Capítulo 26 – Corte a Língua (1)
— O vovô me disse que, no futuro, eu trarei glória à nossa família Ye! — exclamou Ye Mu com entusiasmo. — E mais! Ele também disse que eu me tornaria uma princesa do país de Yue!
Ye Li foi completamente pego de surpresa com essa afirmação. Princesa? Será que Ye Mu descobriu seus planos secretos contra o imperador?
Ao pensar nisso, seu olhar se tornou ainda mais afiado, cravado nela com desconfiança.
A intenção assassina que antes estava contida, agora subiu instantaneamente ao máximo!
Mas Ye Mu, alheia à aura mortal que emanava de Ye Li, apenas ria alegremente.
— O bisavô também disse que, para que a nossa geração alcance grandes feitos, ele deixou um presente pra você! Ele me contou que o tesouro está no lugar onde viveu... e é aqui!
Assim que Ye Mu terminou de falar, uma rajada fria do vento noturno passou por eles, fazendo com que tanto Ye Li quanto o conselheiro sentissem um calafrio percorrer a espinha.
— Por isso saí do meu quarto no meio da noite! O sonho parecia tão real, que vim procurar esse "tesouro" aqui mesmo. E adivinha, pai? Eu encontrei! O sonho era real! Eu achei o tesouro do vovô!
No entanto, Ye Li apenas franziu o cenho ao ouvir isso. Em seguida, lançou-lhe um olhar penetrante.
— Mu’er, aqui não há nada. Nada que se possa chamar de tesouro — disse ele, pausadamente, com a paciência se esgotando.
Quanto mais pensava, mais ridículo se sentia. Isso tudo poderia ser uma piada elaborada! Como pude me deixar influenciar por sonhos? Ele era um general endurecido, que já matara incontáveis pessoas, e quase acreditara numa bobagem como essa!
Tentou racionalizar e concluiu que Ye Mu poderia ter ouvido algo por acaso e inventado aquela desculpa tosca para escapar da morte.
— É verdade, pai! — apressou-se em dizer Ye Mu. — Se não acredita em mim, então veja com seus próprios olhos! Tem montanhas de tesouros no pátio abandonado! Quando eu estava investigando o local, acabei caindo num buraco e vi tudo lá dentro... é por isso que estou toda suja!
Ye Li continuou franzindo a testa, dividido. Por mais absurda que fosse a história — um sonho guiando ao tesouro — havia algo que o incomodava. Uma garotinha de seis anos teria coragem de inventar uma mentira tão ousada bem na minha frente?
No fim, decidiu conferir com os próprios olhos.
Enquanto isso, Mo Linyuan observava Ye Mu com um olhar carregado de sentimentos contraditórios. Mas ela apenas sorriu discretamente para ele, tentando tranquilizá-lo em silêncio.
Mas como ele poderia ficar em paz?
Até onde vai essa tolice dela, a ponto de entregar riquezas capazes de sustentar gerações… por causa de um escravo sem importância?
No entanto, seus pensamentos não tiveram tempo de amadurecer, pois logo chegaram ao buraco no pátio abandonado, onde ele e Ye Mu haviam escondido cuidadosamente o tesouro longe de olhares curiosos.
Ye Mu então levou Ye Li até o local que havia coberto com galhos e folhas. Para surpresa dele, realmente havia um buraco ali.
Seu coração disparou ao ver aquilo. Será que o que minha filha disse… é mesmo verdade?
Enquanto Ye Li ainda estava atônito, o conselheiro, com presença de espírito, acendeu uma pequena chama usando seu isqueiro de madeira. Ye Li então despertou do transe quando o fogo lhe foi entregue. Ele lançou um olhar longo ao abismo escuro à sua frente, respirou fundo e pulou lá dentro. O conselheiro tomou Ye Mu nos braços e saltou logo depois, seguindo-o rumo ao desconhecido.
Aquela altura seria perigosa para uma criança, mas não era nada para adultos que dominavam artes marciais.
No instante em que Ye Li alcançou o fundo e seus pés tocaram o solo com um leve tilintar, ele olhou instintivamente para baixo — e ficou completamente paralisado ao ver ouro e prata espalhados ao chão. Levantou a chama ao redor e viu que os tesouros se estendiam além do que seus olhos podiam alcançar… por um momento inteiro, ficou mudo, atordoado!
Isso… isso é mesmo real? Meus olhos não estão me enganando? O sonho de Ye Mu… era verdade?!
Ao seu lado, o conselheiro também estava pasmo diante de tanto ouro e prata. Um brilho de ganância passou por seus olhos — com tudo aquilo, um homem podia conquistar o que quisesse!
Ye Li sentia como se ele mesmo estivesse sonhando. Caminhou hesitante até uma pilha de ouro e retirou uma adaga com design requintado. A lâmina refletia a luz do fogo com um brilho cortante — afiada e mortal à primeira vista. E havia mais… armaduras e armas de alta qualidade estavam espalhadas entre as moedas de ouro e prata.
Isso foi mesmo deixado pelos antepassados? Ele se viu perguntando.
De outro modo, como se explica tamanha fortuna acumulada com tanta qualidade e cuidado?
E como se explicaria o fato de que Ye Mu — uma jovem criada como uma dama mimada — teria vindo sozinha a um lugar tão sujo e sombrio no meio da noite, em vez de mandar seus criados?
Por muito tempo, Ye Li só conseguiu contemplar aquela realidade quase inacreditável.
Que notícia magnífica… extraordinária!
Capítulo 27 – Corte a Língua (2)
Ye Li não pôde evitar de virar o rosto em direção a Ye Mu — e foi então que a viu olhando para ele com olhos cheios de adoração.
Reprimindo a excitação que ameaçava transbordar, ele perguntou:
— Mu’er, diga ao pai: o que mais você viu nesse sonho?
Ao ouvi-lo, os olhos de Ye Mu brilharam ainda mais e, com reverência, ela respondeu:
— Eu vi o pai sentado no trono do dragão… o senhor se tornou imperador! E estava tão orgulhoso das minhas conquistas que me nomeou princesa! Disse que eu era o seu orgulho.
Ela sorriu, radiante:
— Pai, não se preocupe comigo. O bisavô me disse, no sonho, que eu seria de grande utilidade para o senhor! Prometo que não direi uma palavra até que seus planos se realizem! Eu quero ser a pessoa mais poderosa ao seu lado. Mesmo que eu nunca me case, não tem problema! Ao seu lado, pai imperador, eu também serei uma princesa deste país! Fiel somente a você — e ainda mais capaz que meus irmãos mais velhos!
Após ouvir atentamente o monólogo de Ye Mu, toda a intenção assassina de Ye Li por ela se dissipou completamente.
Uma pessoa que podia receber sonhos proféticos dos ancestrais Ye... só podia ser considerada um trunfo inestimável!
Além disso, Ye Mu era sua filha, seu próprio sangue. Certamente não se tornaria uma ameaça no futuro. Ela tinha uma personalidade feroz como a dele. Talvez, como os antepassados haviam predito, ela realmente o ajudaria a conquistar grandes feitos.
Permaneceu em silêncio por um instante, engrenagens girando velozmente em sua mente. Por fim, lançou outro olhar para Mo Linyuan.
— E quanto a ele? Por que não quer que o pai o mate?
Ye Mu mudou de expressão e se virou rapidamente, chamando-o com um gesto de seus dedinhos. Fez com que ele se abaixasse à sua altura e então sussurrou em seu ouvido:
— Depois daquela vez em que quase irritei o Oficial Liu sem querer e acabei salvando ele, ele ficou leal a mim. No início, eu queria que ele se juntasse à nossa residência, para se tornar um dos meus aliados. Mas também tem a filha da imperatriz, a princesa Qi, que se interessou por ele… Agora que ele escuta tudo o que eu digo, achei que seria vantajoso mantê-lo ao meu lado no futuro!
Ye Li assentiu com firmeza, e seu olhar afiado pousou mais uma vez sobre Mo Linyuan. Além da intenção assassina, agora havia em seus olhos um cálculo frio e cuidadoso.
Não posso deixá-lo ir após ouvir segredos tão valiosos. Além disso, a princesa Qi apenas havia visto o rosto do garoto uma vez. Mesmo que não o matasse, havia outros métodos cruéis para garantir que ele levasse esses segredos para o túmulo!
— Esse garoto sabe ler? — Ye Li perguntou, com a voz cortante.
Ye Mu sacudiu a cabeça imediatamente.
— Como um escravo saberia ler?
Ye Li coçou o queixo, pensativo. A aura assassina no ar começou a enfraquecer, mas ainda pairava entre as sombras daquele espaço estreito.
Ninguém pode saber sobre o tesouro. Nem sobre a rebelião! pensou ele. Ye Mu é a única exceção. Quanto ao escravo...
Num movimento rápido, puxou uma adaga de uma das pilhas de tesouros ao lado e a entregou a Ye Mu.
— Já que ele não sabe ler, será fácil resolver isso! Mu’er, se quiser provar que será útil ao pai no futuro… então corte a língua dele!
Ye Mu ficou paralisada ao ouvir isso, e o sorriso em seu rosto congelou. Mo Linyuan também ficou atônito, erguendo o olhar para eles.
Ao vê-la em silêncio, Ye Li franziu o cenho com desagrado.
— O que foi, não quer fazer? Pensei que tivesse dito que ele era leal a você. Agora é a hora de testar essa lealdade! Teste-o!
O tom de Ye Li era imponente, o de um general veterano e mestre das artes marciais, que falava como alguém incontestável. Quer fossem seus subordinados ou a própria filha, ele os via como formigas — facilmente esmagáveis sob seus pés.
Mesmo que o diálogo pudesse parecer uma conversa, sua voz carregava uma autoridade que exigia obediência.
Ye Mu abaixou a cabeça, cerrando os dentes em frustração. Nem sequer havia demonstrado interesse nos tesouros — por que esse homem ainda precisa ser tão cauteloso?!
Várias vezes pensou em resistir. Mo Linyuan e Ye Xiaolang agora eram seus. Ela prometeu protegê-los, não permitir que sofressem nenhum dano!
Como poderia quebrar essa promessa?
Mas logo em seguida, forçou-se a relaxar. Precisava reunir toda sua força para manter a calma.
Lembrou-se de que havia transmigrado cedo demais para dentro deste livro. Com braços e pernas tão pequenos, era impossível lutar contra alguém. Até mesmo se mover com agilidade era difícil! Quanto mais... enfrentar um adulto experiente em artes marciais internas como Ye Li?
Ela não duraria um segundo.
— Pai, o senhor tem razão! — Ye Mu ergueu o rosto novamente, desta vez com os olhos brilhando de entusiasmo fingido.
Olhou para ele com admiração, elogiando:
— O senhor é mesmo criativo! Eu farei isso agora mesmo! Vamos ver se ele é mesmo leal a mim!
Por fim, pegou a adaga com um sorriso e disse com firmeza:
— Olhe para mim, pai. Aquilo que me pediu, eu farei bem-feito! Vou provar que sou muito melhor do que meus irmãos!
Capítulo 28 – Um Pedaço de Carne (1)
Com isso, ela se virou para Mo Linyuan.
Quando Ye Li ouviu, sorriu e começou a coçar a barba, divertido, enquanto o conselheiro finalmente soltava Mo Linyuan e recuava atrás de Ye Li.
No escuro, apenas uma tocha permanecia acesa. As chamas tremeluzentes faziam a sombra de Ye Mu dançar ao redor. Como Ye Li e o conselheiro estavam atrás dela, não viram o que ela fazia.
Mo Linyuan olhava para ela silenciosamente, o coração repleto de emoções, o peito apertado por um pressentimento angustiante. Mas ele não resistiria, não naquele momento. Sabia que resistir faria todo o sacrifício dela ser em vão.
Não importava as consequências de perder a língua. Ele não ousou mover um músculo.
Ye Mu aproximou-se com passos medidos. Seus olhos carregavam muitas emoções, mas ela apenas sorriu.
— É melhor não resistir — murmurou para ele. — Estou salvando sua vida.
— Pai não fala sem pensar. Desde que você me permita cortar sua língua, você não morrerá — prometeu. — Enquanto me seguir, mesmo sendo mudo, seu futuro será infinito!
Mo Linyuan tentou olhar claramente para ela — para seu corpo trêmulo, como se não acreditasse que conseguiria feri-lo; como se duvidasse que poderia fazer aquilo.
Ele lembrou de como ela sempre cuidou dele, se preocupou. De quando a viu em apuros e não hesitou em correr para ajudar. De como ela salvou sua vida, mesmo arriscando o tesouro...
Apesar do que estava para acontecer, forçou-se a ficar tranquilo... porque era ela... por ela. Não queria tornar as coisas mais difíceis do que já eram. Deixaria que cortasse sua língua e sentiu-se relaxar.
Mas havia algo que queria dizer. Se ficasse em silêncio, para sempre se arrependeria de não falar naquele momento.
— Sei que faz isso por minha causa — disse finalmente, olhando nos olhos dela, querendo que entendesse que sabia o motivo. — Mas quero dizer uma última coisa.
Engoliu em seco e continuou, querendo que suas palavras tivessem peso. Soltou um riso fraco: — Na verdade, quando fui capturado por aquele animal, jurei algo.
Ela o olhou, os olhos cheios de medo por ele...
— Jurei que se fosse salvo dessa vez, seria bom para aquela pessoa pelo resto da vida — segurando seus ombros, sorriu com dificuldade e uma lágrima escorreu, — Então não diga que é só a língua. A língua, os pés, até minha vida, deixo você levar. — Acenou para ela, sincero, tocando seus corações: — Pode levar.
Quando Ye Li viu como Mo Linyuan permanecia leal a Ye Mu, ficou mais calmo. Desde que a língua fosse arrancada, podia deixar Mo Linyuan com a filha. Poderia ainda ser útil no futuro. Afinal, a filha era uma beleza rara.
Grandes oportunidades viriam!
Mas Ye Mu não ouviu a confissão sincera de Mo Linyuan. As mãos tremiam, uma fina camada de suor na testa, enquanto cerrava os dentes.
— Abra a boca! — ordenou. Sem hesitar, ele abriu, oferecendo a língua, mas algo estava errado, e ele não sabia o que.
O rosto de Ye Mu se contorceu de dor, quase como se...
E ao olhar para baixo, os olhos de Mo Linyuan se arregalaram em choque...
Sem esperar por outra palavra, Ye Mu fez o que tinha que fazer rapidamente e cortou o interior dos lábios dele com destreza!
Com um grito estridente, Mo Linyuan cuspiu um pedaço de carne ensanguentada! Caiu sentado no chão, olhando em choque o pedaço que saíra da boca. Tapou a boca com a mão, sem perceber o sangue escorrendo.
— Excelente! — exclamou Ye Li, rindo satisfeito.
A luz era fraca, o céu escurecido e a única tocha iluminava-os. Ye Mu estava de costas, as mangas largas escondiam o que tinha feito.
Mas o sangue e a carne no chão não podiam enganar ninguém.
Ye Mu pegou o pedaço e jogou a adaga fora. Limpando o suor da testa, segurou o pedaço de carne diante de Ye Li, com uma expressão de excitação louca.
— Olhe, pai! Eu consegui! — exclamou. — Pensei que seria complicado e fiquei nervosa, mas foi mais divertido do que imaginei!
Capítulo 29 – Um Pedaço de Carne (2)
Com isso, Ye Li e seu conselheiro passaram a encará-la de outra forma. Coçando a barba mais uma vez, Ye Li assentiu para ela enquanto fitava o pedaço de carne ensanguentado. Acariciou sua cabeça com afeto e deu uma risadinha.
— Como esperado da minha filha! — elogiou.
O conselheiro, que também presenciou Ye Mu cortar a língua de alguém, estava um pouco aterrorizado por ela. Tentou mostrar uma expressão feliz, mas tremia, o coração cheio de medo de Ye Mu. Ela se parecia muito com Ye Li, e talvez, quando chegasse a hora, Ye Mu fosse ainda mais feroz que ele.
Afinal, Ye Li não sabia o que fazer aos seis anos. Mas mesmo assim, era impossível cortar a língua de alguém sem pestanejar ou demonstrar algum impacto naquela tenra idade.
Ye Li estava de ótimo humor por alcançar seu objetivo e obter grande fortuna sem sequer mover um dedo. Voltando-se para o conselheiro, deu uma ordem…
— Traga Zhuo Wei aqui! — disse ao conselheiro trêmulo. — Quero que as coisas sejam resolvidas imediatamente!
O conselheiro não duvidou da urgência e foi cumprir a ordem. Contudo, os olhos de Ye Li escureceram com malícia, e de repente o conselheiro sentiu uma lâmina cravando em seu próprio peito.
O conselheiro também era experiente nas artes marciais. Era oportunista. Se visse tesouro, certamente tentaria fazer carreira com ele.
Mas Ye Li não queria que ninguém soubesse. Por isso, o conselheiro tinha que morrer. Precisava ser silenciado ali mesmo.
Ye Mu não esperava que Ye Li mandasse matar alguém e depois assassinasse outra pessoa numa mesma noite. Ficou chocada, mas continuou sua farsa. Seguiu as ordens de Ye Li, jogando a faca que ele usara, e voltou-se para ele com um sorriso nos lábios.
— Isso fique entre nós, filha — disse ele, tocando a cabeça dela com afeto, as mãos ainda manchadas de sangue, que escorriam pelos cabelos dela. — Cuide bem do seu pequeno escravo. Faça o que quiser com ele, como eu fiz com meus escravos. — Fitou a filha nos olhos. — Só os mortos são obedientes.
Após um breve silêncio, Ye Mu soltou uma risada abafada.
— Claro, pai! — respondeu radiante. — Entendo perfeitamente! — disse, antes de voltar-se para Mo Linyuan, ainda sentado no chão frio e duro. Olhou para ele com severidade, franzindo a testa: — Jamais deixarei que alguém, especialmente do meu povo, me traia.
— Bom — elogiou Ye Li, conduzindo Ye Mu e Mo Linyuan para fora, um de cada vez. Acenou com a mão para a parede ao lado da fossa. Num instante, pilhas de pedras caíram, cobrindo totalmente o buraco!
— Para alcançar grandes feitos, é preciso planejar cuidadosamente — disse para Ye Mu. — Ninguém jamais pensou em usar esse método! — gabou-se, e Ye Mu assentiu educadamente...
— Verdadeiramente, pai, suas palavras são de grande sabedoria e suas táticas, as mais práticas! — a incentivou. Ye Li se deixou levar pela adoração cega dela, aceitando os elogios com entusiasmo. Nem por um momento desconfiou dela.
— Visto que provou seu valor, enviarei você para a academia estrangeira — anunciou. — Lá começará seus estudos. O que seus irmãos têm, será seu também.
Ye Mu iluminou-se com a oportunidade e fez uma reverência respeitosa.
— Agradeço, pai! — disse. — Não o decepcionarei!
Finalmente, Ye Li assentiu em aprovação.
— Agora vá. Amanhã precisa estar acordada cedo. — Disse. — Ainda tenho coisas a fazer, então volte sozinha.
Pelo canto do olho, Ye Li lançou outro olhar a Mo Linyuan. O rosto pálido e abatido, as mãos ensanguentadas por cobrirem a boca de onde a língua fora cortada. Parecia um homem sem alma. Ye Li pensou que fora sorte Mo Linyuan não ter gritado**. Isso teria chamado atenção e, se acontecesse, ele não teria escolha senão deixar esse pequeno escravo morrer ali!
— Não se preocupe, escravo — disse, fitando-o com desdém. — Está seguro por enquanto. Seja grato por eu ter presenciado sua verdadeira lealdade à minha filha.
Mas o olhar virou gélido e ele lançou a Mo Linyuan o olhar mais mortal que podia, dizendo: — Você será o seu morto particular**. Ou seja, enfrentará qualquer coisa que lhe acontecer, será seu escudo, sua espada, tudo que precisar. Morra por ela se for necessário! — Ordenou e estalou os dedos: — Agora vá escoltar minha filha com segurança!
** T/N: Expressão que designa um subordinado especialmente treinado para missões suicidas ou para proteger pessoas importantes, com poucas chances de sobrevivência.
Sem esperar pela resposta de Mo Linyuan, Ye Li virou-se rapidamente e foi embora. Com esse tesouro inesperado em mãos, muitas coisas que antes não podia fazer agora seriam possíveis!
Sim, coisas maiores estão por vir.
Capítulo 30 – A Conspiração Mudou (1)
Assim que Ye Li desapareceu de vista, Mo Linyuan finalmente sacudiu-se do torpor em que estava imerso. Apressadamente, correu para o lado de Ye Mu, chegando a tempo de segurá-la quando toda a força saiu de seu corpo. Ela caiu de joelhos e sentou-se abatida, suor frio já visível em sua testa.
— Como pôde ser tão imprudente! — sussurrou Mo Linyuan, preocupado. Sua língua estava intacta, pois o pedaço de carne que ele havia cuspido da própria boca…
Era dela mesma…
Ficava claro que Ye Mu sofria muito. Só Deus sabia o quanto ela se esforçava para não demonstrar a dor externa do que fizera, contanto que não descobrissem a verdade. Por fim, ela descartou o pedaço de carne que encharcava suas mãos de sangue e encostou-se aos braços de Mo Linyuan. Seus lábios estavam pálidos, e ele puxou cuidadosamente as mangas dela para examinar as manchas de sangue nos braços...
Mas Ye Mu não ousou olhar para ele e virou a cabeça para o lado, franzindo o cenho com teimosia.
— Eu disse que cuidaria de você — murmurou baixinho.
Quando falava com Mo Linyuan, de costas para Ye Li, ela aproveitou a oportunidade para cortar um pedaço de sua própria carne no braço, sem hesitar. E ao colocá-lo nos lábios dele, forçou aquele pedaço para dentro da boca dele, que imediatamente o cuspiu, criando a ilusão perfeita de sua língua ter sido cortada.
Assim, mesmo com as mãos dela banhadas em sangue, poderia facilmente ser desculpado como se tivesse cortado a língua do próprio Mo Linyuan.
Mo Linyuan fechou os punhos, mas permaneceu ao lado dela, sem se atrever a se mover. Acolheu-a nos braços, cuidando para não machucá-la ainda mais do que já estava.
— Como pôde ser tão imprudente? — sussurrou, agora atordoado. — Tão imprudente... imprudente... imprudente... — repetia, sem entender o motivo dela se machucar por ele. Ele próprio estava pronto para lhe oferecer a própria língua. Ela até chorou nos braços dele ao se machucar antes. E agora, cortar sua própria carne — era um nível totalmente novo para alguém como ele.
Como alguém podia se ferir assim?
Ao ver seu estado sofrido, Ye Mu sentiu a necessidade de aliviar sua mente. Sabia que ele se sentia culpado, como se tivesse sido ele quem cortara a carne dela.
— Não se preocupe — disse. — Feridas cicatrizam. A pele se regenera, mas se a língua for cortada... — interrompeu, tremendo ao pensar no que teria acontecido se tivesse feito o que o pai queria. — Se sua língua tivesse sido cortada... não voltaria a crescer. — Disse para ele. — Então cale a boca. Você ainda precisa me levar rápido antes que o pai perceba.
Concordando com um aceno, Mo Linyuan ergueu cuidadosamente seu corpo e correu para o pequeno pátio onde ela morava.
Mas apesar da tarefa, sua mente não sossegava, repetindo os eventos incessantemente: o tremor dela de dor, o sorriso forçado — mesmo quando segurava a própria carne e sangue para Ye Li verificar...
Uma imprudência que ele nem conseguia compreender completamente. O que teria possuído aquela garota para fazer algo tão perigoso?!
Enquanto corria, lágrimas quentes caíram sobre Ye Mu, mas ela não percebeu. Estava tão exausta... tão dolorida, que não notou as lágrimas derramadas por ele por sua causa. Tudo o que sabia era que sentia dificuldade em manter-se acordada. Sentia seu corpo pesar, mesmo sem o usar...
Mas se mostrasse qualquer sinal de dor, Mo Linyuan se sentiria ainda pior. Ela não podia permitir isso. Não era culpa dele. A decisão fora dela.
Por tanto tempo, ele vivera na suspeita, na traição, sempre fugindo. As pessoas ao redor sempre diziam para ele aguentar firme. Ele sempre se esforçou para ser mais forte, mesmo sem saber por quê.
Mas agora ele sabia. Quanto mais forte fosse, menos tempo precisaria ver Ye Mu se cortar e sangrar por sua causa. Quanto mais forte fosse, mais poderia aliviar os problemas de Ye Mu só para comprar sua própria liberdade. Ela não precisaria de um tesouro!
Quanto mais forte ele se tornasse, mais sentido sua vida teria!
Quando Mo Linyuan finalmente chegou ao quarto de Ye Mu, apressou-se para dar-lhe um remédio para o ferimento, mas as mãos tremiam. Não podia deixar de lembrar dos mortos que o escoltaram do País Mo.
Naquela época, queria levar a irmã mais nova junto, mas para que ela agradasse à Imperatriz Viúva, ela o traiu, causando várias mortes. Todas as pessoas que tentaram protegê-lo foram gravemente feridas e morreram.
E aquela era sua própria irmã; seu próprio sangue!
Também lembrou da mãe, que o obrigava a ler e recitar textos para ter uma chance de encontrar o Imperador, e quando ele não obedecia, ela mesma o chicoteava.
E agora...
Agora havia uma garota, sem laços ou relações com ele, que cortava sua própria carne e derramava sangue por sua causa...
Lembrando do que ela fizera, seu coração se encheu de determinação. As mãos tremiam menos enquanto continuava, concentrado, a tratá-la com o melhor que podia.
Na noite fria e silenciosa, sua respiração acelerada era tudo que se ouvia. Ye Mu deslizou para a inconsciência, o corpo encolhido enquanto dormia. Olhando para ela, Mo Linyuan não podia evitar sentir pena da dor que lhe causara.
Com os dedos manchados de sangue, hesitou antes de tocar, parando a poucos centímetros do rosto pálido dela. Após alguns momentos, finalmente acariciou sua face...
— Tola menina — sussurrou, sabendo que ela não o ouviria agora. — Prometo que não deixarei você se machucar mais. Nem por minha causa.
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