Capítulo 91 – Cantiga de Roda
— Senhores, deem uma olhada nos memoriais emitidos hoje — disse o oficial de plantão, abrindo os documentos distribuídos pelo palácio. Sua expressão ficou um tanto estranha. — Parece que... outro príncipe redigiu as respostas?
O Imperador não havia declarado explicitamente qual príncipe havia revisado os memoriais, então mesmo que suspeitassem do Príncipe Chen, não podiam dizê-lo em voz alta.
Após um breve silêncio, um dos ministros se pronunciou:
— O raciocínio é claro e consistente. Este príncipe... se saiu muito bem.
— De fato, a caligrafia tem força. Julgando pela letra, este príncipe deve ser... um homem de ação.
Os ministros trocaram olhares. Todos sabiam quem estavam elogiando, mas nenhum ousava dizer o nome diretamente.
Afinal, era alguém que haviam criticado no passado. Elogiá-lo abertamente agora seria embaraçoso. Mas omitir completamente os méritos pesaria na consciência.
A maioria dos eruditos ainda prezava pela retidão e virtude.
— E essa proposta de expandir a sericultura nos distritos do sudoeste também é excelente. Aquela região é montanhosa, e tecidos de seda são valiosos e duráveis — muito mais fáceis de transportar e vender do que cerâmica ou produtos perecíveis.
— Adaptar-se às condições locais, zelar pelo bem-estar do povo... Se ao menos ele conseguisse se livrar de seus hábitos ociosos, seria verdadeiramente uma bênção para a Grande Qing.
Os outros oficiais encararam o orador com expressões... indescritíveis.
Todos vinham falando em termos velados, mas aquela fala, embora sem títulos diretos, apontava de forma óbvia para uma única pessoa.
Por um momento, a sala dos Ministérios caiu em silêncio mais uma vez.
Após longa pausa, o Oficial A sugeriu com cautela:
— Na minha humilde opinião, os príncipes e princesas têm permanecido no palácio por muitos dias. Talvez devêssemos pedir a Sua Majestade que permita o retorno deles à corte?
O quarto príncipe havia sido desonrado, mas ainda havia outros príncipes nos quais se podia depositar esperança.
Como... aquele que vinha auxiliando o Imperador na análise dos memoriais.
— Essa é uma decisão de Sua Majestade. Não devemos apresentar petições de forma precipitada — retrucou o Oficial B, balançando a cabeça. — O que parece ser assunto de Estado é, na verdade, também um assunto familiar do Imperador.
Todos os cinco príncipes agora eram adultos. Se ambições desmedidas lançassem a corte no caos, quem sofreria seria o povo.
— Basta — suspirou o Oficial A. — O irmão Wang tem razão. Quanto mais se envelhece, maiores se tornam as ambições.
Embora esses ministros tivessem seus próprios interesses privados, nenhum desejava ver uma repetição do derramamento de sangue e da instabilidade dos últimos anos da era Xiande, que havia deixado o povo em miséria.
Apenas um dia após o decreto imperial sobre a expansão dos exames civis ser emitido, poemas louvando o Imperador, a Imperatriz e o Príncipe Chen começaram a circular pelas ruas da capital.
Os estudiosos da capital, sempre atentos às nuances políticas, sabiam que não podiam omitir nenhuma figura importante nem mesmo em versos bajuladores.
— Alteza — disse Jiuzhu, sentada na carruagem, ouvindo as crianças do lado de fora entoando uma cantiga que parecia louvar o Imperador, a Imperatriz e o Príncipe Chen. — Está ouvindo o que elas estão cantando?
— Palmas uma, digo uma, o Imperador Long Feng reina sob a lua.
— Palmas duas, digo duas, a Imperatriz é bela como a bruma.
— Palmas três, digo três, o Príncipe Chen é forte como os montes de vez.
— Tch — Príncipe Chen semicerrava os olhos para as crianças. Enquanto seu pai e sua mãe eram comparados ao céu e à arte, ele era... uma montanha?
— Palmas oito, digo oito, o Quarto Irmão é filho do ódio.
— Alteza, essa cantiga não lhe soa... estranha? — perguntou Jiuzhu.
— Hmm — Príncipe Chen abaixou a cortina da carruagem. — Alguém está provocando de propósito.
A primeira metade da cantiga louvava o Imperador, a Imperatriz e a ele próprio, mas a segunda metade de repente atacava Yun Yanze, e nenhum dos outros príncipes era mencionado.
Aquelas crianças não sabiam de nada — provavelmente nem sabiam o sobrenome da família imperial, quanto mais a ordem de nascimento dos príncipes.
— Esses conspiradores são realmente desprezíveis, usando crianças como armas — Jiuzhu franziu o cenho. — Felizmente, Sua Majestade é um governante sábio que ama seu povo. Do contrário, espalhar esse tipo de rumor poderia colocar essas crianças em risco.
Assuntos envolvendo a família imperial nunca eram triviais.
— Hmm — Jiuzhu tocou o queixo, pensativa. — E se fizéssemos nossa própria cantiga?
— Sobre o quê?
— Algo divertido, como a moda atual da capital — “O Príncipe Dominador”...
— Hmm? — Príncipe Chen lançou-lhe um olhar.
— Alteza, como todos sabem, histórias fictícias são só... ficção — Jiuzhu tratou de tranquilizá-lo. — Não precisamos levá-las a sério.
O Príncipe Chen esfregou a testa. Desde que ouvira aquelas histórias absurdas sobre “O Príncipe Dominador”, só de ouvir essa expressão já sentia calafrios.
Se os contadores de histórias continuassem inventando, em breve ele estaria até criando asas nas histórias.
Em outro ponto da cidade, uma carruagem discreta permanecia parada.
— Alteza, isso são apenas palavras impensadas de crianças. Não lhes dê importância — disse Sun Caiyao, ouvindo os cantos do lado de fora. Chamou um eunuco. — Leve alguns doces e tente convencê-las a parar.
— Não é necessário — respondeu Yun Yanze calmamente, ainda sentado na carruagem. — Há inúmeras crianças na capital. Mesmo que silencie essas, outras continuarão.
— Alteza... — Sun Caiyao olhou para ele, apreensiva.
— Está tudo bem. Não levarei a sério as brincadeiras de uma criança — disse Yun Yanze, sorrindo gentilmente para ela. — Em alguns dias, elas terão uma nova cantiga e esquecerão essa.
Quanto mais gentil era o sorriso dele, mais pesado se tornava o coração dela. Sabia bem — uma vez que tais cantigas se espalhassem, a imagem que essas crianças teriam dele seria arruinada para sempre.
— O Príncipe Chen... está indo longe demais — ela não pôde deixar de dizer. — Ele já conquistou o favor dos estudiosos. Por que ainda precisa caluniá-lo assim?
Yun Yanze balançou a cabeça com um leve sorriso.
Yun Duqing, nascido com tudo, era orgulhoso demais para recorrer a esse tipo de artimanha.
Mas dos outros três irmãos... qualquer um deles poderia estar por trás disso.
Ele não explicou nada a Sun Caiyao. No momento, precisava do apoio da família Sun. Quanto mais indignada ela se sentisse por sua causa, mais convenceria sua família a ajudá-lo.
— Alteza, Consorte. — O eunuco que Sun Caiyao havia enviado logo retornou.
— As crianças foram embora? — Ela levantou a cortina e viu que os pequenos estavam segurando espinhos de alfenim, sem mais entoar cantigas.
— Respondendo à Consorte, este servo encontrou Yang Yiduo no caminho.
— Yang Yiduo? — O nome lhe soava familiar. — O eunuco administrador do Palácio Qilin?
— Exato.
— O que ele estava fazendo aqui?
O eunuco hesitou antes de responder:
— Yang Yiduo disse que estava agindo por ordem do Príncipe Chen e da Princesa Consorte, instruindo as crianças a pararem de cantar a cantiga.
Sun Caiyao ficou surpresa. A carruagem deles não tinha nenhuma insígnia, e Yun Duqing e Ming Jiuzhu não deveriam saber que estavam por perto. Aquilo não podia ser uma encenação só para eles.
— Será que o Príncipe Chen não tem nada a ver com isso? — refletiu. — Alteza, será que alguém está tentando semear discórdia entre vocês dois?
Agora que Yun Duqing detinha influência considerável, qualquer conflito só traria prejuízo a Yun Yanze.
— O Quinto Irmão não parece do tipo que recorreria a tais artimanhas. — Yun Yanze olhou pela janela da carruagem para as crianças que mastigavam seus doces, com o rosto lambuzado de calda. — Agora que perdi meu prestígio — sem mãe para me apoiar, sem o favor de Sua Majestade — qualquer um pode vir me chutar enquanto estou caído.
— Alteza, ainda tem a mim. — Sun Caiyao segurou a mão dele. — Naquele dia, quando o vi do alto da torre, vestido de branco, estendendo o braço do cavalo para salvar a criança que caía da janela, soube que não me casaria com mais ninguém além de você.
Os olhos ternos e expressivos de Yun Yanze repousaram sobre ela por um instante, antes que ele retirasse a mão do seu toque.
— Isso foi há tanto tempo. Quase me esqueci.
— Não importa se você esqueceu. Eu lembro.
Yun Yanze sorriu.
— Alteza, este servo encontrou um eunuco do Sexto Palácio de Zhang enquanto distraía as crianças — relatou Yang Yiduo ao voltar de sua tarefa. — Ele não disse com qual príncipe estava acompanhado.
— Deixe pra lá. — O Príncipe Chen fez um gesto de descaso com a mão. — Diga ao cocheiro para continuar. É melhor chegarmos logo à casa da família da minha esposa.
— Como desejar, Alteza.
Não importava quem fosse — nada deveria atrasar sua princesa em desfrutar dos pastéis de flores.
Meia hora depois, Jiuzhu se sentava à mesa da família Ming, saboreando os doces perfumados de flores, enquanto o Príncipe Chen… recitava textos sob os olhares atentos do sogro e do tio mais velho da família Ming.
A princípio, ele não queria recitar. Mas pensar que Ming Jiuzhu estava sentada a menos de cinco passos de distância o fez ceder.
Ao ouvir seus aplausos entusiasmados e exclamações de admiração, o Príncipe Chen endireitou levemente as costas.
Um homem sempre paga o preço por sua fanfarronice passada.
Mas ao ver o brilho nos olhos dela, sentiu que essa fanfarronice valia a pena — por mais um tempinho.
Felizmente, os anciãos da família Ming sabiam ser moderados. Após algumas passagens, mudaram de ideia.
— Recitar textos é maçante. Vamos jogar cartas.
Príncipe Chen: "…"
Recitar estava ótimo.
Pelo menos exigia apenas esforço mental. Jogar cartas com os homens da família Ming exigia não só raciocínio, mas também atuação — cada movimento de sobrancelha e lampejo no olhar precisava exalar sinceridade.
— Alteza. — Jiuzhu se acomodou ao lado dele com um prato de pastéis de flores. — Jogue bem. Você precisa ganhar.
— Claro. — O Príncipe Chen lançou um olhar aos homens da família Ming e decidiu usar trinta por cento de sua habilidade.
Meia hora depois, Ming Cunfu foi o primeiro a largar as cartas — sua bolsa estava vazia.
— Alteza, por que sua sorte está tão boa hoje? — não resistiu. — Muito melhor que da última vez.
— Talvez porque Jiuzhu está ao meu lado? — O Príncipe Chen observou a bolsa vazia do cunhado e dividiu suas moedas igualmente. — Entre família, ganhar ou perder não importa. Vamos dividir as moedas.
— Alteza, por que estou incluída? — Jiuzhu piscou enquanto ele colocava dois punhados de moedas diante dela.
— Se você não estivesse aqui, eu não teria vencido. — O Príncipe Chen falou com absoluta seriedade. — Nossa pequena pérola da sorte precisa da parte dela.
— Sério? — Jiuzhu guardou as moedas na bolsa, os olhos brilhando de curiosidade. — Eu realmente ajudei?
— Sem dúvida. — O Príncipe Chen riu, amarrando os cordões da bolsa para ela. — Pergunte ao seu primo. Da última vez, eu perdi todas.
Ming Cunfu, agora alegremente contando as moedas recuperadas, assentiu:
— Sua Alteza fala a verdade. Da última vez, perdeu direto.
— Viu? Eu não menti. — O Príncipe Chen se inclinou, sussurrando de forma que fez cócegas no ouvido de Jiuzhu: — Porquinha Ming, nunca se afaste demais de mim.
A risada baixa dele fez sua orelha arrepiar.
— Eu odiaria que minha sorte sumisse sem você.
— Não se preocupe, Alteza. — Jiuzhu apertou a mão dele. — Eu sempre vou ficar com você.
Os homens da família Ming largaram as cartas com expressões rígidas e se retiraram em silêncio.
Hah. Como homens, sabiam exatamente qual jogo ele estava jogando.
Mas, já que sua menina estava feliz com o marido… o que podiam fazer?
Só restava fingir que não viram nada.
— Mmm. — O Príncipe Chen roubou um beijo rápido na mão de Jiuzhu enquanto os homens Ming não olhavam. — Eu acredito em você.
— Pai, o que exatamente o Príncipe Chen está fazendo—?
Ming Jingzhou tapou a boca do filho com a mão.
Ming Cunfu suspirou:
— Terceiro Irmão, é por isso que você ainda está solteiro.
Capítulo 92 — Roupas de Primavera
Shen Ying tirou os pastéis da panela a vapor e se virou ao ver seu filho entrando com uma expressão abatida. Sorriu e perguntou:
— O que foi?
— Mãe, deixa eu cuidar disso — Ming Jiyuan pegou um pano com a criada e cuidadosamente transferiu os pastéis para uma bandeja. — Jiuzhu e o Príncipe Chen parecem estar se dando muito bem.
— Que bom que estão próximos. — Shen Ying pegou um pastel e levou até os lábios dele. — E o sabor, como está?
— Não é muito doce, nem pesado demais — os olhos de Ming Jiyuan brilharam. — Mãe, faz tanto tempo que a senhora não cozinha, mas seu talento continua impecável.
Ele esticou a mão para pegar outro pastel, mas Shen Ying bateu na sua mão.
— Qual a pressa? Leve esses para sua irmã e cunhado experimentarem. E traz o resto que está na panela também.
Ming Jiyuan arregalou os olhos incrédulo.
— Mãe, eu sou seu próprio filho.
Será que o status do Príncipe Chen era agora maior que o dele aos olhos dela?
— Se você estiver com ciúmes, sempre pode arranjar uma esposa e trazê-la para casa. Aí vai ter sogros recebendo você também. — Shen Ying passou direto pelo filho com cara de pena sem sequer olhar para trás. — Rápido, traz a bandeja.
Com um suspiro resignado, Ming Jiyuan seguiu a mãe carregando os pastéis. Claramente, um homem solteiro tinha o status mais baixo da família Ming.
— Por que pararam de jogar cartas? — Shen Ying entrou no pátio e colocou os pastéis na mesa, falando com o Príncipe Chen e Jiuzhu, que estavam juntos. — Alteza, Jiuzhu, experimentem esses pastéis recém-feitos.
Depois que as criadas os ajudaram a lavar as mãos, o Príncipe Chen deu uma mordida e logo começou a elogiar as habilidades culinárias de Shen Ying com tal sinceridade e entusiasmo que Ming Jiyuan começou a duvidar se os chefs imperiais eram apenas incompetentes incapazes de fazer pastéis decentes.
Ele também experimentou — estava bom, mas será que era tudo aquilo?
Ao ver sua mãe radiante com os elogios do Príncipe Chen, uma percepção lhe ocorreu.
"Homens casados são realmente sem vergonha."
Quando Jiuzhu e o Príncipe Chen partiram na carruagem, Ming Jiyuan ficou na porta e perguntou a Shen Ying:
— Mãe... o que acha do Príncipe Chen?
— Melhor que você, pelo menos. — Shen Ying o lançou um olhar. — Você acabou de entrar na Corte de Revisão Judicial — gaste mais tempo analisando processos.
Se um homem não tem família para se vangloriar, é melhor que tenha uma carreira impressionante.
— Como ele é melhor que eu...? — Ming Jiyuan lembrou que, há apenas três anos, sua mãe chamava o Príncipe Chen de meio fútil. Agora, tudo tinha mudado.
Ming Cunfu pareceu ler seus pensamentos. Depois que os anciãos se retiraram, sussurrou:
— Percebeu como a família mudou drasticamente a atitude em relação ao Príncipe Chen?
— Sim. — Ming Jiyuan assentiu. — Desde que ele se tornou marido da Jiuzhu, a mãe só tem críticas para mim.
Quando ele voltou para a capital, ela o mimava, até insistia em servir seu chá pessoalmente.
Agora, tudo era diferente.
— Você não entende. Antes, o Príncipe Chen era só um príncipe — um estranho. Agora, ele é da família. — Ming Cunfu estalou um amendoim. — Família e estranho são assuntos completamente diferentes.
— Além disso... — ele riu. — O Tio e a Tia viram como o Príncipe Chen trata a Jiuzhu.
Nenhum outro príncipe cuidava de suas consortes com metade daquela dedicação.
— A gentileza da Tia com o Príncipe Chen é o jeito dela desejar o melhor para eles. — Ming Cunfu balançou a cabeça, jogando a casca do amendoim num prato. — Terceiro Irmão, você ainda é jovem. Não vai entender.
— Cuidado com o tom. — Ming Jiyuan deu uma leve chutada na canela dele. — Sem respeito pelos mais velhos.
Ming Cunfu cambaleou.
— Terceiro Irmão, seja gentil. Sou só um estudioso frágil — não aguento seus chutes.
Ming Jiyuan deu de ombros, zombando.
— Sei muito bem o que quer dizer.
Depois de um longo silêncio, ele se voltou para seu próprio pátio.
— Eu entendi.
No meio do caminho, parou e voltou a olhar para Ming Cunfu.
— Quando você encontrou a Jiuzhu... ela realmente vivia bem?
Ming Cunfu assentiu.
— Embora a vida nas montanhas fosse simples, seus dois senhores a tratavam com muita bondade.
— Isso é bom. — Ming Jiyuan suspirou. Talvez fosse hora de aceitar que sua irmã estava feliz agora, casada com o Príncipe Chen.
No Palácio Zhangliu, eunucos e criadas limpavam o pátio que o Príncipe Chen ocupava recentemente, guardando cuidadosamente seus pertences. Se o Palácio Qilin não tivesse uso imediato, eles seriam selados em um depósito particular.
Itens usados por um príncipe nunca podiam ser dados a outros.
— Cof, cof, cof! — O Príncipe An estava na entrada do pátio, tossindo com a poeira levantada pela varrição. — Estão planejando escavar todo o pátio para começar do zero?
Um eunuco carregando um pergaminho tropeçou, e a pintura se desenrolou aos pés do Príncipe An.
— Agora sim, essa é uma pintura! — O Príncipe An se abaixou para pegá-la, admirado. — Montanhas nebulosas fundindo-se às nuvens, um barco solitário flutuando no rio — primorosa.
— Sem selo ou inscrição. — O Príncipe Jing se aproximou. — Poderia ser obra da Jiuzhu?
— Segundo Irmão, Terceiro Irmão, o que estão olhando? — O Príncipe Chen entrou no pátio e congelou ao ver a pintura nas mãos do Príncipe An.
— Quinto Irmão, a pintura caiu — eu só a peguei. Não estava bisbilhotando. — O Príncipe An entregou-a rapidamente, ansioso para não desagradar e garantir o favor do Príncipe Chen.
— Não importa. — O Príncipe Chen pegou a pintura e a enrolou de novo.
— Quinto Irmão, essa é... obra da sua consorte? — elogiou o Príncipe Jing. — Como esperado da família Ming. A paisagem, a composição — uma verdadeira obra-prima.
O Príncipe Chen olhou para ele e assentiu.
— Hm.
Então saiu carregando a pintura.
— Então era da Jiuzhu. — O Príncipe An cutucou o Príncipe Jing enquanto o observavam ir embora. — Pena que não vimos por mais tempo.
Na memória dele, o Príncipe Chen nunca demonstrou muito interesse por arte — então de quem mais seria a pintura sem assinatura guardada nos aposentos dele?
— De fato. — O Príncipe Jing olhou para os portões do palácio. — Uma pena.
— Que pena? — O Príncipe Huai caminhou até eles. — Parem de cochichar feito conspiradores e usem a cabeça pelo menos uma vez — pensem em como sair do palácio!
Viver em um espaço tão apertado era insuportável.
— Irmão mais velho, o palácio não é tão ruim. — O Príncipe An deu de ombros. — Todas as despesas pagas pelo tesouro imperial — não preciso gastar nem um tostão do meu próprio dinheiro.
Com suas mesadas suspensas pelo Imperador, sair dali esvaziaria seus cofres pessoais.
Por que desperdiçar dinheiro se podem guardar para as joias das consortes?
— Você ficaria aqui só para economizar?
— Economizar? — O Príncipe An zombou. — Sabe quantas bocas uma casa principesca alimenta? Banquetes, presentes, utensílios, mantimentos — tudo custa dinheiro!
— A vida é boa assim — sem precisar se apresentar aos Seis Ministérios ao amanhecer, sem se preocupar com as despesas do domínio principesco, pedindo tudo o que quiser na cozinha sem gastar um centavo próprio. — O Príncipe An falou com entusiasmo crescente, incapaz de esconder sua admiração: — Se o Pai Imperador me deixasse viver assim para sempre...
O Príncipe Huai sempre soube que seu segundo irmão não tinha ambição, mas nunca imaginou que ele fosse tão absolutamente desmotivado.
Entre os descendentes da família imperial, como poderia haver um tão sem ambição?
— Deixe pra lá. Vai só espalhar grãos e caçar pardais — disse o Príncipe Huai, arrependido de ter perdido tempo com o Príncipe An.
— Que importância tem um modesto salário de oficial? Os presentes dos subordinados e o poder real nas mãos — isso não é muito melhor do que economizar centavo por centavo?
— Obrigado pelo lembrete, irmão mais velho. Com a chegada da primavera, com certeza haverá muitos pardais.
Príncipe Huai quase engasgou de tanta raiva quando seu comentário sarcástico foi levado a sério pelo segundo irmão.
— Irmão mais velho, não leve a sério — disse o Príncipe Jing, observando o alegre Príncipe An desaparecer ao longe. — O segundo irmão não entende... os pássaros na primavera encontram comida fácil e não se deixam enganar por grãos jogados.
Príncipe Huai olhou para ele com total perplexidade. Que conversa era aquela?
Nenhum dos seus irmãos mais novos era normal.
Ele se virou de repente e foi embora, só para trombar com Yun Yanze, que voltava de fora. Com um resmungo frio, Príncipe Huai foi direto para seu próprio pátio.
— Terceiro irmão, o que houve com o irmão mais velho? — Yun Yanze não parecia incomodado com o temperamento inexplicável de Príncipe Huai. Ele sorriu para o Príncipe Jing.
— O quinto irmão passou aqui mais cedo e levou uma pintura. O irmão mais velho sugeriu que arranjássemos um jeito de sair do palácio, mas o segundo irmão recusou, e isso gerou um certo... desconforto.
— Uma pintura? — Yun Yanze perguntou casualmente. — De que tipo?
— Uma obra-prima com uma paisagem de tirar o fôlego — montanhas e rios em perfeita harmonia — a voz do Príncipe Jing estava cheia de admiração. — Pena que meu talento com o pincel não chega nem perto de captar metade da elegância dela.
— Terceiro irmão, suas habilidades com a pintura sempre foram as melhores entre nós irmãos. Por que se menosprezar?
— Aquela pintura não foi feita pelo quinto irmão — foi obra da consorte dele. É uma pena que as pinturas da família Ming nunca sejam mostradas fora de casa. Se fossem, eu pagaria uma fortuna por uma.
Yun Yanze suspirou.
— Que pena. Nunca terei chance de admirar algo assim.
— Se você não se importar, quarto irmão, pode vir ao meu pátio. Tentarei fazer um esboço aproximado para você — ofereceu o Príncipe Jing. — Embora minhas habilidades sejam fracas perto das da consorte do quinto irmão, consigo captar um pouco do estilo dela.
Um esboço... do estilo dela?
Yun Yanze sorriu levemente para o Príncipe Jing.
— Então, vou abusar da sua gentileza, terceiro irmão.
— Vossa Alteza, o que está segurando? — Jiuzhu percebeu que o Príncipe Chen carregava um pergaminho e olhou curiosa.
— Apenas alguns rabiscos que fiz no meu tempo livre — respondeu o Príncipe Chen, entregando a pintura a Yang Yiduo. — Com as flores de pêssego prestes a florescer, preciso praticar antes de pintar com você.
Jiuzhu chamou Yang Yiduo.
— Mordomo Yang, traga a pintura para eu ver.
Sem hesitar, Yang Yiduo fez uma reverência e apresentou o pergaminho a Jiuzhu, ignorando completamente a opinião do Príncipe Chen.
Ele observava nervoso enquanto Jiuzhu segurava a pintura. Será que ela perceberia agora que todos os elogios que ele havia feito à arte dela eram mentiras?
Ele não temia mais nada — só que sua pequena porquinha Ming pudesse se machucar.
Se a pintura fosse boa ou não, isso pouco importava. O que importava era que a porquinha Ming estivesse feliz.
— A pintura de Vossa Alteza... não está mal — Jiuzhu examinou com cuidado. — Mas é muito literal, falta um pouco de charme poético.
Vendo o silêncio do Príncipe Chen, ela logo acrescentou, consolando:
— Mas o traço é excelente — até melhor que o meu.
Príncipe Chen: "..."
Olhando para o rosto de Jiuzhu, que claramente dizia "sei que a sua é pior, mas vou te apoiar mesmo assim", ele silenciosamente se aproximou, pegou a pintura de volta e olhou para ela ternamente.
— A essência da pintura está no espírito. A minha ainda está longe disso — disse ele. — Você vai ter que me ensinar mais.
— Claro! — Jiuzhu bateu no peito, confiante. — Sem problema!
Vendo seu sorriso radiante, o Príncipe Chen a puxou para seus braços, escondendo a expressão contra seu cabelo.
Um homem de verdade sabia quando se dobrar.
Fazer a esposa feliz não era rendição — nem engano. Era... romance.
Sun Caiyao vestiu um novo vestido de primavera, ansiosa para mostrar ao marido. Mas ao chegar na porta dele, ouviu sua voz lá dentro.
— Você tem certeza de que o templo taoísta onde Ming Jiuzhu foi criada fica aqui?
Ela congelou.
— Vossa Alteza, está confirmado.
— Quem está aí? — O tom de Yun Yanze ficou cortante de repente.
— Sou eu, Vossa Alteza — Sun Caiyao levantou a cortina e entrou, olhando para o eunuco estranho na sala. — Esse atendente parece novo.
— Vossa Alteza Consorte, este servo trabalha no Serviço Doméstico do Palácio — o eunuco de vestes azuis fez uma reverência.
— Entendo — Sun Caiyao deixou as sobremesas que trouxe, fingindo indiferença. — Vossa Alteza, experimente esses bolinhos frescos de flores da primavera.
— Obrigado pela gentileza — Yun Yanze tomou um gole de chá. — Descanse primeiro. Logo me juntarei à refeição.
— Muito bem — Sun Caiyao saiu, encarando a barra bordada do vestido com um sorriso amargo.
Seu marido preferia investigar a infância de Ming Jiuzhu a lhe dirigir sequer um olhar.
Seu cuidado meticuloso ao se arrumar naquele dia parecia uma piada.
— Vossa Alteza Consorte, o Escritório Imperial de Guarda-Roupas solicita audiência — Bai Shao se aproximou suavemente. — A senhora os receberá?
— Receberei — Sun Caiyao caminhou à frente, mascarando sua tristeza. — Bai Shao, depois de tantos anos servindo à Alteza Consorte Dowager, você já viu Sua Alteza demonstrar afeto por alguma mulher?
— Nunca — Bai Shao balançou a cabeça.
— Ultimamente, ele tem se mostrado distante — Sun Caiyao suspirou. — Se eu soubesse que tipo de mulher ele gosta, eu mesma arranjaria uma concubina para ele — só para vê-lo sorrir de novo.
— Vossa Alteza Consorte, não pense assim — Bai Shao aconselhou. — Sua Alteza não é de frivolidades. Trazer uma concubina pode afastá-los ainda mais.
O coração de Sun Caiyao apertou ainda mais. Quando o oficial do guarda-roupa explicou que seus outros vestidos de primavera atrasariam, ela franziu a testa.
— Você prometeu o contrário antes.
— Vossa Alteza Consorte, perdoe-nos. Mas o Príncipe Chen encomendou várias peças para sua consorte, e o Escritório de Guarda-Roupas está sobrecarregado.
Sun Caiyao quase explodiu — Será que meu pedido vai ter que esperar só porque o Príncipe Chen mima a esposa dele?
Mas sorriu educadamente.
— Se é para o quinto irmão e sua consorte, um atraso não é problema.
— Obrigado, Vossa Alteza Consorte!
O oficial fez várias reverências.
Sun Caiyao olhou para a saia. Seu marido não notaria suas roupas novas de qualquer forma — enquanto o Príncipe Chen pessoalmente encomendava vestidos para Ming Jiuzhu.
— Entregue esta carta ao templo taoísta onde Ming Jiuzhu foi criada — Yun Yanze entregou um envelope grosso ao eunuco de azul.
No envelope, o remetente dizia: Ming Jiuzhu.
Capítulo 93 — Flores de Pêssego
Jiuzhu esperou dia após dia junto à janela, até que finalmente as flores de pêssego desabrocharam.
Cedo pela manhã, ela vestiu as roupas novas enviadas pelo Escritório Imperial de Guarda-Roupas e cutucou o Príncipe Chen na cama.
— Vossa Alteza, Vossa Alteza, já amanheceu.
O Príncipe Chen lutou para abrir os olhos, lançou um olhar para o tênue brilho da manhã entrando pela janela, e logo enterrou o rosto de volta nos cobertores.
— Vossa Alteza, está na hora de levantar — Jiuzhu olhou para ele com animação. A primavera chegara, as flores de pêssego estavam em plena floração — era hora de pintar.
Príncipe Chen apontou para a própria bochecha.
— Não consigo levantar. Preciso do beijo da minha porquinha para acordar.
Jiuzhu lançou-se sobre ele, plantando um beijo em sua bochecha.
— Agora você pode se levantar.
Príncipe Chen rolou para o lado e sentou-se.
Todos os seus hábitos — mau humor matinal, relutância em sair da cama — haviam desaparecido completamente desde que se casara com Jiuzhu.
Os eunucos e as criadas que o serviam no quarto se afastaram sorrindo, esperando o príncipe e sua consorte terminarem de se preparar.
Havia um pomar de pessegueiros no palácio, mas ninguém ousava entrar ali à toa. Corria um boato de que o pomar fora plantado pelo Imperador especialmente para a Imperatriz Su.
Príncipe Chen lembrava do pomar desde a mais tenra infância, embora não fizesse ideia de onde o boato surgira.
Os servos montaram mesas, cadeiras, pincéis, tinta e papel no pomar. Príncipe Chen olhou para Jiuzhu e dispensou os empregados.
— A princesa consorte e eu vamos pintar aqui. Preferimos que não nos incomodem — ordenou. — Podem se retirar para mais longe.
— Sim, Vossa Alteza.
— Por que os estudiosos desprezam as flores de pêssego por serem ostensivas e superficiais? — Jiuzhu pegou algumas pétalas caídas na palma da mão. — Elas são vibrantes, sem serem vulgares, e seus frutos são doces e deliciosos.
— Alguns acham as flores de lótus simples demais, outros reclamam que o aroma do osmanthus é exagerado. Naturalmente, há quem não goste do brilho das flores de pêssego — respondeu Príncipe Chen, misturando tons de tinta. — Pessoas e flores são iguais. Quem não gosta de algo, encontrará defeitos sem fim. Mas quem ama, até as falhas se tornam virtudes.
— As flores florescem como querem, indiferentes ao julgamento humano.
Em vez de pintar as flores, Príncipe Chen esboçou uma jovem. Embora suas feições ainda fossem indefinidas, o carinho por ela já brilhava vívido no papel.
— As pessoas frequentemente se acham superiores, chegando a inventar histórias de flores, pássaros ou insetos que se transformam em humanos para adorá-los — olhou para Jiuzhu com um sorriso, acrescentando um ramo de pêssego na mão da menina. — Seja humano ou flor, sem sinceridade em troca, o que se ganha da arrogância é apenas...
Ao lado da menina, desenhou a si mesmo, de mãos dadas com ela.
— Vazio — Jiuzhu completou o pensamento. Deixou o pincel e se encolheu ao lado dele. — Vossa Alteza, somos nós?
— Sim. Você e eu.
Ele contornou as flores e lhe passou o pincel.
— Aqui, você adiciona as cores.
Jiuzhu pegou o pincel, observando a pintura cuidadosamente.
— Seu trabalho hoje está especialmente bom.
— Ah? — Príncipe Chen sorriu. — Por quê?
— Parece... vivo — coloriu com cuidado. — Não sei explicar, mas é diferente. Melhor.
Príncipe Chen riu, depois ficou pensativo. Ao olhar para o desenho de si mesmo e de Jiuzhu, ele de repente entendeu.
O julgamento dela sobre arte não era como o dos outros.
Ela via a emoção por trás dos traços.
Quando pintava Jiuzhu, ele não pensava em nada — apenas que a cena era bela porque ela estava nela. Com ela na página, como não se juntar a ela? Então, adicionou a si mesmo.
Ele havia pintado com o coração.
Será que as pinturas que ela lhe dera antes eram assim também? Será que ela havia colocado suas cenas mais queridas e seus desejos mais calorosos no papel para ele?
Naquele momento, Príncipe Chen percebeu que não era diferente de qualquer pessoa comum. As flores não ligam para opiniões humanas, mas ele arrogante acreditava que nenhum botão no mundo poderia se comparar ao sorriso da sua Ming Jiuzhu.
— Não sabia que Vossas Altezas estavam pintando aqui. Perdoem minha intromissão.
Jiuzhu deixou o pincel de lado e se virou.
— Consorte Dowager Zhao.
— Pintar sob uma chuva de flores de pêssego — a consorte idosa acariciava o gato em seus braços, olhando nostalgicamente para as árvores. — Já faz muitos anos desde a última vez que vim aqui.
— Consorte Dowager Zhao sabe a origem desse pomar? — Príncipe Chen trouxe um banquinho para ela, e Jiuzhu a ajudou a sentar.
— Claro — sorriu levemente. — Antes de entrar no palácio, minha família era de vinicultores. Nosso melhor vinho era o Sonho da Flor de Pêssego. Como eu era um pouco clara de pele, o Imperador Anterior gostava de mim e me trouxe para cá. Para me agradar, ele plantou esse pomar.
Os olhos de Jiuzhu se arregalaram.
— Esse pomar foi plantado para a senhora pelo Imperador Anterior?
— Sim — o tom dela ficou frio ao mencionar o nome dele. — Mas no harém nunca faltaram mulheres. Ele podia plantar um pomar de pêssego para mim, e depois pomares de peras, damascos ou crisântemos para outras.
Nos olhos dela, Jiuzhu não viu alegria — apenas resignação. Talvez sua entrada no palácio também tivesse sido contra sua vontade.
— Venham — Consorte Dowager Zhao passou o gato para Príncipe Chen e pegou a mão de Jiuzhu. — Deixe-me mostrar algo a vocês.
— Um, dois... oito. — Lentamente, ela conduziu Jiuzhu pelo pomar até que chegaram à oitava árvore. Tremendo, ela se abaixou para cavar suas raízes.
— Consorte Dowager, deixe-me. — Jiuzhu a segurou para que não caísse. — Eu sou mais forte.
— Muito bem. — A velha sorriu.
O Príncipe Chen mandou um servo trazer uma pá e, então, passou o gato para Jiuzhu.
— Não sujem os sapatos. Eu que farei isso.
Consorte Dowager Zhao os observava com um olhar cheio de ternura.
Logo, o Príncipe Chen desenterrou dois jarros.
— Vinho? — Ergueu-os do solo e olhou para ela. — A senhora que fez isso, Consorte Dowager?
Ela se ajoelhou, limpando a terra dos jarros.
— Entrei no palácio na adolescência. Esses foram feitos quando eu tinha dezoito anos. Agora... já passei dos sessenta. Se eu não os desenterrar agora, talvez nunca mais vejam a luz do dia.
Lágrimas brilhavam em seus olhos envelhecidos.
— Há muitos, muitos anos, prometi a alguém que faria dois jarros de vinho para ele, com minhas próprias mãos.
— Mas no ano em que completei dezoito, ele já havia partido.
Eles cresceram juntos. Na cerimônia de maioridade dela, prometeu fazer para ele dois jarros do Sonho da Flor de Pêssego para o casamento deles.
Mas o Imperador Anterior a tomou para o palácio. De coração partido, ele adoeceu e morreu em três anos.
Ele morreu. O filho dela morreu. Com o tempo, até a família se foi, deixando só ela para suportar os anos sozinha — com nada além de um gato como companhia.
Se Príncipe Chen e sua consorte não tivessem devolvido o gato para ela, talvez ela tivesse perdido até isso.
— Miau. — O felino gorducho se aconchegou em Jiuzhu antes de pular de volta para os braços da velha.
Vendo a dificuldade dela para se levantar, Jiuzhu correu para ajudar.
— Obrigada, princesa consorte. — Consorte Dowager Zhao sorriu para ela. — Se Vossa Alteza e Sua Alteza me fizerem a honra, levem esses jarros e bebam juntos.
— Que vocês dois envelheçam juntos, nunca se separem. — Ela encontrou o olhar do Príncipe Chen. — Nunca se abandonem.
— Consorte Dowager Zhao — disse Jiuzhu —, o Festival Qingming é daqui a poucos dias. Eu—
— Princesa Consorte — interrompeu Consorte Dowager Zhao, sorrindo —, este palácio já foi testemunha de muitas histórias tristes de mulheres. Esta velha aqui é a mais insignificante delas. Estou velha agora — se presto respeito ou não, já não faz diferença.
Ela mal conseguia lembrar o rosto daquele jovem do seu passado, só que o sorriso dele era lindo, e a voz suave sempre que chamava seu nome.
— Minha memória piorou muito neste último ano. Se eu não falar dele com alguém logo, temo esquecê-lo completamente. — Consorte Dowager Zhao acariciou a cabeça do gato. — Princesa Consorte, lembre-se das palavras desta velha.
— Não se compadeça facilmente das mulheres do palácio — disse ela, olhando para o Príncipe Chen, que se abaixava para tampar uma cova com terra. — Especialmente das jovens e belas.
Jiuzhu balançou a cabeça, rindo levemente.
— Consorte Dowager, eu não me importo.
Consorte Dowager Zhao a observou com atenção.
— Mulheres jovens e belas não são as que devemos temer. O que realmente assusta é o coração de um homem que não sabe permanecer fiel. — Jiuzhu colheu uma flor de pêssego e a prendeu no cabelo prateado da velha. — Hoje, Vossa Alteza ainda tem dezoito anos no coração.
Consorte Dowager Zhao riu, com uma expressão rara de leveza.
— Esta velha já viveu mais de sessenta anos, mas não sou tão sábia quanto você.
Caminhando até a mesa de pintura, ela fitou a obra e suspirou.
— Esta pintura é requintada. Lembro que Du Qingke, atual chefe da família Du, pintou flores de pêssego durante um banquete no palácio oferecido pelo Imperador Anterior.
— Você talvez não o conheça — acrescentou Consorte Dowager Zhao, pegando um pincel para escrever o nome Du Qingke no papel. — Ele é tio-avô da Princesa Consorte Jing. Na juventude, suas habilidades com a pintura agradavam muito ao Imperador Anterior.
— Eu nunca estudei caligrafia na juventude, por isso minha letra é ruim. — Deixou o pincel de lado e sorriu para o Príncipe Chen que se aproximava. — Perdoem esta velha por envergonhar você e a Princesa Consorte.
— Sua caligrafia já é excelente — disse o Príncipe Chen, fazendo uma reverência após ler o nome no papel. — Obrigado, Consorte Dowager, pelo presente do vinho.
— A velhice cansa o corpo. Agora que o vinho foi entregue, meu coração está em paz. — Amassou o papel com o nome de Du Qingke. — Depois de cinquenta anos neste palácio, vi muitas subidas e quedas da vida para me tornar indiferente às coisas. Se o vinho da flor de pêssego agrada a Vossa Alteza, podem voltar para pegar a receita.
— Minha gratidão, Consorte Dowager.
— Não precisa agradecer. — Sorriu. — Embora minha mente enfraqueça, não esqueci a bondade que você e sua mãe me mostraram nestes dez anos. A idade traz cansaço — já devo me retirar.
— Consorte Dowager, deixe-me acompanhá-la — disse Jiuzhu, apoiando-a com cuidado.
— Como poderia incomodar a Princesa Consorte e Sua Alteza durante sua pintura?
— As flores de pêssego não murcham em um dia. Se não pintarmos hoje, haverá sempre amanhã. — Jiuzhu sorriu. — Só ficarei tranquila quando a virem bem de volta ao palácio.
— Então, terei que incomodar a Princesa Consorte. — Consorte Dowager Zhao apertou a mão de Jiuzhu onde repousava em seu braço, com os olhos cheios de carinho.
— Miau. — O gato rechonchudo, como se com medo de pesar para a velha, pulou nos braços de Jiuzhu, enrolando-se confortavelmente.
Consorte Dowager Zhao riu, acariciando sua cabeça.
— Ele sabe quem pode segurá-lo firme.
— Realmente um gato esperto, digno de ser criado por Vossa Alteza.
Lingzhou
O mensageiro havia levado vários cavalos até a exaustão, escalado inúmeras montanhas e percorrido trilhas estreitas antes de finalmente encontrar o pequeno templo taoista, meio escondido por árvores antigas, no meio da mata.
O templo parecia abandonado há muito tempo, tomado por ervas daninhas, com paredes descascadas e gastas pelo tempo. Gramas teimosas brotavam entre telhas quebradas, balançando na brisa da montanha.
O mensageiro não pôde deixar de se perguntar — será que alguém realmente vivia em um lugar tão destruído?
O que a família Ming estava pensando, enviando sua própria filha para cá?
Mesmo que ela não morresse de fome, não tinham medo de que feras selvagens a levassem?
— Venho a mando da Princesa Consorte para entregar uma carta ao mestre. Ele está presente?
— Quem está aí?
A porta de madeira velha rangeu ao se abrir, revelando uma mulher de robe azul. Nem gorda nem magra, seus traços suaves tornavam impossível adivinhar sua idade.
— Trago uma carta da Princesa Consorte. — O mensageiro entrou entre as ervas e apresentou um envelope grosso.
O olhar da mulher passou pelo nome “Ming Jiuzhu” antes de aceitar a carta.
— A jovem senhora disse mais alguma coisa?
— A Princesa Consorte disse que você entenderia ao ler. — O mensageiro fez uma reverência. — Esperarei no pé da montanha por dois dias antes de retornar.
A mulher o estudou.
— Os mensageiros enviados pela família Ming antes não foram você.
— Eu não sou da família Ming. A Princesa Consorte uma vez me foi gentil, por isso entrego esta carta em seu lugar.
O mensageiro sabia que reclusos eram facilmente enganados — especialmente aqueles isolados do mundo em lugares remotos como aquele.
— Entendo. — A mulher acenou com a cabeça. — Está claro.
Quando ele partiu, outra mulher de roupas cinzas caiu silenciosamente de uma árvore. Sem nem abrir a carta, ela zombou:
— A caligrafia se parece com a da Jiuzhu, mas quando ela já nos mandou uma carta sem enchê-la de presentes?
A mulher de azul desdobrou a carta e um desenho escorregou.
Mostrava uma mulher presa nas profundezas do palácio, chorando mas incapaz de escapar — um pedido desesperado de ajuda transmitido em cada traço.
— Que falsificação mal feita — disse a mulher de azul, horrorizada —. Como ousam dizer que isso foi pintado pela nossa Jiuzhu?
Capítulo 94 — Libertação da Calamidade
— Que tipo de pintura é essa? — A mulher de vestes cinzentas pegou a obra e sua expressão ficou cada vez mais estranha conforme a examinava. — Quem usaria uma pintura dessas para se passar pela Jiuzhu? Perderam o juízo?
— E a carta?
— Ainda não li. — A mulher de vestes verdes encontrou a carta e a entregou diretamente. — Aqui, Irmã Mais Velha.
As duas se debruçaram juntas sobre a carta e, ao terminarem a leitura, caíram em silêncio.
— O mentor disso tudo deve ser mesmo um idiota — disse a Segunda Mestra, jogando o envelope sobre a mesa de pedra. — Nossa Jiuzhu nunca deixaria criadas e eunucos a intimidarem, muito menos choraria à luz da lua...
— Mm. — A Mestra Mais Velha lançou um olhar para o templo taoísta em ruínas. — O telhado do templo precisa de reparos. É raro encontrarmos um trapaceiro — não podemos deixá-lo sair impune.
— Mas... — A Segunda Mestra hesitou. — E se acabarmos o assustando?
— Já que ele veio até aqui, não pode sair tão facilmente assim.
O mensageiro esperou ao pé da montanha por dois dias. Quando voltou ao templo, viu a mesma mulher que havia encontrado antes, parada no fim do caminho com uma expressão aflita, como se ficasse aliviada ao vê-lo.
— Reverenda, a senhora leu a carta da Princesa Consorte? O que pretende fazer?
— Nós criamos a senhorita Ming com nossas próprias mãos. Como eu poderia suportar vê-la sofrer na capital? — O rosto da mulher estava tomado de preocupação. — O Príncipe Chen a está tratando mal?
— Ah, o Príncipe Chen sempre foi arrogante e autoritário, vive em conflito com os oficiais civis. A Princesa Consorte vem da família Ming — como o príncipe poderia realmente se importar com ela? — Ao ver a mulher tão nervosa que não sabia o que fazer com as mãos, o mensageiro sentiu um prazer perverso. Ela é fácil de manipular.
— Preciso ir à capital vê-la imediatamente.
Os olhos do mensageiro brilharam.
— Mas...
— Mas o quê? — Seu coração apertou. Sua Alteza havia ordenado expressamente que levasse os mestres taoístas que criaram Ming Jiuzhu para a capital — só assim poderiam usá-la como peça no jogo.
— Mas minha Irmã Mais Velha está frágil. Se eu a levar comigo, temo que sua saúde não aguente. Por outro lado, se a deixo aqui sozinha, essas montanhas não têm comida nem suprimentos, e o telhado ainda vaza. Não conseguiria ficar tranquila.
— Essas são questões triviais. Grãos, óleo, arroz, consertos no templo — eu cuidarei de tudo. — O mensageiro pensou: Desde que eu consiga levá-las para a capital, reformar o templo é um preço pequeno a pagar.
— Como poderíamos incomodá-lo com despesas tão—
— Reverenda, não diga isso. A Princesa Consorte é minha grande benfeitora. Renovar o templo para os mestres dela é o mínimo que posso fazer. — O mensageiro juntou as mãos em saudação. — Por favor, aguarde aqui. Irei preparar tudo imediatamente.
— Bondoso patrono, bondoso patrono...
O mensageiro saiu às pressas, temendo que, se demorasse, a mulher mudasse de ideia.
Duas horas depois, voltou com um grupo de operários, que começaram a martelar e serrar sem parar. Limparam até as ervas daninhas do caminho da montanha, deixando tudo impecável.
— Reverenda, fique tranquila. Em menos de cinco dias, seu templo estará completamente renovado.
— Agradeço, bondoso patrono. — A mulher sorriu. — Já que veio até o templo, que tal me acompanhar até o salão principal para prestarmos reverência?
— Depois da senhora, Reverenda.
Ao entrar no salão principal, o mensageiro se surpreendeu ao ver que o espaço simples abrigava apenas os Três Puros. Nenhuma outra divindade estava presente, o que deixava o ambiente austero e pobre.
— Perdoe nosso humilde templo. Não temos fundos para dourar as estátuas dos Senhores Celestiais. — A mulher lhe entregou o incenso. — Por favor, bondoso patrono.
As três estátuas pareciam antigas, mas não danificadas. Ao se ajoelhar na almofada, o mensageiro teve a nítida sensação de que os olhos delas estavam fixos nele.
Apressou-se em acender o incenso, sem ousar encarar os rostos esculpidos.
— Reverenda, seria uma honra para mim dourar essas estátuas.
Antes de partir, seu superior lhe dera duzentos taéis de prata. Do jeito que ia, estaria mendigando antes mesmo de chegar à capital.
Mas para ganhar a confiança da mulher, não tinha outra escolha a não ser gastar.
Naquela noite, enviou uma mensagem por pombo-correio, implorando a seu superior que enviasse fundos dos agentes em Lingzhou.
Esse templo miserável está me sangrando até a última moeda.
Quatro dias depois, segurando a bolsa vazia, o mensageiro forçou um sorriso ao encarar as estátuas recém-douradas, a despensa abastecida, os móveis novos e as paredes recém-pintadas.
— A cada dia que adiamos, a Princesa Consorte sofre. Reverenda, por favor, acompanhe-me à capital hoje mesmo.
— Muito bem. — A mulher assentiu. — Atrás do templo há um campo de flores. A senhorita Ming adorava essas flores quando era pequena. Poderia colher algumas para ela?
O mensageiro queria retrucar que, mesmo sendo as flores mais lindas do mundo, elas murchariam antes de chegar à capital.
— Claro. Por favor, espere um instante. — Tanto faz — desde que ela me acompanhe até a capital, posso aguentar isso também.
— Muito obrigada.
A mulher observou enquanto ele adentrava o campo de flores, sorrindo ao vê-lo desabar de cara entre as pétalas.
— Ah, que distraída eu sou. Esqueci de avisar — essas flores são venenosas. Seu aroma provoca inconsciência. — Ela se aproximou do corpo desacordado, puxou uma corda da manga e o amarrou com firmeza antes de arrastá-lo para fora do campo.
— Segundo as leis do Grande Cheng, se passar por servo de um nobre para fraudar e enganar rende pelo menos dez anos de trabalhos forçados — vinte, no máximo. — A Segunda Mestra bateu palmas, cutucando o homem desacordado com o pé antes de erguer os olhos para a Mestra Mais Velha, empoleirada no telhado. — Irmã Mais Velha, as autoridades já chegaram?
— Estão quase aí. — Ela mordiscava os doces que o mensageiro havia levado montanha acima e suspirou. — Um trapaceiro tão tolo quanto rico... tão útil.
— De fato. — A Segunda Mestra assentiu. — Tomara que venham mais dois assim da próxima vez.
Trapaceiros tão bons eram mesmo difíceis de encontrar.
— Alteza. — Um eunuco trajando azul entrou apressado no pátio, avistou a consorte do Quarto Príncipe e logo se curvou. — Saudações a Vossa Alteza e à Princesa Consorte.
— À vontade. — Yun Yanze se voltou para Sun Caiyao. — Caiyao, os pessegueiros lá fora estão em plena floração. Por que não dá um passeio com Bai Shao?
— Como desejar. — Sun Caiyao reconheceu o eunuco — fora ele quem informara Yun Yanze sobre o paradeiro de Ming Jiuzhu no templo taoísta, há cerca de meia quinzena.
— O que aconteceu? — Assim que Sun Caiyao se afastou, o sorriso de Yun Yanze desapareceu.
— O Décimo Primeiro foi jogado na prisão.
— O quê? — Yun Yanze achou que tivesse ouvido errado. — Explique.
— E-ele foi desmascarado. — O eunuco encolheu-se. — As mestras que criaram a Princesa Consorte de Chen perceberam que ele era um impostor e o denunciaram às autoridades.
— Duas velhas das montanhas remotas… Mesmo que tenham notado algo estranho, ele deveria ter conseguido fugir. Como sequer tiveram chance de denunciá-lo? — Yun Yanze inspirou fundo. — Garanta que ele fique de boca fechada.
— Vossa Alteza não precisa se preocupar. Já tomamos providências.
— Não me preocupar? — Yun Yanze soltou uma risada sarcástica e lançou um olhar fulminante ao eunuco. — Como não me preocupar?
Cada um daqueles homens era um agente treinado com cuidado, e ainda assim foram superados por duas velhas e entregues às autoridades. Que piada.
Sun Caiyao estava sentada no pátio, observando o eunuco cabisbaixo se afastar antes de baixar o olhar.
— Bai Shao, me diga... o que há de tão especial em Ming Jiuzhu?
Bai Shao abaixou a cabeça.
— Esta serva não sabe.
— Você não é homem, é claro que não entenderia. — Sun Caiyao se levantou e caminhou em direção ao bosque de pessegueiros — segundo diziam, plantado pelo próprio Imperador para a Imperatriz Su.
Bai Shao a seguiu:
— A Princesa Consorte de Chen passa todo o tempo ao lado do Príncipe Chen. Mesmo que ela seja realmente encantadora, é ele quem a vê assim. Não há razão para a senhora se prender ao que a torna atraente aos olhos dos homens.
— Tia Bai Shao — Sun Caiyao parou e se virou para ela —, suas palavras soam como se estivesse defendendo Ming Jiuzhu.
— Esta serva jamais ousaria. Apenas desejo poupá-la do incômodo de se preocupar com pessoas irrelevantes. — Bai Shao fez uma reverência. — Alteza, a Princesa Consorte de Chen, agora casada, jamais poderá representar uma ameaça para a senhora.
— Sim, ela nunca foi. — Sun Caiyao murmurou, esvaziada, parada à entrada do bosque. Ela sabia que nada daquilo tinha, de fato, a ver com Ming Jiuzhu.
Mas se não podia culpá-la... a quem mais restava odiar?
A si mesma? Ou a Sua Alteza?
Aquele jovem de branco a cavalo havia sido tão deslumbrante. Pela primeira vez em sua vida monótona e cheia de regras, ela se permitira, em segredo, apaixonar-se.
— As flores de pêssego estão prestes a murchar.
— Tem pena de vê-las cair?
— As flores nascem e caem como devem. Só estou contando os meses até podermos comer pêssegos.
— Venha cá.
— Pra quê?
— Suba. Eu vou te carregar nas costas.
— E se alguém vir?
— Que vejam. É natural que este príncipe carregue a própria esposa. Quem se atreveria a fofocar?
— Tá bom! — Jiuzhu se jogou alegremente nas costas do Príncipe Chen, apoiando a cabeça no ombro dele. Mas após dois passos, levou a mão à cabeça. — Sua Alteza, abaixe-se um pouco — rápido, rápido! Meu cabelo prendeu nos galhos do pessegueiro!
De longe, Sun Caiyao observava Ming Jiuzhu, com os cabelos enroscados nos ramos, trocando sorrisos tolos com o Príncipe Chen. Recuou alguns passos em silêncio, garantindo que não fosse notada.
— Culpa minha por ser alto demais. — O Príncipe Chen olhou para a mecha de cabelo caída sobre o rosto de Jiuzhu e conteve o riso enquanto se curvava na direção dela. — Aqui, pode puxar meu cabelo se quiser.
— Não, vai doer. — Jiuzhu soprou a mecha rebelde e então segurou a mão do Príncipe Chen. — Deixa pra lá. Só me leve de volta.
As criadas e eunucos atrás deles mal conseguiam conter o riso.
O Príncipe Chen lançou um olhar aos serviçais risonhos e ergueu Jiuzhu nos braços.
— Vamos voltar ao palácio. Já riram demais por hoje.
Jiuzhu se aninhou contra o peito dele, rindo antes de todos.
Sun Caiyao viu as flores de pêssego caindo sobre o casal, como se toda aquela beleza, aquela alegria, aquela vivacidade, sempre tivessem pertencido a eles.
Até interromper esse calor parecia um pecado.
— Bai Shao — murmurou, atônita —, eu…
Eu a invejo.
A constatação lhe trouxe vergonha.
Quando foi que me tornei tão feia?
De volta ao Palácio Kirin, após uma soneca, Jiuzhu sentou-se diante do espelho, arrumando os cabelos. Uma serva anunciou que a Consorte Zhang e a Princesa Roude haviam chegado com presentes.
— Deixe-as entrar.
Do lado de fora do Palácio Kirin, a Consorte Zhang advertia a filha repetidamente para que não provocasse a Princesa Consorte de Chen.
— Aquela mulher é impiedosa — já chegou a apunhalar uma boneca com sua data de nascimento sem nem pestanejar. — A lembrança ainda fazia as pernas da Consorte Zhang tremerem.
Ela sempre havia intimidado os fracos e temido os fortes — e Ming Jiuzhu era exatamente o tipo de forte que a aterrorizava.
Mulheres que faziam ameaças vazias não eram realmente perigosas. As como Ming Jiuzhu, sim.
— Mãe, não precisa repetir. Eu me lembro. — A Princesa Roude fitava a placa do Palácio Kirin. Mais do que Ming Jiuzhu, ela temia o próprio irmão mais novo, Yun Duqing.
— Alteza, Princesa Roude, Consorte Zhang, nossa princesa consorte as convida a entrar.
A Princesa Roude sabia que Ming Jiuzhu não se interessava por conversas vazias. Assim que trocaram cumprimentos, foi direto ao ponto:
— Vim agradecer, cunhada.
O incidente com feitiçaria — um tabu gravíssimo no palácio — teria implicado inúmeros criados, não fosse Ming Jiuzhu ter descartado a boneca amaldiçoada como um simples brinquedo de pano. Graças a ela, Consorte Zhang e Princesa Roude ainda estavam ali, a salvo.
— Não há por que agradecer. Só disse a verdade. — Jiuzhu pousou a xícara de chá. — Por favor, não pense mais nisso.
— Há outra coisa que gostaria de compartilhar. — A Princesa Roude continuou: — Uma criada minha tem uma conterrânea que trabalha no Departamento de Administração do Palácio. Recentemente, descobriu que alguém tem perguntado sobre sua caligrafia e sobre o templo taoísta onde você esteve em Lingzhou.
— Não sei quais são as intenções dessa pessoa, mas achei melhor avisar, para que possa se precaver. — A Princesa Roude se levantou. — Mensagem entregue, vou me retirar.
No palácio, nenhum segredo ficava oculto para sempre — apenas variava a vontade de mantê-lo.
— Obrigada por me contar. — Jiuzhu se ergueu também.
— Não foi nada. Você ajudou muito minha mãe. Recompensá-la com uma informação é um ótimo negócio pra mim.
No palácio, dívidas de gratidão deviam ser quitadas o quanto antes.
Após a saída de Consorte Zhang e Princesa Roude, Chunfen sussurrou para Jiuzhu:
— Senhorita, é provável que a Princesa Roude saiba quem está investigando a senhorita.
— Isso não importa. — Jiuzhu coçou o queixo. — O que me intriga é: por que se deram ao trabalho de procurar no Departamento de Administração do Palácio, quando poderiam simplesmente consultar o Departamento Imperial de Astronomia?
Se alguém tão inepto realmente quisesse armar algo contra suas duas mestras…
— Supremo Taiyi, Salvador das Calamidades. — Jiuzhu murmurou o encantamento taoísta.
Se alguém fosse atrás de suas mestras, que arcasse com o próprio carma.
Eles plantaram a causa; suas mestras entregariam a consequência.
Sem demora alguma.
Capítulo 95 – O Patriarca
É bem sabido entre os estudiosos que as famílias aristocráticas adoram organizar reuniões refinadas, onde vestem túnicas de mangas largas, bebem vinho e saboreiam chá, tudo num ar de elegância cultivada.
Ainda assim, desprezam estudiosos de origens humildes, considerando-os vulgares e indignos de sentar-se em sua companhia.
— Os príncipes imperiais estão todos confinados no palácio. Só podemos adivinhar as intenções de Sua Majestade — comentou o Chefe da Família A, balançando a ampla manga ao erguer uma taça de vinho e admirar a paisagem. — As flores de pessegueiro florescem tarde nas montanhas — muito mais encantadoras do que a vista lá embaixo.
Uma criada ao seu lado encheu novamente sua taça.
— Irmão Du — o Chefe da Família A ergueu a taça de vinho. — Venha, vamos beber.
— Vinho é desnecessário. O chá aqui é excelente, e a vista, ainda melhor — Du Qingke girou o chá na xícara. — Pergunto-me: os estimados chefes de família estão de bom humor hoje?
— O que quer dizer com isso, Irmão Du?
— Nada em especial. Apenas ouvi dizer que certo príncipe no palácio tem ajudado Sua Majestade a revisar os memoriais ultimamente — Du Qingke derramou o chá na grama ao lado. — Se continuarem debatendo assim, ainda estarão sem nada de útil a dizer quando o novo imperador subir ao trono.
— Que pena que o Quarto Príncipe caiu em desgraça. Se tivesse permanecido, seu temperamento garantiria que nossas famílias aristocráticas fossem tratadas com o devido respeito ao subir ao trono — suspirou o Chefe da Família B. — Arruinado pela família Zheng — agora jamais tocará na coroa.
— Não pode ser o Príncipe Huai. Ao longo dos anos, aproximou-se demais daqueles arrivistas de origens humildes, ignorando por completo as velhas famílias aristocráticas.
Um criado serviu mais chá a Du Qingke. Enquanto os chefes de família murmuravam entre si, ele observava preguiçosamente um par de borboletas que dançavam entre as flores distantes.
— Se não fosse pela tentativa de assassinato ao Quarto Príncipe, nenhum dos problemas posteriores teria surgido.
— Quem pode dizer quem estava realmente por trás disso? Os quatro príncipes tiveram suas rendas reduzidas, e o Quarto Príncipe foi rebaixado de príncipe para príncipe de comando — há mais nisso do que se vê à primeira vista.
Du Qingke sorriu levemente, mas não lhes deu atenção. Estendeu a mão, tentando capturar uma borboleta que passou voando, mas criaturas tão belas têm asas — mãos humanas raramente conseguem agarrá-las.
Seu sorriso esmoreceu ligeiramente ao notar figuras se aproximando pelo caminho à distância. Sua postura relaxada transformou-se em compostura digna.
— E então, Quinto Irmão? — arfou o Príncipe An ao subir a colina. — Não é particularmente esplêndida a paisagem daqui?
Lançou um olhar ao irmão mais novo, impecável, à cunhada igualmente composta, e depois à própria esposa, animada e ofegante. Endireitou as costas para fingir naturalidade. — As flores de pessegueiro lá embaixo já murcharam, mas aqui em cima, ainda estão em plena floração.
Ao ouvir que a Princesa Consorte de Chen gostava de flores de pessegueiro, ele se esforçou para encontrar esse lugar e convidá-los para uma caminhada.
Afinal, o afeto entre irmãos se nutre com tais gestos.
Jiuzhu olhou para o Príncipe An, cujas pernas tremiam visivelmente de cansaço, embora ele fingisse o contrário. Incapaz de negar a beleza do local, assentiu:
— As colinas verdejantes e as flores vibrantes formam uma paisagem rara e esplêndida.
Satisfeito com o elogio, o Príncipe An sorriu aliviado — seus esforços não haviam sido em vão.
O vento da montanha soprava forte, fazendo as mangas de todos esvoaçarem ruidosamente. Ao longe, Jiuzhu avistou uma clareira plana onde vários homens estavam sentados no chão, vestindo túnicas largas e despreocupadas que deveriam conferir-lhes um ar de erudição livre. Em vez disso, seus cabelos estavam revoltos pelo vento, com algumas mechas tão ralas que pareciam quase... desagradáveis.
Um jovem assistente, que não reconhecia o Príncipe Chen nem o Príncipe An, deu um passo à frente para interceptá-los.
— Estimados convidados, vários chefes de família estão realizando aqui uma reunião refinada. Poderiam, por gentileza, tomar outro caminho?
— Ha! — o Príncipe An encarou o assistente. — Sob os próprios pés do Filho do Céu, alguém ousa nos enxotar?
— Esta montanha é propriedade privada? — perguntou o Príncipe Chen.
O assistente balançou a cabeça.
— Então por que deveríamos tomar outro caminho? — Ignorando o rapaz, o Príncipe Chen tomou a mão de Jiuzhu e passou direto por ele, caminhando na direção dos chefes de família.
— Mesmo que fosse propriedade privada, seus mestres deveriam nos receber de braços abertos — o Príncipe An riu do ultraje do assistente. — Toda terra sob o céu pertence ao soberano — não sabe disso?
Até mesmo os aposentos do Imperador estavam abertos ao Príncipe Chen, que dirá uma mera montanha.
— Nobres convidados, por favor, parem—
Com um silvo metálico, os Guardas Imperiais desembainharam as espadas. O assistente emudeceu ao ver o brilho do aço.
Ouvindo o som das armas, os chefes de família, que conversavam tranquilamente, se alarmaram, pousando as xícaras e olhando atentamente os recém-chegados.
— Suas Altezas, Príncipe Chen, Príncipe An — Du Qingke levantou-se e aproximou-se com uma reverência. — Este humilde oficial saúda vossas altezas e vossas consortes.
O Príncipe Chen lhe lançou um olhar rápido antes de voltar a atenção aos chefes de família sentados.
— Que pena — arqueou uma sobrancelha. — Interrompi o lazer de vocês.
Os chefes de família se apressaram em se levantar para fazer uma reverência.
— É muita honra para nós, Vossa Alteza. Estávamos apenas tomando chá e apreciando a paisagem. Se Vossa Alteza se dignar a juntar-se a nós, teríamos o prazer de compartilhar uma humilde taça — disse um deles, lançando um olhar aos guardas armados. — Mas lâminas são perigosas — poupem o susto ao pobre assistente.
— Ainda assim, no instante em que subimos, exigiram que mudássemos de caminho — o Príncipe Chen riu suavemente. — Alguém poderia pensar que a simples presença de vocês impede os outros de passar.
— Lorde Du, este império leva o sobrenome Yun — ele passou por Du Qingke. — O reino pertence à nossa família Yun, e a todo o povo. Suas estimadas famílias estão agindo com presunção desmedida.
Os chefes de família: "…"
Não era exagero ele, cercado por guardas armados, acusá-los de comportamento autoritário?
— O assistente foi ignorante. Suplico o perdão de Vossa Alteza — Du Qingke uniu as mãos, em sinal de desculpas.
O Príncipe Chen o ignorou, voltando-se para Jiuzhu.
— Porquinha Ming, quer que eu mande alguém capturar umas borboletas para você brincar?
— Borboletas? — Jiuzhu ergueu a mão e, com facilidade, apanhou uma no ar. Estendeu-a para o Príncipe Chen, mas sem deixá-lo tocá-la. — Embora belas, esse tipo se alimenta de plantas venenosas. O pó nas asas é tóxico — é melhor não tocar, Alteza.
Dito isso, abriu os dedos, e a borboleta voou apressada para longe.
—Você pegou uma borboleta venenosa com as mãos nuas? —A expressão de Príncipe Chen escureceu ao puxar um lenço para limpar as mãos dela.— Perdeu o juízo?
—Você mencionou que queria pegar uma, então pensei em te mostrar —respondeu Jiuzhu, lavando as mãos com a água que um eunuco atencioso derramava.
Príncipe An ficou boquiaberto diante da cena. Sua cunhada havia capturado uma borboleta — viva! — com as próprias mãos. Que tipo de habilidade era essa?
Príncipe Chen já tinha visto damas do palácio perseguirem borboletas nos jardins imperiais e achou que Jiuzhu poderia gostar do mesmo. Não esperava por essa reação. Pegando um lenço novo, secou as mãos dela.
—Está bem, foi erro meu.
Erro por ter tocado no assunto.
O olhar de Jiuzhu deslizou para onde os chefes de família estavam sentados. Cálices de vinho e frutas estavam espalhados, e várias mulheres vestidas com trajes leves ajoelhavam no chão, com as testas pressionadas contra a terra. Suas faces e idades eram impossíveis de distinguir.
O vento uivava pela montanha, e ela temia que ele as levasse embora.
—Quem são essas mulheres? —A Princesa Consorte An também notara as figuras ajoelhadas.
—Informando à Princesa Consorte An, estas são moças que servem vinho, compradas em Lingzhou —respondeu o Chefe de Família A com um sorriso bêbado.— Lingzhou tem paisagens belas e mulheres ainda mais belas. O vinho servido por suas mãos delicadas e sem ossos carrega um aroma excepcional.
Ao ouvir isso, Du Qingke franziu a testa. Que idiota — como podia dizer algo assim diante das duas princesas consortes? Ainda mais sabendo que a Princesa Consorte Chen cresceu em Lingzhou.
—Falando em mulheres de Lingzhou, suas cinturas são macias, sua beleza, incompará...
Príncipe Chen o chutou com força, jogando-o ao chão. A bebedeira sumiu na hora.
—Perdão, Alteza! Este humilde oficial falou sem pensar, sob o efeito do vinho! —O homem se ajoelhou, sem ousar levantar-se.
Os outros chefes de família silenciaram, sem coragem de dizer uma palavra.
Du Qingke zombou internamente diante daquela exibição de covardia.
"Ainda sonham em restaurar a glória de suas famílias, essas criaturas inúteis e sem espinha?"
—Beber faz mal ao corpo, e a embriaguez solta a língua —disse Príncipe Chen friamente, sem sequer olhar para o homem que chutara.— Ainda que não ocupem altos cargos, continuam sendo oficiais da corte. Beber e se esbaldar no meio do nada... Que tipo de conduta é essa?
Ele fez um gesto para os Guardas Imperiais.
—Verifiquem quem está bêbado. Anotem seus nomes e informem o Ministério de Pessoal — serão destituídos de seus cargos.
—Alteza—! —Outro chefe de família ofegou, chocado.
—O quê? —Príncipe Chen arqueou a sobrancelha.— Você não parece bêbado. Quer se juntar a eles na demissão?
O homem, que pretendia interceder pelos companheiros, abaixou a cabeça imediatamente, em silêncio.
Príncipe An, ao lado, lançou um olhar aos chefes de família e balançou a cabeça internamente.
O ditado "o vinho traz problemas" mostrava-se verdadeiro. Se não estivessem bêbados, quem ousaria falar das mulheres de Lingzhou daquele jeito diante de Príncipe Chen?
Havia alguém na capital que ainda não sabia do profundo afeto que Príncipe Chen nutria por sua princesa consorte?
—A paisagem mais bela é inútil se o ânimo não for adequado para apreciá-la —disse Príncipe Chen, voltando-se para Jiuzhu.— Jiuzhu, vamos para outro luga...
De repente, um grito lancinante rasgou o ar.
Jiuzhu se virou, surpresa, mas Príncipe Chen rapidamente cobriu seus olhos.
—Não olhe —murmurou, puxando-a para seu abraço enquanto observava o chefe de família se contorcer no chão, agarrado ao próprio pescoço.
Em dor extrema e terror, o rosto de uma pessoa podia se deformar até parecer monstruoso. Encravado no pescoço do homem havia um grampo de cabelo dourado — todo o seu comprimento estava enterrado profundamente, restando à mostra apenas a ponta ornamentada.
A responsável pelo golpe era justamente a “delicada, sem ossos” moça que servia vinho e que ele elogiara momentos antes.
Ninguém conseguia imaginar o grau de ódio que levara aquela mulher aparentemente frágil a atacar com tamanha ferocidade.
—Fiquem longe! —a jovem recuou até a beira do penhasco, a voz trêmula.— Quando me compraram, prometeram tratar a doença da minha irmãzinha. Mas assim que assinei o contrato, vocês a jogaram da carroça!
—Monstros... todos vocês merecem morrer! —Seus ombros tremiam violentamente — não apenas de medo, mas de fúria. Ela hesitara antes, pois sabia que, se agisse, as outras meninas de Lingzhou sofreriam.
Mas quando aquele príncipe e sua consorte apareceram, quando Príncipe Chen chutou aquele monstro ao chão — ela soube que sua chance havia chegado.
Com nobres como eles por perto, aqueles demônios não ousariam retaliar contra as outras garotas.
—Vocês se dizem famílias nobres, elevadas e intocáveis, mas não passam de animais! —Seus trajes finos esvoaçavam ao vento.— Vocês vão pagar por isso!
Dito isso, ela se virou para se lançar do penhasco.
—Parem-na! —Os Guardas Imperiais avançaram — mas já era tarde.
Ou assim pensavam.
A Princesa Consorte Chen a puxou de volta.
Espere—
A Princesa Consorte Chen a puxou de volta?!
—Não importa a gravidade do que houve, deve ser resolvido pelas autoridades —Jiuzhu a imobilizou no chão, impedindo uma nova tentativa.— Você não quer ver esses criminosos enfrentarem a justiça?
—Princesa Consorte, esta mulher é uma assassina —Du Qingke interveio, observando atentamente a consorte real até então subestimada.— Mesmo que entregue às autoridades, como criada que matou o mestre, será condenada à morte.
—A culpa e a pena são para a lei decidir —respondeu Jiuzhu, sem sequer erguer o olhar.
—Se ela ajudar a revelar crimes maiores, ainda poderá se redimir —disse Príncipe Chen, ordenando aos Guardas Imperiais que levassem as moças que serviam vinho. O chefe de família contorcendo-se também foi detido — afastado da vista das princesas consortes.
Ele se inclinou até o ouvido de Jiuzhu.
—Você está tentando me matar do coração, não está? —sussurrou.— Você pulou mais rápido que um macaco antes que eu pudesse reagir.
—Não se preocupe, Alteza —Jiuzhu respondeu num sussurro.— Sou forte. Esses chefes de família precisam ser todos investigados a fundo.
—Segundo Irmão —Príncipe Chen se aproximou de Príncipe An.— A paisagem de hoje foi mesmo... única.
O rosto de Príncipe An estava lívido. Ele se agarrava à sua princesa consorte, incapaz de dizer uma só palavra por longos segundos.
Só queria acompanhar o irmão mais novo em um passeio agradável — não testemunhar um assassinato com um grampo de cabelo.
Du Qingke observava os chefes de família sendo levados presos, seu sorriso desaparecendo por completo.
"Que tipo de tolos são esses?"
"Em vez de ajudarem, só arrastam todos para o fundo."
—Segundo Irmão —Príncipe Chen perguntou baixinho,— quem foi que te disse que as flores de pessegueiro aqui estavam em plena floração?
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