A neve daquele ano estava caindo por mais tempo do que nos anos anteriores. Após três dias de nevasca contínua, ela não dava sinal de parar — pelo contrário, só aumentava. Quase todo o Reino Demoníaco estava coberto por flocos de neve, transformando a paisagem em um mundo entediante, completamente vestido de branco.
De repente, uma velha porta de madeira se abriu com um rangido. Flocos de neve trazidos pela tempestade invadiram o interior do edifício, seguidos por uma rajada de vento frio que sacudiu a fraca luz das velas.
O silêncio mortal no salão foi abruptamente quebrado. Uma voz áspera resmungou com irritação:
— Quem é?
Do outro lado de um balcão de madeira gasto, surgiram dois chifres curvos e pontudos, seguidos pela figura robusta de um demônio na forma de um homem humano de meia-idade. O rosto do demônio era severo, de aparência feroz. Seus olhos cor de bronze lançaram um olhar para a porta de madeira aberta, ainda sendo empurrada pelo vento.
Aquele lugar era uma estalagem demoníaca, localizada em um deserto inabitado no meio do nada. Por causa da neve que caía há dias, uma espessa camada branca já havia se acumulado no chão. Com um clima tão rigoroso, os demônios de baixo nível preferiam se abrigar em seus ninhos, esperando o inverno passar.
As estradas que levavam até a estalagem eram difíceis de atravessar, então ninguém aparecia ali a menos que estivesse apenas de passagem. O dono do local era um demônio búfalo, cujo cultivo estava no estágio final da Transformação. Ele já administrava aquela estalagem havia quase quinhentos anos.
Todo inverno era o pior período para os negócios. Em alguns anos, nenhum hóspede aparecia desde a primeira neve até o início da primavera. Por isso, o proprietário passava o inverno inteiro cochilando dentro da estalagem.
O inverno daquele ano havia começado como de costume. O dono dormia profundamente no chão atrás do balcão havia vários dias, até ser abruptamente acordado pelo som da porta se abrindo. Sonolento, o demônio búfalo despertou com irritação.
A porta da frente estava escancarada, e o vento gelado, carregado de neve, invadia o ambiente, levando embora todo o calor do interior. O demônio búfalo era de estatura extraordinária. Quando ficou em pé atrás do balcão, a luz tremeluzente das velas projetou uma sombra gigantesca de sua figura na parede.
O visitante ainda não havia entrado. Primeiro, a bainha vermelha de sua túnica foi empurrada pelo vento frio, seguida por um par de botas negras que adentrou o recinto. Por fim, a porta de madeira se fechou sozinha atrás dele.
O demônio búfalo ergueu o olhar e se deparou com um rosto masculino de feições belíssimas. Com a chegada daquele hóspede, o salão escuro e decadente pareceu de repente mais iluminado. No entanto, o demônio búfalo sentiu um perigo inexplicável, uma pressão intensa que dissipou na hora o resto de seu mau humor. Ele deu rapidamente a volta no balcão para receber o visitante, forçando o sorriso mais cordial e honesto que conseguiu.
— Companheiro Daoísta, deseja se hospedar esta noite?
A forma humana daquele visitante era perfeita, sem qualquer traço demoníaco. Obviamente, seu nível de cultivo era extremamente elevado. Esse não era alguém com quem se podia arrumar confusão, então o demônio búfalo tornou-se muito mais respeitoso.
— Não é à toa que eu não percebi sua chegada.
O demônio de aparência masculina lançou um olhar pelo saguão em ruínas e franziu levemente a testa, mas ainda assim perguntou:
— Tem alguma coisa que um filhote possa comer?
Filhote? O demônio búfalo ficou atônito. Antes que pudesse responder, viu um volume vermelho no peito do hóspede se mover de repente, revelando um rostinho adorável que apareceu por entre os tecidos.
Os olhos do demônio búfalo se arregalaram de surpresa. Aquele homem estava carregando uma garotinha nos braços. Ela era tão pequena, ainda um filhote, e usava um manto com capuz, o que deixava sua aparência ainda mais delicada.
Por um breve instante, o demônio búfalo achou que o visitante tivesse sequestrado uma criança humana do Reino Humano, mas ao olhar com mais atenção, percebeu que a garotinha também era um demônio.
Que filhote mais bonita e fofa.
Instintivamente, o demônio suavizou sua expressão áspera e também amaciou a voz:
— Sim. Temos alguns ovos espirituais na estalagem. Posso preparar um pudim de ovo para o filhote comer.
Dito isso, ele começou a limpar as mesas e cadeiras negligenciadas durante o inverno e convidou o demônio para se sentar.
Lu Qingyu não recusou e se sentou.
— Segundo Irmão! Hóspede! — gritou o demônio búfalo em direção à cozinha nos fundos.
Uma voz estridente respondeu lá de dentro:
— Já ouvi!
A pequena ainda não conseguia se sentar sozinha no banco, então foi colocada no colo do demônio. Mas, sentada ali, apenas o topo de sua cabeça mal podia ser visto.
O homem olhou para a mesa. Após limpá-la com um feitiço de remoção de sujeira, ergueu a criança e a pôs sobre o tampo.
A menina lançou um olhar furioso para o homem. Seu rostinho rosado estava estufado, e seus olhos grandes e redondos pareciam em chamas.
— Ainda está brava, hein, Zhu’er?
A dupla de visitantes inesperados era exatamente Lu Qingyu e Lu Yaoyao.
Lu Yaoyao já havia percebido que, desde que o Papai a levara de casa, não vira mais o Pai. Pelo contrário, a paisagem ao redor se tornava cada vez mais estranha. Por mais lenta que fosse sua reação, Lu Yaoyao finalmente entendeu: o Papai a tirara de perto do Pai.
Por isso, estava furiosa. Não conseguia entender por que o Papai queria fugir. Ela queria o Pai!
Infelizmente, por mais que gritasse com raiva, o Papai ignorava completamente seus protestos.
Ao ouvir a pergunta de Lu Qingyu, Lu Yaoyao virou o rosto com raiva, mostrando apenas o ombro gelado.
Lu Qingyu esticou o dedo e cutucou:
— Está mesmo brava?
— Só quer ele e não quer mais o Papai? — o rosto de Lu Qingyu escureceu à medida que falava.
Lu Yaoyao girou a cabeça, gritou alto de raiva e depois virou o rosto de novo.
Ela queria o Papai, mas também queria o Pai!
— Eu ou ele, só pode escolher um. — disse Lu Qingyu friamente.
— Ah, ah, ah, aaah!!! — Ela queria os dois! Pai e Papai! Não podia faltar nenhum!
— Criança gananciosa. A partir de agora, é melhor esquecer-se dele.
Ele finalmente encontrara uma oportunidade e havia roubado a filha — como poderia voltar atrás? Aquela criança naturalmente pertencia à sua raça demoníaca.
Lu Qingyu não estava preocupado. Por mais esperta que a menina fosse, ainda era muito jovem. Em pouco tempo, esqueceria as experiências dos últimos meses e só se lembraria dele, a pessoa mais próxima.
Ele sabia que Yao Jiuxiao devia estar procurando por eles desesperadamente, provavelmente rastreando seus passos. Depois de tantos anos como inimigos, se conheciam profundamente. Se deixasse o menor vestígio, Yao Jiuxiao o alcançaria num piscar de olhos.
Por isso, Lu Qingyu tomava extremo cuidado ao apagar os rastros pelo caminho.
Como ainda estavam no Reino Demoníaco, para não atrair a atenção dos Reis Demônios da região, Lu Qingyu não havia removido a restrição sobre sua base de cultivo. Em vez disso, já havia enviado uma mensagem aos seus subordinados, ordenando que o aguardassem no entroncamento entre os três reinos.
Embora a Cordilheira Duanping fosse uma região remota do Reino Demoníaco, não fazia fronteira direta com os outros dois reinos. Seria necessário percorrer uma longa distância até a divisa. Além disso, a fronteira mais próxima era com o Reino Humano, não com o Reino Demônio.
Para evitar Yao Jiuxiao — que com certeza estava fazendo de tudo para alcançá-los — e retornar em segurança ao Reino Demônio, Lu Qingyu teria que passar primeiro pelo Reino Humano. Após se reunir com seus subordinados, ele removeria imediatamente a restrição sobre seu corpo. Nesse momento, mesmo que Yao Jiuxiao o alcançasse, não conseguiria enfrentá-lo e teria que recuar.
O plano de Lu Qingyu era perfeito. Assim que retornasse ao seu território, fecharia imediatamente as fronteiras do Reino Demônio. Mesmo com a força de Yao Jiuxiao, seria impossível romper a barreira do reino em pouco tempo.
Se tivesse de dez a vinte anos, Lu Qingyu poderia educar a criança como uma verdadeira descendente da raça demoníaca. Quando chegasse esse momento, tudo já estaria resolvido — e Yao Jiuxiao não teria mais o poder de mudar nada.
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