Extra 5: Vida Passada 3


 Tang Shishi se calou e se recusou a dizer seu nome. Zhao Chengjun logo perdeu o interesse por ela ao ver que ela não estava disposta a se identificar, e voltou a ler seu livro.

Tang Shishi ficou sentada quieta no canto. Não pôde evitar espiar Zhao Chengjun uma vez após a outra.

Em sua memória, o Príncipe Jing sempre fora frio, severo, alto e imponente. Onde quer que ele estivesse, ofuscava completamente Tang Shishi. Na mansão do Príncipe Jing, toda vez que ele aparecia, as mulheres ficavam assustadas demais para falar. Tang Shishi o viu com seus próprios olhos executar uma beleza que ousou subir em sua cama. Por isso, passou a temê-lo ainda mais. Abaixava profundamente a cabeça toda vez que se encontravam, com medo de chamar sua atenção.

A impressão que ele deixou nela em sua vida passada foi tão marcante que, mesmo agora, Tang Shishi ainda se lembrava do medo que sentia. No entanto, naquele momento, ele tinha apenas treze anos, um corpo alto e esguio, de aparência refinada. Por qualquer ângulo, era apenas um jovem bonito e inofensivo. As três visões de Tang Shishi foram severamente abaladas, e ela se sentia estranha só de olhar para ele.

(*três visões – conceito budista referente à visão correta da vida, do mundo e da existência)

Zhao Chengjun sabia que ela o observava em segredo, mas, felizmente, estava quieta, então a deixou em paz. Tang Shishi o observou por um tempo e, aos poucos, foi sentindo sono. Só então percebeu que fantasmas também se cansavam.

Ela já havia sido infeliz em vida, então não seria dura consigo mesma após a morte. Tang encontrou um lugar confortável, deitou-se em silêncio e adormeceu com os olhos fechados.

Zhao Chengjun virou mais algumas páginas do livro e nem percebeu quando o silêncio tomou conta ao seu redor. Virando o rosto, viu uma mulher deitada no divã, encolhida como uma bolinha, adormecida. Sua postura não era das melhores, deitada de lado por hábito, com os cabelos soltos caídos sobre a cama, e algumas mechas tocando o chão. O rosto pressionado contra os próprios fios era menor que a palma da mão dele. Ela parecia ainda mais frágil e bela, como se fosse quebrar com um toque.

Zhao Chengjun não ouvia o som da respiração. Estava, de fato, morta. Antes, ele só acreditava em parte nas palavras de Tang Shishi, mas agora, ao ver aquele rosto puro e inocente adormecido, o equilíbrio em seu coração se inclinou um pouco mais.

Talvez ela fosse mesmo uma concubina de destino infeliz em sua vida futura. Parecia ter pouco mais de vinte anos. Morrera no auge da juventude e da beleza.

Que pena.

Olhando para aquele rosto, Zhao Chengjun acreditava que ela fora muito favorecida... e também acreditava que morrera cedo.

Zhao Chengjun apenas a olhou duas vezes, depois desviou o olhar. Se era ou não era, o que isso tinha a ver comigo?

Tang Shishi dormiu profundamente dessa vez. Desde que entrou no palácio, vivia extremamente cautelosa e raramente dormia em paz. Depois de ir para a mansão do Príncipe Jing e, mais tarde, para o Palácio Oriental, sua mente ficou mais pesada, e seu sono, mais leve.

Ela dormia muito bem quando criança. Lin Wanxi sempre dizia que Tang Shishi era despreocupada. Quando estava com fome, comia; depois dormia. Mesmo que estourassem fogos de artifício lá fora, não acordava. Quem sabe se Lin Wanxi sabia que agora Tang Shishi podia despertar com qualquer barulho.

Tang Shishi não sabia se estava sonhando ou revivendo sua vida. De repente, viu sua infância, com apenas seis anos, usando um penteado de dois coques e insistindo com a mãe por um enfeite de cabeça brilhante. Tang Yanyan sempre tinha as joias mais na moda, mas quando era a vez de Tang Shishi, justamente não havia mais.

Ela chorava, e sua mãe também. Tang Shishi se perguntava por que chorava. Lágrimas de uma mulher só servem para o homem que a ama. Para aquele que já mudou de coração, chorar só o entedia. Ela pensava nisso quando um estrondo de fogos de artifício veio do lado de fora. Tang Shishi acordou de repente, levantou-se meio zonza e olhou para o céu vermelho e verde explodindo além da janela. Demorou para se recuperar.

O Ano Novo havia chegado. Uma pena que ela não viveu até a primavera do segundo ano de Tianshou. Agora era o décimo terceiro ano de Jiankang.

— Acordou?

Tang Shishi levou um susto. Virou-se e viu Zhao Chengjun ainda sentado em seu lugar original, com um livro aberto à sua frente. Surpresa, ela disse sem pensar:

— Você ainda está aqui?

Zhao Chengjun ergueu as sobrancelhas:

— Este é o meu palácio.

— Mas… mas hoje é a véspera de Ano Novo. Então, você também não é favorecido?

Tang Shishi imediatamente sentiu pena dele. Sempre achou que o Príncipe Jing era inalcançável, intocável. Agora, finalmente via um pouco de realidade. Descobriu que, em sua juventude, o imponente Príncipe Jing também não era favorecido. Na véspera de Ano Novo, estava sozinho no quarto. Ela mesma, embora fosse uma estranha no clã Tang, ainda aparecia nos banquetes de fim de ano.

Os olhos de Zhao Chengjun se moveram levemente.

— Também?

Tang Shishi achou que havia captado um segredo oculto do Príncipe Jing. Foi muito compreensiva e disse:

— Eu sei que Wangye não quer admitir. Não se preocupe. Não é vergonha não ser favorecido. Não contarei a ninguém.

Zhao Chengjun sorriu, mas não respondeu. Achava que ela tinha sido mimada pelos pais. Não esperava que ela também não fosse favorecida. Quanto à preocupação de Tang Shishi sobre ele não ser favorecido… isso não era necessário. Pelo contrário, a mãe de Zhao Chengjun era uma Guifei, e ele tinha dois irmãos mais velhos. Desde o nascimento, navegava com o vento a favor, especialmente querido pelo imperador. Estava sozinho na véspera de Ano Novo, não por ser rejeitado, mas por ser demais favorecido.

Ao ponto de que, mesmo recusando abertamente participar do banquete imperial, ninguém ousava dizer nada.

Tang Shishi não sabia disso. Sentia que havia encontrado algo em comum com o Príncipe Jing e ficou profundamente tocada. Aproximou-se e disse:

— Wangye, não fique triste. Embora ninguém se importe com você agora, no futuro você será muito poderoso. Muitas pessoas terão medo de você, só que…

Tang Shishi de repente ficou em silêncio. Zhao Chengjun notou sua expressão e perguntou:

— O que foi?

Só que vai morrer cedo demais. Mas é claro que Tang Shishi não ousaria dizer isso. Mudou o rumo da conversa:

— Só que você reluta muito em se casar!

Zhao Chengjun arqueou as sobrancelhas sem querer e finalmente olhou para Tang Shishi com seriedade. Sempre sentiu que ela inventava as coisas, mas agora, começou a acreditar um pouco.

Zhao Chengjun não acreditaria se ela dissesse que ele seria bem-sucedido e famoso, mas... ela dissera que ele nunca se casaria.

Pessoas normais não inventariam esse tipo de mentira. Zhao Chengjun achava inexplicável, mas aquilo parecia mesmo algo que ele faria.

Será que o que ela diz é verdade? Que morreu por minha causa, e depois da morte vagou até o Palácio Chonghua? E que, por algum motivo, voltou mais de dez anos no tempo e me encontrou?

Tang Shishi não era boa com conversas triviais. Zhao Chengjun já havia captado metade de seu passado. Ela, por sua vez, estava completamente imersa no sentimento de companheiros de infortúnio se entendem e tentava consolar o Príncipe Jing com dedicação:

— Wangye, na verdade é bom ter paz. Eu já passei o Ano Novo no palácio antes. Não podia comer bem, nem dormir direito, e ainda tinha que ficar fazendo reverência o tempo todo. Como seria melhor apenas sentar no quarto tranquilamente. Além do mais, mesmo que não tenha ninguém… ainda tem a mim para te fazer companhia.

Zhao Chengjun apenas sorriu ao ouvir isso.

— Muito obrigado.

Ao vê-lo sorrir, Tang Shishi exclamou exageradamente:

— Wangye, você sorriu! Isso é um bom presságio para o primeiro dia do ano. Se Wangye está sorrindo agora, quer dizer que vai rir o ano inteiro!

Zhao Chengjun achou aquilo engraçado e perguntou:

— Onde você ouviu isso?

— Todo mundo diz isso — respondeu Tang Shishi, com sinceridade. — E é verdade! Desejo que Wangye tenha esse dia todo ano, e todo ano tenha esse dia.

Zhao Chengjun assentiu levemente, mas, na verdade, não levou a sério.

— Vou tomar suas palavras auspiciosas emprestadas.

Tang Shishi o encarou com olhos arregalados e cheios de expectativa. Ao perceber que ele não tinha intenção de fazer nada, disse, descontente:

— Wangye, eu te parabenizei. Como é que você não fala nada?

Zhao Chengjun ficou surpreso. Como o príncipe mais favorecido do harém, nunca havia passado por esse tipo de cobrança. Perguntou, intrigado:

— Você está reclamando de mim?

— Não ouso — disse Tang Shishi. Ela piscou e sorriu. — Wangye, você é poderoso e rico como ninguém no mundo. Certamente não se importa com uma pequena recompensa. Também não vou pedir muito, só me acompanhe para ver os fogos de artifício.

— Não vou. — Zhao Chengjun não deu a menor importância à rara beleza à sua frente e recusou sem pensar. — É barulhento demais. Não vou.

Tang Shishi ficou imediatamente contrariada:

— Eu te consolei por tanto tempo. Por que não pode me acompanhar para ver os fogos?

— Já disse que não.

— Mas você me deve muito! Tem que pagar!

Zhao Chengjun continuou impassível:

— Então vá procurar quem te matou. O que isso tem a ver comigo?

— Você… — Tang Shishi estava furiosa. Lançou a ele um olhar furioso e, ao sair, ainda derrubou de propósito seu suporte de pincéis.

As sobrancelhas de Zhao Chengjun se contraíram, mas ele conteve as emoções. Não queria discutir com uma morta. Essa garota tem algo errado na cabeça… Melhor aguentar.

Tang Shishi flutuou até a janela, olhou os fogos que explodiam um após o outro através do papel da janela e murmurou:

— Aguentei por tanto tempo só pra ver os fogos do segundo ano de Tianshou. Que pena… No fim, não vi.

Zhao Chengjun já tinha pegado um livro para ler, mas, ao ouvir isso, seus dedos pararam. Levantou o olhar para aquela jovem bela e etérea sob a luz tênue, suspirou, fechou o livro e disse friamente:

— No primeiro dia do ano novo não se pode ficar bravo.

Tang Shishi piscou, sem entender:

— Hã?

— Foi você quem disse. — Zhao Chengjun se levantou da mesa com a mesma expressão indiferente de sempre. — Não pode ficar bravo no primeiro dia do ano, ou vai sofrer o ano todo. Vamos.

Tang Shishi ficou paralisada por um instante. Até que o vento frio com cheiro de pólvora soprou em seu rosto, e ela finalmente reagiu:

— Espera por mim!

Tang Shishi achava que Zhao Chengjun não era favorecido. Além disso, naquele momento ele era apenas um jovem magro e esguio. Tang Shishi sentia pena de seu destino e simpatizava muito com ele. No entanto, ao saírem, ela percebeu que… as coisas não eram bem assim.

Independentemente de qual criada ou eunuco o visse, todos se afastavam e o cumprimentavam com respeito. Quando Zhao Chengjun chegou à Praça do Palácio Fengtian, o eunuco imperial vestido de vermelho o avistou e correu para avisar o imperador. Zhao Chengjun estendeu a mão e interrompeu:

— Não precisa. Só vim tomar um pouco de ar. Logo volto.

Tang Shishi ficou atônita com a cena diante de seus olhos. Mais surreal ainda foi ver o eunuco imperial assentindo com um sorriso respeitoso:

— Quarto Príncipe, pensei que não sairia. Sua Majestade o mencionou várias vezes no banquete. Ficou bastante desapontado.

Zhao Chengjun assentiu e disse:

— Amanhã irei prestar respeito ao Pai Imperial.

Ao ouvir isso, o eunuco respondeu com entusiasmo, como se tivesse recebido uma grande recompensa. A expressão de Tang Shishi gradualmente se tornou perplexa. Zhao Chengjun seguiu até um lugar tranquilo e, ao virar-se, viu o rosto desanimado de Tang Shishi. Perguntou, confuso:

— Você não queria sair para ver os fogos? Por que está triste agora?

— Você mentiu pra mim. — Tang Shishi estava com o rosto sério, magoada pela traição. — Não disse que também não era favorecido?

— Eu não disse isso. — Zhao Chengjun apertou mais o manto em torno do corpo. Seu rosto claro e bonito, com a gola de raposa macia envolvendo o pescoço, fazia-o parecer uma ameixeira de inverno na neve, um pinheiro solitário na montanha — frio, sereno e inalcançável. — Nunca disse que não era favorecido. Foi você quem quis se aproximar.

O coração de Tang Shishi se partiu. Achava que ela e o Príncipe Jing eram almas sofridas que se entendiam mutuamente… mas, no fim, descobriu que a única realmente digna de pena era ela.

Tang Shishi se sentiu ferida por um momento, mas logo superou. Já estou morta. Por que me importar com honra ou vergonha da vida passada? Além disso, ela e o Príncipe Jing ainda tinham algo maior em comum:

Morte prematura.

Seu coração se sentiu bem melhor ao pensar assim. Tang Shishi olhou para cima por um instante e não conseguiu evitar cobrir o rosto com as mãos:

— Será que essas cinzas que caem do céu vão queimar meu rosto?

Zhao Chengjun não esperava ouvir aquilo. Ficou em silêncio por um bom tempo antes de suspirar:

— Deixa pra lá. Já que você já viu o que queria, vamos voltar.

Quando Zhao Chengjun disse “voltar”, ela se assustou por um momento. No entanto, Tang Shishi era ingênua e respondeu feliz:

— Tá bom!

Zhao Chengjun olhou para o rosto inocente e alegre dela e, no fim, engoliu as palavras que ia dizer, sem lembrá-la de nada.

Depois que os dois voltaram para o Palácio Chonghua, cada um retomou sua rotina, vivendo em paz. Após alguns dias assim, Tang Shishi achou que havia criado uma espécie de entendimento tácito com Zhao Chengjun: uma pessoa e um fantasma vivendo juntos harmoniosamente no Palácio Chonghua.

À medida que se tornavam mais próximos, Tang Shishi também se tornava mais ousada. Num piscar de olhos, chegou o Festival das Lanternas. Tang Shishi sentia coceira de vontade e queria ir até Jinling ver a festividade.

Ela já havia entrado no palácio duas vezes, morado em Jinling por vários anos, mas nunca vira as lanternas e apresentações folclóricas do Festival das Lanternas. Na verdade, Tang Shishi não precisava ir, mas sempre que pensava nisso, sentia aquele gostinho de arrependimento.

Zhao Chengjun destruiu sua fantasia com frieza:

— Nem pense nisso. Há uma barreira púrpura no Palácio Imperial. Fantasmas de fora não conseguem entrar, e nem pessoas nem fantasmas daqui conseguem sair.

Tang Shishi murchou na hora. Deitou-se sobre a mesa e começou a arremessar avelãs para extravasar a frustração.

— Quando estava viva, não vi. Depois de morrer, continuo sem ver. Se tiver próxima vida, vou me casar com um velho, mas nunca mais com alguém de sobrenome Zhao!

Uma avelã acertou Zhao Chengjun. Ele nem sabia como se irritar com aquilo e respondeu com a expressão calma:

— Não faça bagunça.

Tang Shishi parou, ressentida. Não se atrevia a jogar mais nada, mas ainda assim gritou:

— Você me deve tanto, e eu só te acertei sem querer. Ainda é tão rude comigo!

Zhao Chengjun fingiu não ouvir. Sem falar se realmente lhe devia algo na vida passada, mesmo que devesse… o que isso tem a ver com o Zhao Chengjun de agora?

Para cada mágoa, há um responsável. Para cada dívida, um devedor. Quem fez, que arque com as consequências. De qualquer forma… eu não vou compensar nada.


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