Quando o azar bate à porta, até água fria fica presa entre os dentes¹. Zanxing sempre sentira que não era uma pessoa muito sortuda, mas nunca se importou demais com isso, nem se deixou consumir pela obsessão.
Depois de viver mais de vinte anos, a primeira vez que ganhou um prêmio foi ao transmigrar para o livro No Cume dos Nove Céus e roubar o dedo dourado do protagonista. Mas jamais em seus sonhos mais loucos imaginou que forçar seu destino traria desastre. Tentar arrancar a sorte do protagonista com o destino de uma coadjuvante só podia levar a ser aprisionada pela obra original — exatamente como estava acontecendo.
Hua Yue, o rival de Mu Cengxiao, tornara-se seu adversário. Aquele Ramo da Videira Noturna, que no original nem sequer podia ser cortado por uma faca, inexplicavelmente se partira ao meio só porque o enredo queria sua morte.
Com o corpo completamente imerso no pântano, a figura de Zanxing sumiu quase instantaneamente.
Na margem, Hua Yue recuou para debaixo da árvore, olhando para o centro do pântano onde o redemoinho ainda girava lentamente, como uma ilusão, deixando nada para trás.
O miasma ali era forte demais. Mesmo ele, permanecendo por muito tempo, sentia arrepios. Quando Yang Zanxing caísse, morreria instantaneamente — impossível sobreviver. Hua Yue lançou mais um olhar para o Pântano Negro, bufou com desprezo, murmurou “bem feito” e se virou.
À beira do Pântano Negro, a calmaria voltara, exceto pela quebra abrupta na ponta do Ramo da Videira na margem, que denunciava a cena perigosa pouco antes.
Debaixo d’água, Zanxing sentia o corpo inteiro começar a doer.
Era como se alguém arrancasse sua pele e a mergulhasse em água salgada com pimenta — cada centímetro queimava intensamente. E não era só isso: o peso no peito aumentava, espalhando-se dos pés para as panturrilhas, até a cintura, como se ela virasse pedra, como se algo a puxasse para o fundo, para nunca mais ver a luz.
Tendo aprendido a prender a respiração em aulas públicas, Zanxing fechou os olhos com força, recusando-se a se sufocar no lodo que a envolvia, enquanto implorava silenciosamente à Pérola Xiao Yuan dentro de seu corpo, gritando mentalmente: Não fique inerte agora, acorde e trabalhe!
Aquela Pérola Xiao Yuan, antes tão vibrante e ativa, estava muda desde a avaliação da seita. Zanxing até suspeitava que tivesse dado defeito. Ou talvez a obra original restringisse até o dedo dourado agora, só para apagá-la.
Seu corpo continuava afundando no pântano, a sensação petrificante subia da cintura para o peito. Zanxing não desistia, repetidamente incitando seu qi, sem saber há quanto tempo afundava, até que sentiu o endurecimento chegando ao coração — quando, de repente, a Pérola Xiao Yuan se mexeu.
O movimento era fraco, como se despertasse lentamente de um longo sono. Zanxing sentiu uma centelha de esperança e redobrou os esforços, mas só conseguia exercer força acima do peito, seu qi diminuía rapidamente, sem comparação com sua força usual. Aquela quantidade de qi era uma gota no oceano, incapaz de fazer a Pérola Xiao Yuan brilhar como antes.
Quando já quase sucumbia ao desespero, uma tênue luz verde surgiu diante dos seus olhos.
Zanxing mantinha os olhos firmemente fechados. O lodo do pântano era negro como tinta, impossibilitando ver qualquer coisa. Mas guiada pela consciência espiritual, ela via claramente um pequeno ponto verde brilhante à frente. Hesitou por um instante, e a Pérola Xiao Yuan no peito tremeu levemente, como se a instigasse a decidir. Zanxing não se importou com mais nada. Já encarando a morte, resolveu arriscar tudo.
Não conseguia mover o corpo, mas pelo menos suas mãos ainda não estavam petrificadas pelo lodo. Estendeu os braços desesperadamente, até que finalmente as pontas dos dedos tocaram o ponto verde.
Assim que os dedos tocaram a luz verde, Zanxing sentiu um frescor invadir seu corpo. Toda a sujeira, umidade e pegajosidade foram varridas, e ela pôde mover o corpo abaixo do peito.
Funcionou!
Ela juntou as palmas, recolhendo o ponto verde, mas antes que pudesse avançar, o ponto pareceu ganhar consciência própria e voou de repente para sua boca, entrando em seus lábios.
Uma sensação gelada deslizou rapidamente pela garganta.
Para ser precisa, era como comer uma bala de hortelã, cujo açúcar se dissolvia instantaneamente na boca, virando xarope. No mesmo instante em que essa bala verde entrou no estômago, o corpo de Zanxing ficou mais leve.
O lodo ao redor não parecia mais afetá-la, como se ela nadasse facilmente em água limpa. Zanxing nadou vigorosamente para cima.
Na margem do pântano negro, um pássaro Rakshasa empoleirado na árvore da Videira Noturna inclinava a cabeça, olhando para o redemoinho na água. O redemoinho desacelerou gradualmente e parou de se mover. Sentindo o perigo, o pássaro deu um grito estridente, abriu as asas e voou para longe.
Splash!
De repente, uma mão coberta de lama emergiu do pântano. Logo depois, o corpo de uma mulher surgiu, trazendo o lodo negro e espesso ao seu lado. Após um momento, a mulher, que emergira do pântano, caiu de costas na margem, ofegante, saboreando a alegria de sobreviver após o desastre.
O vasto céu parecia tinta, enquanto incontáveis estrelas caíam como chuva, lançando um brilho misterioso e encantador sobre o sereno Pântano Negro. O miasma já havia desaparecido, deixando a noite nas montanhas perfumada por uma fragrância delicada, tranquila e ampla.
Zanxing olhou por um tempo, franzindo a testa aos poucos, até sentar-se.
Desde que caiu no Pântano Negro até agora, não parecia ter passado muito tempo. Como já estava escuro lá fora?
As palavras de Ziluo ecoaram em seus ouvidos: — Antes do pôr do sol, certifiquem-se de sair. Caso contrário, quando a lua surgir, as feras selvagens despertam, e a montanha se torna muito perigosa.
Zanxing: …
Ela ergueu a cabeça, olhando para a lua que parecia um prato prateado.
Bem, esse enredo original realmente sabia como pegar as pessoas de surpresa.
No espaço aberto antes da entrada proibida do Monte Gufeng, os novos discípulos que entraram na montanha começaram a aparecer um a um. Alguns estavam esfarrapados e desarrumados, claramente tendo passado por muitas dificuldades, enquanto outros pareciam frescos e animados, indicando uma jornada relativamente tranquila na busca por tesouros.
Mas, independente da situação em que cada um retornava, ao puxar a Bolsa Qiankun da cintura, todos não conseguiam esconder a excitação no rosto.
— Eu encontrei uma Flor do Clamor Ressonante!
— Achei a Semente Lingxiao!
— Hehe, peguei um Peixe de Sete Olhos.
— Ah, irmão Sênior, não é o Peixe de Sete Olhos cheio de dentes afiados e super feroz? Como você teve coragem de pegá-lo?
— …Pois é, minha calça foi rasgada em pedaços, e quase perdi minha masculinidade.
Diversas exclamações enchiam o ar enquanto Ziluo permanecia na porta contando os cultivadores que voltavam. Naquele momento, enquanto o céu escurecia, o último raio de sol desaparecia atrás das montanhas, e a noite descia sobre os vales entre os picos distantes.
Um discípulo júnior ao lado dela franziu a testa de repente.
— Irmã Sênior, falta um.
— Falta um? — Ziluo parou, a expressão ficando séria. — Quem ainda não voltou?
Na noite do Monte Gufeng, onde feras selvagens vagavam, era extremamente perigoso. Antes da partida, ela despedira-se de todos, pedindo que retornassem antes do pôr do sol. Como poderia ser…
— É a irmã júnior Yang Zanxing — o discípulo conferiu a lista de nomes e respondeu — Yang Zanxing ainda não voltou.
Nota da autora:
Lembre-se dessa bala de hortelã, você será testado sobre ela mais tarde.
¹ Expressão chinesa 人倒血黴的時候喝涼水都塞牙 (rén dǎo xuè méi de shíhòu, hē liáng shuǐ dōu sǎi yá) — Idioma usado para dizer que, quando alguém está com muito azar, até as coisas mais simples dão errado.
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