Capítulo 1: Tian Jue

 


Ano 4020 da Era Qiyuan, Ilha Tianjue.
As ondas batiam incessantemente contra a encosta rochosa íngreme. O mar era azul, o sol brilhava sobre a água e o reflexo era tão ofuscante que deixava as pessoas tônicas.
No entanto, o que acontecia na costa era completamente diferente daquela paisagem serena. Mu Yungui empunhava a espada contra o ataque da Tartaruga de Ferro, e todos os golpes da fera mágica de segundo nível caíam sobre ela. Um gemido escapou de seus lábios, e um gosto de sangue subiu em sua garganta.
A Ilha Tianjue era cercada pelo mar, isolada do mundo exterior. Mu Yungui nascera ali e, desde que se lembrava, nunca vira ninguém de fora. O ambiente da ilha era hostil, com bestas marinhas ferozes que podiam atacar a qualquer momento. As crianças nascidas na ilha aprendiam desde cedo a evitar feras mágicas. A mãe de Mu Yungui viera parar ali por acidente durante a gravidez. Não pertenciam às quatro grandes famílias da ilha, e, somado à saúde frágil da mãe, Mu Yungui teve que amadurecer rápido. Quando a mãe faleceu, aos quinze anos, ela precisou aprender a se sustentar sozinha.
Naquele dia, o discípulo sênior Nangong Xuan e sua irmã marcial mais jovem, Dongfang Li, insistiram em ir até a Ilha da Oração Imortal para roubar ovos da Tartaruga de Ferro. Mu Yungui não queria correr o risco, mas Dongfang Li garantiu várias vezes que a tartaruga estava no período de desova, sem força para atacar. Segundo ela, bastava pegar o ovo e fugir, sem perigo algum. Sem ter como recusar, Mu Yungui foi arrastada até lá. Porém, no momento da retirada, a irmã júnior acabou alarmando a Tartaruga de Ferro, e a situação se transformou nesse caos.
Engolindo o sangue na boca, Mu Yungui gritou para o companheiro paralisado de medo aos seus pés:
— Vai logo embora!
O rapaz pareceu despertar, correu desajeitadamente até a beira do penhasco e escalou com dificuldade. As pessoas lá em cima o puxaram apressadas. Dongfang Li viu Mu Yungui recuar e se aproximou do cipó pendurado na rocha. De repente, franziu o cenho e exclamou ansiosa:
— Não! A irmã sacerdotisa está em perigo!
Sem esperar qualquer reação dos outros, Dongfang Li se jogou do penhasco, indo ajudar Mu Yungui contra a Tartaruga de Ferro. Mu Yungui estava prestes a se afastar quando a irmã júnior correu para baixo, irritando ainda mais a fera. O ataque da tartaruga se intensificou, e a rocha sob seus pés começou a tremer, prestes a desmoronar.
Mesmo sendo paciente, Mu Yungui teve vontade de xingar Dongfang Li por causar ainda mais confusão. E, ainda por cima, a garota gritava apavorada ao lado dela:
— O que eu faço, irmã Mu?! Eu não consigo mais segurar!
Você é do primeiro nível de Veia Estelar. O que espera que eu, uma do nível zero, faça? — pensou Mu Yungui. Mas, no fim, a outra tinha vindo ajudá-la. Mesmo que fosse um desastre, ainda assim viera.
— Tudo bem — disse Mu Yungui. — A tartaruga não consegue subir o penhasco. Só precisamos chegar até o cipó.
Embora fosse uma fera de segundo nível, a Tartaruga de Ferro não tinha um ataque particularmente forte. Mesmo sozinha, Mu Yungui podia resistir por um tempo. Dongfang Li, por sua vez, era uma jovem rica equipada com armas mágicas e trajes protetores. Não havia razão para estar tão desamparada. Mas ela não conseguia se afastar da batalha, forçando Mu Yungui a permanecer na linha de frente.
Em certo momento, Dongfang Li lançou um feitiço na direção errada, atingindo o chão. Logo abaixo da rocha instável, um grupo de crocodilos venenosos abanava os rabos, famintos, esperando o alimento despencar.
Do alto, Nangong Xuan observava a cena com o semblante carregado.
— Vai desmoronar! Saiam daí, eu vou salvá-las! — gritou.
Em seguida, agarrou o cipó e mergulhou do alto. Com Dongfang Li cometendo erro atrás de erro, Mu Yungui teve que suportar sozinha todos os ataques da tartaruga. Ela gritou:
— Vai! Sobe primeiro!
Dongfang Li correu, e quando já estava fora do alcance da fera, de repente caiu no chão, simulando ter torcido o tornozelo. Nangong Xuan desceu voando do penhasco, hesitou entre ela e Mu Yungui... e acabou escolhendo Dongfang Li.
Ele e Mu Yungui tinham lutado lado a lado muitas vezes, inclusive contra feras em alto-mar. Sabia que ela aguentaria um pouco mais sozinha. Mas Dongfang Li era uma donzela mimada, que nunca tinha tocado em água fria, e agora estava "ferida". Nangong Xuan não pensou duas vezes.
Mu Yungui não esperava que, num momento de vida ou morte, Nangong Xuan fosse escolher justamente Dongfang Li — e ainda mais, que ela estava mais distante.
Dois dias antes, Mu Yungui havia falhado em sua tentativa de abrir as Veias Estelares. Agora, já tinha resistido a vários ataques da Tartaruga de Ferro e estava no limite. Nangong Xuan segurava o cipó com uma mão e Dongfang Li com a outra. Juntos, pareciam um casal celestial se afastando lentamente.
Sozinha no penhasco, Mu Yungui sentiu o chão tremer — e de repente, tudo desabou.
Ela caiu junto com os escombros, mergulhando nas ondas revoltas. Acima, seus companheiros. Abaixo, um grupo de Crocodilos Dente-de-Lança — feras mágicas de terceiro nível, famosas como assassinas dos mares.
O vento marinho passou cortando, arrastando seus longos cabelos. Os olhos de Mu Yungui arderam com a água salgada. Ao abri-los com dificuldade, viu Nangong Xuan pendurado no penhasco com Dongfang Li nos braços, gritando em sua direção. Dongfang Li se agarrava a ele, cobrindo o rosto como se chorasse — mas Mu Yungui viu claramente o canto da boca dela se curvar num sorriso discreto.
Então era de propósito.
A jovem da família Dongfang, que desde criança desfrutava dos melhores recursos da Ilha Tianjue e que conseguiu abrir a Veia Estelar de Tianshu em menos de um mês após entrar na seita… como poderia ser derrotada por uma simples fera de segundo nível?
Dongfang Li queria que Mu Yungui morresse.
Durante a queda, todos os sentidos de Mu Yungui pareciam desacelerar. Ela sentia a brisa do mar passando por seus dedos, ouvia o barulho das ondas batendo nas rochas... e até captou um som vindo do corpo de Dongfang Li, como um dingdong, seguido por uma voz estranha:
— Parabéns à anfitriã por concluir a missão “Matar a Lua Branca do Protagonista¹”.
¹ Nota: “Lua Branca” (Bai Yueguang 白月光) é uma metáfora comum na literatura chinesa para se referir à pessoa idealizada do passado, muitas vezes inatingível, que permanece como um amor perfeito e nostálgico.
Protagonista? Lua Branca?
Mu Yungui caiu na água com um grande plof, respingos atingindo suas costas. Sem tempo para gritar, levantou o braço com dificuldade e enfrentou os crocodilos venenosos ao redor. Contudo, eram muitos. Logo, a água se tingiu de vermelho.
Olhando para a correnteza ao lado, Mu Yungui cerrou os dentes e mergulhou de cabeça no redemoinho.
Os mares ao redor da Ilha Tianjue eram traiçoeiros. Qualquer corrente poderia ser mortal. Ninguém sabia aonde levava aquele redemoinho. Mas ela não tinha escolha — era isso ou ser devorada.
Assim que se aproximou, foi sugada por uma força poderosa. Seu corpo batia contra rochas, objetos desconhecidos, perdia sangue, sofria ferimentos... logo, Mu Yungui perdeu completamente o rumo.
Com a consciência oscilando, ela teve um sonho.
O protagonista do sonho era alguém conhecido: Nangong Xuan, seu companheiro de infância. Algumas partes do sonho eram familiares, como os infortúnios que ele sofrera na juventude, quando era considerado inútil. Mas outras… ela nunca soubera: Nangong Xuan fingira ser fraco, quando na verdade era o típico “lobo em pele de cordeiro”. Era o protagonista daquelas novelas de cultivo onde o herói começa do nada e derrota todos os inimigos, conquistando recursos e armas mágicas sem fim.
Mais tarde, tornava-se o primeiro do continente a abrir as Sete Estrelas, invencível e solitário no topo do mundo. Fundava seu próprio império, fazendo com que todos os povos e cultivadores do mundo se submetessem a ele.
E assim, pisoteando os orgulhosos, cercado por três mil beldades, passava a viver entre beijos embriagados e o domínio absoluto do mundo.
E Mu Yungui era a lua branca que o protagonista masculino Nangong Xuan nunca conseguiu alcançar. E o motivo de nunca ter conseguido... era que Mu Yungui havia morrido cedo demais.
Quando Nangong Xuan era considerado inútil e sofria todo tipo de humilhação por parte da família Nangong, foi apenas uma jovem que o ajudou: Mu Yungui. Mais tarde, após ser rejeitado por Dongfang Li e humilhado cruelmente pelos pretendentes dela, foi Mu Yungui quem lutou por justiça em seu nome, enfrentando aqueles bajuladores com a espada.
Quando o Céu concedeu uma oportunidade, eles finalmente deixaram a Ilha Tianjue e seguiram para o distante Continente do Mundo Imortal, onde se juntaram a uma nova seita. Nangong Xuan iniciou ali sua jornada brilhante de protagonista estilo “Long Aotian”², enquanto Mu Yungui, ao tentar salvá-lo dentro de um reino secreto, acabou morrendo.
² Nota: “Long Aotian” é uma expressão usada para descrever protagonistas extremamente poderosos em romances de cultivo, que superam todos os obstáculos com talento e sorte absurdos.
Ela fora, do início ao fim, apenas uma peça descartável — um instrumento para aquecer a alma do protagonista. Mais tarde, mesmo rodeado de esposas e concubinas, Nangong Xuan jamais conseguiu esquecer sua “ameixinha verde” da juventude. Mu Yungui se tornara a lua branca inalcançável em seu coração... e, por isso mesmo, o alvo do ódio coletivo de todo o harém do protagonista.
Mu Yungui, em seu sonho, sentia a garganta apertada. Ser lembrada assim... não era algo bom. Mas aquilo ainda não era tudo.
Como protagonista, Nangong Xuan não tinha apenas uma família idiota e mesquinha ao redor, mas também uma noiva arrogante: Dongfang Li. Ela aparecia na história insultando o protagonista, rompendo o noivado à força, desfigurando-se acidentalmente e morrendo com os braços decepados e os ossos destroçados — pior até do que Mu Yungui.
A história parecia apenas um clichê de bullying contra o fraco. Mas ninguém esperava que essa noiva... reencarnaria com memória de um outro mundo.
A transmigradora chegou justamente no dia do rompimento. Após ler toda a trama, fez um espetáculo na hora de romper o noivado e, de repente, “voltou à vida”. Não só elogiou exageradamente a refeição de Nangong Xuan, como também rasgou publicamente a carta de rompimento e declarou com pompa:
— Não importa se vive ou morre, eu, Dongfang Li, sou a esposa de Nangong Xuan!
Olhe bem essas palavras — dignas de uma protagonista de alta patente. Além de atrelar-se ao protagonista, ainda o fez como esposa legítima. Depois disso, Dongfang Li abandonou seu antigo comportamento cruel e autoritário, adotando a persona de uma “tsundere”³ adorável. Corria atrás de Nangong Xuan o dia inteiro, buscava agradá-lo, entregava recursos e equipamentos, e até se juntou à Academia da Seita Externa só para estar ao lado dele — como irmã júnior tanto de Nangong Xuan quanto de Mu Yungui.
³ Nota: “Tsundere” é um termo japonês usado para personagens inicialmente frias ou hostis que se tornam afetuosas com o tempo.
O sonho foi se dissipando, mas Mu Yungui já havia compreendido tudo. Então era por isso que Dongfang Li parecia tão diferente de antes. O corpo era o mesmo... mas a alma já tinha sido trocada.
Desde o rompimento, no primeiro mês, Mu Yungui vinha achando Dongfang Li estranha. Mas todos ao redor diziam que a senhorita Dongfang era “arrogante, porém adorável” — bem diferente da jovem cabeça-oca dos boatos. Os professores a elogiavam sem parar, e até os companheiros de batalha de Mu Yungui, com quem ela havia enfrentado vida e morte, passaram a bajular Dongfang Li. Até mesmo os olhos de Nangong Xuan passaram a olhar para Dongfang Li com cada vez mais interesse.
À sua volta, todos pareciam estar sendo tomados por Dongfang Li. E Mu Yungui apenas observava, sendo empurrada, pouco a pouco, para fora do círculo ao qual antes pertencia.
Mu Yungui não entendia por que Dongfang Li lhe era tão hostil. Todos os recursos da Ilha Tianjue estavam monopolizados pelas quatro grandes famílias. Dongfang Li era filha única da família Dongfang e a próxima matriarca. Já Mu Yungui... era só uma forasteira que havia parado ali por acidente. Durante anos, dependia da mãe. Quando ela morreu, aos quinze, restou apenas ela, Mu Yungui.
Até mesmo Nangong Xuan... Quando Dongfang Li declarou publicamente: “Eu sou a mulher do Irmão Xuan, para o bem ou para o mal”, Mu Yungui decidiu, por consciência, manter distância. Parou de sair em expedições com ele. Se Nangong Xuan não tivesse insistido em levá-la para a Ilha da Oração Imortal por influência de Dongfang Li, ela nunca teria saído naquela ocasião.
Quem poderia imaginar que, mesmo com tudo isso, Dongfang Li ainda não ficaria satisfeita? Que precisaria matá-la?
Mu Yungui sentiu que havia batido em algo. Reuniu o que restava de força e tentou escalar. Abriu os olhos com dificuldade na escuridão. Não enxergava quase nada ao redor, apenas ouvia gotas d’água pingando de cima.
Parecia... uma caverna.
Coberta de sangue, cheia de ferimentos e envenenada pelo ataque dos crocodilos, Mu Yungui sentia o sangue escorrer das feridas, sua temperatura caindo — e a morte se aproximando.
Antes de perder a consciência, um único pensamento cruzou sua mente: “Pra quê tudo isso?”
Seus sentimentos por Nangong Xuan nunca foram românticos. E, com todas aquelas mulheres em volta dele depois, seria impossível para Mu Yungui voltar atrás. Se soubesse desde o início o que aconteceria, teria se afastado dele logo.
Mas o destino de Mu Yungui era... morrer cedo. A trama original determinava isso. E, mesmo depois de tudo... ela não conseguia escapar.
Ela dormiu por muito tempo.
Ao despertar, confusa na escuridão, percebeu algo: não estava morta.
Cada osso doía. Ao tentar se levantar, sentiu a ferida se abrir novamente. O sangue infiltrou-se nas rachaduras da rocha e fluiu para fora da caverna. Do lado de fora, crocodilos venenosos nadavam em círculos, atraídos pelo cheiro do sangue. Rosnavam e se agitavam — mas nenhum ousava entrar.
Aquele pequeno movimento consumira quase toda sua energia. Mu Yungui apoiou-se na parede de pedra, tentando respirar. Observou os crocodilos indo e vindo do lado de fora e levantou a cabeça, encarando a caverna:
— Onde é isso... e por que eles não entram?
Feras de baixo nível não têm consciência. Agem puramente por instinto. Se sentem cheiro de sangue, deveriam avançar. O fato de não o fazerem só podia significar que havia algo ainda mais perigoso ali dentro.
Mesmo assim, Mu Yungui pensava com clareza. Na sua condição, tanto fazia o que houvesse na caverna. Não podia lutar. O melhor era se acalmar e recuperar as forças. Se o destino a fizesse cruzar com uma fera mais poderosa, então seria esse seu fim.
Sem energia para procurar abrigo, encontrou uma pedra plana e sentou-se em posição de meditação. Circulou a energia espiritual em seu corpo por um ciclo completo e, por fim, sentiu as feridas se estabilizarem — o sangue não escorria mais.
Sem elixires de recuperação, só lhe restava meditar. Não sabia quanto tempo ficou sentada ali. Quando finalmente conseguiu restaurar metade de sua energia espiritual... percebeu que não conseguiria recuperar o resto.
Algo naquela caverna era estranho. A energia espiritual ali era extremamente escassa. E sempre que ela acumulava um pouco, era sugada por uma força invisível.
Mu Yungui tentou resistir àquilo por muito tempo, mas logo percebeu que era inútil. Ao recuperar sua capacidade de se mover, levantou-se e avançou com cautela pela caverna.
Os crocodilos continuavam a observá-la do lado de fora. Não restava opção senão ir mais fundo — mesmo que isso significasse encontrar algo ainda pior.
A topografia da caverna era esquisita. Se não fosse pelo som da água pingando, Mu Yungui teria pensado que estava no subsolo, afundando cada vez mais. E quanto mais avançava, mais forte era a força que a atraía.
Ela tomou uma decisão arriscada: seguir a força até sua origem. Queria saber o que estava drenando sua energia espiritual.
Depois de um longo tempo, Mu Yungui notou que não havia mais som de goteiras ao redor. As paredes haviam se transformado em cristais congelados. Uma fina camada de gelo cobria o chão e bloqueava a entrada por onde viera.
Atravessando o frio com dificuldade, ela finalmente alcançou o interior da caverna. E o que viu... a fez parar, boquiaberta.
Diante dela havia um salão amplo. As paredes eram lisas, polidas. O chão, coberto de geada espessa. Sob a camada de gelo, padrões de formação mágica podiam ser vistos. No centro do salão, havia um enorme bloco de gelo.
Com os olhos calmos e firmes, Mu Yungui apertou o cabo da espada e aproximou-se lentamente. O bloco de gelo tinha metade de sua altura. A cada passo que dava, sentia uma aura assassina intensa, como se algo dentro do gelo repelisse qualquer aproximação.
Mu Yungui conseguiu se aproximar apenas até a metade do caminho — mais do que isso era impossível. Mas aquela distância bastava para ver o que havia dentro.
Havia uma pessoa presa dentro do gelo.
Mesmo de longe, não conseguia ver o rosto com clareza. Mas o perfil era bem definido, e o corpo parecia envolto numa luz fria, como uma flor de lótus nascida entre neves eternas — puro e sagrado.
Como pode haver alguém aqui?
Instintivamente em alerta, Mu Yungui chamou com cautela:
— Quem é você?
Sua voz ecoou pelo salão, mas não houve resposta. Ela examinou o chão — marcas de água, mas nenhum sinal de luta. Provavelmente foi selado ali sem resistência. Do contrário, haveria vestígios de batalha.
Aliviada, concluiu que não devia se tratar de uma fera mágica. Nos últimos anos, nenhum forasteiro chegara à Ilha Tianjue. Também era improvável que fosse algum cultivador em busca de vingança.
E mesmo que fosse... que isso tivesse a ver com os outros — nada tinha a ver com Mu Yungui.
Agora que os monstros estão assolando o mundo, mortais e cultivadores vivem com muita dificuldade. Os humanos formam uma comunidade e devem proteger uns aos outros. Qualquer um que encontre um cultivador ferido tem o dever de ajudar. Afinal, quanto mais gente viva, mais força há para resistir — do contrário, em pouco tempo, não restará um único humano neste mundo.
Mu Yungui queria ajudar aquele cultivador, possivelmente um irmão de seita. No entanto, o selo era muito estranho. Ela tentou todos os métodos que conhecia, mas nenhum conseguiu rompê-lo. Quando seus dedos tocaram o colar sob suas roupas, ela hesitou por um instante.
Aquele era o último objeto deixado por sua mãe. Se o usasse ali, não teria mais nenhuma lembrança concreta dela. Mas... ao pensar melhor, Mu Yungui concluiu: Relíquias são apenas coisas mortas. Vidas, sim, são preciosas. Se minha mãe visse isso, com certeza me apoiaria.
Com a decisão tomada, Mu Yungui retirou a chave deixada por sua mãe, murmurou o encantamento em voz baixa e, em seguida, mordeu a ponta da língua, derramando uma gota de sangue sobre a chave. O item, gravado com padrões de geada prateada, começou a emitir um brilho suave. Por fim, transformou-se em um feixe de luz branca e penetrou no bloco de gelo. Instantes depois, a pressão invisível que dominava a caverna desapareceu.
Mu Yungui soltou um suspiro longo e aliviado. Imediatamente avançou e começou a escavar o gelo com a espada. Seu corpo, no entanto, estava fraco demais. Intoxicada, ferida e exausta, ficou sem fôlego após poucos golpes. Ela fechou os olhos por um momento, tentando aliviar a tontura na cabeça. Quando a visão clareou novamente, empunhou a espada mais uma vez.
Mas, dessa vez, ao baixar os olhos, algo inesperado capturou seu olhar...

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