Capítulo 1 ao 6


Contém Partes Sensíveis

 Capítulo 1: A Vida de um Escravo Vale Pouco (1)

No sexto dia da primavera, segundo o calendário de Yue, toda a terra era banhada por uma garoa vinda dos céus. Sob o aroma da chuva, o forte cheiro metálico de sangue ia sendo lentamente lavado, penetrando no solo. Sumindo. Esquecido.

Pelo portão dos fundos, três ou quatro corpos foram empurrados às pressas para fora — em vez de saírem pelo alto e imponente portão da residência oficial do general. Eram cadáveres — levados com urgência para uma cova.

Um homem, ao presenciar aquela cena terrível, não pôde deixar de chiar com reprovação:

— Antigamente também saíam alguns corpos da casa do general, mas por que tem tantos hoje?

Era um pequeno vendedor que falava, alguém sem importância, mas que presenciava essas atrocidades de vez em quando. Um rico comerciante, na barraca ao lado, ouviu o comentário e não conseguiu se conter. Repreendeu o vizinho em voz baixa:

— Você não ficou sabendo? O Oficial Liu está aqui! E não é como se você não soubesse do que ele gosta, né?

Ele fitou o rosto do vendedor, esperando algum sinal de entendimento. Ao ver que não veio nenhum, continuou:

— Você não sabe mesmo?! Ele tem tara por garotos. Pra agradar o superior dele, o General Yu teve que alimentar esse hobby doentio usando escravos… Mas fazer o quê? A vida de um escravo só promete miséria!

Ao ouvir isso, o pequeno vendedor não conseguiu conter um leve tremor. Sua voz carregava nojo e medo:

— Ai… isso é pura maldade!

De fato, a vida dos que estavam na base da sociedade não passava de algo sem valor.

———

— Que porra é essa?! Tá de sacanagem comigo, Deus?!

Ye Mu não conseguiu conter o palavrão enquanto andava de um lado para o outro, aflita, dentro do quarto.

Ela se lembrava vividamente que, antes disso tudo, estava caçando piratas no mar. Por acaso, acabou encontrando uma cópia de um texto antigo que supostamente era algum tipo de relíquia histórica.

Só que não era nada autêntico, porque estava escrito em caracteres chineses simplificados.
(Nota: O chinês simplificado foi introduzido nos anos 1950… então uma relíquia antiga, de antes do século XIX, deveria estar escrita em chinês tradicional.)

Ainda assim, ela notou que aquele livro falso parecia ser extraordinariamente velho, com pequenos caracteres manuscritos de uma delicadeza impressionante. Então resolveu folheá-lo.

Aparentemente, era um livro biográfico. Mas, pelo que ela sabia, nunca existiu um país chamado “Mo” na história — nem mesmo na era moderna. Ficava claro, então, que aquilo não era uma relíquia histórica. No máximo, podia ser considerado algum tipo de romance de ficção. Por pura curiosidade, decidiu continuar lendo.

Quem diria que, um dia, o impossível aconteceria — e ela realmente acabaria dentro daquele livro?

Pra piorar ainda mais o absurdo da situação, uma voz sussurrava constantemente em seu ouvido, repetindo sempre a mesma frase:
“Se você conseguir o Mapa das Fronteiras da Cidade, poderá voltar pra casa. Além disso, poderá ir e vir entre os dois mundos como quiser.”

Mas Ye Mu não queria desperdiçar seu tempo resolvendo enigmas ou caçando tesouros. A vida real era mais importante, e ela tinha coisas mais urgentes a fazer do que se meter num mundo fictício.

"Onde eu vou começar a procurar esse tal de Mapa das Fronteiras da Cidade, se eu nem sei o que é isso nesse mundo estranho?"

Nem pensar! Ela queria era ir embora!

Parou de andar. Seus olhos se arregalaram levemente quando uma ideia brilhante lhe ocorreu.

"Se esse é um livro ‘biográfico de ficção’, então se eu eliminar o personagem central em torno de quem tudo gira, esse mundo pode ruir."
"Portanto, se eu der um jeito de acabar com o protagonista masculino, talvez eu consiga voltar pra casa!"

Um plano genial! Os olhos de Ye Mu brilharam, e ela começou a pensar freneticamente em uma forma de fazer isso acontecer. Olhou para a serva ajoelhada ao seu lado e perguntou com urgência:

— Fala! Onde está Mo Linyuan?

A serva se encolheu de medo ao ser chamada com tanta força, seu corpo inteiro tremia:

— Se-senhorita, por favor, poupe a vida desta serva! Xiaoqiu não sabe quem é Mo Linyuan!


Capítulo 2 – A Vida de um Escravo Vale Pouco (2)

Ye Mu bateu na testa, frustrada. Como podia ter esquecido? Visto que o corpo que estava ocupando agora era o de uma criança, só podia deduzir que a história estava começando do início!

No romance, o protagonista masculino teria fugido para o grande país de Yue, apenas para, inesperadamente, cair nas mãos da escravidão. Como ele usaria seu nome verdadeiro nessa situação?

— Ah, sim. É aquele certo escravo — o que parecia até apresentável, tinha a pele de porcelana... e uma pinta de lágrima no canto do olho. Aquele garoto de aparência frágil... ele mesmo, que não durou muito tempo.

Ela se lembrou de que, antes de transmigrar para aquele corpo, a dona original já tinha espancado o jovem protagonista masculino.

— Senhorita... o que você disse... não seria o Aji? — o rosto da criada empalideceu num instante. — Ele... ele não foi quem enfureceu a senhorita e acabou sendo mandado ao salão principal para recepcionar os convidados? Agora...

Xiao Qiu não teve coragem de continuar. As palavras “Agora... infelizmente, ele está sendo ‘aproveitado’ por aquele Oficial Liu, famoso por ser um pedófilo doente!” ficaram entaladas em sua garganta.

Mas antes que pudesse terminar a frase, Ye Mu já havia saído correndo ao ouvir o paradeiro atual do protagonista.

Desesperada, Xiao Qiu correu atrás dela.

— Senhorita! O que vai fazer? O general está recepcionando nobres convidados agora, a senhorita não pode ir!

Ye Mu pensava com irritação — só mais uma coisa pra lista do que ela não se importava.

Ela queria mesmo era voltar pro seu próprio mundo, para os tempos modernos. Além disso, não podia simplesmente abandonar seu trabalho tão importante — afinal, como soldado, ela era responsável por lidar com situações de vida ou morte em prol da população.

Não era apenas um desejo: ela precisava voltar. Por isso, só pôde pedir desculpas mentalmente ao protagonista que ainda nem conhecia.

A residência do general era imensa. Por onde passava, tudo era decorado com enfeites caros e móveis majestosos. Um luxo absurdo, cada corredor parecia ostentar ainda mais as riquezas da casa.

E a cada corredor por onde Ye Mu passava, as pessoas se ajoelhavam, jogando-se ao chão diante dela, apavoradas.

Era como se não fosse uma garotinha de seis anos andando, mas uma entidade demoníaca aterrorizando os corredores.

Mas Ye Mu sabia bem o motivo daquele medo. Mesmo sendo filha de uma concubina — o que deveria gerar insegurança e falta de prestígio —, ela era, na verdade, uma lolita psicopata destemida! Com tão pouca idade, sua fama de crueldade já havia se espalhado, manchando sua imagem infantil com uma reputação extremamente negativa.

Só que nada disso tinha a ver com ela. “Se eu matar o protagonista masculino, esse sonho bizarro e surreal acaba.” Então ela simplesmente correu. Segurando a barra do vestido com as mãos pequenas, disparou na direção do local mais barulhento da casa — onde havia música — com uma decisão impensada na mente.

Mas assim que chegou ao salão de entrada que dava acesso ao grande salão principal, seu semblante mudou.

Não havia ninguém ali. Apenas uma porta alta e vermelha, de aparência sombria, erguida diante dela. Do outro lado, vinham risadas ruidosas de homens, vozes lascivas de mulheres, o som de músicas obscenas… e também os choros de crianças. De repente, ela entendeu o que estava acontecendo lá dentro.

Pelo que sabia, os aristocratas dessa era eram promíscuos e desenfreados. Normalmente, quando nobres convidados chegavam, mandavam belas e treinadas “artistas” para recebê-los. Se alguma delas chamasse a atenção de um dos nobres e fosse requisitada para ir com ele, o anfitrião ficava satisfeito e orgulhoso. Mas para aquelas mulheres… aquilo era o fim.

No livro, o pai da sua identidade atual tinha um amigo com tara por garotos. E hoje… aquele personagem deveria estar aqui, certo?

Capítulo 3 – A Vida de um Escravo Vale Pouco (3)

Se ele realmente estiver lá dentro, então ela nem precisa mais entrar… Poderia simplesmente deixar aquele homem fazer o trabalho sujo por ela. E, se o garoto ainda estiver vivo depois disso, só então ela moveria um dedo. Assim, atingiria seu objetivo de eliminar o protagonista masculino e acordar desse pesadelo vívido.

Depois que Ye Mu parou no meio do caminho, as criadas aflitas que corriam atrás dela finalmente conseguiram recuperar o fôlego por um momento. Uma delas, esquecendo completamente seu lugar, aproximou-se e puxou sua manga com ansiedade, dizendo:

— Senhorita, a senhorita não pode entrar! O general está oferecendo um banquete ao Oficial Liu e mandou avisar que ninguém deve interromper. Quem desobedecer será severamente punido!

Ye Mu finalmente se acalmou, e todas as criadas ao redor suspiraram de alívio por a fera ter, aparentemente, voltado à razão. De fato, ela não podia agir com tanta impulsividade. Ye Mu perguntou com uma expressão complicada:

— Aquele escravo… o Aji… ele está mesmo lá dentro?

Ao ouvir essas palavras — sem perceber a inquietação contida nelas — a criada assentiu distraidamente.

Mas algo estava errado… Por que a Senhorita estava agindo daquele jeito? Afinal, tinha sido ela mesma quem deliberadamente mandara o garoto para ser "punido". Por que estava voltando atrás agora?

Ye Mu olhou para o pavilhão à sua frente com um olhar carregado. Embora tivesse vindo com o cruel objetivo de matar o protagonista, não esperava que a realidade fosse tão difícil de engolir.

O livro nunca entrava em detalhes sobre a infância do protagonista. Dizia apenas que, quando jovem, ele vagava pelo mundo, sofrendo todo tipo de adversidade. Foi assim que desenvolveu seu caráter forte e determinado. Ela não fazia ideia de que esse momento que estava vivendo era justamente aquele passado ignorado pelo autor.

E agora, cabia a ela escolher: ignorar… ou enfrentar.

“Se eu escolher ver com meus próprios olhos o passado dele, como posso simplesmente assistir, impassível, enquanto uma criança sofre esse tipo de humilhação?” pensou. “Por que o autor escreveu uma experiência tão bárbara para o protagonista, hein!?”

“Seria melhor se eu mesma lhe desse uma morte rápida e piedosa!”

Vendo que a Senhorita permanecia em silêncio, a criada pensou que ela havia desistido. No entanto, Ye Mu de repente deu alguns passos à frente — e isso foi o suficiente para fazer todas as criadas caírem de joelhos, apavoradas!

— Senhorita! Por favor, pense bem! A senhorita não pode entrar! Se o general ficar irritado, haverá derramamento de sangue!

Uma das servas segurou o braço dela, e Ye Mu franziu as sobrancelhas delicadas.

Ainda assim, não disse nada. A criada, ainda mais assustada, suplicou:

— Senhorita, esqueceu? O Oficial Liu gosta… gosta de crianças. E ele odeia profundamente quem interrompe seu momento de “diversão”! Se a senhorita entrar, as consequências serão inimagináveis!

E, no fundo, o que as criadas queriam dizer era: nós também sofreremos!

— Por favor, senhorita! Pense bem!

— Senhorita, não faça isso!

Todas as servas tentavam dissuadi-la com rostos cheios de pânico. Diante do desespero delas, Ye Mu finalmente se acalmou.

Afinal, aquele não era um mundo guiado por leis ou justiça. Seu pai e homens como o Oficial Liu eram feras vestidas de gente, posicionadas no topo da pirâmide social. Se ela entrasse assim, sem plano, sem poder, não importava se conseguiria matar alguém ou não — primeiro, seria ela quem acabaria morta! Só lhe restava engolir aquela realidade amarga e recuar.

Além disso, não seria melhor se alguém fizesse o serviço por ela? No fim das contas, o que ela mais queria era voltar pra casa. E o jeito mais rápido e conveniente seria deixar o protagonista morrer — por mais cruel que essa escolha fosse.

Agora, alguém havia assumido esse papel em seu lugar. Melhor assim do que sujar as próprias mãos.

Afinal, este é só um mundo fictício, com personagens imaginários. Isso tudo não é real. Matá-lo seria como apagar um nome escrito num papel.

Com esse pensamento, ela cerrou os dentes, olhando com raiva para o pavilhão barulhento. Hesitante, deu dois passos para trás… e então se virou com firmeza.

Seu último pensamento foi: “Calma! Pensa que você nem estava aqui.”

Mas… será que ela realmente conseguiria se manter indiferente a tudo isso?

Capítulo 4 – Resgatando o Protagonista Masculino (1)

Quando finalmente desistiu, as criadas respiraram aliviadas. No entanto, no momento seguinte, vindo do pavilhão atrás dela, ouviu-se o som de porcelana se quebrando seguido pelo grito aterrorizado de um garoto — um som estridente e arrepiante que fez os pelos do corpo de Ye Mu se arrepiarem.

E se for justamente o contrário? — pensou — E se, ao invés dele morrer, o que me impede de voltar seja exatamente a morte dele?

Esse pensamento mal surgiu em sua mente, e Ye Mu se virou rapidamente. Diante dos olhos atônitos das criadas, ela correu velozmente em direção à porta entreaberta do pavilhão.

Ela queria ver com os próprios olhos até onde iam os absurdos da nobreza desta era!

A porta foi escancarada com um estrondo, e todos se viraram automaticamente para olhar… apenas para dar de cara com uma pequena figurinha invadindo o salão.

O homem sentado na cabeceira se levantou de imediato. Embora não bloqueasse a entrada, havia deixado claro que ninguém deveria interromper. Quem ousaria tanto?

Mas, assim que Ye Mu entrou, ela não olhou para o anfitrião furioso. Seus olhos imediatamente se fixaram na origem do barulho. A cena diante dela atingiu seu âmago como uma lâmina, e seu coração se inflamou de raiva incontrolável.

Ela viu um menino, de cerca de sete ou oito anos. Sua boca estava tapada por uma mão enorme, e ele era forçado contra a mesa de chá numa posição humilhante. Sangue jorrava de seu ombro como uma fonte incessante — causado por um corte profundo feito por uma faca afiada. Ele era contido por trás por um homem gordo que já havia abaixado as calças. Lutava com todas as forças para resistir, totalmente alheio ao sangue que manchava metade da mesa.

Era o Oficial Liu quem empunhava a faca — o responsável direto pelo ferimento horrível no ombro do menino. A cena era tão cruel que até os outros escravinhos ao redor soltaram gritos de horror.

— Absurdo! Quem deixou você entrar?!

Ye Li rugiu, furioso, e só então Ye Mu recobrou a concentração. Respirou fundo, tentando conter a fúria que borbulhava dentro dela. Olhou ao redor — naquele momento, além de Ye Li e do Oficial Liu, havia roupas espalhadas pelo chão. Homens seguravam mulheres nos braços, e todos a olhavam com desdém por ter interrompido sua “diversão”.

O Oficial Liu também foi pego de surpresa. Resmungou friamente, largando a adaga e agarrando o braço do menino — de maneira nada gentil.

Seus olhos se estreitaram.

— É assim que o General Ye recebe seus convidados? Ou essa garotinha foi treinada para ser mais uma das "entretenedoras"?

O rosto de Ye Li ficou pálido. Ele rapidamente esboçou um sorriso apologético.

— Perdoe-me por esse espetáculo ridículo. Essa é minha filha indigna; já a mandarei sair.

Virando-se para Ye Mu, gritou:

— Por que ainda não saiu daqui?!

Quando ele gritou, todo o magnífico salão pareceu tremer com a força de sua voz. Todas as cortesãs se ajoelharam imediatamente. A criada de Ye Mu também caiu de joelhos e puxou sua senhora pelo vestido, tremendo ao murmurar:

— S-se-senhorita… precisamos ir…

Mas Ye Mu não se moveu nem um centímetro.

Ela sempre quis acreditar que aquele mundo — tirado de um romance — não era real. Mas tudo diante de seus olhos, desde a crueldade explícita até a solidez do chão sob seus pés, gritava o contrário.

Como foi que eu pensei que tudo isso era falso?

O cheiro de sangue impregnava o ar. Um menino prestes a ser violentado estava estirado sobre a mesa. Três ou quatro escravos ajoelhados choravam em silêncio. E os demais? Apenas espectadores frios, indiferentes.

Uma realidade assim… ultrapassava todos os seus limites!

A única coisa “boa” naquele momento era que o protagonista ainda não havia sido violado por Oficial Liu — isso trouxe um mínimo de alívio para Ye Mu. Sua respiração acelerada pela raiva começou a se estabilizar.

Ela iria salvá-lo! Não por ele ser o protagonista. Mas porque nenhuma criança merecia passar por isso — fosse num mundo fictício ou real!

— Ainda não saiu?!

Vendo Ye Mu imóvel, Ye Li estava além da fúria! Sentiu sua autoridade ser desafiada por uma pirralha insignificante. Seu corpo imenso, feito de músculos, desceu da cabeceira em passos largos. Assim que alcançou Ye Mu, agarrou-a e começou a levá-la à força até a porta.

Seu gesto dava a entender que a arremessaria para fora.

Todos no salão ficaram chocados. Ninguém esperava que Ye Li fosse tão brutal — até com a própria filha! Ele era famoso por sua força divina. Jogar uma menininha como ela… poderia matá-la!

Mas, naquele exato instante, Ye Mu agarrou o colarinho dele com as duas mãos e gritou:

— Pai! Sua Majestade está doente!

Capítulo 5 – Resgatando o Protagonista Masculino (2)

Aquela frase bastou para lançar o salão inteiro ao caos.

Todos que antes se mostravam indiferentes ao destino do garotinho se levantaram ao ouvir aquilo. O Oficial Liu foi o primeiro a reagir.

— O quê?! — exclamou, surpreso, soltando o menino imediatamente. Esquecendo completamente que ainda estava sem calças, correu de trás da mesa de chá em direção a Ye Mu. — Você disse que Sua Majestade está gravemente doente? Não diga esse tipo de coisa sem pensar!

Ye Mu lançou um olhar a ele. Felizmente, o casaco do homem era longo o suficiente para cobrir a “besta”, ou ela teria voltado para casa precisando lavar os olhos.

Franziu a testa para Ye Li e disse:

— Pai, pode me colocar no chão primeiro?

Só então Ye Li pareceu recobrar os sentidos. Assim que a soltou, Ye Mu caiu — por sorte, sua criada conseguiu ampará-la a tempo, evitando que se machucasse.

— Diga! De onde ouviu essa notícia?!

O Oficial Liu empurrou a criada impacientemente e agarrou o braço de Ye Mu com força. Seu rosto gordo se aproximou, os olhos arregalados de pavor.

E não era para menos. Afinal, ele não passava de um homem vermelho do imperador do Reino Yue — alguém com fama e influência apenas enquanto o imperador estivesse vivo. Era graças a isso que conseguia continuar com suas ações desprezíveis. Se o imperador morresse, seu destino seria trágico. Por isso, mesmo que a notícia viesse de uma garotinha, ele não conseguiu ignorá-la.

N/T: Homem vermelho (红人) é uma gíria chinesa usada para se referir a alguém favorecido ou querido por alguém em posição de poder. No contexto, significa que Liu é influente apenas por estar sob a proteção do imperador.

Os olhos cor de cobre de Ye Li também estavam cravados nela, enquanto rugia:

— Mu’er! De onde tirou essa história? Se estiver mentindo, vai virar comida de tigre!

Vários outros homens se aproximaram, avaliando Ye Mu de cima a baixo. Ao verem que ela não tinha mais do que cinco ou seis anos, pensaram que uma criança tão pequena jamais teria coragem de inventar algo assim — nem com a ousadia de cem homens juntos.

Cercada por todos, Ye Mu fingiu estar assustada e recuou alguns passos, mas sua voz saiu clara e firme:

— Há pouco, eu estava brincando no meu quarto quando um homem de preto apareceu por trás, tapou minha boca e sussurrou: “O imperador está gravemente doente”. Depois fugiu sem ser visto! Era um assunto urgente, então não tive escolha senão correr até aqui. Pai, não me culpe…

O semblante dos homens se tornou ainda mais complexo. Normalmente, quando um imperador caía doente, a notícia era abafada com eficiência — ninguém de fora conseguiria saber. Como aquele homem de preto teria descoberto algo assim?

O Oficial Liu ficou ainda mais inquieto ao ouvir isso. Após pensar por um momento, murmurou:

— Melhor não tirar conclusões precipitadas. Vou mandar alguém investigar imediatamente.

Lançou um olhar sombrio a Ye Li e disse:

— Se for verdade, sua garotinha pode ter salvado a vida deste oficial!

Mas se a notícia fosse falsa… ele nunca havia tocado em garotas antes, mas não se importaria de experimentar pela primeira vez!

Havia uma centelha de malícia em seus olhos quando ele saiu apressadamente, tentando disfarçar a ansiedade com uma expressão contida. Os outros homens também ficaram apreensivos. No fundo, não acreditavam que uma criança tão pequena seria capaz de mentir com tamanha ousadia. Um por um, saíram dali com o rabo entre as pernas, deixando Ye Li pensativo no salão.

— Me diga: esse homem de preto realmente falou com você pessoalmente? Qual a altura dele? Conseguiu ver o rosto?

Ye Mu balançou a cabeça, fazendo-se de tímida.

— Eu fiquei tão assustada que nem consegui prestar atenção… E, pai, os guardas imperiais da nossa casa estão mortos por acaso? Como alguém conseguiu invadir o quarto desta Jovenzinha com tantos olhos por toda parte?! E se tivessem ido me matar?

Vendo o pânico no rosto dela, Ye Li ficou momentaneamente atordoado. Sentia-se dividido — por um lado, não conseguia acreditar que uma criança fosse capaz de mentir daquele jeito; por outro, a verdade logo viria à tona assim que os espiões retornassem com notícias. Além disso, e se aquele homem misterioso estivesse ali justamente para matá-lo? O que poderia fazer?

Sem poder se dar ao luxo de perder tempo, Ye Li a mandou de volta ao quarto. Chamou seus homens e foi direto ao escritório, deixando o salão caótico nas mãos dos mordomos.

Vendo Ye Li se afastar, Ye Mu esfregou o pescoço e soltou um suspiro de alívio.


Capítulo 6 – Tenho Que Matá-lo? (1)

Ye Li era tão alto quanto um urso negro. Com os olhos injetados de sangue, encarava as pessoas com um olhar sedento por sangue. Bastava um olhar para que qualquer um soubesse: ele já havia matado muita gente — e não em nome do país ou do povo, mas simplesmente como um assassino cruel. Ainda há pouco, Ye Mu quase reagiu por puro instinto.

Felizmente, conseguiu se conter. Afinal, com seu tamanho minúsculo, ela não era páreo para ele.

Desde o momento em que chegou, vinha se perguntando o que poderia fazer para escapar do perigo iminente. Então, uma lembrança do romance surgiu em sua mente: o imperador do grande Reino Yue estava à beira da morte. Havia sinais claros de sua doença no início, mas tinham sido bem escondidos, por isso ninguém sabia. Apostando tudo, ela teve a ousadia de anunciar essa informação.

Se sua intuição estivesse certa, tudo ficaria bem depois disso. Mas se a memória lhe falhasse… então não haveria como escapar. Seu objetivo era apenas atravessar esse momento e sair ilesa — isso vinha em primeiro lugar.

— Pe... Pequena Senhorita... Eu estava te seguindo… Mas... não vi nenhum homem de preto…

Xiaoqiu sussurrou nervosa ao ouvido de Ye Mu. Era sua serva pessoal, aquela que sempre a acompanhava. Ainda tremia de medo, e foi justamente por isso que não teve coragem de desmentir Ye Mu na frente de todos.

Ye Mu lançou-lhe um olhar de aviso, deixando claro que era para ficar quieta.

— Eu disse que havia um! Você que não viu. Mas se ousar falar besteira, eu arranco sua língua!

Ela gritou isso de propósito, com firmeza, e como esperado, Xiaoqiu abaixou a cabeça imediatamente, sem ousar dizer mais uma palavra.

Ye Mu respirou fundo e caminhou em direção aos escravos encolhidos num canto.

O mordomo e os outros empregados da residência mantinham distância, observando de longe enquanto Ye Mu se aproximava dos pequenos escravos. Ye Li tinha um temperamento cruel, por isso, as concubinas que lhe deram filhos criaram as crianças de forma ainda mais cruel para agradá-lo e ganhar seu favor. E assim, Ye Mu, conhecida como a mais brutal entre elas, acabou se tornando a mais estimada por Ye Li.

No entanto, para continuar sendo favorecida, provocações como a de hoje não seriam toleradas uma segunda vez. Se não fosse pela informação crucial que ela revelou, teria sido jogada fora como uma boneca velha.

Mas isso não significava que Ye Mu fosse fraca. Pelo contrário — entre todos da casa, depois de Ye Li, era dela que todos mais temiam. Mesmo tão jovem, já conhecia muitos métodos para machucar as pessoas. Para os criados, era melhor vê-la de longe do que de perto.

Quanto aos pequenos escravos... agora só podiam contar com a sorte e com o céu.

Ao testemunharem aquela cena grotesca, alguns dos escravos começaram a chorar baixinho, engolindo o som do pranto.

Ye Mu se aproximou e olhou para o garoto que quase havia sido molestado pelo Oficial Liu. Percebeu que ele era magro, com os ossos salientes; não havia carne onde uma criança saudável deveria ter.

O menino, consciente de que havia sido salvo por pouco, sentou-se no chão, exausto. Quando ela o encarou, ele também a olhou de volta, em alerta. Assim como o livro descrevia, havia mesmo uma pinta de lágrima no canto de seu olho. Com um porte gracioso, seus olhos pareciam ainda mais vívidos e afiados.

Ao ver aquela expressão, que correspondia perfeitamente à descrição do livro, e aquela pinta tão característica, Ye Mu não teve mais dúvidas — ele era, sem sombra de dúvida, o protagonista masculino.

Seus olhos ganharam um ar complicado. Tudo diante dela estava exatamente como no romance. E, se a trama seguisse palavra por palavra, ela enfrentaria outro dilema no futuro. Seria difícil demais…

No começo, pensou em matá-lo — seria a forma mais rápida de voltar para casa. Também cogitou a pior das hipóteses: e se, ao matá-lo, não conseguisse mais retornar?

Por outro lado, e se ela não conseguisse matá-lo?

O protagonista masculino se tornaria o imperador no futuro. Mais ainda — seria o imperador que unificaria todas as terras, reinando por toda a eternidade! O ódio que nutria pela antiga “Ye Mu” era profundo, e não diminuiria com o tempo.

Mais cedo ou mais tarde, quando o protagonista alcançasse o poder, com certeza não deixaria essa pessoa escapar com vida!



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