Yuchi Li tomou banho, separou algumas roupas e então partiu de volta para o acampamento militar com Liu Luoyi. O céu já começava a escurecer, e, ao erguer a cabeça, ela viu o enorme sol descendo rumo ao horizonte, tingindo céu e terra de um carmesim duplo.
Não havia gritos de comando de treinamento naquele dia; as regras provavelmente estavam um pouco mais frouxas temporariamente, já que partiriam para a batalha dentro de alguns dias. Yuchi Li desmontou do cavalo e estendeu a mão para ajudar Liu Luoyi a descer.
— Sua Alteza está um pouco atrasada para retornar. — Uma voz chamou. Yuchi Li ergueu o olhar e o encarou sem responder, depois enviou o cavalo para os estábulos.
— Eu disse que estaria em E’Gu hoje. Por que está me esperando aqui? — Yuchi Li entrou no acampamento com Liu Luoyi.
— A Princesa ainda não treinou hoje. — Mu Yang pegou os pesos de areia com respeito e, com a mesma reverência, os colocou a seus pés.
Yuchi Li lançou um olhar para os familiares pesos de areia e sentiu uma onda de raiva subir dentro de si, mas logo reprimiu o calor que crescia, encarou Mu Yang com um sorriso superficial e assentiu com firmeza.
Ela pegou os pesos de areia e os lançou sobre os ombros. Liu Luoyi se aproximou para ajudá-la, olhando para ela com apreensão.
Yuchi Li sabia que ela estava preocupada com seus ferimentos e, por isso, sorriu de modo tranquilizador e disse suavemente:
— Está tudo bem, é só uma corrida. Não posso deixar aquele General Cão Pastor me menosprezar.
Mu Yang franziu levemente a testa, mas, como de costume, não se incomodou com os detalhes. Fez um gesto, convidando-a.
Yuchi Li partiu sem dizer mais nada rumo ao campo de treinamento. Já estava acostumada com aquilo nos últimos dias; podia suportar com um pouco de fadiga e dor. Na primeira volta, suas pernas pareciam feitas de chumbo e seus ombros ardiam com uma dor insuportável.
Mas a força em seus ossos a fazia resistir a tudo. Na primeira noite, estava tão exausta que nem conseguia sair da cama.
Para uma princesa, ela era certamente a mais miserável de todas.
Depois de correr duas voltas, ela voltou ofegante e lançou os pesos de areia longe. Mu Yang assentiu como se tivesse completado uma tarefa. Só então se voltou para Liu Luoyi:
— Posso perguntar, Princesa, quem é...
— Você não precisa saber quem ela é. Ela me acompanhará daqui em diante. Designe alguns soldados para protegê-la. — Yuchi Li enxugou o suor da testa e se apoiou nos braços de Liu Luoyi.
Liu Luoyi estava fora de si de tanta aflição. Enxugou o suor de Yuchi Li, toque por toque, fazendo o máximo para sustentá-la.
Ela podia imaginar antes o quanto Yuchi Li devia estar cansada, mas agora, vendo com os próprios olhos, sentia-se ainda mais angustiada.
Mu Yang as observou e quis dizer algo, mas não o fez. Em vez disso, mudou de assunto diretamente:
— Princesa, Sua Majestade ordenou que partíssemos depois de amanhã rumo à fronteira. O campo de batalha é um lugar perigoso. Tem certeza de que deseja levar essa mulher?
— Sim, tenho certeza. — Yuchi Li respondeu, puxando a mão de Liu Luoyi e seguindo de volta para o acampamento.
Mu Yang as observou partir e silenciosamente recolheu os pesos de areia espalhados pelo chão, depois subiu calmamente a um ponto alto, observando tudo. Antes, quando ouviu pela primeira vez que ele e a Cavalaria Lobo deveriam seguir lealmente uma princesa como ela, sentiu-se, para falar a verdade, insatisfeito. No entanto, nos últimos dias em que a pressionou, descobriu que ela era completamente diferente do que diziam os rumores.
Era difícil imaginar que uma princesa criada no luxo conseguiria se humilhar tanto.
Mesmo que tivesse vivido antes em um acampamento militar, ninguém jamais ousara dificultar as coisas para ela como ele havia feito. Só teve coragem de usar esse método para treiná-la após a sugestão do rei. Mas, depois desses dias, percebeu que Yuchi Li nem precisava de treinamento — ela era esforçada, seu temperamento era calmo e, às vezes, decidida. Nesse aspecto, era quase perfeita.
Ele estava até um pouco impressionado.
Mas o campo de batalha nunca era tão simples. E quanto a como essa mulher que um dia se tornaria governante reagiria diante da carnificina da guerra, isso ele aguardaria para ver.
O dia logo chegou ao fim. Ao raiar da manhã seguinte, os chifres soaram no acampamento, seus sons surdos perfurando a névoa e ecoando por toda a região. Yuchi Li se preparava para sair quando se assustou ao erguer a cortina e ver Mu Yang parado ali.
— O senhor é bem diligente, General Mu. — Yuchi Li levou a mão ao peito, surpresa.
— Raramente durmo em campanha, Alteza. — disse Mu Yang, com a voz baixa.
Yuchi Li encontrou seu olhar e, como sempre, achou que as emoções em seus olhos estavam demasiado ocultas, que ele era difícil de decifrar. Mas agora ela compreendia: aquilo era a apatia de quem já havia vivenciado demais.
— Prepare-se, Princesa. — Mu Yang disse, virando-se e indo embora após falar.
Yuchi Li se virou e olhou para Liu Luoyi. O semblante de Liu Luoyi era sereno e, surpreendentemente, sem preocupações. Ela segurou com delicadeza o cordão vermelho ao redor do pescoço de Yuchi Li e puxou o pingente de jade escondido, aninhando-o nas palmas das mãos.
Então se inclinou e o beijou. Depois disso, o vermelho no centro do jade pareceu ainda mais vívido.
— A’Li, estou bem atrás de você. — Liu Luoyi sorriu para Yuchi Li e entrelaçou levemente seus dedos com os dela, depois partiu com Xin Ran e subiu em uma carruagem.
Yuchi Li estava radiante por causa daquela ação. Segurou o pingente de jade e o levou furtivamente aos lábios. Depois, escondeu o sorriso e assumiu uma expressão digna enquanto se dirigia até Mu Yang.
— Princesa, erga a bandeira. — Mu Yang disse baixinho atrás dela.
Seguindo suas palavras, Yuchi Li ergueu a bandeira militar no ar. As tropas imediatamente começaram a erguer os punhos e a gritar. A visão estava turva por causa da névoa no ar. Tudo o que ela podia ver era o vai e vem de pequenos pontos: seus braços erguidos.
Os gritos se uniram em um canto mais retumbante que o som do chifre, ecoando como trovão pelas planícies. Quando chegaram aos ouvidos de Yuchi Li, seu espírito se elevou. Uma bolha de entusiasmo se formou dentro dela, um arrepio a preenchendo até o ponto de transbordar.
A coluna de soldados se espalhava como uma serpente enquanto atravessavam as planícies planas e sem fim. Yuchi Li, Mu Yang e dois generais adjuntos estavam sentados em uma carruagem. A carroça chacoalhava bastante, mas ela mantinha os olhos fixos no mapa, com expressão inalterada.
— Então o Reino Yan enviou o dobro de homens do que temos atualmente na fronteira? — Yuchi Li perguntou, mordendo o nó do dedo indicador.
— Sim, foram ousados o bastante para fazer uma incursão imprudente e devem conhecer bem nossas defesas. A floresta não os deterá por muito tempo e, assim que a batalha começar, minhas forças sofrerão baixas. — respondeu Mu Yang.
Yuchi Li olhou para o mapa, imersa em pensamentos. O Território do Norte era composto principalmente por planícies com apenas algumas colinas pequenas. Se quisessem enfrentá-los, teriam que encarar de frente.
— Mas por que não nos mobilizaram antes? — Yuchi Li franziu a testa.
Ao ouvir isso, o olhar de Mu Yang vacilou com um traço de desconforto. Ele fez uma pausa e então disse:
— A Cavalaria Lobo é a força de combate mais habilidosa do Território do Norte, invicta em batalha. Isso porque utiliza ataques surpresa, atacando como lobos nas planícies. Depende de pegar o inimigo desprevenido, no momento em que relaxam.
— Então vocês já tinham um plano o tempo todo? — Yuchi Li ergueu o olhar e o encarou.
— Não, tudo depende da sua decisão, Princesa. — Mu Yang abaixou a cabeça.
Yuchi Li suspirou. Em outras palavras, eles não eram exatamente reforços, mas sim os responsáveis por atacar por trás. Muitas vidas na guarnição da fronteira certamente seriam sacrificadas.
— O Território do Norte tem uma população pequena, e o exército também é pequeno. Princesa, haverá mortes inevitavelmente no campo de batalha. Você precisa endurecer o coração. — Mu Yang disse, encarando-a pela primeira vez sem desviar o olhar.
Yuchi Li fitou seu rosto cheio de cicatrizes, permaneceu em silêncio por um momento, depois abaixou a cabeça para continuar examinando o mapa.
— Eu sei. Mas ao menos precisamos acertar o momento. — disse ela, com a voz baixa. Apontou para um canto do mapa. — Isso aqui é um pântano? Podemos atravessá-lo?
— Sim. Porém, é perigoso. A Princesa pode nos seguir por trás. — Mu Yang assentiu.
— Não há necessidade. Irei com vocês e farei o reconhecimento da área. — Yuchi Li disse com leveza. Fechou o mapa sem sequer pedir licença, recostou-se sem expressão e não disse mais uma palavra.
Os outros dois generais adjuntos não ousaram falar naquela atmosfera. Depois de ouvirem os planos de Mu Yang, prestaram continência a Yuchi Li e saíram cautelosamente da carruagem.
Mu Yang permaneceu sentado atrás dela em silêncio. Yuchi Li virou a cabeça e olhou para a paisagem que gradualmente se iluminava do lado de fora da janela. O céu límpido e azul pairava sobre as vastas planícies, sereno e pacífico.
Em breve, tudo estaria coberto de cadáveres e rios de sangue. Ela não sabia em que tipo de situação se encontraria, mas Mu Yang estava certo. A guerra gerava sacrifícios; qualquer um que se levantasse para proteger aquela terra precisava aceitar a possibilidade da própria morte.
Ela apertou o pingente de jade em sua mão e fechou os olhos.
O sol abrasador era como um incêndio aceso nos céus; o vento frio de outono resistia ao seu calor, esfriando gradualmente suas chamas salpicadas.
Lâminas de grama verde-amarelada roçavam botas e barras de roupas, sendo pisoteadas impiedosamente. Quando se erguiam de novo, eram tingidas de carmesim, permanecendo como testemunhas trêmulas do que acontecia ao redor.
Corpos cobriam o chão em número inimaginável. Estivessem trajando armaduras do Reino Yan ou as vestes do Território do Norte, todos estavam empilhados sem vida, seus sangues se misturando em poças que manchavam o solo e a vegetação. Até onde os olhos alcançavam, havia devastação absoluta.
O ar fresco da brisa, ao adentrar o banho de sangue, também se tingia do fétido cheiro de sangue, carregando o horror e a carnificina para terras distantes em torrentes. A guerra se espalhava pela terra, e ao lado daqueles incontáveis corpos, ainda havia gente lutando, golpeando e cortando com olhos injetados de sangue.
As armaduras cintilavam sob a luz do sol, ocupando grande parte da paisagem. Os soldados do Território do Norte pareciam em estado lastimável, lutando enquanto perdiam terreno pouco a pouco. O desfecho já parecia decidido. Os vencedores avançavam por cima dos corpos dos próprios companheiros, cegos pela ânsia de matar.
Tendo acabado de atravessar o pântano, Yuchi Li observava tudo de um ponto distante. Apertou os punhos. Diante de seus olhos, a relva outrora verdejante agora era um mar de vermelho. O cheiro de sangue no ar a fazia querer vomitar.
Ela nunca havia visto algo assim desde que chegara àquele mundo. Comparado com a crueldade que presenciara na residência Lu, o impacto daquela cena era dezenas de vezes maior.
Mordeu o lábio com tanta força que quase sangrou. Ao seu lado, Mu Yang pressionou seu ombro, dizendo com calma:
— Espere, Princesa. Ainda não é hora.
Yuchi Li respirou fundo e continuou observando.
Depois de mais ou menos o tempo de queimar um bastão de incenso[1], Mu Yang soltou sua mão. Yuchi Li ergueu a bandeira militar, fincou-a no chão, então soltou um grito e esporeou o cavalo para frente.
[1] Unidade de tempo comum em culturas orientais; equivale aproximadamente a 15 minutos, o tempo de queimar um bastão de incenso.
As fileiras do Reino Yan logo se romperam. A Cavalaria Lobo, tal como o nome sugeria, avançava sobre o inimigo sem quebrar formação. Yuchi Li conseguia sentir incontáveis pessoas morrendo à sua frente. Por algum motivo, sua mente se tornou tranquila. O punhal em sua mão virou um borrão; qualquer um que se aproximasse, caía.
Ela avançava sem se importar com o inimigo. Ouviu Mu Yang gritar alarmado ao seu lado, mas não lhe deu atenção.
Riscos precisam ser tomados para salvar vidas. Outros não podem assumir esses riscos, mas eu posso.
O inimigo parecia perceber o que ela estava planejando e avançava contra ela em ondas sucessivas. Os flashes e o brilho das lâminas eram ofuscantes; Yuchi Li praticamente deixou de confiar na visão e passou a usar os ouvidos, abrindo um caminho sangrento por entre os adversários.
O coração de Mu Yang se apertou, mas, sem outra escolha, ele pisou no corpo ao lado e saltou, alcançando Yuchi Li para defender parte dos ataques inimigos. Alguns generais adjuntos o seguiram para proteger a princesa.
— Princesa, isso é perigoso! — Mu Yang disse, antes de ser interrompido por Yuchi Li.
— Me ajude. — A voz dela era calma, sem nenhum traço de alarme. Quando Mu Yang encontrou seu olhar, pôde ver o brilho determinado em seus olhos.
Ele abaixou a cabeça lentamente, apoiando-se com ambas as mãos nos joelhos, oferecendo as costas para Yuchi Li. No instante seguinte, ela pisou com a planta do pé em suas costas. Mu Yang absorveu a força tremenda, endireitando o corpo ao mesmo tempo.
Com Yuchi Li no centro, sua força interna irrompeu. Como se carregados pelos ventos de um furacão, os soldados inimigos foram arrastados, colidindo entre si e caindo em desordem. Partículas de areia encheram o ar, transformando tudo em uma neblina densa. Quando a visão voltou ao normal, Yuchi Li já estava à distância, correndo em direção à bandeira do exército do Reino Yan, escondida atrás das fileiras.
Mu Yang escondeu a preocupação nos olhos, não a olhou mais, e continuou liderando a Cavalaria Lobo na dispersão das tropas inimigas.
Algum tempo depois, o corpo de Yuchi Li estava coberto de sangue. Até suas bochechas claras estavam manchadas de vermelho vivo, destacando ainda mais o olhar injetado e afiado como lâmina.
Os inimigos à sua frente pareciam não ter fim. Ela sentia o cansaço nos ossos, mas o treinamento de Mu Yang nos últimos dias havia dado frutos, garantindo-lhe tempo precioso.
Yuchi Li aproveitou a oportunidade e ergueu os olhos. Seu coração se agitou com entusiasmo — a bandeira militar amarela e brilhante não estava tão longe. As tropas inimigas começaram a se agitar, provavelmente por causa da pressão que ela impunha. Os soldados que protegiam os comandantes recuaram.
Ela soltou uma risada curta, mandando um inimigo voar com um golpe de costas.
Um grito agudo soou à sua frente. Yuchi Li franziu o cenho. Viu um soldado do Reino Yan cair no chão, os olhos esbugalhados, o topo da cabeça perfurado por uma flecha ensanguentada.
Yuchi Li sentiu um calafrio no peito; eles eram capazes de ignorar completamente a própria vida só para me derrubar. No segundo seguinte, flechas flamejantes vieram de todas as direções, em rápida sucessão, atingindo os soldados ao seu redor. Por um momento, o campo de batalha parecia estar em chamas, com lamentos e gemidos amargos por todos os lados.
Yuchi Li desviou das flechas e ergueu os olhos — apenas para encontrar o olhar de outro, vasto e profundo como o mar.
Sentiu o coração afundar. A pessoa com aquele olhar puxou a corda do arco com indiferença e disparou uma flecha assobiando em sua direção. Seus disparos eram extremamente precisos, cada um mirando diretamente em seus pontos vitais[1].
Não importava o quanto desviasse, Yuchi Li sentia como se as flechas estivessem coladas nela, seguindo cada um de seus movimentos. A raiva irrompeu em seu peito e ela simplesmente parou de desviar, avançando diretamente contra a pessoa que as disparava.
O outro aparentemente não esperava que ela fosse tão ousada. Suas mãos hesitaram por um momento, dando a Yuchi Li uma brecha. Ela lançou o punhal com um zunido, sua velocidade mais rápida que a de uma flecha. O olhar da pessoa vacilou e ele saltou do cavalo. O punhal cravou-se no corpo do animal e, com um relincho, o cavalo tombou no chão.
Quando ele tocou o solo, deu de cara com Yuchi Li. Seus olhos se encontraram. Um sorriso se formou nos lábios de Yuchi Li. Seus cabelos negros se espalhavam ao vento, acentuando sua aparência impiedosa e feroz.
— Faz tempo, Lorde Zhou Qing.
As pupilas de Zhou Qing se contraíram levemente. Então ele assentiu educadamente e ergueu a lâmina. Yuchi Li levantou a mão no mesmo instante. Quando suas armas colidiram, ela sentiu a pele entre o polegar e o indicador adormecer.
As habilidades do homem à sua frente não podiam ser subestimadas. Ela estreitou os olhos.
— Vender-se a uma nação inimiga, ousar liderar pessoalmente tropas para atacar o Território do Norte. Que grande general e fiel súdito é o senhor, Lorde Zhou. — Yuchi Li zombou.
Zhou Qing não respondeu. Mantinha uma postura gentil. Até a profundidade de seu olhar permanecia inalterada, tornando-o indecifrável.
Ele só falou após algumas trocas de golpes, ofegando levemente:
— Este humilde jamais imaginou que a Princesa seria tão ousada.
— Achou que venceria com facilidade e voltaria para relatar a vitória, provando o quanto é devoto? — Yuchi Li retrucou, trocando o punhal por uma espada e o empurrando para trás com uma sequência de golpes técnicos.
Zhou Qing apenas sorriu em silêncio.
— Nunca pensou no que aconteceria se fosse derrotado? Lorde Zhou, depois de tanto esforço, no fim das contas, o prejuízo é seu. — Yuchi Li continuou provocando, sorrindo ao falar.
Zhou Qing balançou a cabeça, mas não disse mais nada. Gotas límpidas de suor formaram-se em sua testa, escorregando por seu rosto e pingando sobre as lâminas de grama manchadas de sangue.
O sangue seco começava a se umedecer novamente.
A conclusão do duelo já estava selada. Embora Zhou Qing fosse extremamente habilidoso, não havia como superar Yuchi Li. Essa diferença logo se tornou evidente à medida que seus movimentos se desorganizavam.
— Acredita se eu disser que vou cortar sua cabeça aqui mesmo e oferecê-la ao meu Real Pai como expiação? — Yuchi Li continuou provocando Zhou Qing como antes. Ao ouvir as palavras “Real Pai”, a expressão de Zhou Qing, que estivera imóvel o tempo todo, finalmente se alterou.
Ele perdeu o foco por um instante. Yuchi Li girou a mão e usou sua força interna, lançando-o ao chão, e imediatamente saltou. Havia poucos soldados ao redor deles, e já era tarde demais para impedi-la.
E assim, entre alguns gritos angustiados, Yuchi Li arrancou a bandeira militar fincada no alto e tomou uma das flechas em chamas. Então, línguas de fogo subiram pela bandeira, e a fumaça se espalhou pelo ar aberto. O entorno pareceu silenciar por um momento.
A partir dali, o campo de batalha sofreu uma reviravolta tremenda. Os soldados do Território do Norte, que até então vinham recuando, avançaram com um brado, seus ânimos renovados. Os soldados do Reino Yan começaram a recuar, seu moral desmoronando.
A Cavalaria Lobo havia rompido as linhas internas e assumido uma formação semicircular para interceptar os que fugiam.
A batalha durou um dia e uma noite inteiros. Das dez mil tropas do Reino Yan, restava apenas cerca de metade. O Reino Yan enviou um pedido urgente de armistício, concordando em retirar as tropas e restaurar as relações amigáveis entre os dois países.
No campo de batalha em chamas, poucos ainda estavam de pé: apenas soldados cambaleantes, vasculhando por companheiros caídos. Corpos jaziam até onde a vista alcançava, quase sem fim.
Agora, Yuchi Li podia dizer que compreendia o verdadeiro significado de “rios de sangue”[2].
Ela desabou no chão, encostando-se na fortificação de sacos de areia. Uma das mãos segurava a faca ensanguentada, que ainda pingava lentamente, enquanto a outra repousava sobre o joelho, pendendo sem forças.
Pessoas eram levadas diante dela num fluxo incessante. Os feridos soltavam gritos de partir o coração. Membros decepados e corpos mutilados estavam espalhados diante de seus olhos. Yuchi Li não suportava mais olhar. Baixou o olhar, fitando silenciosamente as próprias botas.
Alguém se aproximou e lhe estendeu um cantil. Yuchi Li o pegou e bebeu um gole.
— Na minha primeira batalha, mesmo tendo sido só um vislumbre de combate, este humilde mijou nas calças de medo e teve que ser carregado de volta para E’Gu. — Mu Yang sentou-se ao lado dela. Seu tom soava melancólico, mas trazia um leve sorriso.
Ele ergueu a mão e tocou a cicatriz no rosto, então disse:
— O rei e eu achávamos que, diante de uma cena como esta, a Princesa certamente se esconderia no acampamento, sem ousar mostrar o rosto.
— A intenção original do rei era apenas lhe dar alguma experiência. Ele nunca esperou que a Princesa fosse realmente nos acompanhar até o campo de batalha, muito menos que ajudasse a aniquilar o inimigo com tanta rapidez.
Yuchi Li lançou-lhe um olhar. Agora, os olhos de Mu Yang não estavam cheios de falsa reverência, mas sim de genuína admiração e respeito.
Ela assentiu e se levantou com esforço, perguntando:
— Onde está Zhou Qing?
— Detido e à espera de seu interrogatório, Princesa.
— Leve-me até ele.
Zhou Qing estava ajoelhado em um estado deplorável, amarrado com cordas grossas. Ainda mantinha a expressão inalterada e, se observado de perto, parecia até esboçar um sorriso gentil no rosto.
Ele chegou a inclinar a cabeça em saudação para Yuchi Li.
— Traição e aliança com o inimigo: crime capital. Tem algo que deseja dizer? — Yuchi Li perguntou com leveza.
— Este súdito é culpado. — Zhou Qing respondeu com firmeza. Observou Yuchi Li e continuou: — Desde que a enfrentei no Território do Norte, Princesa, comecei a ter alguns arrependimentos. Se eu soubesse antes que a senhora era assim... talvez tudo tivesse sido diferente.
Yuchi Li franziu o cenho.
— Depois de servir como espião por mais de uma década, logo me esqueci de como era o Território do Norte. Ouvi dizer que o rei não ouviu o conselho de seus súditos e insistiu em nomeá-la como Princesa Herdeira. Foi então que comecei a nutrir intenções rebeldes. — Zhou Qing relatou lentamente. Olhava para as planícies escuras, com um traço de apego no olhar.
— Não ousava me destacar, não ousava lutar. Só me restava esconder minha identidade e servir com afinco como um oficial íntegro do Reino Yan. Já se passaram mais de dez anos... este súdito está cansado. — suspirou.
— Que nobreza hipócrita. — Yuchi Li riu com frieza.
— Sim, a ganância cega. O Território do Norte não pôde oferecer a este súdito riquezas e poder. Nem mesmo seu rei. Este súdito sequer ousou formar uma família.
— Este súdito desejava demais. E o Território do Norte não podia oferecer. — Zhou Qing sorriu, e, pela primeira vez, um sentimento genuíno surgiu em seu olhar.
— Então por que está aqui? Aceitar o favor do Príncipe Herdeiro não seria mais simples? Ou será que, mesmo depois de todos os seus esforços, ele ainda não confiou em você? — Yuchi Li inclinou-se levemente, fitando-o.
Zhou Qing inclinou a cabeça com indiferença:
— Esta batalha deveria ter sido uma vitória certa. A Princesa estava fora dos cálculos.
Yuchi Li assentiu e se endireitou. Virou-se, sem querer olhá-lo mais. Não desejava saber de mais nada. Ele havia errado, e não havia desculpa possível.
— Princesa, qual será a punição? — Mu Yang perguntou do lado.
— De acordo com as leis do Território do Norte: morte, sem direito a perdão. — Yuchi Li declarou com firmeza, e então se afastou, sem se importar com o que acontecia atrás de si.
Quando retornou ao campo de batalha, as línguas de fogo já haviam sido extintas. O cheiro de sangue e um fedor nauseante invadiram seus sentidos, deixando-a tonta. Toda a força a abandonou de repente; até seus passos pareciam flutuar sobre o chão.
Caminhou sem rumo entre os destroços da batalha, ajudando a procurar possíveis sobreviventes.
Ela não percebeu que, atrás de si, uma figura delicada a seguia com passos miúdos, desviando com extremo cuidado dos corpos caídos e sem se importar com as manchas de carmesim na barra da roupa.
Quando finalmente notou os movimentos atrás de si, uma fragrância familiar a envolveu. Os olhos de Yuchi Li se avermelharam, e ela se virou e abraçou a pessoa sem dizer nada.
— Xiao Liu’er... — sussurrou com a respiração entrecortada.
Liu Luoyi a abraçou com ternura. Seu abraço era limpo e puro, enquanto o corpo de Yuchi Li estava em estado lastimável, coberto de sangue e manchas de terra.
As duas se abraçaram ali, no campo de batalha, tendo às costas a colossal lua que derramava feixes de luz pura e sagrada em forte contraste com a terra devastada e quebrada.
Liu Luoyi podia sentir Yuchi Li tremendo. Só pôde acariciar seus ombros, tentando usar seu próprio perfume para abafar o cheiro de sangue e fazer o possível para acalmá-la.
Após algum tempo, Yuchi Li finalmente ergueu o rosto. Com os olhos marejados, examinou Liu Luoyi de cima a baixo com atenção. Pausou, então disse:
— Está cheio de cadáveres por toda parte. Você não tem medo?
— Não tenho. — Liu Luoyi sorriu suavemente. Estendeu a mão e limpou o sangue seco do rosto de Yuchi Li.
Yuchi Li olhou para baixo, viu a barra do vestido dela e balançou a cabeça. Pensou que alguém tão puro como Liu Luoyi não deveria se manchar com sangue.
Então, no instante seguinte, Yuchi Li a ergueu nos braços em um carregamento de princesa. Liu Luoyi soltou um pequeno grito de surpresa e rapidamente passou os braços ao redor do pescoço dela. Não a repreendeu, tampouco disse mais nada. Apenas se aconchegou silenciosamente contra Yuchi Li, esperando enquanto era levada para fora daquele campo de batalha angustiante.
Ela nem esperou que Yuchi Li a colocasse de volta no chão coberto de grama — esticou o pescoço e a beijou nos lábios. Pouco a pouco, com gestos hábeis, aqueceu os lábios ressecados pelo vento.
Yuchi Li a apertou com ainda mais força. Inclinou-se e tomou a iniciativa de aprofundar o beijo.
A apatia e a dor em seu coração desapareceram por completo. Agora, tudo o que ela queria... era que aquele momento durasse para sempre.
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A autora tem algo a dizer:
— Hoje é Qixi. Vocês têm alguém pra passar a data com vocês? O quê? Não têm? Haha, eu tenho! — Yuchi Li sorriu de canto, segurando Liu Luoyi nos braços.
— … — Xin Ran
— Maldição… vocês acham que eu não sou capaz de escrever um final trágico pra vocês?! — Qi Qian, completamente tomada pela fúria, emanando uma poderosa energia de “cachorro solteiro”[3].
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Notas de rodapé:
[1] Mais especificamente, seu “portão da vida”, um ponto localizado entre os rins que, segundo a medicina tradicional chinesa, é considerado a fonte da vida, energia vital etc.
[2] Expressão usada para descrever a devastação total deixada após uma batalha.
[3] Parte do pseudônimo da autora.
No dia em que a Cavalaria do Lobo retornou vitoriosa, toda a nação celebrou. As ruas de E’Gu estavam apinhadas de gente, restando apenas uma abertura no meio para Yuchi Li passar. Ela mantinha um sorriso diplomático no rosto, com a cabeça para fora da lateral da carruagem, acenando para a multidão.
As pessoas se ajoelhavam à sua passagem, gritando o nome “Princesa”. Yuchi Li se sentia envergonhada.
Desde o fim da guerra, a notícia da vitória logo alcançou E’Gu e, com os adornos trazidos pelo boca a boca, o povo passou a chamar Yuchi Li de grande heroína, retratando sua batalha como a de uma guerreira divina; com um toque romântico, ela teria penetrado sozinha as forças inimigas, decapitado o líder deles e incendiado sua bandeira.
Assim, quando voltou, o povo a aclamava como se fosse uma deusa.
Quando voltou a entrar na carruagem, seu sorriso já estava rígido no rosto. Esfregou as bochechas e fez uma careta para Liu Luoyi.
O caos da guerra podia agora ser considerado encerrado, e outro assunto importante estava em pauta; ou seja, como explicar ao Rei do Norte que ela queria se casar com Liu Luoyi.
Por mais que pensasse, era uma tarefa difícil.
— E se a gente fingisse que está se abraçando e pedisse pra Xin Ran trazer meu Real Pai pra nos flagrar? — Yuchi Li esfregou o queixo.
Ao ouvir isso, Liu Luoyi corou e balançou a cabeça apressadamente.
— Podemos pedir pra minha irmã contar pra ele? — Yuchi Li franziu o cenho.
— Não é certo — Liu Luoyi continuava balançando a cabeça.
— Então só nos resta ser diretas — disse Yuchi Li, cerrando os dentes.
Respirou fundo algumas vezes para controlar as emoções. Falar a verdade de forma direta era mais angustiante do que simplesmente explodir quando se está tomada pela emoção. Por outro lado, teve sorte de ter retornado com uma vitória. Independentemente de como o Rei do Norte reagisse, provavelmente não a culparia muito.
Pela primeira vez, Yuchi Li achou E’Gu pateticamente pequena; em pouco tempo, chegaram aos portões do palácio. A cortina se ergueu, e feixes de luz solar caíram sobre o rosto de Yuchi Li.
Liu Luoyi se virou para olhá-la, segurou gentilmente sua mão e as duas desceram juntas.
— A’Li, não tenha medo — murmurou Liu Luoyi ao seu lado. Yuchi Li deu uma risadinha ao ouvir aquilo. Não esperava que um dia seus nervos seriam acalmados por Liu Luoyi.
— Mhm — Yuchi Li sorriu e assentiu. Seguiram o atendente pelo caminho até o salão de recepção do palácio destinado a convidados distintos. O salão era diferente do grandioso e dourado da nação Yan, sendo um pouco mais simples. Ao entrar, Yuchi Li deu de cara com a pele de tigre pendurada atrás do trono.
A pele tinha duas grandes cavidades no lugar dos olhos, fazendo com que Yuchi Li se arrepiasse na hora. O salão era vazio e opressivo, o teto circular pintado com uma mistura estranha de desenhos e padrões.
— Li’er! — Uma voz estrondosa ecoou. Yuchi Li levou um susto e, no instante seguinte, foi envolvida por um abraço de urso do Rei do Norte, que surgira do nada. Ele ainda lhe deu alguns tapinhas fortes nas costas, rindo alegremente.
— Este rei pensava que essa guerra ainda ia se arrastar, e já estava preparando o envio de reforços à fronteira. Mas jamais esperava que você fosse romper o avanço deles. Com certeza é filha deste rei! — o Rei do Norte gargalhava. Suas mãos pousaram sobre os ombros de Yuchi Li, afastando-a um pouco. Ele a examinou de cima a baixo e, ao ver que estava realmente sem ferimentos, pôde enfim se tranquilizar.
Yuchi Li levou a mão ao peito, quase tendo sofrido uma lesão interna com os tapas nas costas. Forçou um sorriso enquanto ouvia seus elogios.
— Agora que voltou, não precisa retornar ao acampamento por tão pouco tempo, descanse um pouco. Eu, seu rei[1], já emiti o decreto nomeando você como Princesa Herdeira. Em breve haverá uma grande cerimônia, e, depois disso, você será verdadeiramente a sucessora do meu Território do Norte — o Rei do Norte sorriu amplamente, olhando para sua preciosa filha com alegria.
Yuchi Li achou que aquele era o momento ideal. Cerrou os dentes, mas justo quando ia abrir a boca, foi puxada de lado pelo colarinho pelo Rei do Norte.
Discretamente, ele tirou um maço de papéis e os enfiou nas mãos de Yuchi Li.
Atônita, ela pegou os papéis e perguntou:
— Real Pai, o que é isso?
— São os candidatos a Fuma[2] que este rei selecionou para você. Pode escolher um entre eles.
O coração de Yuchi Li deu um salto. Ela folheou os papéis de forma rígida e, como temia, o retrato de Baili Mingyuan estava no topo. Yuchi Li revirou os olhos e jogou os papéis sobre a mesa.
— Real Pai, pra ser sincera, eu… — Yuchi Li estendeu a mão e puxou Liu Luoyi, que estava atrás dela, querendo dizer a verdade. No entanto, antes que pudesse terminar, foi interrompida pelo Rei do Norte.
— Desde que este rei viu esta jovem pintando da última vez, tive uma boa impressão dela. Venha, este rei tem algo a lhe dizer — o olhar do Rei do Norte pousou em Liu Luoyi. Um tremor percorreu o corpo dela. Ela olhou para o rei, hesitou por um momento e então assentiu.
Quando o Rei do Norte sorria e conversava, exalava camaradagem e simpatia. Mas, quando estava sério, sua presença era imponente e intimidadora. O olhar direto dele pegou Liu Luoyi desprevenida e seu coração se apertou de medo.
Mas, com esforço, ela sorriu e deu um tapinha na mão de Yuchi Li, sinalizando que estava bem.
Fosse lá o que o Rei do Norte queria dizer a Liu Luoyi, Yuchi Li ficou intrigada. Segurou o braço dela com força, sem deixá-la ir.
O Rei do Norte não disse mais nada. Apenas virou-se e caminhou até os fundos do salão.
Liu Luoyi deu um tapinha de repreensão em Yuchi Li e sussurrou suavemente:
— A’Li, estou bem, não se preocupe.
Yuchi Li mordeu o lábio, relutando em soltá-la. Liu Luoyi soltou uma risadinha. Ela acariciou o queixo de Yuchi Li como se estivesse confortando uma criança, depois se ergueu na ponta dos pés e roçou o rosto com seus cabelos macios.
— A’Li — murmurou. Havia um sorriso em seus olhos, quase provocador.
Yuchi Li soltou-a sem perceber, e quando se deu conta, Liu Luoyi já havia desaparecido.
A parte de trás do salão de recepção era um corredor vazio com apenas uma janelinha, o que lhe dava um aspecto sombrio. O Rei do Norte virou-se e esperou por Liu Luoyi em silêncio.
Liu Luoyi engoliu em seco. Caminhou com a cabeça baixa e fez uma reverência como aprendera com os locais.
— Quem exatamente é você? — perguntou o Rei do Norte.
— Esta mulher comum chama-se Liu Luoyi, filha do Primeiro-Ministro do Reino Yan, Liu Ru — respondeu Liu Luoyi, sem levantar a cabeça.
O Rei do Norte segurou entre os dedos a pulseira de prata reluzente em seu pulso. Com algo na mente, fitou Liu Luoyi por um momento, o olhar profundo, antes de dizer:
— Este rei ouviu alguns rumores. Embora sejam apenas rumores, são incrivelmente detalhados, então este rei não pode deixar de ter certas dúvidas.
Liu Luoyi sentiu o coração apertar, como se alguém o estivesse espremendo com tanta força que ela mal conseguia respirar. O tempo pareceu parar. Após um longo momento, seus joelhos de repente cederam, e ela simplesmente se ajoelhou no chão.
O Rei do Norte franziu o cenho, mas não fez nenhum movimento e continuou a observá-la com a mesma calma de antes.
— O que significa isso?
Mesmo ajoelhada, o corpo de Liu Luoyi permanecia ereto. Ela apertou as mangas com os dedos, os cílios tremendo. Lentamente, abriu a boca.
— Para responder ao senhor, Rei do Norte, os rumores que circulam em E’Gu são verdadeiros.
As mãos do Rei do Norte estremeceram levemente. Mantendo a compostura, ele se curvou até a metade e abriu a mão. Liu Luoyi pôde sentir a energia pulsante na palma áspera dele; se ela caísse sobre si, certamente morreria.
Naquele momento, Liu Luoyi subitamente deixou de ter medo. Levantou a cabeça e encarou diretamente os olhos do Rei do Norte ao declarar:
— Os sentimentos de amor por Sua Alteza nasceram no coração desta mulher comum durante nosso tempo no Reino Yan. A própria Princesa também disse que não se casaria com ninguém nesta vida além de mim.
— Você não teme a morte? — o Rei do Norte disparou ao ouvir suas palavras.
Liu Luoyi balançou a cabeça sem desviar o olhar.
— Mesmo que deseje a morte desta mulher comum, ela não retirará suas palavras — disse Liu Luoyi, os olhos ficando vermelhos. As lágrimas que se acumulavam refletiam a determinação firme contida neles.
— Eu amo a Princesa. Amo com todo o meu ser.
O Rei do Norte fitou os olhos lacrimejantes de Liu Luoyi, e depois de um tempo, finalmente abaixou a mão e retirou a força interior como se nada tivesse acontecido.
Endireitou-se, puxando Liu Luoyi para cima ao mesmo tempo, e em seguida caminhou a passos largos em direção à saída do salão. Assustada, Liu Luoyi correu atrás dele apressadamente. Só viu o Rei do Norte dizer algo para Yuchi Li e, por algum motivo, erguer a mão de repente. Yuchi Li se assustou e instintivamente levantou as mãos para se proteger.
Tudo aconteceu tão rápido que Liu Luoyi não teve tempo de reagir. Correu mais rápido do que jamais havia corrido na vida e envolveu os braços ao redor de Yuchi Li, usando o próprio corpo para protegê-la.
Yuchi Li quase caiu para trás com o impacto, mas felizmente, graças à sua base sólida, apenas deu alguns passos para trás e conseguiu se manter de pé.
A dor que Liu Luoyi esperava nunca chegou. Só então ela teve coragem de virar a cabeça lentamente e viu que a expressão do Rei do Norte, que estivera tensa o tempo todo, por fim relaxara em algo parecido com impotência, exasperação e diversão.
Yuchi Li a segurava pela cintura e passou a mão em sua cabeça. Disse, sem saber se ria ou chorava:
— Xiao Liu’er, o que deu em você?
Só então Liu Luoyi percebeu que havia se jogado em cima de Yuchi Li e agora estava pendurada nela como um polvo. A posição era completamente indecente. Ela corou imediatamente e se soltou, ajustando as roupas.
No entanto, intencionalmente ou não, ainda ficou na frente de Yuchi Li, caso o Rei do Norte decidisse descontar sua raiva nela.
O Rei do Norte tossiu levemente. Esfregou o queixo, com uma expressão um tanto embaraçada. Seu olhar hesitava em pousar na direção de Yuchi Li. Só falou depois de um tempo:
— Eu, seu rei, tenho assuntos de estado para tratar. Vocês duas podem voltar e descansar.
— Real Pai, espere — Yuchi Li o chamou às pressas.
— Não precisa dizer nada. Este rei já havia investigado esse assunto há muito tempo e só estava testando vocês duas — suspirou o Rei do Norte, balançando a cabeça. — Filha, você é sempre assim. Já não sofreu o suficiente da última vez?
Ele lançou um olhar a Liu Luoyi, que parecia frágil e delicada enquanto se apoiava nos braços de Yuchi Li, com os olhos marejados, e ainda assim teve coragem de se jogar sobre alguém daquela forma. Soltou outro longo suspiro:
— Deixe pra lá. Aposto que desta vez você não vai sair perdendo.
Acenou com a mão:
— Die’er supostamente está convidando vocês para um jantar de boas-vindas e nem chamou este rei. Podem ir.
Depois de falar, virou-se e saiu apressado. Uma fileira de atendentes, atônitos com a cena que acabavam de presenciar, o seguiu em silêncio, sem ousar dizer nada.
— Majestade, iremos agora para o gabinete? — um dos atendentes perguntou cautelosamente.
— Caiam fora. Este rei vai voltar para a cama chorar um pouco — respondeu indignado.
— Os netos deste rei, ah… — soltou um longo suspiro que ecoou pelo caminho.
Yuchi Li ainda estava um pouco atônita. Acariciou os cabelos de Liu Luoyi novamente e perguntou:
— Espera… o que vocês conversaram agora há pouco?
O rosto de Liu Luoyi ficou vermelho, e ela enrolou-se nas palavras:
— Sobre… nós duas.
— Você contou pra ele? — Yuchi Li engoliu em choque. Nunca imaginou que algo assim seria resolvido daquela forma, sem que ela movesse um dedo. Parecia totalmente irreal.
— Isso quer dizer que… Real Pai concordou? — Yuchi Li falou novamente, sendo empurrada em direção à entrada enquanto continuava despejando perguntas.
— Acho que sim — Liu Luoyi respondeu, corando, e puxou Yuchi Li pela mão. Só de pensar em seu comportamento de agora há pouco, sentia-se completamente envergonhada.
Mal sabia ela que o que a faria corar ainda mais a aguardava logo adiante.
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Notas de Rodapé
↑1 Uma pequena observação: o rei do território do norte geralmente se refere a si mesmo como ben wang (本王). No entanto, aqui ele usa uma forma diferente, zhen (朕), que às vezes é traduzida como “nós” quando usada por imperadores ou soberanos. Achei que isso poderia causar confusão, por isso traduzi da forma como fiz.
↑2 Outra observação: anteriormente foi usado o termo tainv (太女) para descrever sua nova posição como princesa mais velha, equivalente ao taizi (太子), que designa o Príncipe Herdeiro. Aqui, o rei usa chujun (储君), que também pode ser traduzido como Príncipe Herdeiro, mas refere-se especificamente àquele nomeado oficialmente como sucessor. Não sei se há uma maneira de distinguir esses dois termos com precisão em português.
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