Capítulos 55 a 57


 Capítulo 55: Sozinho no Fundo do Precipício

Qianhe Liyou não ficou irritada com a indiferença de Qin Ning nem com sua atitude negligente — na verdade, ela achou tudo aquilo bastante curioso. Levantou-se da pedra onde estava sentada e caminhou até ele, fazendo barulho de propósito para que ele a notasse. Mas Qin Ning não lhe deu atenção e continuou de olhos fechados.

— Se você me ignorar, não vou te levar comigo. Vou te deixar aqui sozinho. — Ela sabia que estava sendo imatura, mas só queria provocá-lo um pouco.

Os olhos de Qin Ning se abriram abruptamente, um traço de raiva brilhou em seu olhar. Moveu os lábios como se fosse dizer algo, mas engoliu as palavras de volta e voltou a fechar os olhos. Contudo, sua expressão já não era mais serena, parecia até um pouco constrangida.

— Não vai falar, é? Então estou indo embora. — Qianhe Liyou fez menção de sair. Mas Qin Ning já havia aberto os olhos e a encarava fixamente. Ainda assim, se recusava a ceder, apertando os punhos com força e sem dizer uma palavra.

Um homem tão teimoso… será que ela devia deixá-lo sofrer um pouco ou devia ser gentil e parar com a provocação? A resposta era óbvia. Sua paciência já havia se esgotado.

— Zhen vai voltar para te ver.

Qianhe Liyou realmente foi embora, subindo aos céus com um movimento estranho e rápido. Qin Ning se levantou, o pânico estampado no rosto. Não esperava que a Imperatriz realmente o deixaria ali sozinho. Ela era mesmo tão cruel assim? Da outra vez, ela o jogara na água, e agora o deixava no fundo do penhasco. Da próxima, será que simplesmente o mataria com um golpe de espada?

Qin Ning olhou com raiva na direção em que Qianhe Liyou desapareceu, e não pôde evitar lembrar da vez em que fora atirado no lago. Ficou ainda mais furioso por dentro. No entanto, conforme o tempo passava e o sol se punha no horizonte, uma brisa fria começou a soprar no fundo do penhasco, e até Qin Ning não pôde evitar sentir um certo medo.

A noite se aprofundava e o frio só aumentava. Ele começou a sentir como se estivesse sendo vigiado por alguma coisa. Teve a sensação de que não estava sozinho ali, mas que incontáveis almas vagavam por aquele lugar. Achou até que ouvia o rugido de uma besta, um lamento carregado de dor e rancor, o que o fazia sentir que seria devorado de cabeça para baixo!

A expressão de Qin Ning piorava cada vez mais, seu corpo tremia involuntariamente, mas ele continuava de pé, obstinadamente ereto, deixando o vento frio soprar. Era como se quisesse provar que tudo de que precisava para resistir estava ali.

Depois de passar um dia e uma noite e mais outro dia e noite, a postura rígida de Qin Ning já não se mantinha mais. No fundo do penhasco, não havia nada para comer além de ervas secas e mato. Fora isso, não havia nada comestível. Não só não havia comida, como também não havia água, e somando isso ao vento gelado da noite impregnado de uma aura sombria, Qin Ning já sentia que não aguentaria muito mais. Sentou-se fraco sobre uma pedra, o rosto pálido, os lábios rachados e os cabelos bagunçados. Estava em frangalhos.

Não só emocionalmente abatido, como também fisicamente debilitado. Qin Ning já sentia sua respiração enfraquecida. O peito apertado, falta de ar, tonturas constantes. Já não tinha forças para se mover. Agora já haviam se passado dois dias e duas noites. Os raios de sol penetravam as nuvens e iluminavam seu corpo, mas ele não sentia calor algum.

Jamais imaginou que morreria de forma tão miserável. E não queria acreditar que aquela mulher tinha sido mesmo tão impiedosa a ponto de deixá-lo no fundo do penhasco. Mas no fim, descobriu que tinha sido ingênuo demais. Só não conseguia entender... O que foi que ele fez de errado? Por que estava sendo tratado daquela maneira? Por quê...?

— Por quê... — Qin Ning parecia à beira da morte, mas mesmo em seu estado semiinconsciente, ainda não aceitava aquilo.

— Por quê? Na verdade, zhen também não sabe por quê. Só queria ver até onde vai o seu orgulho. Afinal, eu já não sou mais a mesma pessoa de antes, e mimar os outros é algo que não sei mais fazer... — Qianhe Liyou surgiu ao lado da pedra como um fantasma, mas ao ver o estado miserável de Qin Ning, não conseguiu continuar.

Ela já havia dito antes que nunca fora uma boa pessoa, que era voluntariosa e obstinada. Para ela, não existia nada que não pudesse ser feito, a palavra "impossível" não fazia parte de seu vocabulário. A vida humana parecia pesada, mas também frágil ao mesmo tempo. O que ela pensava no passado, era o que a guiava no momento em que partiu naquele dia. Sabia muito bem que aquele lugar, repleto de energia yin, não era algo que pessoas comuns pudessem suportar. Ainda assim, virou as costas e partiu sem hesitar. Não achava que Qin Ning aguentaria, mas nunca quis que ele morresse. Por isso ela foi embora... e voltou dois dias depois.

Qin Ning ouviu a voz dela em seu estado de torpor. Tentou abrir os olhos, mas só conseguiu enxergar uma silhueta embaçada, embora a presença familiar o envolvesse. Meio consciente, sentiu alguém o levantar. O toque frio o despertou por um instante, mas logo ele mergulhou em uma escuridão ainda mais profunda.

Qianhe Liyou levou o adormecido Qin Ning de volta aos seus aposentos e partiu após deixar algumas instruções para os criados. A expressão indiferente em seu rosto impediu qualquer um de fazer perguntas. Embora ninguém soubesse por que seu mestre havia sido carregado pela Imperatriz após desaparecer por dois dias — e ainda em estado tão lamentável —, sabiam que aquilo era um assunto entre os dois, e não lhes cabia interferir.

Qianhe Liyou voltou ao Palácio Qin e mandou que os atendentes se retirassem. Anhui apareceu e se ajoelhou no chão, falando num tom muito sério:

— Este subordinado não sabia que a habilidade da Imperatriz havia chegado a tal ponto, ao ponto de não temer pela vida ou morte. Mas este subordinado suplica que a Imperatriz considere sua vida como algo de suma importância e nunca mais faça algo tão perigoso!

Ele não sabia que sua resistência emocional era tão baixa, e ao se deparar com a cena, sentiu como se fosse desmaiar. Mas como a Imperatriz pôde fazer algo tão arriscado? Naquele momento, ele realmente achou que ela não voltaria. Se não fosse pelo fio de racionalidade que o fazia lembrar das ordens dela, talvez ele tivesse pulado atrás também!

Da vez anterior, Anhui havia sido afastado quando Qianhe Liyou saltou do penhasco, então não viu o que aconteceu. Mas dessa vez, seguiu-a até a beirada do penhasco. Qianhe Liyou lançou casualmente a frase: "Não se aproxime e apenas espere." E então pulou. O coração de Anhui quase parou de susto. Seu corpo inteiro ficou frio, não conseguia se mover. Mal conseguia respirar, sua mente ficou em branco e não sabia o que fazer. Quando finalmente reagiu e se aproximou para verificar a situação, viu a Imperatriz surgindo das profundezas do penhasco carregando Ning Guifei inconsciente. Naquele momento, ele sentiu vontade de chorar. Estava profundamente abalado com a possibilidade de perdê-la, pois enfim reconhecera seus sentimentos. Que status, que valor, que merecimento? A mulher à sua frente era sua razão de viver, seu tudo, e ele poderia perder tudo — menos ela.

— Te assustei? — Vendo o semblante pálido de Anhui, Qianhe Liyou não ficou surpresa por suas ações terem o assustado. Ela ainda se lembrava de como o rosto dele estava ao subir com Qin Ning nos braços. Naquela hora, o rosto e a expressão de Anhui estavam tão pálidos quanto os de um morto, e no instante em que ele a viu, ela ainda notou um traço de lágrimas em seus olhos.

Ela não gostava de lágrimas, mas naquele momento, sentiu apenas um fio de calor. E esse calor vinha do cuidado e da preocupação que aquele homem sentia por ela.

***

Capítulo 56: Compreensão Emocional Clara

— Esta subordinada não é a Imperatriz, é apenas uma pessoa comum. Se alguém mais importante do que a própria vida salta de um penhasco bem na sua frente, com o destino incerto entre vida e morte, é claro que se sentirá medo! — Apesar de Anhui aparentar calma por fora, seu coração ainda estava tomado pela ansiedade e o pavor. A imagem da Imperatriz pulando do penhasco se repetia sem parar diante dos seus olhos, a ponto de sua dor quase se tornar dormência. E por causa dessa dormência constante, ele teve uma sensação de que poderia largar tudo. Certas palavras estavam guardadas em seu coração há tempo demais, então ele realmente não conseguiu mais segurá-las.

Ser provocado, humilhado ou subestimado não era importante. Mesmo sabendo que não devia dizer tais coisas, ele simplesmente não conseguiu se conter. Queria que a Imperatriz compreendesse seus sentimentos. Se um dia o inesperado se tornasse realidade e ela desaparecesse sem deixar rastros, ele teria que carregar o arrependimento e a dor para sempre, em silêncio.

— Alguém mais importante que a própria vida... Se eu nunca mais tivesse subido de volta, você... — Qianhe Liyou começou a perguntar "O que você faria?", mas ao dizer isso, sentiu-se infantil. Quando foi que ela passou a fazer esse tipo de pergunta? Era algo ridiculamente tolo.

Mas, mesmo que ela não perguntasse, não significava que o outro não responderia.

— Tudo o que esta subordinada tem foi dado pela Imperatriz. Se a Imperatriz não estiver mais aqui, não faz sentido para mim continuar viva! — Talvez ele tivesse se assustado demais naquele momento. Na hora, não pensou em nada, mas se a Imperatriz não tivesse voltado, ele teria saltado atrás dela sem hesitação. Assim como havia dito: sem a Imperatriz, sua vida perderia qualquer sentido. Não queria viver com saudade eterna e dor constante.

As palavras de Anhui tocaram o coração de Qianhe Liyou, mas ao mesmo tempo, ela se lembrou de Qin Ning. Será que ele também havia pulado com sentimentos semelhantes? Não... Qin Ning não era Anhui. Os pensamentos de Qin Ning eram muito mais complexos. Mas, de qualquer forma, ele pulou atrás dela, e ela o tratou daquela maneira...

Subitamente, Qianhe Liyou sentiu uma rara pontada de culpa em seu coração. Era leve, mas ainda assim deixou a sombra do que fizera com Qin Ning em sua mente.

— Anhui, não fale de vida e morte com tanta leveza. Mesmo que veja o cadáver de zhen, nunca desista da esperança de que zhen ainda possa estar viva. Isso é uma ordem. Entendeu? — Dez mil anos de cultivo... mesmo que fossem os Nove Julgamentos do Trovão Celestial, não seriam suficientes para apagar sua existência. Embora não fosse imortal, já era uma existência que se assemelhava à imortalidade. Os chamados deuses neste mundo não passavam de praticantes espirituais de diferentes estirpes com alto poder espiritual. Alguns eram humanos, outros demônios ou fantasmas. Em outras palavras, não havia deuses verdadeiros neste mundo, apenas seres extremamente poderosos, e por isso existia a palavra "Imortal".

— ... — Anhui ficou em silêncio. Ele entendeu a ordem, mas não tinha certeza se seria capaz de cumpri-la. A Imperatriz havia dito que era uma ordem, e ordens devem ser obedecidas. Mas será que conseguiria agir conforme ela queria?

— Zhen não vai morrer. Confie em zhen. — Qianhe Liyou caminhou até Anhui e o puxou do chão, fazendo com que a olhasse nos olhos. Ela queria que ele acreditasse nela!

Anhui ficou confuso. É claro que confiava na Imperatriz, mas quem, afinal, não morreria um dia? Como poderia acreditar numa promessa assim? No entanto, não conseguia evitar: precisava acreditar. Porque o que viu nos olhos da Imperatriz foi uma autoconfiança inabalável e uma seriedade absoluta. Parecia que tudo o que ela dizia era verdade — e irrefutável.

— A segurança da Imperatriz é mais importante que tudo. Naturalmente, esta subordinada deseja confiar nas palavras da Imperatriz! — A resposta de Anhui foi um pouco forçada, mas ele acabara de passar por um choque muito intenso. Só conseguiu responder daquela maneira. Ele já tinha plena consciência de seus princípios sobre vida e morte, mas jamais conseguiria esquecer a cena que acabara de testemunhar.

Um brilho sanguinário passou pelo olhar profundo de Qianhe Liyou, sinal de que suas emoções estavam em ebulição. Ela já não conseguia mais controlar o desejo por sangue. Lentamente, envolveu a mão ao redor do pescoço de Anhui e o puxou para perto.

Anhui ficou um pouco surpreso, mas logo pareceu entender. Fechou os olhos suavemente. Viu a expressão da Imperatriz e sabia o que ela queria fazer. E sentiu que aquilo era uma honra!

As presas de Qianhe Liyou se cravaram fundo na pele de Anhui, e o cheiro forte e metálico do sangue fez seus olhos ficarem completamente vermelhos por um instante. Mas foi apenas um momento. Dessa vez, Qianhe Liyou não sugou muito sangue. Rapidamente retraiu as presas e deu um beijo suave na nuca de Anhui.

O corpo inteiro de Anhui estremeceu, e ele abriu os olhos de repente. Mas tudo o que conseguiu ver foi a cabeça da Imperatriz enterrada em seu pescoço.

— I-Imperatriz... I-Imperatriz... — Anhui chamou com a voz trêmula. Ele não sabia exatamente o que ela estava fazendo com ele, mas se fosse o que estava imaginando...

Ao pensar nisso, seu rosto se contorceu de nervoso, e suas orelhas começaram a ficar discretamente vermelhas.

— Não se mexa. Não é isso que você quer? — Qianhe Liyou disse com malícia, lambendo o pescoço de Anhui. Mesmo que fosse ignorante em relação aos sentimentos, ela compreendia os sentimentos de Anhui por ela. E, quanto a Anhui, é claro que ela também gostava dele. O beijo da última vez já dizia tudo. Ela era muito exigente, e não permitia que qualquer um se aproximasse.

Anhui sentia como se uma chama intensa estivesse queimando por todo seu corpo, mas nenhum calor se comparava ao calor que a Imperatriz lhe transmitia. Ele poderia fazer isso? Tinha permissão para aceitar tudo aquilo que ela lhe dava? Não sabia a resposta. Mas sabia que não queria recusar nada.

Não era uma questão de poder ou não. Ele já havia compreendido vida e morte. Não se negaria por causa disso. Se fosse algo que não desejasse, mesmo que fosse pela dignidade do país, preferiria morrer a ceder. Porém, a pessoa à sua frente não era apenas a Imperatriz, não era apenas sua benfeitora — era, acima de tudo, a mulher por quem seu coração batia mais forte. Seus sentimentos haviam mudado sem que percebesse. E essa mudança foi tão repentina que ele não conseguia controlá-la. Talvez fosse porque ela o deixou tirar a própria máscara e destruiu o muro que ele havia construído ao redor de si mesmo. Talvez fosse por causa da confiança que depositou nele, ao torná-lo o único guarda sombra digno de estar ao seu lado. Ou talvez tivesse sido ao ver a gentileza fria com que ela tratava os outros homens, despertando sua inveja e admiração. Talvez fossem muitas coisas, que o afundaram cada vez mais, sem saída.

Ao lembrar de tudo isso e entender seus sentimentos, Anhui fechou os olhos com força mais uma vez. Mas sua expressão já não era serena — seu rosto estava corado de nervosismo, e sua respiração acelerada.

— Não fique tão tenso. Relaxe. — Percebendo a tensão no corpo de Anhui, Qianhe Liyou sussurrou suavemente em seu ouvido. Ela não tinha intenção de fazer nada de fato, só queria beijá-lo. Mas agora, ao vê-lo assim, como um cordeiro esperando o abate, ela de repente não quis parar mais. Queria continuar.

Anhui também queria relaxar, mas como poderia?
— I-Imperatriz... Imperatriz, este subordinado não sabe o que fazer...

Como líder da Anbu, era natural que entendesse dessas coisas. Muitos dos espiões passavam por esse tipo de treinamento e eram infiltrados nos bordéis de diversos países. Ele compreendia, mas nunca havia vivenciado isso pessoalmente — especialmente com a pessoa que desejava bem ali, na sua frente. Sua mente estava um caos, ele não conseguia se lembrar de nada. Como poderia saber como relaxar?

— Deixe o sentimento guiar, não force nada, não se reprima... — Na verdade, ela também não sabia muito. Mas já tinha alguma experiência com Luo Weiqing, e entendia os homens daquele mundo. A maioria era cautelosa e reservada por causa dos costumes locais. Os assuntos de alcova eram como as filhas nobres e solteiras da antiguidade — aquilo a fazia rir por dentro. Era fofo. Assim como a reação de Anhui agora. Mesmo sendo tão diferente dos outros homens, mesmo tendo passado por tantas coisas, naquele momento ele era desajeitado e cauteloso. Isso a fazia sentir uma espécie de ternura por ele.

— Não tenha medo... zhen vai mimar você com muito carinho... — Qianhe Liyou segurou a mão de Anhui e o levou semi-abraçado até o sofá. O rosto de Anhui foi ficando cada vez mais vermelho, até que foi pressionado por Qianhe Liyou — e não ousou abrir os olhos para olhar.

***

Capítulo 57: O Peixe e a Pata do Urso
Provérbio: significa que você não pode ter os dois ao mesmo tempo, é preciso escolher um ou outro.

Os seres humanos são animais pensantes. Diante de existências similares, mas ao mesmo tempo diferentes, é comum fazer comparações. Por exemplo, comparar de quem você gosta mais, ou de quem sente mais pena. Não é uma questão de parcialidade, mas sim que, ao lidar com pessoas diferentes, os sentimentos e intenções também se diferenciam.

Ela já havia visto aquela timidez e tensão no rosto de Luo Weiqing antes, mas agora era algo completamente diferente. A teimosia de Luo Weiqing se escondia por trás de uma tranquilidade e calma. Quando ele era gentil, não havia tanta diferença, mas no caso de Anhui, era diferente. Anhui exalava perseverança firme e inabalável de dentro para fora, algo praticamente impossível de ocultar. Se ele realmente se ferisse, não causaria tristeza, mas sim choque, talvez até tragédia. Mas ela não queria ver tal cena. Neste momento, ela sentia mais pena de Anhui do que de Luo Weiqing. Um deles era como uma erva daninha teimosa que cresceu à beira de um penhasco perigoso, lutando para sobreviver até hoje; o outro era como um bambu cultivado em um jardim, cuidadosamente nutrido, com um destino que ele mesmo não controlava. Mas, comparado à erva selvagem, o bambu elegante possuía feridas ocultas, embora tivesse vivido uma boa vida, sem grandes preocupações. Já o outro lutou por toda a vida para sobreviver — não era de se estranhar que ela desejasse oferecer mais carinho ao mato selvagem.

Deixando esses pensamentos de lado, ela observou o rosto de Anhui. Na verdade, Anhui era o mais bonito entre todos os homens, com sobrancelhas marcantes como lâminas, olhos brilhantes como estrelas, um nariz reto e traços faciais profundos que o tornavam distinto. Mas, segundo os padrões de beleza locais, tal aparência não era considerada atraente — especialmente devido à cicatriz em sua testa. Certamente era por essa cicatriz que ele se sentia inferior quanto à aparência. De repente, ela se lembrou do ditado: se uma mulher souber agradar a si mesma, ela se tornará orgulhosa — e a mudança de um personagem feminino também se aplica aqui.

— Anhui, zhen gosta da sua aparência. Abra os olhos e deixe zhen ver você — disse Qianhe Liyou deitada sobre o corpo de Anhui, com um tom extremamente tentador. Mesmo assim, Anhui continuou com os olhos fechados com força. Porém, após suas palavras, ele não conseguiu evitar e abriu os olhos — mas não teve coragem de encarar aquele olhar ardente.

— Por que não ousa olhar para zhen? Onde foi parar sua coragem? — A mão de Qianhe Liyou se moveu para a parte de trás da cabeça de Anhui e, com um leve puxão, ela fez com que o rosto dele se virasse em sua direção. Seus olhos se encontraram no ar, forçados.

— Alteza… não brinque com este subordinado… este subordinado, este subordinado… — Ele estava tão perdido que sentia vergonha de se ver naquele estado. Anhui jamais se sentira tão sem chão na vida, sem saber o que fazer, o que dizer. Toda a sabedoria de antes evaporava naquele instante.

— Hehe… quando foi que você começou a gaguejar? — Quando Qianhe Liyou falava com tanta ternura, mesmo com um sorriso brincalhão nos lábios, aquilo fazia qualquer um se sentir aquecido e tocado. Ao ouvir essa risadinha suave, Anhui sentiu-se completamente envolvido por uma onda de calor, a ponto de quase chorar.

— A Alteza… a Alteza tem um sorriso lindo… — Anhui disse isso sem conseguir se conter, sua mão tocou naturalmente o canto da boca de Qianhe Liyou, memorizando aquele sorriso e o calor nostálgico que ele transmitia.

Qianhe Liyou ficou surpresa com o gesto de Anhui, parando de sorrir. Só então ele percebeu o que tinha feito, retirando a mão com um leve pânico e apressando-se em explicar:

— Por favor, perdoe-me, Alteza. Este subordinado foi desrespeitoso!

Meu Deus… o que foi que ele acabou de fazer?! Tinha sido tão rude ao tocar a Imperatriz ao ver seu sorriso… será que aquilo a irritaria?

Qianhe Liyou não deixou de notar o olhar assustado em seu rosto, e, percebendo que poderia tê-lo assustado, não pôde evitar de tranquilizá-lo:

Zhen não se importa com o que você fez. Se estiver disposto a ser mais ativo, zhen ficará ainda mais feliz…

Ela pegou a mão de Anhui e a colocou sobre o próprio ombro, aproximando-se ainda mais.

Seu corpo nunca estivera tão quente. Quando se aproximou de Anhui, sentiu claramente o calor irradiando do corpo dele. Especialmente após suas palavras, o corpo dele parecia ainda mais quente, como se estivesse pegando fogo.

— Eu posso? — Anhui perguntou hesitante. É claro que queria abraçá-la, beijá-la, receber seu carinho… mas poderia mesmo? Ele tinha medo. Medo de destruí-la.

— Sim. Zhen disse pessoalmente que sim. Quem ousaria dizer não?! — Ela sabia do que aquele homem precisava, e não seria mesquinha ao lhe dar isso.

Com apenas uma frase, Anhui pôde sentir a aura imponente e forte da Imperatriz — mas, mais do que isso, sentiu a gentileza por trás dessa imposição. E era justamente isso que tornava tudo nela tão irresistível.

A mão de Anhui apertou-se aos poucos, e ele, prendendo a respiração, abraçou cuidadosamente todo o corpo de Qianhe Liyou. Naquele momento, disse a si mesmo, no fundo do coração, que mesmo que morresse agora, não teria arrependimentos.

— Anhui, diga… você está disposto a ser de zhen?

— …Estou.

O beijo se intensificou, e, encorajado por Qianhe Liyou, Anhui finalmente deixou de lado suas últimas reservas. Parou de apenas aceitar passivamente e começou a beijá-la de volta, com um toque de carinho e admiração. Ainda assim, seus movimentos continuavam cautelosos, temendo ofendê-la.

Qianhe Liyou não era uma pessoa gananciosa, então o deixou partir após estarem juntos apenas uma vez. O brocado macio os cobria, e Anhui afastou-se um pouco, de forma meio desajeitada — o que imediatamente atraiu o olhar irritado de Qianhe Liyou. Isso fez com que Anhui congelasse no lugar, e então, sob o olhar fixo dela, seu rosto ficou cada vez mais vermelho.

— Este subordinado… este subordinado vai se retirar agora! — Anhui estava imensamente feliz. Aquela excitação e sensação de êxtase o envolviam por completo. Cada movimento, cada reação, não parecia vir de si mesmo. Ele estava muito preocupado com seu desempenho, temendo não ter agradado à Imperatriz.

Qianhe Liyou estendeu a mão e o puxou para seus braços, deitando a cabeça sobre o ombro dele. Seu tom agora não era mais sombrio, mas preguiçoso e indulgente:

— Você quer continuar na Anbu ou entrar no palácio como consorte imperial? — Ela não era irresponsável. Tendo-o tomado para si, era natural que lhe desse um título.

Ao ouvir tal pergunta, Anhui ficou extremamente embaraçado. Não que ele ambicionasse o cargo na Anbu, mas já estava acostumado àquela vida. Tornar-se consorte, com sua identidade, seria controverso. Ele também não queria causar problemas à Imperatriz. Mas… entrar no palácio significava poder estar ao lado da mulher que amava de forma legítima. E, como homem, essa ideia era tentadora demais.

— …Alteza, o que quer que decida, este subordinado aceitará com gratidão. — Já que não podia decidir por si mesmo, deixaria a decisão nas mãos dela. Qualquer que fosse a escolha, ele aceitaria de bom grado.

— Anhui, não se chame mais de subordinado. Pelo menos, não na cama de zhen. — Neste momento, ao ouvi-lo se declarar como subordinado, a palavra soava desagradável e ofensiva. Quanto à posição de Anhui… em seu coração, ela já tinha uma decisão.

Anhui sentiu o rosto arder ainda mais:

— Então… como devo me referir a mim mesmo?

— Farei de você um consorte imperial. — Ela lhe daria o título. Suspeitava que isso era algo que Anhui desejava — mas sabia que isso não era suficiente. — Mas você continuará responsável por tudo na Anbu e poderá seguir fazendo o que desejar. — Ela daria a ele o que queria, e não o que ela achava que era o melhor.

E, como esperava, ao ouvir isso, Anhui ficou surpreso, mas também encantado. Com um ar de incredulidade, perguntou:

— Alteza… isso é mesmo possível? Nunca houve precedente assim no harém imperial…

Um consorte imperial não podia interferir nos assuntos do governo. Embora a organização de Anhui não fosse tecnicamente parte da corte, sua influência não era menor do que a de um oficial. O que a Imperatriz propunha nunca tinha acontecido antes. Era surpreendente — e inacreditável.

— A ausência de precedentes não significa que não possa ser feito. Não decepcione zhen. — O peixe e a pata do urso, terei ambos! Isso não é nada difícil para mim!

Mas… as pessoas crescem e mudam. Ela amava Anhui naquele momento, mas não podia garantir que sentiria o mesmo por toda a vida. Após milênios, ela conhecia bem a magia do tempo. Por isso, planejava valorizar ainda mais os sentimentos do agora. Só ao agarrar o presente seria possível construir um futuro — e o que ela dava a Anhui era justamente isso: um presente palpável e um futuro digno de esperança.


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