Capítulo 128: Casal Falso


 — Você gosta de mim? — A voz dele parecia possuir um poder hipnótico, mantendo He Yan enraizada no lugar, incapaz de mover um músculo. Ela não pôde evitar engolir em seco.

Xiao Jue franziu levemente as sobrancelhas.
— He Yan?

— Eu… — Instintivamente, He Yan fechou os dedos, pressionando as pontas contra a palma da mão.

Esse homem costumava ser despreocupado, mas à medida que se aproximava, exalava uma aura especialmente perigosa. Ele ergueu uma sobrancelha e curvou os lábios num sorriso, sua voz quase sedutora ao perguntar mais uma vez:
— Você gosta de mim?

— Não… Eu não gosto de você — disse He Yan, com a dor nos dedos ajudando-a a recuperar a compostura. Precisava manter a cabeça no lugar, ou acabaria dizendo algo absurdo.

Enquanto isso, Lin Shuanghe, que estivera presente o tempo todo, estava completamente atônito.

Ao ouvir a resposta dela, Xiao Jue não se irritou. Em vez disso, parecia até aliviado. Endireitou-se, ergueu uma sobrancelha e disse:
— Muito bem, é você.

— Eu? — A atmosfera ambígua desapareceu de repente quando He Yan recuou um passo ao conquistar um pouco de espaço. Ela não pôde evitar encará-lo:
— O que quer dizer com “eu”?

— Senhora Qiao.

— Senhora… Qiao? — He Yan ficou completamente confusa.

Por outro lado, Lin Shuanghe pareceu entender de repente e se aproximou, dizendo:
— Então você finalmente decidiu me ouvir e percebeu que minha irmãzinha He é a melhor escolha, não é?

He Yan ficou ainda mais confusa.

— Isso é uma longa história.

— Então conte com calma — disse He Yan, indo buscar algumas cadeiras.

Xiao Jue lançou-lhe um olhar, virou um pouco a cabeça e a lembrou suavemente:
— Vista-se primeiro.

He Yan olhou para si e percebeu que, quando Lin Shuanghe bateu à porta, ela havia vestido uma roupa qualquer sem se ajeitar direito, e agora, ao se abaixar para mover as cadeiras, sua veste escorregara do ombro.

— Eu não vi nada! — exclamou Lin Shuanghe.

He Yan achou que Xiao Jue estava fazendo tempestade em copo d’água. Ela estava usando uma roupa de baixo, não havia nada demais. Xiao Jue era exageradamente formal. Mas, como ele comentou, resolveu se ajeitar.

Depois de estar devidamente vestida, Xiao Jue lhe explicou a situação, indo direto ao ponto.

— O plano do comandante é fingirmos ser um casal e partirmos para Jiyang? — He Yan bateu na mesa — Isso não pode acontecer! Vai arruinar minha reputação!

Fingir ser sobrinho era uma coisa, mas fingir ser marido e mulher significava que ela teria que chamar Xiao Jue de “esposo”. Só de imaginar-se dizendo isso, He Yan já se contorcia por dentro.

— Arruinar sua reputação? — Os belos olhos de Xiao Jue se estreitaram, e ele sorriu friamente — Está se sentindo injustiçada agora?

He Yan: “…”

De certo modo, o que ele disse era verdade. Para os outros, seria a reputação de Xiao Jue que estaria em jogo.

Mas… O que ele queria com isso? Aquilo também não era embaraçoso para ela?

Como Xiao Jue estava lhe pedindo um favor, He Yan ergueu a cabeça, prestes a negociar, pensando em fazer um acordo. Mas então o ouviu dizer casualmente:

— Se conseguirmos, você poderá entrar para o exército de Nanfu.

— Fechado! — disse He Yan na hora.

— Eu devo dizer — Lin Shuanghe parecia um pouco incomodado — Senhorita He, você é uma jovem donzela, deveria ser mais reservada.

— Acho que você está superestimando — provocou Xiao Jue — Como ela poderia possuir tais qualidades?

— Modéstia não tem nada a ver com isso — disse He Yan com um sorriso maroto — Comandante, não se preocupe. Posso perfeitamente interpretar o papel de uma boa esposa e fazer todos o invejarem, elogiando sua boa sorte por gerações.

Xiao Jue conteve o riso e disse com calma:
— A senhora Qiao é uma mulher talentosa famosa na Grande Wei.

O autoelogio de He Yan cessou imediatamente.

— Versada em diversas artes e ofícios — ele lançou um olhar a He Yan, parecendo até sentir pena — gentil, compreensiva e atenciosa. Dessas dezesseis palavras, com qual você se identifica?

— Ser uma pessoa — respondeu He Yan com sinceridade.

Pfft — Lin Shuanghe não conseguiu segurar o riso. Depois de rir um bocado, provavelmente achando inapropriado, comentou:
— Besteira, Xiao Huaijin, você está falando bobagens de novo. Por que a irmãzinha He não seria compreensiva, atenciosa e habilidosa em diversas artes? — Ele olhou para He Yan — Consegue?

He Yan:
— Não.

Xiao Jue soltou uma risada baixa.

Lin Shuanghe disse prontamente:
— Não tem problema, eu sei! Você vai me acompanhar, e ainda temos alguns dias antes da viagem, certo? Antes da partida, prometo que vou lhe ensinar. Talvez eu não seja excelente, mas enganar uns brutos ignorantes não será problema. Xiao Huaijin, deixe a irmãzinha He comigo e, em cinco dias, lhe entrego uma dama completamente diferente.

— Baixa, tola e sem nenhum talento especial… isso realmente será difícil para você — comentou Xiao Jue com indiferença. Ele se levantou e caminhou até He Yan, o olhar fixo nela.

He Yan começou a se sentir desconcertada sob aquele olhar. Ele se aproximou mais, inclinou a cabeça e sussurrou, com um leve sorriso nos lábios:
— Mas é difícil dizer. Afinal, nossa senhorita He é especialista em enganar as pessoas.

He Yan: “…”

Xiao Jue sempre dava um jeito de transformar elogios em sarcasmo.

— Uma boa esposa que fará todos me invejarem, eu… — os olhos dele se aprofundaram, um sorriso suave brincando nos lábios — estarei ansioso por isso.

Então ele foi embora.

A porta do meio se fechou, e o som da trava se fez ouvir nos ouvidos de He Yan. Ela suspirou aliviada e sentou-se no sofá. Lin Shuanghe também se levantou, dizendo:

— Está ficando tarde. Vou me retirar. Irmãzinha He, amanhã venho te procurar, e podemos nos aprofundar nos campos da música, xadrez, caligrafia e pintura.

He Yan assentiu. Lin Shuanghe hesitou por um instante, e He Yan perguntou:
— Há mais alguma coisa, Doutor Lin?

Ele lançou um olhar complexo para He Yan e respondeu:
— Nada. — Abanando-se, foi embora.

Após a porta se fechar atrás dele, Lin Shuanghe soltou um suspiro de alívio e levou a mão ao peito.

Ele havia se gabado para Xiao Jue de que He Yan não gostava dele, que os dois se davam melhor do que ninguém — e havia uma certa verdade nisso. Afinal, durante a conversa anterior com He Yan, ele não havia notado nem o menor sinal de afeição por Xiao Jue. No entanto, há pouco, quando Xiao Jue se aproximou de He Yan, Lin Shuanghe percebeu claramente o nervosismo e a confusão dela.

— Tem algo errado aqui!

Ela não reagia assim a Xiao Jue antes!

O que estava acontecendo? Lin Shuanghe começava a ficar inquieto. Se He Yan realmente tivesse sentimentos por Xiao Jue, essa viagem juntos podia trazer muitos problemas.

— Não, não, não — tentou se convencer. — É só porque o Xiao Jue é bonito demais… qualquer mulher poderia se abalar por um momento. Depois de ver mais vezes, a emoção passa. Só pode ser isso.

No quarto, He Yan estava sentada na cama.

O fato de Xiao Jue ter sugerido que ela se passasse por sua esposa para ir até Jiyang já era, por si só, inacreditável. Mesmo desconsiderando seus sentimentos, só a ideia de Xiao Jue fingir ser casado com outra pessoa já levantaria suspeitas.

Agora que ela conhecia a história do Batalhão das Nove Bandeiras, He Yan já não tinha muitas esperanças de ser aceita nele. Aqueles que faziam parte do batalhão eram irmãos de armas de Xiao Jue — homens que haviam demonstrado coragem e determinação durante os momentos mais difíceis da guerra. Para ser admitido, era preciso mostrar habilidades excepcionais, então dificilmente aceitariam novos membros com facilidade. Entrar para o Exército de Nanfu ainda era uma boa opção. Em todo o Grande Wei, o nome do Exército de Nanfu era respeitado.

Ainda assim, He Yan aceitou a proposta de Xiao Jue com rapidez. Mesmo que ele não oferecesse nada, ela acabaria concordando, só por causa de um lugar que ele mencionou — Jiyang.

O mestre de He Yan — o estranho que a resgatou de um monte de cadáveres na Batalha de Moxian, em sua vida passada, e que depois lhe ensinou táticas militares, manuseio de armas e habilidades de combate — era um homem chamado Liu Buwang.

Quando se despediram, ela lhe perguntou:

— Mestre, se um dia eu quiser encontrá-lo, para onde devo ir?

— Se o destino permitir, nos encontraremos de novo — Liu Buwang sorriu. — Mas, se for algo urgente e você precisar me achar, vá até os arredores de Jiyang. Um dia, eu irei para lá.

Ela guardou aquelas palavras no coração.

Agora que o "He Rufei" de sua vida passada já estava morto, ela havia sido encarregada dessa missão estranha. No entanto, se realmente conseguisse chegar a Jiyang, talvez pudesse encontrar Liu Buwang. Em sua vida anterior, a única pessoa além da família He que conhecia sua verdadeira identidade era Liu Buwang.

Ela queria muito ver seu mestre.

— Jiyang… — murmurou He Yan, suspirando levemente, enquanto um sentimento de hesitação lhe subia ao peito.

Ela se perguntava se conseguiria encontrá-lo, e, se encontrasse… será que Liu Buwang ainda seria capaz de reconhecê-la?

Essa dúvida a deixava ansiosa.

Na manhã seguinte, He Yan havia terminado de comer e estava prestes a ir ao campo de treinamento para os exercícios diários de artes marciais. Estava chegando à porta quando alguém no pátio a segurou.

— Irmão He!

Ela se virou e viu Lin Shuanghe.

— Irmão Lin, o que está fazendo aqui?

Pelo jeito, ele devia ter chegado cedo. Lin Shuanghe abanava seu leque e disse:

— Estou te esperando.

Ele olhou para as roupas pretas de treino que ela vestia e perguntou:

— Vai sair assim?

— Vou para o campo de treinamento! Ainda temos os exercícios matinais. Doutor Lin, depois explico, mas se eu não sair agora, vou me atrasar.

Lin Shuanghe ficou na frente dela e disse:

— Se for pelos exercícios matinais, pode pular por enquanto. Já avisei o Huaijin e o Instrutor Shen. Você está dispensada nesses próximos dias.

— Por quê?

— Já esqueceu? Em alguns dias, você vai para Jiyang — disse ele com um sorriso. — As tarefas podem ser classificadas como urgentes ou não urgentes. O campo de treino está logo ali e você pode treinar quanto quiser quando voltar de Jiyang. Mas o tempo agora é curto. Você precisa focar no que está na sua frente.

— O que está na minha frente?

— Veja só — apontou ele.

Sobre a mesa de pedra no pátio havia uma cítara, um tabuleiro de xadrez, folhas de papel, tinta e uma pedra de tinta. A Guarnição de Liangzhou era conhecida como um lugar voltado ao treinamento militar. Ao ver todos aqueles objetos refinados, He Yan por um momento achou que Chu Zhao tivesse voltado.

— Já que vai interpretar a esposa de Qiao Huanqing, precisa ter algum conhecimento de música, xadrez, caligrafia e pintura. Durante o reinado de Wang Mengji, ele admirava artistas e estudiosos, e dentro do território de Fan Wang, que anexou Jiyang, o povo venera os talentos excepcionais. Coincidentemente, a esposa de Qiao Huanqing, Wen Yuyan, é uma mulher de talentos reconhecidos. He… Irmão He — continuou Lin Shuanghe —, você é naturalmente talentosa e forte, mas nesse ponto você não pode errar. Vamos, escreva um caractere, deixa eu ver como você se sai.

He Yan: “…”

Por um instante, ela se sentiu de volta à Academia Xianchang em Shuojing, prestes a sentar e recitar textos ao lado de Lin Shuanghe, que também era sempre o último da turma.

Lin Shuanghe, que falava com uma expressão até meio distante, provavelmente nem percebia como suas palavras evocavam uma lembrança quase traumática. Mesmo assim, insistia:

— Vamos, Irmão He, escreve uma palavra, só uma, quero ver.

He Yan pegou o pincel e o papel e escreveu um caractere.

“Enjoada!”

O traço era audacioso, firme, mas desleixado. Ao ver aquilo, Lin Shuanghe parou de abanar o leque, talvez para não ferir o orgulho dela, e comentou com suavidade:

— Irmão He, sua escrita tem bastante imponência… mas talvez seja imponente demais. Não acha que… mulheres deveriam escrever com um pouco mais de delicadeza?

He Yan achou a declaração problemática e imediatamente questionou:

— Quem disse que mulher tem que escrever de forma delicada? Seguindo a lógica do Dr. Lin, então homem também não deveria escrever com caligrafia delicada, não é?

— Sim, sim — respondeu Lin Shuanghe —, mas mesmo que não precise ser delicado, também não precisa ser tão... bagunçado!

He Yan ficou sem palavras.

Lin Shuanghe continuou:

— Tudo bem, e quanto à pintura? Que tal desenhar uma simples flor de ameixeira na neve para enganar o povo de Jiyang? Deve ser o suficiente.

He Yan abriu o papel, levantou a mão e desenhou três flores e alguns pontinhos que pareciam neve.

Lin Shuanghe olhou para o desenho com desconfiança:

— Irmão He, isso aqui é uma representação de sementes de gergelim voando de uma panqueca?

— ...Só sei desenhar mapas — respondeu He Yan.

Um a um, os ânimos de Lin Shuanghe foram desmoronando.

— E quanto ao xadrez? Sabe jogar xadrez?

— Meu xadrez é ruim, e tenho mania de voltar as jogadas. Acho que vou acabar passando vergonha se jogar. Melhor nem tentar, senão posso perder o controle e virar motivo de riso.

— E quanto à cítara? Você deve saber tocar cítara! — Lin Shuanghe já estava visivelmente desesperado. — Hoje em dia, moças nas residências aprendem a tocar cítara desde os cinco anos!

He Yan deu de ombros:

— Instrumentos musicais são um completo mistério pra mim.

Os dois se entreolharam. A atmosfera ficou estranhamente silenciosa.

He Yan se sentia desconfortável e injustiçada. Desde pequena, fora criada como um menino, e nunca aprendera essas coisas como música, xadrez, caligrafia e pintura. Mesmo quando entrou na Academia Xianchang, nunca se destacou nos estudos. Recebera ensinamentos valiosos de um mestre renomado, Liu Buwang, que lhe transmitira conhecimento em táticas militares, armas e habilidades marciais — tudo voltado à sobrevivência e combate. Música, xadrez, caligrafia e pintura eram luxos distantes demais. Ela não teve nem oportunidade nem tempo para isso.

Claro, o principal mesmo era a falta de talento.

Tanto He Yan quanto Lin Shuanghe estavam frustrados. Ele, que já vira inúmeras jovens nobres em Shuojing, sabia que quase todas dominavam pelo menos três das cinco artes refinadas. Música, xadrez, caligrafia e pintura eram considerados o básico — e He Yan não era sequer razoável em nenhuma?

Lin Shuanghe começou a duvidar da própria decisão de fazer He Yan interpretar Wen Yuyan.

— Doutor Lin? — chamou He Yan, preocupada com o longo silêncio. — Está tudo bem?

Lin Shuanghe despertou de seus devaneios e forçou um sorriso:

— Não é nada. Só estou pensando em algumas coisas.

Dado o nível dela, nem valia a pena discutir como fazê-la parecer uma mulher extraordinária. O melhor era ensiná-la o básico e torcer para que fosse suficiente. Havia uma professora em Liangzhou, Shen Muxue, com habilidades excepcionais, mas se ela descobrisse que He Yan era uma mulher fingindo ser esposa de Xiao Jue, poderia se tornar um problema.

E embora ele não conhecesse bem Shen Muxue, não queria ver nenhuma jovem abalada.

Ora, se ele não ajudasse, quem ajudaria? Lin Shuanghe olhou para He Yan. Mesmo com o coração sangrando, forçou um sorriso e disse:

— Irmão He, não entre em pânico. Com esforço, até uma barra de ferro pode virar uma agulha. Se tiver determinação, tudo é possível. Vamos começar do zero — e tenho certeza de que as pessoas vão admirar seu progresso!

Vendo o entusiasmo inexplicável de Lin Shuanghe, He Yan pigarreou e perguntou:

— Hã... Doutor Lin, você sabe ensinar essas coisas?

Se lembrava bem, Lin Shuanghe era um dos alunos que ficavam no fundo do ranking da Academia Xianchang. Ele tinha mesmo competência pra ensinar alguém?

Lin Shuanghe abriu seu leque dobrável e disse com orgulho:

— Se tem uma coisa em que sou bom, é na arte da poesia e da estética. Observe e aprenda!

Tarde da noite, o quarto ao lado se enchia com o som agudo da cítara.

Fei Nu estava ajudando Xiao Jue a organizar documentos sobre a mesa, mas ao ouvir a melodia, se encolheu — os papéis voaram por todos os lados. Ele olhou para Xiao Jue, que apoiava a cabeça com uma mão e tinha uma expressão de dor visível.

Fei Nu suspirou baixinho. Ele havia se impressionado com o desempenho de He Yan no campo de treinamento — ela era excelente em tudo. Nunca imaginou que seria tão desastrosa no campo das artes refinadas. Quanto à cítara, qualquer garotinha de Shuojing, com cinco anos, tocava melhor que ela.

Três dias se passaram. Três dias inteiros. Em mais dois, partiriam para Jiyang. Mas a música de He Yan, mesmo estando a apenas uma parede de distância, não mostrava qualquer sinal de melhora. Parecia que quanto mais se perdia a paciência com ela, pior ela tocava.

Chiwu era um homem impaciente. Várias vezes, ele puxou Fei Nu de lado e disse:

— Se não sabe tocar, então não toque! O jovem mestre enlouqueceu? Já basta se vestir de mulher, mas escolher alguém que não sabe fazer nada? Isso é buscar problema! Mesmo com falta de pessoal, não precisa ser assim!

Ele nem sabia da verdadeira identidade de He Yan, e Fei Nu também não podia contar. Só respondia:

— Fale menos, faça mais.

Mas mesmo ele, naquela noite, começou a duvidar. Será que He Yan, tão desajeitada, conseguiria realmente cumprir uma missão tão pesada?

Essa dúvida continuava sem resposta.

No quarto ao lado, Lin Shuanghe abanava o leque com fraqueza e disse:

— Irmãzinha He, já chega, já chega, pode parar de tocar.

He Yan parou e olhou para ele, pedindo humildemente:

— Irmão Lin, melhorei algo de ontem pra hoje?

Lin Shuanghe ficou sem palavras.

Embora não fosse um mestre nas artes musicais, era pelo menos um cavalheiro refinado da capital. Esperava que, com sua orientação, He Yan melhorasse visivelmente em três dias.

Mas ao ver o estado dela agora, percebeu que a tinha superestimado.

Jamais vira uma mulher tão impossível de ensinar! Três dias e, em vez de melhorar, ela só piorava. Lin Shuanghe entendeu, naquele momento, que havia mesmo pessoas no mundo capazes de tirar sons tão horríveis de um instrumento. Dizem que "perto da tinta, a roupa se mancha", mas mesmo convivendo tanto com Xiao Jue, como era possível que He Yan não tivesse absorvido nem um pouco de refinamento?

O pior era que ela realmente se esforçava. Ver tamanha dedicação o impedia de criticá-la. Lembrou-se de um colega de infância — igualmente obstinado, pendurava-se em vigas, se esfaqueava na perna, e ainda assim sempre ficava em último.

Era insuportável.

Já era o bastante. Lin Shuanghe se levantou com um sorriso e disse:

— Muito bem, irmãzinha He, você tem talento de verdade. Com mais prática, com certeza vai alcançar uma nova etapa. Continue praticando, e quando chegarmos a Jiyang, deixe Huaijin te guiar pessoalmente. Acredito que até lá, você vai se formar com louvor.

— É mesmo? — perguntou He Yan, cheia de esperança.

— Mais real, impossível — respondeu Lin Shuanghe. Achou melhor sair dali enquanto ainda dava tempo. Afinal, He Yan era responsabilidade de Xiao Jue, sua “esposa”. Que ele cuidasse disso.

Com esse pensamento, sentindo-se leve e livre, Lin Shuanghe sorriu:

— Não virei nos próximos dois dias, irmãzinha He. Continue praticando!

Livre de dívidas, foi embora com elegância.

He Yan, ainda desconfiada, achava que seu toque estava horrível — e mesmo assim, Lin Shuanghe a elogiara tanto.

Será que o gosto dos refinados era mesmo tão... peculiar?

Nos dois dias seguintes, além de praticar o guqin, He Yan também aproveitou para se despedir de Hong Shan e dos outros.

Jiyang era bem diferente da Cidade de Liangzhou. Com toda a viagem e as tarefas que viriam, era possível que ficassem fora por até meio ano, sem conseguir retornar ao Quartel de Liangzhou. Era difícil não sentir saudade dos antigos companheiros diante de uma separação tão longa.

— Vai lidar com assuntos junto com o Comandante Xiao de novo? — Hong Shan se aproximou, curioso. — Ah He, você vai ser promovida?

— Parto? Que parto? Do que você tá falando? — Xiao Mai, assando uns ovinhos de pássaro que tinha catado por aí, os virava nas mãos para não se queimar. — Quem é que vai dar à luz?

Shitou deu um leve peteleco na testa dele e olhou para He Yan.

— Cuide-se durante a viagem.

He Yan sorriu e respondeu:

— Claro. E ainda nem parabenizei vocês por entrarem no Acampamento da Vanguarda.

Após o Ano Novo, uma parte dos recrutas foi escolhida para integrar o Acampamento da Vanguarda. Shitou, Jiang Jiao, Wang Ba e Huang Xiong estavam entre eles. Xiao Mai ainda era muito novo, e o desempenho de Hong Shan era apenas mediano em todos os quesitos. Felizmente, nenhum dos dois se importava em continuar como soldados comuns.

— No Acampamento da Vanguarda não vai ser tão tranquilo quanto pra você — Wang Ba aproveitou a deixa para provocar He Yan. — A cada poucos dias sai em missão com o Comandante Xiao, não precisa treinar diariamente, ainda impressiona os superiores... parece até um sonho.

— Irmão Wang, isso não tá certo. O Irmão He e o Comandante Xiao saindo juntos pode não ser tão fácil quanto a gente pensa. Pode ter perigos que a gente nem imagina — Jiang Jiao olhou para He Yan. — Tome cuidado com tudo.

He Yan se espreguiçou preguiçosamente.

— Eu sempre tomo.

Huang Xiong, vendo isso, tocou nas contas budistas penduradas em seu pescoço e disse:

— Já que você tá com tanta vontade de avançar, essa é uma boa oportunidade. Se o Comandante Xiao tá disposto a te levar, é porque viu algo em você. Se conseguir agarrar essa chance e conquistar méritos militares, vai se aproximar mais rápido do que deseja.

He Yan pensou consigo mesma que, de fato, o Comandante Xiao estava disposto a levá-la porque tinha visto algo — e esse “algo” era que ela era uma mulher. Mas eles não faziam ideia!

— Tá bom, tá bom — ela acenou com a mão. — Fiquem tranquilos. A gente lutou junto na Montanha da Lua Branca, dormimos juntos no alojamento. Tudo o que eu tiver pra comer, vocês também vão ter. Se eu for promovida, não vou esquecer dos meus irmãos. Mas também acredito que, mesmo sem mim, todos vocês ainda vão conquistar um nome em Liangzhou.

— Bem dito! — exclamou Huang Xiong. — É só confiar em si mesmo que tudo dá certo.

He Yan sorriu levemente e olhou para o céu distante sobre o Quartel de Liangzhou.

As montanhas ao longe estavam cobertas de neve branca, que logo começaria a derreter. O inverno já tinha acabado, e logo chegaria a beleza da primavera. Jiyang era diferente de Liangzhou, com suas altas montanhas e águas distantes. Quem sabia o que o futuro reservava?

Ela bateu as palmas das mãos e se levantou.

O futuro nunca era algo que se construía só com pensamentos — era preciso seguir em frente, de cabeça baixa e passo firme.


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