Extra 4: Vida Passada 2 — Você consegue me ver?


 Tang Shishi não esperava ver o Príncipe Jing, Zhao Chengjun. Só que ele parecia muito jovem naquele momento, como se tivesse uns doze ou treze anos.

Tang Shishi ficou chocada. Em sua vida, o Príncipe Jing era completamente inalcançável na mansão do príncipe. Enquanto as poucas belas sofriam terrivelmente entre eles, ninguém ousava provocar o Príncipe Jing.

Tang Shishi nem sequer tinha coragem de olhar diretamente para o rosto do Príncipe Jing. Eles haviam se encontrado poucas vezes, sempre em banquetes familiares. Depois, o Príncipe Jing ficou cada vez mais ocupado e sumiu após a guerra.

Ela mal conseguia lembrar quando o vira pela última vez. Só lembrava que fora num inverno, na véspera do Ano Novo, quando fora secretamente tramada por Zhou Shunhua e, por uma armadilha do descarado Feng Qian, acabou entrando acidentalmente no aposento de descanso do Príncipe Jing. Tang Shishi ficou tão assustada que mal conseguia respirar. Contudo, o inalcançável Príncipe Jing parecia acessível e a deixou ir embora sem puni-la. Ao saber que seu bracelete estava quebrado, ainda lhe deu um bracelete de pérolas luminosas.

Tang Shishi gostava muito daquele bracelete e usava-o o tempo todo. Queria uma chance para agradecer ao Príncipe Jing, mas ele ficou cada vez mais ocupado e nunca mais o encontrou pessoalmente. Então o Príncipe Jing morreu, e logo depois ela também.

O bracelete de pérolas luminosas quebrou e caiu no chão, nunca mais foi encontrado.

Tang Shishi não sentia arrependimento, mas tinha muitos desejos não realizados. O Príncipe Jing era só um dos pequenos, nada além de um pensamento. Ela não esperava que, quando sua alma ficasse presa no Palácio Imperial após a morte, pudesse ver o jovem Príncipe Jing.

Instintivamente, Tang Shishi tinha medo do Príncipe Jing, mas pensou melhor: já estava morta, do que teria medo? Então, Tang Shishi ganhou coragem, flutuou diante do Príncipe Jing e se inclinou para olhar seu rosto com cuidado.

Ela realmente não esperava que o jovem Príncipe Jing fosse tão claro e bonito.

Tang Shishi não conseguia tirar os olhos dele. Não sabia se era ilusão, mas sentia que o Príncipe Jing parecia sempre recuar.

Tang Shishi não era muito esperta quando viva e, depois de morta, ficou ainda mais preguiçosa para pensar. Achava o comportamento do Príncipe Jing estranho. Mas pensou: já que estava morta, por que se importar com vivos? Então, feliz, deixou as dúvidas de lado, achou um lugar confortável para sentar, balançou as pernas e apoiou o queixo, olhando para Zhao Chengjun.

Era mesmo estranho. Uma hora antes, como Tang Shishi teria coragem de pensar em olhar tão fixamente para o Príncipe Jing? O maravilhoso da vida é que nunca se sabe o que virá depois.

O eunuco falava muito, mas Tang Shishi não escutava, e Zhao Chengjun nem dava muita atenção. Zhao Chengjun ficou um pouco sem jeito. Será que essa mulher-espírito tinha acabado de morrer? Mas ele não ouvira falar da morte recente de nenhuma concubina imperial no palácio, e a aparência dela não parecia de alguém sem status.

Seria ela a mulher que morreu sem motivo do lado de fora do palácio? Isso não devia ser, pois o Palácio Imperial tinha barreiras e a bênção da energia imperial. Pelo que se sabe, espíritos solitários do lado de fora não podiam entrar no Palácio Imperial.

Claro que nada disso importava. O que importava era por que ela continuava olhando para ele como se o conhecesse. Zhao Chengjun não se lembrava de ter visto essa mulher antes, e o fantasma era assustadoramente vívido e claro dessa vez.

Quando jovem, Zhao Chengjun sentia-se leve. Frequentemente via sombras escuras e borradas, parecidas com uma névoa, sem conseguir distinguir rostos claramente. Aos sete anos, seus olhos psíquicos fecharam-se, e ele não via mais fantasmas. Mas o problema de não dormir bem persistiu.

Depois de muito tempo, Zhao Chengjun esqueceu que podia ver fantasmas quando criança. Se não fosse Tang Shishi flutuando agora, não teria lembrado disso.

Quando o eunuco saiu, Zhao Chengjun mandou fechar a porta e continuou lendo silenciosamente. Sentada no Palácio Chonghua, Tang Shishi o olhava sem pudor, espantada, e disse:

— Então foi você quem causou a minha morte.

As sobrancelhas de Zhao Chengjun se moveram; ele abaixou a cabeça para ler como antes, imóvel e firme. Quanto mais Tang Shishi pensava nisso, mais irritada ficava. Ela confiava que ninguém podia vê-la após a morte e flutuava mais perto. Depois, sentou-se na mesa de Zhao Chengjun, tentou segurar o suporte do pincel enquanto o xingava:

— Tudo culpa sua. Se não fosse por você, como eu teria morrido tão jovem? Você ainda é um Wangye*. Me deve a vida. Como vai me pagar?

(*Wangye — título de príncipe.)

Tang Shishi estava tão concentrada na bronca que não percebeu que usara muita força e derrubou o suporte do pincel com um estrondo. Ela ficou pasma. O eunuco lá fora perguntou:

— Quarto Wangye, o que houve?

— Nada. — Zhao Chengjun colocou o livro de lado, calmo. — Um gato entrou e derrubou o suporte. Não precisa entrar, eu resolvo.

Gato? Liu Ji franziu a testa olhando para as portas e janelas bem fechadas e respondeu:

— Está bem.

Os passos de Liu Ji se afastaram. Depois que ele saiu, Zhao Chengjun virou a página do livro e disse baixinho:

— Você ainda não pegou as coisas?

Nesse momento, Tang Shishi gritou em seu coração:

“Puxa vida!” Levantou-se rápido da mesa, correu tão depressa que bateu na estante atrás e cobriu a cabeça, sentindo dor.

Zhao Chengjun suspirou:

— Você ficou burra depois de virar fantasma? Morreu de burrice quando viva?

Tang Shishi segurou a cabeça, ficou atônita por um longo tempo e finalmente voltou ao normal. Apontou para si mesma, incrédula:

— Você consegue me ver?

Zhao Chengjun não respondeu. Tang Shishi se virou mecanicamente e olhou para fora do palácio, onde muitas pessoas entravam e saíam, suspeitando pela primeira vez que havia um fantasma ali.

Afinal, as pessoas podiam ver fantasmas. Por que nos livros dizia que pessoas e fantasmas seguiam caminhos diferentes, que Yin e Yang estavam sempre separados? Será que isso não enganava as pessoas, e enganava também os fantasmas?

Zhao Chengjun parecia convencido, suspirou novamente e perguntou:

— Só eu posso ver, e eles não? Quem é você e por que está no meu palácio?

Quando Tang Shishi ouviu a primeira frase, não pôde evitar sentir um alívio. Mas, ao ouvir a segunda, irritou-se outra vez, bufou baixinho e flutuou até sentar no banquinho de madeira:

— Quem disse que este é seu palácio? Este é claramente o meu palácio.

Zhao Chengjun ergueu as sobrancelhas. Então uma dama da corte estava enterrada no Palácio Chonghua? Mas desde a fundação da dinastia atual, nenhuma concubina imperial havia morado ali. Ele só havia se mudado para cá porque gostava da tranquilidade do lugar.

Se ela não era da dinastia atual, seria da anterior? A dinastia passada era um pouco problemática. Seus antigos amigos já haviam partido, e era difícil desfazer as mágoas. Talvez fosse difícil fazê-la partir.

Zhao Chengjun perguntou:

— Qual é o seu nome? Há quantos anos você morreu? Se estiver disposta a reencarnar, mandarei alguém desenterrar seus ossos e enterrá-los de novo para resolver suas mágoas. O que acha?

Tang Shishi sorriu. Nunca havia ousado falar com o Príncipe Jing antes, mas agora tomava a iniciativa como nunca, e respondeu:

— Wangye, se quiser me enterrar, receio que não funcione.

Zhao Chengjun sentiu algo estranho, arqueou levemente as sobrancelhas e perguntou:

— Por quê?

Tang Shishi quis dizer que ela havia morrido depois dele, mas engoliu as palavras:

— Porque eu vivo no seu futuro.

Zhao Chengjun ficou interessado naquela estranheza. Fechou o livro e perguntou:

— Em que dinastia você viveu?

Tang Shishi respondeu com a era mais próxima da de Zhao Zixun:

— Tianshou.

— Tianshou... — Zhao Chengjun conteve o olhar. Realmente não ouvira falar dessa era. Será que essa mulher realmente veio do futuro?

Quando Tang Shishi percebeu que havia deixado o Príncipe Jing confuso, sentiu-se maravilhosa. Animou-se e disse com orgulho:

— Você não sabe, né? Eu sei muita coisa que você não sabe. Quantos anos já se passaram nessa dinastia?

— Décimo terceiro ano de Jiankang.

Tang Shishi ia revelar o décimo terceiro ano de Jiankang para encarar o Príncipe Jing com prestígio, mas ficou surpresa ao ter as palavras presas na garganta.

O que aconteceu no décimo terceiro ano de Jiankang?

Tang Shishi segurou o queixo e pensou com cuidado. Tinha apenas seis anos no décimo terceiro ano de Jiankang. Lembrava que a concubina Bai teve outro filho quando ela tinha seis anos. A relação entre ela e a mãe ficou cada vez mais difícil. No Festival das Lanternas daquele ano, apaixonou-se pelo enfeite de cabelo de salgueiro de neve, mas Tang Yanyan o roubou e pisoteou.

Além disso, o que havia acontecido no palácio?

Tang Shishi refletiu por um tempo, enquanto Zhao Chengjun a observava. Depois de um tempo, ele concluiu:

— Você não nasceu muito longe da dinastia atual, foi na era Jiankang, certo?

Tang Shishi ficou surpresa e perguntou:

— Como sabe?

Zhao Chengjun pensou consigo mesmo: como ela sobreviveu na corte? Ah, é, ela não sobreviveu.

Ela está morta.

Zhao Chengjun lembrou do que ela disse antes e perguntou:

— Você disse que eu causei sua morte. Por quê?

Tang Shishi, até então cheia de indignação, agora que sabia que Zhao Chengjun podia vê-la e ouvi-la, ficou desanimada e respondeu vagamente:

— Não é nada. Só estava falando à toa.

Zhao Chengjun não acreditou que ela falasse à toa. Era óbvio pelo jeito como ela se irritou antes que aquilo era verdade. Ele queria saber o que havia feito para causar a morte de uma mulher que não era esperta, nem nobre, e aparentemente não tinha nenhum conflito com ele.

Quanto mais Tang Shishi não queria dizer, mais Zhao Chengjun queria descobrir. Em vez de perguntar diretamente, mudou de abordagem:

— Já que me sinto culpado por você, devo compensar. Onde você mora e quais são seus desejos?

Tang Shishi piscou. Ela não era inteligente, mas não era boba. Mesmo morrendo no primeiro ano de Tianshou, a pequena Tang Shishi ainda vivia nessa era.

Se contasse seus detalhes para Zhao Chengjun, ele não viria acertar as contas com ela depois?

Tang Shishi não era boba. Recusou-se a contar e disse:

— Essa menina não tem origem nobre e não ousa poluir os ouvidos do Wangye.

Ela ainda tinha um pouco de juízo.

Zhao Chengjun sorriu e perguntou:

— Então, pelo menos, pode me dizer seu nome, não é?

Tang Shishi sabia que ela entraria no palácio no futuro e seria enviada para a mansão do Príncipe Jing. Estaria louca de contar seu nome para Zhao Chengjun com medo de não morrer rápido o bastante?

Tang Shishi balançou a cabeça repetidamente:

— Meu nome não é nada de especial. Não ouso incomodar Wangye para ficar pensando nisso.

Zhao Chengjun arqueou as sobrancelhas e disse:

— Você disse que eu te decepcionei, mas não quer dizer sua terra natal nem seu nome. Como vou te compensar?

Tang Shishi ficou sem resposta. Apoiada no queixo, pensou por um tempo. Quanto mais pensava, mais confusa ficava. Então, resolveu apenas dizer:

— Ah, deixa pra lá. Eu te conto quando lembrar.


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