploro que me concedam esta responsabilidade.
— Assuntos desagradáveis assim não devem incomodar você — disse a Imperatriz Su com um sorriso. — Que a Administração do Palácio ou a Guarda Imperial cuidem disso.
Questões do palácio interno raramente eram entregues a oficiais da corte, a não ser que a situação se tornasse grande demais para ser ignorada.
— Compartilhar os fardos de Vossas Majestades é honra para este filho.
— Então confiamos essa questão a você — declarou o Imperador Longfeng. — A Imperatriz está cansada. Todos podem se retirar.
O “todos” em suas palavras parecia excluir o Príncipe Chen e sua consorte.
Sun Caiyao levantou-se.
— Esta nora se retira.
Na porta, ela lançou um olhar para Ming Jiuzhu, que brincava distraidamente com uma boneca sobre uma bandeja, sua expressão indiferente enviando um arrepio pela espinha de Sun Caiyao.
— Caiyao, cuidado com os degraus. — Yun Yanze segurou seu braço com firmeza. — Preste atenção onde pisa — não tropece.
— Obrigada, Alteza. — Sun Caiyao despertou de seus pensamentos e lhe deu um sorriso doce.
— Algumas pessoas não têm nada além de um rosto bonito — zombou Consorte Zhang, sem medo de provocar Yun Yanze, embora evitasse ofender o Príncipe Chen. — Alguém é atingido por uma lâmina de assassino — mais leve que o arranhão de um gato. E, mesmo depois de todo esse tempo, o assassino continua à solta, enquanto outros filhos imperiais pagam o preço.
— Será que... — ela sorriu com desprezo. — o ladrão está gritando “pega ladrão”?
Sun Caiyao quase respondeu, mas Yun Yanze apertou sua mão, silenciando-a.
— Consorte Zhang — rebateu Yun Yanze com um leve sorriso. — Fui atacado na residência do genro imperial da Princesa Roude — um homem que trocava cargos oficiais por subornos e abrigava assassinos. Que audácia — você acha que quem o encorajou?
— O genro imperial? A princesa? Ou talvez alguma certa consorte no palácio?
— Quem o encorajou, esta consorte não sabe. Mas se o Quarto Príncipe desconfia de alguém, deveria apresentar provas primeiro.
Se Yun Yanze ainda tivesse seu antigo posto, só essas palavras já teriam silenciado Consorte Zhang.
Mas os tempos mudaram. Conhecedora do hábito do harém de intimidar os fracos, Consorte Zhang devolveu a provocação:
— Esta consorte suspeita que quem está me incriminando seja um certo príncipe rancoroso.
As desgraças de Yun Yanze pareciam ter começado após a tentativa de assassinato.
Se observado de perto, o mais provável inimigo dela e da consorte do Príncipe Chen era justamente Yun Yanze.
— Quem pode dizer se alguém que se oferece para investigar o mandante quer mesmo justiça — ou apenas esconder suas próprias pegadas?
— Consorte Zhang, você pode comer despreocupadamente, mas não deve falar descuidadamente — cortou Sun Caiyao, incapaz de se conter. — Se tem suspeitas, leve-as a Vossas Majestades. Não há necessidade de insultos velados aqui.
— Como ousa! Esta consorte pode não ter o posto mais alto, mas ainda sou dama do palácio — sua superiora. Como filha da família Sun, você não conhece as regras de respeito aos superiores? — Consorte Zhang fulminou com o olhar. — Se sua sogra não lhe ensinou, esta consorte ficará feliz em fazê-lo.
Sun Caiyao empalideceu e respirou fundo.
— A repreensão de Consorte Zhang é justa.
Com Yun Yanze fora de favor, ela precisava engolir sua raiva para não causar mais problemas a ele.
— Consorte Zhang.
A expressão altiva de Consorte Zhang derreteu em bajulação no instante em que ouviu a voz de Ming Jiuzhu. Virou-se com um sorriso lisonjeiro.
— O que a Princesa Consorte deseja?
— Nada demais. — Jiuzhu se aproximou e entregou-lhe uma caixa de madeira. — Vossa Majestade disse que você sofreu um susto hoje. Jade puro nutre o espírito — estas pulseiras são para você.
— Minha mais profunda gratidão a Vossa Majestade e à Princesa Consorte. — Consorte Zhang aceitou a caixa sem abrir, curvando-se em agradecimento.
— Não precisa agradecer. — Jiuzhu acenou levemente, depois se voltou para Yun Yanze e Sun Caiyao. — Quarto Irmão, Quarta Nora, deixe-me acompanhar vocês até a saída.
Sun Caiyao fitou Ming Jiuzhu.
Será que ela ouviu as palavras de Consorte Zhang e interveio para ajudá-los?
Consorte Zhang olhou entre Jiuzhu e o casal, então pediu licença e sumiu mais rápido que um gato assustado.
— Quarto Irmão, Quarta Nora, por aqui. — Jiuzhu abriu caminho, enquanto Sun Caiyao seguia em silêncio. Impulsivamente, ela lançou um olhar para Yun Yanze.
O que ele estaria pensando ao observar a figura de Ming Jiuzhu se afastando?
Em seus sonhos, ela vira uma versão de Yun Yanze que um dia se importara com Ming Jiuzhu — a alegria no rosto dele durante aquele casamento fora inconfundível.
Mas o rosto de Jiuzhu estava oculto atrás de um leque cerimonial, deixando Sun Caiyao incerta se ela havia estado feliz ou triste.
Comparado ao grande casamento que o Príncipe Chen preparara para ela, aquele dos sonhos parecia pálido.
Nos portões do Palácio da Lua Brilhante, Yun Yanze parou.
— Obrigado por nos acompanhar até aqui, Nora. Não precisa ir além.
Jiuzhu parou e se virou.
— Boa viagem, Irmão e Nora.
Yun Yanze encontrou seu olhar, fez uma reverência graciosa e partiu.
Jiuzhu os observou partir, sua expressão indecifrável.
— Eu sabia que você saiu para resgatá-los — disse o Príncipe Chen, segurando a mão dela, sem lançar sequer um olhar para a figura de Yun Yanze que se afastava. — Venha, vamos voltar para o jantar.
Depois da refeição, Jiuzhu recusou a liteira, e os dois caminharam lado a lado pelo caminho do palácio.
— Alteza, todo mundo no palácio é assim? — perguntou ela.
— Você quer dizer a Consorte Zhang? — Príncipe Chen riu. — No palácio nunca faltam aqueles que bajulam os poderosos e oprimem os fracos. Canalhas mesquinhos como ela são o menor dos problemas. Os verdadeiramente perigosos são os que parecem inofensivos — cobras venenosas disfarçadas.
— Isso não é só o palácio imperial — ele segurou a mão de Jiuzhu enquanto caminhavam — é o ápice do poder na Grande Dinastia Cheng. Nos últimos anos do imperador anterior, as consortes tramavam implacavelmente para garantir o trono para seus filhos. Incontáveis inocentes foram pegos no fogo cruzado — alguns morreram, outros ficaram mutilados, e os piores viram suas famílias inteiras dizimadas, rios de sangue escorrendo por onde passavam.
Um vento frio soprou, e Jiuzhu se aproximou dele.
— Tios e anciãos que antes sorriam gentilmente viraram monstros distorcidos na luta pelo poder, perdendo todo senso de moral e razão — suspirou o Príncipe Chen. — Por isso sempre mantive distância do trono.
— Dezesseis anos atrás, eu tinha um cachorro. Ele me seguia por todo lado, abanando o rabo. Um dia, eu deixei cair um pedaço de doce, e o cachorro comeu...
— E o que aconteceu?
— Ele morreu. — Príncipe Chen ainda se lembrava — era um cachorro branco, pequeno, com patas curtas, que rolava como uma bola de pelúcia quando corria.
— O doce... estava envenenado? — os olhos de Jiuzhu se arregalaram.
— Sim, envenenado. — Príncipe Chen riu amargamente. — Desde então, sempre faço alguém provar minha comida antes de eu comer.
De repente, Ming Jiuzhu percebeu que as balas de hortelã e os petiscos que ela compartilhava com o príncipe nunca tinham sido provados por mais ninguém.
— Você não é qualquer um. Por que eu hesitaria em comer o que você me oferece? — Príncipe Chen percebeu o que ela pensava só pela expressão. — Além disso, você sempre come mais dos seus petiscos do que eu.
— E se eu secretamente planejava derrubar você junto comigo? Você não se enganaria? — Jiuzhu riu baixinho. — Alteza, sua guarda ainda está baixa demais.
— Isso não é guarda baixa — Príncipe Chen arqueou a sobrancelha. — É confiança. Confiança no meu julgamento e no fato de que você jamais me faria mal.
Jiuzhu caiu na risada, e os dois olharam para a lua pendurada no céu.
— Alteza, já está quase na época das flores de pessegueiro.
— Mhm.
— Então, quando vamos pintar juntos?
— ...
— Alteza, por que não diz nada?
— Ah, só estava pensando em qual paisagem seria a mais bonita para capturar numa pintura.
A repentina mudança do palácio da Consorte Zhang despertou a curiosidade das outras concubinas. Desde a ascensão do Imperador Longfeng, Consorte Zhang residira naquele palácio — por que mudá-la agora?
Algumas concubinas enviaram criadas para investigar, só para as atendentes de Consorte Zhang responderem misteriosamente:
— Isso foi ordenado por Sua Majestade e pela Imperatriz Su.
O Pavilhão da Brisa tinha realmente uma paisagem melhor, mas a personalidade desagradável de Consorte Zhang e sua filha, que uma vez ofendera o Príncipe Chen, deixavam estranho o motivo da Imperatriz organizar isso para ela.
Será que elas não deveriam ser mais favorecidas que Consorte Zhang?
— Minha senhora, o Palácio da Lua Brilhante mudou Consorte Zhang de repente — será que já descobriram o problema dela?
— Desde quando Su Meidai ficou tão afiada? Nosso plano mal começou e ela já viu tudo.
— E agora, o que fazemos?
— O que podemos fazer? Esperar. Agora, ela não só tem o apoio do Imperador, mas também o da família Ming.
— A família Ming?
— No banquete de Ano Novo, Ming Jinghai e Ming Jingzhou trabalharam juntos para esmagar completamente a facção de Yun Yanze. Você acha que fizeram isso à toa?
— Para abrir caminho para o Príncipe Chen?
— Para que mais? Eles deixaram Yun Yanze sem espaço para manobrar. Isso significa que se posicionaram contra ele — enquanto a família Ming se mantiver firme, nunca permitirão que Yun Yanze suba ao trono.
— Mas sempre houve boatos de que a família Ming não gosta do Príncipe Chen. Por que começaram a apoiá-lo agora?
— Talvez o 'inútil' Príncipe Chen seja mais fácil de controlar que os outros príncipes.
— Mas este servo acha...
— Você acha que a família Ming não é desse tipo? Hah. Os três irmãos Ming do passado eram mesmo homens de princípios. Infelizmente, as pessoas mudam.
— As pessoas mudam. — comentou o Príncipe Huai aos irmãos mais novos. — Vai saber? Talvez o Quinto Irmão realmente saiba de cor os Crônicos Agrícolas.
A recusa do Imperador em aprovar a proposta do Príncipe Chen para um exame imperial extra — a menos que ele decorasse os Crônicos Agrícolas em cinco dias — virou segredo aberto na corte.
Não só os oficiais sabiam, mas até o povo comum ouvira os rumores.
Diferente dos estudiosos ansiosos, o povo estava cheio de confiança no Príncipe Chen — uma confiança alimentada pelas histórias da série Príncipe Impiedoso.
Até os estudiosos que antes o criticavam em segredo pararam. Alguns até acendiam incenso silenciosamente diante das estátuas de Confúcio, rezando para que o príncipe decorasse o livro perfeitamente.
Em poucos dias, Crônicos Agrícolas virou best-seller nas livrarias, já que muitos estudiosos especulavam que a exigência do Imperador mostrava o quanto valorizava o conteúdo.
A parte mais absurda? Casas de apostas começaram a aceitar apostas sobre isso.
Quem dizia conhecer bem o Príncipe Chen apostava contra ele; já o povo, contagiado pela empolgação, apostava em sua vitória.
— Ridículo. Absolutamente ridículo. — Yun Qirong visitou várias casas de apostas antes de se dirigir aos amigos. — As chances são maiores para quem aposta que o príncipe não vai decorar.
— Parece que os cidadãos da capital têm muita fé em Sua Alteza — comentou um dos jovens nobres. — E você, em que apostou?
— Acha o quê? Claro que apostei na vitória do príncipe. — Yun Qirong colocou as mãos nos quadris. — O lucro não importa — o que vale é demonstrar nosso apoio a Sua Alteza.
— Qirong está certo. Vamos apostar no príncipe também.
Que tipo de seguidores leais seriam se não apoiassem seu líder?
Dinheiro? Tinha de sobra!
Depois de fazer as apostas, o grupo olhou para o céu.
— Qirong, para onde agora?
— Para o orfanato — declarou Yun Qirong. — Sua Alteza nos mandou fazer mais boas ações, então vamos seguir suas ordens.
Os irmãos tinham sido nomeados guardas imperiais de terceira patente, mas apenas dois dias antes tinham sido promovidos para segunda patente — tudo porque obedeceram às ordens do príncipe.
— Não podemos ir de mãos vazias.
— Certo, vamos comprar arroz, óleo e brinquedos.
— Também devemos levar livros para iniciantes. É bom para as crianças aprenderem algumas palavras.
— Vamos, irmãos.
Enquanto isso, vários chefes de famílias nobres se reuniam, ansiosos pelo sucesso do plano.
— Está tudo pronto? Nenhum erro?
— Fiquem tranquilos, nada vai dar errado desta vez.
— O que os capangas do Príncipe Chen estão fazendo?
— Estão fazendo apostas nas casas de jogos.
— Perfeito. Não acredito que alguém possa atrapalhar hoje!
Capítulo 88 – Onipotente
Era para ser um dia claro de primavera, com flores desabrochando, pessoas encantadoras e borboletas dançando no ar.
No entanto, até mesmo o cenário mais pitoresco pode ser manchado por eventos inesperados.
O Orfanato era uma instituição mantida pelo Estado, criada em diversas prefeituras para cuidar de crianças abandonadas. Se uma criança não fosse adotada, seria criada ali até os catorze anos, e então enviada para buscar seu próprio sustento.
Nos últimos anos, à medida que o povo de Dacheng prosperava, menos crianças eram abandonadas. Além disso, comerciantes ricos e senhoras nobres frequentemente doavam prata ao Orfanato, então as crianças ali levavam uma vida relativamente confortável. Chegavam até a ser levadas para passeios mensais pelos responsáveis do lugar.
Hoje era mais um desses dias. A maioria das crianças não adotadas carregava algum tipo de deficiência física, e suas aparências comoventes partiam o coração de qualquer um.
As crianças não entendiam por que o homem que as liderava naquele dia estava sendo tão severo, nem por que as conduzia deliberadamente para a parte mais movimentada do mercado. Medrosas demais para protestar, apenas tropeçavam atrás dele, lutando para acompanhar seu ritmo.
Uma das crianças, nascida com o pé aleijado, mancava pesadamente, incapaz de acompanhar o passo do homem.
— Anda logo, seu imprestável! — rosnou o homem de túnica cinzenta ao vê-lo ficando para trás. — Gastar a prata do império pra alimentar um aleijado como você é uma vergonha para Dacheng!
As crianças começaram a chorar, assustadas — especialmente o menino aleijado, que se encolheu sobre si mesmo, apavorado demais até para chorar.
— Calem a boca, todos vocês! — esbravejou o homem. — Mais um som e abandono vocês aqui mesmo! Pestes nojentas. — Ele caminhou até a criança aleijada e a chutou duas vezes. — Lixo inútil.
— O que pensa que está fazendo?! — gritou um dos transeuntes, empurrando o homem para longe. — Ele é só uma criança! Como se atreve a tratá-lo assim?
— Cuidem da própria vida! — retrucou o homem, com um sorriso desdenhoso. — Sabe com quem está falando? Eu sou o intendente do Orfanato, um funcionário do governo! Camponeses ignorantes como vocês é que deviam se calar, ou chamo as autoridades e mando prender todos vocês!
— Em plena capital, sob os olhos do Filho do Céu e com o céu tão claro acima de nós — como ousa agir com tamanha arrogância?! — Os cidadãos da capital eram conhecidos por sua retidão e compaixão. Longe de se intimidarem, ficaram furiosos com a prepotência do homem. — Vá em frente, denuncie mesmo! Queremos ver!
— Isso mesmo! — vários homens fortes se adiantaram, colocando-se entre as crianças e o agressor. Ao notarem suas deficiências, seus corações se encheram de pena — e a fúria contra o intendente só aumentou. — Como você pode levantar a mão contra essas crianças indefesas? Você não tem humanidade?
— Trabalho no Orfanato há dez anos, e ninguém nunca ousou me desafiar! — zombou o homem. — Sugiro que deem o fora agora, ou assim que eu voltar, essas pestes desobedientes vão pagar por causa da intromissão de vocês. E aí... ninguém vai estar por perto para protegê-las.
— Isso foi uma ameaça?! — A multidão não conseguia acreditar na audácia dele.
— Quero ver quem aqui tem coragem de me tocar! — rosnou o homem. — Sou um oficial nomeado pela corte imperial. Agressão contra mim é crime, dá cadeia!
A maioria dos comerciantes no mercado era formada por gente comum, com famílias para sustentar. Diante da ameaça, hesitaram. Mas quanto mais suportavam a arrogância do homem, mais a raiva crescia — como gravetos secos pegando fogo.
— Se estão com tanto medo, então saiam do caminho! — esbravejou o homem. — Lembrem-se disso: nunca enfrentem a corte imperial, ou vão se arrepender...
— Vai se arrepender você, verme sem vergonha!
Um jovem nobre vestindo brocado saltou do meio da multidão e deu um chute no rosto do intendente. O homem nem teve tempo de gritar antes de cair no chão com um baque surdo.
Atordoado, o homem ficou ali por alguns segundos antes de reunir forças para um grito débil:
— V-Você ousa desafiar a corte imperial—?!
— Corte imperial é o cacete! Você não passa de um lixo com título! — O jovem nobre jogou um saco de grãos nas costas do homem, que se calou como um ganso estrangulado — pernas tremendo, boca escancarada, sem emitir som algum.
— Criatura repugnante! — O nobre sacudiu as mãos para tirar o pó. Ao se virar, notou a dúzia de crianças espiando por entre os adultos. Limpando a garganta, acrescentou: — Crianças boas não devem imitar o que acabei de fazer, hein. Eu só estou batendo num homem muito mal.
Ele e seus amigos tinham vindo ao mercado perto do Orfanato para comprar grãos e óleo como doação. Jamais esperavam presenciar tamanha crueldade.
Graças aos céus que vieram — do contrário, aquelas crianças teriam sofrido caladas.
— Em todos os meus anos de vida, nunca conheci ninguém mais arrogante do que a gente. — O jovem nobre se agachou ao lado do homem e começou a estapear sua cabeça a cada pergunta retórica.
— Quem foi que te disse que intendente de orfanato representa a corte imperial?
Pá!
— Debaixo do nariz do Imperador, você se atreve a usar seu mísero título pra ameaçar o povo? Eu ando por essas ruas há vinte anos, e nem eu tenho essa cara de pau!
Pá! Pá!
— Acha mesmo que pode intimidar crianças e plebeus na minha frente? Você faz ideia de quem eu sou?
Pá! Pá! Pá!
O intendente estava tão desnorteado que mal conseguia reagir.
Os que observavam, ainda com raiva, sentiram um alívio profundo ao ver o tirano reduzido àquele estado miserável.
— Jovem mestre, podemos saber quem é você? — perguntou uma vendedora de bolinhos de vapor, entregando um para cada criança, a voz carregada de preocupação. — Esse homem tem ligações com as autoridades. O senhor não vai se meter em encrenca por causa disso?
— Encrenca? Por bater num lixo desses? — O jovem nobre deu mais algumas pancadas na cabeça do homem. — Meu nome é Yun Yizhi, sexto na geração da linhagem do Imperador Taizong.
— Um descendente do nosso Imperador fundador — alguém da família imperial! — Para o povo comum, o grau de parentesco pouco importava. Qualquer descendente imperial despertava respeito e admiração.
— Graças aos céus que o senhor interveio, jovem mestre. Essas crianças teriam sofrido horrores.
— Como alguém pode ser tão cruel com crianças?
— Não se preocupem. Com a gente por aqui, ninguém vai machucar essas crianças. — Sob os olhares admirados da multidão, Yun Yizhi endireitou-se com orgulho. — E esse canalha não vai se atrever a retaliar. Sou colega de estudos do Príncipe Chen e atualmente sirvo como guarda imperial. Vermes como ele jamais ousariam me enfrentar.
— Ah, colega do Príncipe Chen! Não foi outro companheiro dele que defendeu os estudiosos da última vez?
— Agora entendo por que o Príncipe Chen o escolheu como companheiro. Que coração bondoso, jovem mestre!
Quando Yun Qirong chegou com os Guardas Imperiais, encontrou Yun Yizhi agachado na entrada do mercado, rodeado por uma dúzia de crianças, todas devorando pãezinhos de carne com alegria.
Seus rostos estavam lambuzados de gordura, e suas risadas enchiam o ar.
Seria uma cena comovente — se não fosse pelo homem amarrado e amordaçado jogado ali por perto.
— Senhores, o que exatamente aconteceu aqui? — O olhar de Yu Jian percorreu as crianças até pousar em Yun Yizhi.
Claro. Qualquer coisa envolvendo os círculos do Príncipe Chen inevitavelmente acabava em confusão.
Antes que Yun Yizhi pudesse responder, a multidão ao redor se adiantou para falar por ele, animadamente.
A expressão de Yu Jian se tornou mais severa conforme ouvia os relatos. Ele se virou para os Guardas Imperiais que o acompanhavam e ordenou:
— Levem o gerente desse orfanato imediatamente e entreguem-no à Prefeitura da Capital para uma investigação completa.
— Sim, chefe.
Dois Guardas Imperiais arrastaram o homem de túnica cinzenta, que gemia no chão, e então, “acidentalmente”, deixaram suas mãos “escorregarem”, fazendo o rosto do homem bater com força no chão, arrancando-lhe um grito de dor.
— Opa, minha mão escorregou.
— Que descuido terrível o nosso.
Os cidadãos ao redor pensaram consigo mesmos: Que escorregão maravilhoso. Podiam escorregar mais umas vezes.
Naquela mesma tarde, espalhou-se pela cidade a notícia vinda da Prefeitura da Capital — o homem que dizia representar a corte recebeu trinta varadas pesadas e foi condenado a uma punição severa.
O povo comemorou, louvando tanto os oficiais da prefeitura quanto os jovens da família imperial.
Os outrora infames descendentes reais agora desfilavam pelas ruas de cabeça erguida, passos leves como se fossem levados pelo vento. Alguns até começaram a imitar suas boas ações.
Por um tempo, os arruaceiros habituais sumiram completamente, e a atmosfera da capital nunca esteve tão boa.
Quem se atreveria a provocar esses jovens nobres, que agora percorriam as ruas com novo fervor por punir os malfeitores?
Já os chefes das famílias nobres... esses, definitivamente, não estavam nem um pouco satisfeitos.
— Fale logo… quem entre nós é o traidor?
Ninguém respondeu, pois todos acreditavam que qualquer um poderia ser o traidor — menos eles mesmos.
— Aqueles jovens da família imperial, que deveriam estar na casa de jogos, de repente desviaram o caminho para o orfanato. No trajeto, ainda pararam para comprar grãos e óleo, bem a tempo de encontrar as crianças sendo maltratadas. — Um dos chefes de família bufou de frustração. — Vocês realmente acreditam numa coincidência dessas?
Quem acreditaria?
A atmosfera ficou tensa. Nesse momento, quem falasse primeiro pareceria o mais suspeito.
— A ideia de fazer o gerente do orfanato espancar as crianças foi sua? — Du Qingke entrou com passos tranquilos, olhando para os chefes de família reunidos e soltando uma risadinha. — Funcionou?
Seu tom carregava uma zombaria inconfundível.
— Chefe Du, tem alguma ideia melhor? — rebateu o chefe que havia proposto o plano do orfanato, irritado com o tom de deboche. — Se tiver uma estratégia superior, seguiremos com prazer.
— Oh? — Du Qingke arqueou uma sobrancelha. — Eu vim aqui para ouvir suas opiniões, não para apresentar soluções.
— Se não vai contribuir com ideias nem participar dos planos, por que está aqui?
— Para ganhar experiência.
— Que tipo de experiência?
— A que ensina como lidar quando um plano fracassa. — Du Qingke suspirou. — Infelizmente, nenhum de vocês parece saber lidar com isso. Não aprendi nada de útil.
— Você...!
— Ah, acabei de lembrar — o Príncipe Chen deve recitar Os Registros da Agricultura e Sericicultura diante de Sua Majestade amanhã. Acham que ele vai conseguir?
— Impossível. Eu não consegui decorar nem uma coletânea de poemas em meio ano. Ninguém consegue memorizar um livro inteiro em cinco dias.
Du Qingke lançou um olhar de lado para o homem e depois desviou o olhar em silêncio.
"Não é à toa que as famílias nobres estão em decadência."
— Ministro Wang, o senhor está se sentindo mal? — Do lado de fora do Palácio Taiyang, Ming Jingzhou notou o Ministro da Receita enxugando o suor da testa sem parar. — Gostaria de descansar um pouco?
— Estou bem… só nervoso. — sussurrou o Ministro Wang. — Ministro Ming, nos dê alguma esperança. Sua Alteza consegue mesmo recitar o livro inteiro?
— Bem... — Ming Jingzhou hesitou. — Quando saí do Palácio Qilin ontem, a recitação de Sua Alteza ainda estava um pouco... bruta.
Bruta?
Quão bruta?
Os ministros ficaram ainda mais ansiosos. O estado de espírito deles não estava muito diferente do que sentiram durante os exames imperiais.
— Senhores, Sua Majestade os convoca. — Liu Zhongbao apareceu com um sorriso. — Por favor, entrem.
— Eunuco Liu, o Príncipe Chen já chegou?
— Ainda não. Por favor, aguardem um pouco lá dentro.
Os oficiais sabiam que suas mentes não se acalmariam até que o príncipe concluísse a recitação.
Ao entrarem no salão interno e prestarem reverência ao Imperador Longfeng, permaneceram de pé, inquietos, ao lado.
Se alguém lhes dissesse dois anos atrás que estariam ansiosos pela chegada do Príncipe Chen, teriam achado a pessoa insana.
Agora, começavam a compreender o quanto o Príncipe Chen era importante para eles.
Cada momento que passava era uma tortura — até que um eunuco anunciou:
— Sua Majestade, o Príncipe Chen e a Princesa Consorte de Chen pedem audiência.
Os olhos dos ministros se voltaram para a entrada como labaredas sob o sol de verão.
Ao atravessar as grandes portas do Palácio Taiyang, Jiuzhu hesitou e quase deu meia-volta. Por que esses ministros estão me encarando com tanta intensidade?
O Príncipe Chen tomou sua mão e a conduziu para dentro.
— Pai, vim recitar.
O Imperador Longfeng virou-se para Liu Zhongbao.
— Preparem um assento para a Princesa Consorte.
— Pai, minha esposa não acreditava que eu conseguiria decorar o livro inteiro, então a trouxe comigo. — O Príncipe Chen sorriu para os ministros. — Vamos começar?
— Alteza, espere! — Um dos ministros puxou de dentro da manga um exemplar grosso como um tijolo de Os Registros da Agricultura e Sericicultura e o estendeu ao príncipe. — Talvez queira revisar mais uma vez antes de começar?
— Não é necessário. Estou pronto. — O Príncipe Chen fez um gesto para dispensá-lo. — Já revisei tudo.
Lançou um olhar ao homem. Carregar esse livro enorme na manga certamente não foi fácil.
Ah, tanto faz.
Pegou o livro, folheou-o brevemente e o entregou a Jiuzhu com um sorriso de canto.
— Admire o brilho do seu marido.
— Mm! — Jiuzhu segurou a manga dele e sussurrou em seu ouvido: — Sua Alteza com certeza será o mais incrível!
Ao ouvir aquela voz suave e confiante, o Príncipe Chen — Yun Duqing — sentiu-se invencível.
Capítulo 89 — Deixando a Corte Estupefata
— Majestade, fazer Sua Alteza recitar o livro inteiro pode levar tempo demais. Por que não permitir que os ministros escolham trechos aleatórios para que ele recite? — Ming Jingzhou deu um passo à frente e sugeriu: — Assim, verificamos a memorização de Sua Alteza e ainda poupamos o tempo de Vossa Majestade.
— Os estimados ministros não precisam inventar desculpas por ele. Sei que todos são bondosos e não querem vê-lo perder prestígio. Mas já que ele afirmou que poderia recitá-lo por completo, sentem-se e apenas ouçam. — O Imperador Longfeng instruiu Liu Zhongbao: — Liu Zhongbao, traga chá. Deixe o Príncipe Chen recitar no seu ritmo.
Os ministros ficaram momentaneamente atônitos antes de perceberem a insinuação do imperador — ele suspeitava que pudessem ter conspirado com o príncipe para ajudá-lo a colar.
Ao pensarem nisso, sentiram um misto de arrependimento e frustração. Por que não pensaram nessa ideia antes?
Não, não — eram estudiosos. Como poderiam se entregar a pensamentos tão desonestos?
Cientes de sua breve queda moral, os oficiais voltaram seus olhares esperançosos para o Príncipe Chen, depositando toda a fé na intervenção divina.
"Que os céus abençoem o Príncipe Chen com uma memória extraordinária e deslumbrante sabedoria diante da corte."
— Aquele que roubar este livro terá a mão cortada—
— Alteza, essa frase é só uma praga do editor contra ladrões de livros. Não precisa recitá-la. — Ming Jingzhou pigarreou. Aquela performance estava ficando exagerada demais — hora de conter um pouco.
— "Nos tempos antigos, os que vieram antes de mim..." —
— De que trecho é esse? — cochichou um dos oficiais ao colega do Ministério das Obras.
— Do prefácio — respondeu o oficial. — Os Registros da Agricultura e Sericicultura compila o conhecimento de dinastias passadas sobre agricultura e produção de seda. O prefácio foi escrito pelo nosso primeiro-ministro fundador.
— "Quando as estações se alinharem, aproveite o momento; plante amoreiras na primavera. As amoreiras beneficiam o povo — não as negligencie." —
O Príncipe Chen recitava cada vez mais rápido e fluentemente. Os oficiais enxugavam o suor da testa, espiando de vez em quando a expressão do imperador.
— "Ao sul fica uma ilha tropical, onde os grãos amadurecem o ano inteiro, produzindo alimentos saborosos." —
Dois dos oficiais mais velhos, que no início estavam rígidos, agora já se recostavam em suas cadeiras. O Príncipe Chen vinha recitando há bastante tempo — esse livro não era longo demais?
De repente, o Príncipe Chen parou.
Os ministros se retesaram, tomados pela preocupação.
O que houve? Ele esqueceu o restante?
Qual era a próxima frase? Daria para soprar algo discretamente... sem parecer demais?
Alheio à tensão, o Príncipe Chen calmamente tomou um gole de chá e se voltou para Jiuzhu.
Pensando que ele estivesse nervoso, Jiuzhu lhe sussurrou com os lábios:
— Alteza, você é incrível!
O Príncipe Chen sorriu de canto, confiante. Esperem só até eu terminar.
Quando ele retomou a recitação, os oficiais suspiraram aliviados. Que bom — ele não havia esquecido.
Será que o príncipe está buscando incentivo na consorte?
— Viu aquilo? Assim que a Princesa Consorte sorriu para o Príncipe Chen, ele voltou a recitar — murmurou o Oficial A para o Oficial B. — Que afeto profundo entre marido e esposa...
Refletiu mais um pouco e se deu conta de que, desde o noivado de Chen com a filha da família Ming, seu comportamento imprudente havia diminuído. Agora, por todos os estudiosos do império, ele se dedicava a recitar um livro inteiro.
Isso seria… a redenção de um filho pródigo?
Pensando nisso, lançou um olhar a Ming Jingzhou, cujo rosto mantinha-se sereno e impenetrável. A família Ming realmente criou uma filha extraordinária.
Ler em voz alta Os Registros da Agricultura e Sericicultura normalmente levaria mais de uma hora, mas a recitação do Príncipe Chen parecia ainda mais rápida.
Ele declamava o texto com fluidez, enquanto os ministros encarregados de verificar a precisão se esforçavam para acompanhar, comparando cada linha com o manuscrito.
— Algum erro? — cochicharam alguns oficiais aos representantes do Ministério das Obras, os que mais conheciam o livro.
Os funcionários do Ministério das Obras balançaram a cabeça.
— Nenhum. Perfeito.
Ao ouvirem isso, os sentimentos dos ministros se tornaram complexos. Quanto esforço o Príncipe Chen dedicou à memorização desse texto?
— "O povo é a base do Estado. A agricultura é a fonte da vida." —
Meia hora depois, o Príncipe Chen chegou à última página. Os exaustos ministros endireitaram a postura, com olhares repletos de admiração e ternura quase paternal.
— Terminou? — O Imperador Longfeng se levantou e começou a caminhar pelo salão, com as costas rígidas de tanto tempo sentado.
— Majestade, o Príncipe Chen concluiu o texto por completo — relataram os oficiais supervisores, dando um passo à frente e se curvando.
— Quantos erros? — O imperador lançou um olhar ao filho, que já havia se esgueirado para junto da consorte, esperando que ela levantasse a xícara até seus lábios.
Esse garoto irritante.
— Majestade, a genialidade do Príncipe Chen não conhece limites. Não houve um único erro — respondeu o oficial supervisor, com um leve tom de surpresa na voz.
— Nenhum? — O Imperador Longfeng lançou um olhar cético ao filho. — Recite novamente o capítulo sobre sericicultura do quinto volume.
Com a voz levemente rouca, o Príncipe Chen repetiu o trecho referente à sericicultura.
— Pai Imperial — disse ele com um sorriso atrevido —, já que memorizei Os Registros da Agricultura e Sericicultura por completo... Vossa Majestade vai cumprir a promessa?
— Se conseguiu decorar isso em cinco dias, por que negligenciou os estudos todos esses anos? — O olhar do Imperador Longfeng tornou-se perigoso. — Liu Zhongbao, traga a vara.
— Majestade, por favor, não faça isso! — Os ministros, que até então estavam extasiados com o feito do Príncipe Chen, correram para intervir ao ouvir o tom ameaçador do imperador. — Sua Alteza deve ter estudado noite e dia para conseguir isso. Ele merece uma recompensa, não punição!
— Com certeza! Talvez Sua Alteza seja apenas um florescimento tardio. A imprudência do passado foi apenas tolice juvenil, mas sua transformação é motivo de celebração. Castigá-lo agora poderia abalar sua recente dedicação!
— Pai Imperial, por favor, acalme sua ira. — Jiuzhu abriu os braços, posicionando-se na frente do Príncipe Chen. — Nas últimas noites, Sua Alteza virou madrugadas decorando esse livro. A promessa de um imperador vale mais do que dez mil peças de ouro. Se não vai recompensá-lo, como pode puni-lo?
Ela lançou um olhar feroz aos eunucos que se aproximavam.
— Ninguém toca no meu príncipe!
— Jiuzhu — Ming Jingzhou franziu o cenho para a filha —, não falte com o respeito a Sua Majestade. Recuem.
Jiuzhu mordeu o lábio, mas nem abaixou os braços nem deu um passo para trás.
Atrás dela, o Príncipe Chen olhava para sua postura firme, com os braços estendidos em sua defesa. Com ternura, segurou a mão dela e sussurrou ao seu ouvido:
— Porquinha boba, o Pai Imperial não vai me bater. Não precisa ter medo.
Nenhuma paisagem do mundo podia se comparar àquele instante — ela ali, diante dele, sem hesitar.
Ele acreditava, do fundo do coração, que mesmo diante de exércitos, chamas ou lâminas, ela continuaria se colocando à sua frente assim.
Com um puxão gentil, ele a trouxe para junto de si e sorriu para o Imperador Longfeng:
— Pai Imperial, a princesa consorte só está preocupada comigo. Peço que não leve isso a mal.
Após uma breve pausa, o Imperador Longfeng soltou uma gargalhada, dissipando toda a tensão no salão.
— Du Qing, você tem uma princesa consorte excepcional. — O olhar do imperador para Jiuzhu era carregado de afeição, sem qualquer resquício de desaprovação por sua ousadia anterior.
Ele sacudiu a manga e sentou-se no trono imperial:
— Por Nosso decreto, o harém imperial carece há tempos de uma imperatriz. De acordo com a vontade dos Céus, nomeamos Lady Su como Imperatriz. Que esta notícia traga alegria a todos. Considerando as dificuldades enfrentadas pelos estudiosos em todo o império, será realizado um novo exame imperial, para que cultivem seu talento com afinco e possam demonstrar sua excelência.
Tal decreto exigia o selo pessoal do imperador antes de ser enviado ao Ministério das Obras, que por sua vez o distribuiria por todas as províncias e comarcas.
— Agradecemos, Majestade. — Os ministros, com lágrimas nos olhos, curvaram-se profundamente em gratidão.
Por fim, esse assunto havia se concretizado.
— Pai Imperial, esta nora agiu de forma imprópria mais cedo. Imploro por sua punição. — Alegria e tristeza não se compartilham entre corações. Jiuzhu abaixou a cabeça e avançou com passinhos contidos, ajoelhando-se diante do Imperador Longfeng numa reverência profunda de contrição.
— Du Qing, ajude Jiuzhu a se levantar imediatamente. — O Imperador Longfeng olhou para a garota cabisbaixa com um traço de divertimento, tranquilizando-a: — Como pai, longe de puni-la, eu deveria agradecer-lhe.
Jiuzhu ergueu o olhar, surpresa, enquanto o Príncipe Chen se aproximava e tomava sua mão.
Seus dedos se entrelaçaram — o gesto mais íntimo entre duas mãos unidas.
— Como príncipe, ele detém poder e prestígio invejados por inúmeros. Homens o temem e buscam sua graça, mas nenhum ousaria se colocar diante de Nós, sem hesitar, por sua causa. — O imperador observou as mãos entrelaçadas com um sorriso. — Ao agir, em nenhum momento pensou que poderia incorrer em Nosso desagrado?
— Eu… não tive tempo de pensar. — Jiuzhu o encarou com cautela. — Pai Imperial, o senhor não bateria mesmo em Sua Alteza, não é?
— Um homem crescido como ele não aprenderia a lição nem se Nós batêssemos. — Mal terminou a frase e viu Jiuzhu virar-se para lançar ao filho um sorriso radiante.
E nos olhos do filho, ao encará-la — ternura, amor e zelo.
O olhar de um homem maduro para a mulher que lhe cativou o coração.
Aquela eterna criança finalmente encontrara alguém para proteger, tornando-se um homem capaz de sustentar os céus.
— Pai Imperial, falar assim vai fazer Jiuzhu pensar que o senhor me batia com frequência quando eu era pequeno. — O Príncipe Chen riu, fingindo sussurrar à esposa: — Na verdade, o Pai nunca encostou um dedo em mim. Suas ameaças são só bravatas.
Ao ouvir esse “segredo”, o Imperador Longfeng os enxotou com falsa irritação:
— Fora, vocês dois, antes que Eu resolva cumprir essas ameaças.
— Pai Imperial, começar a bater nele agora seria como ‘romper o selo’, segundo a tradição popular — disse Jiuzhu suavemente. — Já bater nele no último dia do ano seria ‘selar o selo’. Está planejando romper o selo de Sua Alteza?
O Príncipe Chen olhou para sua consorte, incrédulo. Mas o quê…?
Quando o imperador ameaçara puni-lo mais cedo, ela o defendera com coragem — agora vinha citar provérbios sobre castigos infantis?
— Pai Imperial, este filho pede licença para se retirar. — Sentindo o perigo, o Príncipe Chen apressou-se em arrastar a esposa pela mão.
Observando o jovem casal se afastar, Liu Zhongbao comentou com um sorriso:
— Majestade, o príncipe e sua consorte são perfeitamente compatíveis.
— Sem dúvida. — O Imperador Longfeng riu do fundo do coração. — Para um filho com o temperamento dele, encontrar a garota da família Ming foi a maior sorte de sua vida.
— A natureza da princesa consorte é realmente extraordinária. Quando este velho servo a viu pela primeira vez, achei suas feições auspiciosas — o retrato da boa fortuna.
— Ah, sim. — O imperador suspirou. Se Du Qing não tivesse encontrado a moça Ming naquele dia nos campos de caça, acompanhando-a depois para escolher um pônei após aquele acidente…
Algumas possibilidades, como pai, ele sequer ousava considerar.
Só o pensamento das possíveis consequências já lhe gelava a alma.
Para Du Qing, ele era apenas o pai mais comum do mundo.
Alguém que torcia por sua saúde, temia por suas doenças, desejava que ele fosse amado e aprendesse a amar. Que, quando ele e Mei Dai envelhecessem e não pudessem mais estar a seu lado, restassem pessoas que ele amasse — e que o amassem — para que, mesmo com os cabelos brancos como neve, jamais conhecesse a solidão.
— Alteza! Príncipe Chen, por favor, espere!
Funcionários saídos do Palácio Taiyang correram atrás do príncipe e de Jiuzhu, curvando-se profundamente:
— Agradecemos Vossa Alteza em nome de todos os estudiosos do império!
— Os estudiosos são súditos de Da Cheng. Sendo um príncipe deste império, não é meu dever carregar seus fardos? Não precisam agradecer. — O Príncipe Chen lançou um olhar aos oficiais reunidos — todos rostos conhecidos.
O homem com vestes bordadas com flores de dois cun já o denunciara por levar um homem ao suicídio por afogamento.
Outro, com bordado de cinco cun, chamara-o de ignorante vagabundo publicamente, um ano atrás.
Mas como era magnânimo por natureza, deixara tudo para trás — afinal, esses homens haviam servido bem a Da Cheng.
— No passado… talvez tenhamos julgado mal Vossa Alteza — disse um oficial em robes púrpura, com as mãos unidas. — Somos gratos por sua generosidade em relevar nossas ofensas.
Temendo que começassem a contar a Jiuzhu histórias de sua juventude rebelde, o príncipe rapidamente os interrompeu:
— Trivialidades, senhores. Não pensem mais nisso.
Chega! Mais uma lembrança dessas e sua imagem de príncipe impecável desmoronaria diante da esposa.
— Quarto Irmão, aquele não é o Quinto Irmão cercado de oficiais? — O Príncipe Jing parou em frente ao Palácio Taiyang, estreitando os olhos para o aglomerado de figuras. — Será que ele já decorou aquele texto sobre agricultura?
Ao observar os rostos sorridentes dos oficiais, o coração de Yun Yanze pesou.
— O Ministro Wang chamava o Quinto Irmão de ignorante… veja só como sorri para ele agora. — Os olhos do Príncipe An se iluminaram. — Será que ele memorizou os Anais da Agricultura inteiros?
Magnífico! Meu admirável Quinto Irmão — exatamente o aliado de que preciso!
Capítulo 90 — O Melhor Pai
— Quinto Irmão é realmente notável — comentou o Príncipe An, admirado. Ao virar a cabeça, percebeu os três irmãos o encarando e perguntou, confuso: — Falei algo errado?
— Não — respondeu o Príncipe Huai, seco. — Mas seria ainda melhor se não dissesse nada.
Dito isso, virou-se e saiu andando.
— Irmão mais velho, não íamos prestar reverência ao Pai? — Príncipe An o chamou. — Por que está voltando?
O Príncipe Huai parou, forçando um sorriso.
— O Pai já escutou o Quinto Irmão recitar por tanto tempo... deve estar exausto. Melhor não incomodá-lo mais.
Yun Yanze lançou um olhar na direção de Yun Duqing antes de seguir o Príncipe Huai em silêncio. O Príncipe Jing hesitou por um instante e sussurrou ao Príncipe An:
— Segundo Irmão, vamos também.
Antes que o Príncipe An pudesse responder, o Príncipe Jing já havia saído atrás do Príncipe Huai sem olhar para trás.
Sair agora? Só um tolo perderia uma oportunidade tão perfeita de agradar.
O Príncipe An ajeitou a túnica externa e seguiu confiante na direção de Yun Duqing. Ao se aproximar, ouviu os oficiais murmurando conselhos gentis ao Quinto Irmão, pedindo que ele descansasse e cuidasse da saúde.
Será que o Quinto Irmão tinha recitado ou carregado livros no Palácio Taiyang mais cedo?
— Alteza, Príncipe An — saudou Ming Jingzhou, erguendo o olhar com um aceno respeitoso.
— Ministro Ming. — O Príncipe An devolveu a cortesia com polidez. Afinal, aquele era o sogro de seu irmão — devia tratá-lo com respeito.
Só então os demais oficiais perceberam a presença do Príncipe An. Trocaram cumprimentos, mas evitaram continuar tratando de assuntos pessoais com o Príncipe Chen diante de outro príncipe imperial, para não serem acusados de formar facções.
— Alteza, este humilde oficial não deve permanecer por mais tempo no palácio. Vou me retirar. — Ming Jingzhou olhou para Jiuzhu e hesitou antes de acrescentar: — Com a primavera em pleno florescer, sua mãe aprendeu a fazer bolinhos de flores. Se tiverem tempo, venham visitar com Sua Alteza.
— Pai. — Jiuzhu deu alguns passos atrás de Ming Jingzhou. Lembrou-se de quando retornara à capital e lera num livro sobre um doce feito com flores.
Sua mãe lhe dissera que os bolinhos ficavam mais saborosos com pétalas colhidas na primavera, e prometera fazê-los para ela na próxima estação.
Ela achava que a mãe havia esquecido, mas... no fim, guardara a promessa no coração o tempo todo.
Ming Jingzhou parou e se virou para a filha:
— Voltem em breve com Sua Alteza.
— Sogro, levarei Jiuzhu para visitar depois de amanhã — disse o Príncipe Chen, aproximando-se. — Peça à mãe que faça uma porção maior. Eu também quero provar.
— Combinado. — Um sorriso surgiu no rosto de Ming Jingzhou. — Este humilde oficial aguardará ansioso a ilustre visita de Vossa Alteza à nossa simples residência.
Assim que Ming Jingzhou se afastou, o Príncipe An olhou para o Príncipe Chen, confuso.
— Quinto Irmão, lembro que você nunca gostou de bolinhos de flores. Não dizia que eram pouco satisfatórios...?
— Segundo Irmão — o Príncipe Chen queria poder costurar a boca do outro —, os gostos das pessoas mudam.
— Mas você disse isso no ano passado!
— O eu do ano passado não é o mesmo de hoje — respondeu ele, sem paciência. — Se o Segundo Irmão está sem nada melhor pra fazer, talvez devesse ir pra casa ler mais.
Vendo que o irmão parecia irritado, o Príncipe An calou-se imediatamente.
Por que o Quinto Irmão está bravo de novo?
Será tão difícil assim conquistar o favor dele?
— Alteza. — Jiuzhu compreendeu de repente: o Príncipe Chen não gostava de bolinhos de flores. Só mencionou o assunto com seu pai por causa dela.
— Não ligue para as bobagens do Segundo Irmão — disse o Príncipe Chen, sorrindo. — Nós não crescemos juntos. Quem melhor do que eu pra saber do que eu gosto?
— Mamãe não faz só bolinhos de flores — Jiuzhu sorriu radiante. — Ela prepara muitos outros pratos, e os cozinheiros da nossa casa também são excelentes. Você pode experimentar todos quando formos.
— Ótimo. — Aliviado com o sorriso da esposa, o Príncipe Chen assentiu. — Vamos voltar ao Palácio Qilin.
— Ah... — Príncipe An os observou se afastar, suspirando consigo mesmo.
Mais uma tentativa fracassada de bajulação.
Talvez tenha sido uma questão de timing?
— Lá no salão, você disse que eu fico até tarde lendo toda noite? — perguntou o Príncipe Chen enquanto caminhavam. Ele se lembrava claramente de ter saído da cama só depois que Jiuzhu dormia, para estudar em segredo.
— Toda noite, eu sabia quando você saía — Jiuzhu admitiu, sem pensar muito. — Mas como você estava recitando com tanto afinco, não quis interromper.
Príncipe Chen: “…”
Ele só queria que ela achasse que era capaz de recitar um livro inteiro sem esforço...
E no fim, ela sabia de tudo o tempo todo.
— Mas Sua Alteza é realmente incrível! Depois de apenas alguns dias lendo, memorizou o livro inteiro — Jiuzhu o olhou com admiração reluzente. — Ah, se eu fosse metade tão boa de memória quando criança…
— Não é nada demais. Os Registros da Agricultura e Sericicultura nem são tão difíceis assim — disse o Príncipe Chen, erguendo ligeiramente o queixo. — Quando seu príncipe decide fazer algo, nada é impossível.
Os olhos de Jiuzhu brilharam ainda mais.
De fato, Sua Alteza era um homem enviado pelos céus.
O anúncio de um exame imperial extra causou alvoroço entre os estudiosos da capital. Incontáveis jovens se alegraram e começaram a se preparar para a prova.
— O tribunal realmente abriu um exame a mais?
— Será por causa do Príncipe Chen ter memorizado o livro?
— Sim! Meu colega é sobrinho do Ministro Wang. Disse que o Príncipe Chen recitou o texto inteiro sem errar uma vírgula — até de trás pra frente. Incrível!
— Sério?
— O sobrinho do Ministro Wang mentiria? Mas ouvi também que depois da recitação, o Príncipe Chen quase apanhou, e foi a Princesa Chen quem se colocou na frente dele e impediu o imperador.
— Por quê?
— Quem sabe? Talvez o imperador nunca tenha realmente planejado fazer esse exame extra.
— Nesse caso, o Príncipe Chen passou por todo esse esforço por nossa causa. Até pra gente, memorizar Os Registros da Agricultura e Sericicultura em cinco dias seria quase impossível.
— Sem dúvida, não foi fácil.
Em meio à admiração geral, a reputação do Príncipe Chen entre os estudiosos atingiu níveis jamais vistos.
No dia seguinte à recitação, Yun Qirong e Yun Yizhi, usando uniformes da guarda imperial, aproximaram-se sorrateiramente do Príncipe Chen.
— Você realmente memorizou o livro inteiro?
— Com tantos oficiais me assistindo, como eu fingiria? — o Príncipe Chen bocejou, preguiçoso. — Ainda assim, tem algo nisso tudo que me parece estranho.
— Como assim? — perguntou Yun Qirong, intrigado. Com os estudiosos todos elogiando-o, o que poderia estar errado?
O Príncipe Chen não respondeu diretamente.
No início, seu sogro só pedira que ele sugerisse o exame extra — em momento algum falou sobre recitar coisa alguma.
Mas assim que entrou no Palácio Taiyang, o imperador o colocou contra a parede, sem chance de recuo.
Na hora, achou que memorizar um livro não seria problema. Mas agora que tudo estava feito e o exame aprovado, finalmente sentia algo estranho.
Será que... seu sogro e o imperador tinham tramado juntos pra fazê-lo recitar?
Ao ver a expressão preocupada do príncipe, Yun Qirong se alarmou.
— Tem alguma trama por trás? Quem ousaria armar contra você? É só dar a palavra, e resolvemos isso.
— Vocês não ousariam. — O Príncipe Chen suspirou de novo. — Nunca foram de estudar. Foquem em seus deveres como guardas imperiais. Daqui a uns anos, garantam cargos estáveis e um bom futuro pros seus filhos.
—Vossa Alteza, fique tranquilo, entendemos perfeitamente — disse Yun Yizhi com um sorriso de simplicidade sincera. — Antes, os outros guardas imperiais nos menosprezavam por sermos parentes da realeza, mas agora nos tratam com todo respeito.
Metade disso se devia aos bons feitos que haviam realizado na capital, que se espalharam entre os colegas, e a outra metade era por causa do príncipe.
Por terem sido companheiros de estudo do príncipe, seu status naturalmente era diferente dos demais.
— Vossa Alteza, então era aqui que estava se escondendo? — Liu Zhongbao surgiu por detrás de uma rocha decorativa, encontrando o Príncipe Chen num canto isolado. Sorriu calorosamente. — Este velho servo procurou por toda parte. Sua Majestade solicita sua presença no salão principal do Palácio Taiyang.
O Príncipe Chen ficou momentaneamente sem palavras diante da aparição repentina de Liu Zhongbao.
Desde que acordara naquela manhã, sentia no ar um pressentimento ruim e, por isso, havia buscado um lugar tranquilo para evitar encrenca. Ainda assim, ali estava o eunuco Liu, que o havia encontrado de qualquer forma.
Nada no harém imperial realmente ficava em segredo.
Ele se levantou, bateu a poeira das vestes e suspirou:
— Eunuco Liu, quando meu pai me chama, é pra recitar textos ou revisar memorial?
— Este velho servo jamais ousaria presumir as intenções de Sua Majestade — disse Liu Zhongbao, com um sorriso ainda mais gentil. — Poderia Vossa Alteza acompanhar este velho servo?
O Príncipe Chen esfregou as têmporas.
— Pois então, mostre o caminho.
Assim que passou pelos portões do Palácio Taiyang, antes mesmo que pudesse se curvar em saudação, seu pai falou primeiro:
— O Zizhi Tongjian afirma: “Um governante deve ser confiável — confiável além de qualquer dúvida. Só assim o povo se aproximará dele.” Qual é sua interpretação dessa passagem?
— Majestade, este filho não sabe — respondeu o Príncipe Chen, fazendo uma reverência ao Imperador Longfeng, antes de se aproximar sorrateiramente. — Pai, desde quando tive paciência para esse tipo de livro seco e enfadonho?
— O Han Feizi diz: “O pássaro que não abre as asas por três anos o faz para crescer sua plumagem; o que não voa nem canta observa os costumes do povo. Embora não voe agora, quando o fizer, subirá aos céus; embora não cante agora, quando cantar, sua voz surpreenderá o mundo.” E isso?
— Pai — disse o Príncipe Chen, encarando o olhar do Imperador Longfeng —, pareço alguém que entende o significado dessas coisas?
O Imperador Longfeng, longe de se irritar com as brincadeiras do filho, apenas separou uma alta pilha de memoriais e colocou metade de lado.
— Sua mãe mencionou que você quer levar sua consorte para fora do palácio amanhã?
— Pai, o senhor não vai fazer isso, vai? — O Príncipe Chen o encarou, incrédulo. — Vai usar uma coisa dessas pra me ameaçar?
— Seu pai é um governante benevolente. Como poderia recorrer a ameaças? — O Imperador Longfeng sorriu gentilmente. — Se você não consegue entender princípios tão simples, então fique no palácio estudando. Haverá tempo para passeios depois que aprender.
Após um breve silêncio, o Príncipe Chen avançou e recolheu os memoriais separados.
— Pai, entre nós dois, não há necessidade desses joguinhos. Fale diretamente ou dê a ordem logo. Este filho aguenta.
O Imperador Longfeng riu.
— Liu Zhongbao, prepare tinta e pincel para o Príncipe Chen.
— Termine de revisar esses documentos, e amanhã poderá sair do palácio e se divertir. — O imperador largou o pincel de tinta vermelha e se recostou preguiçosamente na cadeira. — Que pai não se compadece de seu filho?
O Príncipe Chen nada respondeu. Abriu um memorial e começou a trabalhar imediatamente.
Por causa da vontade de sua amada consorte de provar os bolinhos de flores frescos preparados por sua mãe, o que eram alguns memoriais?
Um verdadeiro homem se mantém firme pela mulher que ama.
Quanto ao Zizhi Tongjian e ao Han Feizi — desde quando isso era preocupação de príncipe?
— A prata tributária enviada por Lizhou este ano parece estar vinte mil cordões abaixo do valor dos anos anteriores — comentou o Imperador Longfeng, casualmente. — O prefeito de Lizhou não teve um bom desempenho.
— Vários condados de Lizhou sofreram com enchentes. É natural haver déficit nos impostos — disse o Príncipe Chen, folheando o memorial e rabiscando algumas palavras firmes no papel. — O prefeito se chama Liu — é um oficial pragmático e competente, embora um pouco teimoso e sem muito carisma. Fora isso, não há grandes falhas.
O Imperador Longfeng assentiu com um sorriso.
— A idade deve estar me alcançando, pra esquecer um detalhe tão importante.
— Pai, convém olhar no espelho antes de dizer isso — retrucou o Príncipe Chen com um olhar de soslaio. — Se o senhor está velho, então metade dos oficiais da corte deveria se aposentar.
— Oh? — O imperador riu. — Quer dizer, então, que aos seus olhos, seu pai jamais envelhecerá?
O pincel do Príncipe Chen parou. Ele olhou para o Imperador Longfeng com total sinceridade.
— Para este filho, o senhor será sempre o pai que assava batata-doce pra mim no meio da noite e me carregava nas costas pelo pátio.
— Enquanto o senhor estiver aqui, eu não tenho medo de nada. — Ele pousou o pincel. — Sua compleição está viçosa, seus cabelos espessos e escuros, seus passos são vigorosos. O senhor está no auge da vida.
— Pergunte-me isso novamente daqui a algumas décadas — disse o Príncipe Chen com um sorriso. — Por agora, minha resposta é a mesma.
— O senhor não está velho. O senhor é o pai mais imponente, o mais heroico que já existiu no meu coração.
— E também é o maior imperador de Da Cheng.
O silêncio tomou conta do salão. O Imperador Longfeng deu um passo à frente e pousou a mão sobre o ombro do filho.
— Ouvir essas palavras me comove profundamente.
— Mas os memoriais ainda precisam ser revisados.
— Eu nunca disse que não revisaria — disse o Príncipe Chen, dando um tapinha na mão do pai. — Só peço que não volte a me fazer essa pergunta.
Nenhum filho queria ver seu pai envelhecer.
Liu Zhongbao notou o brilho discreto nos olhos sorridentes de Sua Majestade.
Baixou a cabeça rapidamente.
Para que seu olhar não perturbasse o calor entre pai e filho.
0 Comentários