101
Sendo segurada por alguém com a cabeça entre as mãos, Ban Hua estava tonta de novo, então simplesmente apoiou a cabeça no corpo da outra pessoa, preguiçosa demais até para fingir ser uma bela e serpenteante donzela sem ossos.
Alguns presentes não resistiram e lançaram mais alguns olhares furtivos.
Rong Xia se virou e posicionou Ban Hua atrás de si.
— Cuidado para não se sentir mal do estômago.
Apesar de Ban Hua ser delicada e macia, raramente ficava doente desde pequena. Agora, no entanto, estava tonta, completamente fraca, sentindo-se mole e sem forças. Quando Rong Xia falava, ela nem se dava ao trabalho de se mexer.
Liu Banshan, o Shaoqing do Templo Dali, pigarreou discretamente e virou-se para o comandante Chen:
— Comandante Chen, a princesa não está se sentindo bem. Talvez seja inapropriado incomodá-la.
— Isto... — O comandante Chen sabia que a princesa Fule ainda ocupava certo espaço no coração de Sua Majestade, então não ousava forçá-la a responder suas perguntas mesmo doente. Chovia e ventava na noite passada, e a princesa havia manchado as mãos de sangue. Assustada, caiu doente, mas... ele estava obcecado com o marquês de Cheng’an. — O senhor Liu está certo.
Levantou-se e disse a Ban Hua:
— Por favor, descanse bem, princesa. Este oficial se empenhará em capturar o assassino o quanto antes.
Rong Xia deu tapinhas leves nas costas de Ban Hua e respondeu ao comandante Chen:
— Perdoe-nos, comandante Chen.
— O marquês fala sério, isso é dever deste oficial — disse o comandante Chen ao ver Rong Xia protegendo Ban Hua, ganhando uma nova impressão dele. Apesar de ser um general, lidava frequentemente com civis devido às suas funções. A maioria desses civis preferia mulheres empáticas, gentis e virtuosas. Mulheres fortes com espadas sempre causavam receio nos funcionários.
Um caso como o da noite anterior, se espalhado, provavelmente geraria muitos comentários — nem todos agradáveis. Por mais bela que uma mulher fosse, nem todos aceitavam que ela matasse, mesmo que fosse por necessidade, mesmo que não houvesse outra escolha.
Quanto ao pobre juiz de Jingzhao, ele sequer ousou abrir a boca do início ao fim, apenas assentia ao que os outros diziam. Afinal, todos ali eram mais influentes que ele, e não podia se dar ao luxo de ofender ninguém.
Ao ouvir o comandante Chen afirmar que não pediria declarações à princesa Fule, ele suspirou aliviado por dentro, desejando levantar-se imediatamente e convidar o marquês Cheng’an e a princesa Fule a se retirarem. No entanto, antes que pudesse se mexer, viu um jovem vestindo um traje de seda branca entrando apressadamente.
Ora, não é esse o filho do famoso libertino Jun Jingting da capital?
— Irmã! — Quando Ban Heng soube que a mansão do marquês Cheng’an havia sido invadida por assassinos, correu para lá sem parar. Nem esperou ser anunciado e entrou direto pelo portão da mansão Rong. Os criados da família Rong não ousaram detê-lo de verdade — afinal, ele era o futuro cunhado do marquês e irmão da futura marquesa. Quem ousaria ofendê-lo?
Ao ver sua irmã encostada em Rong Xia com aparência frágil, Ban Heng ficou tão aflito que quase saltou três palmos do chão:
— Irmã! O que aconteceu com você? Está ferida? Onde se machucou? Chamaram o médico imperial?
Ban Hua ouvia um zumbido nos ouvidos. Quando virou a cabeça e viu Ban Heng andando em círculos, aflito, não conseguiu conter o riso — mas ao balançar a cabeça, tudo voltou a girar.
— Irmão, a princesa pegou um resfriado ontem e não está ferida. Já mandei chamar o médico imperial — explicou Rong Xia, que sabia da boa relação entre os irmãos Ban e não se ofendeu com o comportamento impaciente de Ban Heng. — Por favor, sente-se.
— Minha irmã está assim, como posso me sentar? — Ban Heng circulou em volta de Ban Hua. — Ela sempre foi forte como um touro desde pequena e raramente adoece. Mas quando fica doente... é uma calamidade.
— Você é o touro...
Mesmo doente, ainda se esforçava para manter sua imagem elegante. Ban Hua esfregou a testa contra a cintura e o abdômen de Rong Xia, resmungando:
— Para de se mexer... Tô tonta.
Ban Heng parou imediatamente e tocou a testa de Ban Hua. Estava mesmo muito quente. Lançou um olhar feroz para Rong Xia, querendo culpá-lo por não cuidar bem dela, mas ao perceber que havia outras pessoas presentes, engoliu as palavras.
Era um dos princípios da família Ban: resolver seus próprios assuntos familiares sem deixar que outros assistissem à cena.
Vendo a expressão preocupada do herdeiro Ban, os oficiais presentes não sabiam se deviam sair ou ficar. Se fossem embora, poderiam parecer indiferentes com a saúde da princesa — o que não pegaria bem. Mas se ficassem, ela era uma mulher, e não era apropriado continuarem ali.
Felizmente, o marquês Rong era atencioso. Percebendo o dilema, disse:
— Quase me esqueci. Se os senhores desejarem mais informações sobre o assassino, podem perguntar aos meus guardas. Um deles está ferido e repousa dentro da casa. Se não se importarem, podem interrogá-lo.
— Então pedirei que os criados da Mansão Rong nos conduzam — respondeu o comandante Chen prontamente.
Depois de saírem do pátio principal, o juiz de Jingzhao não conseguiu conter um suspiro emocionado:
— A princesa Fule é realmente uma heroína entre as mulheres.
Liu Banshan sorriu:
— Muito bem dito.
O comandante Chen não tinha muito contato com aqueles dois funcionários civis. Limitou-se a assentir de forma rígida, sem dizer muito.
Liu Banshan lançou um olhar para o taciturno comandante Chen, manteve a expressão inalterada, mas os olhos se voltaram para o muro do pátio. Havia ali um rastro de sangue sobre as telhas. Horas haviam se passado, e mesmo depois da chuva, a mancha já não era tão viva — parecia mais um rastro de lama suja.
Pouco depois, o médico imperial chegou. Tomou o pulso de Ban Hua e declarou:
— Por favor, não se preocupem, marquês e príncipe. A princesa está apenas resfriada. Com a medicação adequada e alguns dias de repouso, logo se recuperará. No entanto... — Ele lançou um olhar cauteloso a Ban Heng — a princesa sofreu um choque além do frio. Antes de se recuperar completamente, não é indicado que se movimente ou enfrente ventos.
Embora relutante quanto à permanência de Ban Hua na casa dos Rong, Ban Heng sabia discernir as prioridades. Assentiu, cabisbaixo, sem dizer nada contra.
— Há alguma restrição alimentar? — perguntou Rong Xia, que sabia do quanto Ban Hua era exigente para comer. Olhou para ela, deitada na cama em sono febril, e estendeu a mão para tocar sua testa — ainda assustadoramente quente.
— Coisas gordurosas e oleosas estão proibidas por enquanto — disse o médico imperial, alisando a barba grisalha. — Também não se pode comer nada apimentado ou gelado.
— Obrigado, médico imperial. Vou anotar tudo — respondeu Rong Xia, pegando o pano que a criada havia torcido e colocando-o suavemente sobre a testa de Ban Hua. A jovem, adormecida e sonolenta, pareceu perceber que havia algo sobre sua cabeça e tentou afastar.
Rong Xia rapidamente pressionou o pano com uma mão e, com a outra, deu leves tapinhas no cobertor, tentando acalmá-la como uma criança até que ela adormecesse profundamente.
Ban Heng, observando o gesto, virou-se e disse:
— Vou voltar e trazer os criados que minha irmã costuma usar. Vamos incomodar a Mansão do Marquês por alguns dias. O Lorde Marquês não se importa?
— Sejam bem-vindos.
Ele olhou para Ban Hua adormecida e não ousava sequer pensar em recusá-los.
Depois que Ban Heng partiu, a medicação ficou pronta. Rong Xia acordou Ban Hua, pegou a tigela das mãos da criada, encheu uma colher com o líquido escuro e a levou até os lábios dela.
Ban Hua, ainda sem forças, olhou para o conteúdo escuro e amargo. Seu estômago revirou, e por pouco não vomitou. Vendo que sua expressão não estava boa, Rong Xia rapidamente afastou a tigela, deu leves tapinhas em suas costas e perguntou:
— Está com o estômago enjoado?
— Uhum... — murmurou Ban Hua, olhando para Rong Xia com cansaço e um toque de mágoa. — Tem um cheiro horrível.
Rong Xia provou um pouco do remédio. Era realmente amargo, adstringente e de gosto terrível. Franziu a testa e lançou um olhar ao mordomo que estava parado atrás dele:
— Por que esse remédio está tão amargo?
O mordomo congelou por um instante.
— Lorde Marquês... remédio bom costuma ser amargo.
— Não tem pílula? — Vendo que Ban Hua estava tão pálida quanto papel, Rong Xia falou com voz suave e persuasiva: — Hua Hua, que tal tomar só um pouco primeiro?
Diante do olhar suplicante e preocupado do belo homem, Ban Hua não conseguiu resistir e assentiu.
Então, outra colher foi levada até ela.
— Me dá a tigela — resmungou Ban Hua, recusando o método das colheradas. Tomar metade daquela tigela aos poucos era simplesmente uma tortura, pior do que morrer de tédio. Apesar de ser bom que o belo homem quisesse alimentá-la pessoalmente, esse método era demais até para ela.
Rong Xia ficou surpreso por um instante, mas entregou a tigela a Ban Hua.
Ela pegou o recipiente e bebeu tudo em vários goles, precisando comer algumas frutas cristalizadas logo depois para conter o enjoo que subia pela garganta.
A criada trouxe uma xícara de chá para que enxaguasse a boca. Ban Hua tomou um gole, cuspiu e disse:
— Não consigo mais enxaguar. Se eu enxaguar de novo, vou vomitar o remédio.
— Tome o remédio e durma bem, transpire bastante — disse Rong Xia, ajudando-a a se deitar, cobrindo-a com o edredom, depois pegou um lenço para limpar os cantos da boca dela e, incapaz de se conter, acariciou sua testa febril com um beijo suave. — Durma tranquila.
Ban Hua abriu os olhos, e o olhar úmido e curvado em seus olhos logo se fechou, adormecendo outra vez.
A criada ao lado corou com a cena e virou o rosto, embaraçada.
— Cuidem bem da princesa — disse Rong Xia, levantando-se do banco. — Voltarei mais tarde.
— Sim, senhor.
Rong Xia saiu do pátio principal e perguntou ao mordomo que o acompanhava:
— O comandante Chen já foi embora?
— Lorde Marquês, os oficiais já deixaram a residência.
Rong Xia assentiu. Sua expressão estava gelada, como uma lâmina recém-saca em pleno inverno — afiada, fria e perigosa ao toque.
— Mande Wang Qu me encontrar no escritório.
Wang Qu, ao ver o marquês, não pôde evitar de se curvar profundamente.
— Descobriu o traidor?
— São dois porteiros. Alguém ameaçou suas famílias...
— Não quero ouvir desculpas — interrompeu Rong Xia, sem levantar os olhos. — Resolva de acordo com as regras.
Wang Qu curvou-se ainda mais:
— Este subordinado compreende.
— Se não fosse pela princesa Fule ontem à noite, hoje a Mansão do Marquês estaria pendurando faixas brancas para receber condolências — disse Rong Xia, finalmente erguendo o olhar para Wang Qu. — Superestimei a inteligência de Jiang Luo.
— Lorde Marquês, este subordinado acredita que o príncipe Ning não consegue mais se conter.
O príncipe Ning era impaciente e em constante atrito com Rong Xia. Agora que o marquês havia voltado a ser valorizado por Sua Majestade, o príncipe Ning escolheu a solução mais estúpida — feriu o inimigo em oitocentos, mas se machucou em mil.
— E quando foi que ele conseguiu? — Rong Xia soltou um riso frio. — Xie Chongjin parece estar morrendo?
Wang Qu se surpreendeu com a mudança de assunto:
— É verdade que o Dalang Xie não está mais se recuperando, mas o que isso tem a ver com o príncipe Ning?
— Antes não tinha, agora tem.
Ele não acreditava que o imperador Yunqing se livraria do segundo príncipe por causa dele — conhecia bem o imperador: egoísta, desconfiado, achando sempre que o mundo lhe devia algo. Jamais admitia erro. Mesmo que o príncipe Ning fosse um desastre, ainda era seu filho. Quando tudo fosse esclarecido, talvez o imperador até punisse alguns lacaios do príncipe para aliviar a raiva, mas jamais tocaria no segundo príncipe.
Não importava o que a família Xie fizesse agora — estavam amarrados ao grande navio que era o príncipe Ning. Rong Xia queria transformar Xie Chongjin em uma farpa encravada no coração da família Xie.
— Lorde Marquês, o herdeiro Ban está aqui — anunciou a voz do mordomo do lado de fora do escritório.
Rong Xia saiu apressado para verificar e viu um grupo de pessoas carregando várias grandes caixas. Havia de vinte a trinta homens e mulheres — alguns vestidos como criadas, outros como guardas. Ban Heng estava cercado por eles, parecendo um valentão de rua liderando seus capangas para cobrar taxas de proteção.
— Irmão Ban — Rong Xia lançou um olhar às grandes caixas no chão —, não sei o que são esses itens...
— São as roupas, joias e alguns pertences que minha irmã costuma usar — suspirou Ban Heng. — Já que ela vai ficar temporariamente hospedada na sua casa, não quero que leve muita coisa, então trouxe só o básico.
— Irmão Ban, não precisa de formalidades. Se precisar de mais alguma coisa, é só pegar. Nossa família não faz cerimônia — disse Rong Xia, conduzindo Ban Heng até o pátio interno. — Vá ver o quarto. Se tiver algo que não gostar, mande os criados mudarem.
— Fique tranquilo, não sou exigente com onde durmo.
Ban Heng havia trazido apenas uma caixa com seus pertences. Além de alguns criados e guardas, nenhuma criada o acompanhava. A maioria das pessoas que trouxera era para servir Ban Hua.
Os criados da família Rong logo perceberam que o filho mais velho da família Ban era muito fácil de lidar. Fora ser exigente com comida, não tinha nenhuma reclamação. Ao ver as belas criadas da mansão Rong, não lhes lançava sequer um segundo olhar, não as intimidava nem criava problemas sem motivo.
Um rapaz assim é chamado de libertino?
O padrão dos "bon vivants" da capital realmente estava baixo demais.
Ban Hua havia tomado o remédio e caído em sono leve. Depois de beber meia tigela de mingau, dormiu de novo. No meio da noite, acordou uma vez. Não havia vela no cômodo, mas um castiçal exalava uma luz tênue.
Aquilo era... uma lanterna feita com pérolas noturnas?
— Hua Hua, você acordou? — Ao vê-la despertar, Rong Xia apressou-se em dizer: — Não durma ainda, vou pedir que tragam o remédio aquecido.
— Por que você ainda não dormiu? — Ban Hua estava fraca, tentou se sentar mas logo deitou de novo.
— Dormi à tarde — disse Rong Xia, com a voz abafada. Levantou-se e foi até a porta, falou algo com quem vigiava do lado de fora e voltou rapidamente para junto da cama. — Está se sentindo melhor?
— Estou toda suada, é desconfortável — disse Ban Hua, estendendo a mão para fora do cobertor. Mas, ao virar o rosto, Rong Xia a cobriu de novo.
— O médico imperial disse que você não pode pegar mais frio. Seja boazinha, não faça birra.
— Quem está fazendo birra? — resmungou Ban Hua com uma tossinha seca. — Quero trocar de roupa.
— Vou pedir para as criadas a ajudarem.
Rong Xia esfregou o nariz com certo desconforto, então se levantou mais uma vez e foi até a porta. Logo, duas criadas entraram.
— Ruyi? Yuzhu? — Ban Hua piscou. — O que vocês estão fazendo aqui?
— Princesa, o príncipe nos trouxe — respondeu Ruyi, enquanto ajudava Ban Hua a se vestir. — Ele ficou preocupado de que outras pessoas não soubessem das suas preferências e não conseguissem servi-la direito.
Ao ver que o marquês Cheng An já havia saído do quarto, Ruyi e Yuzhu apoiaram Ban Hua até atrás do biombo.
Deitada novamente na cama, Ban Hua murmurou com a voz rouca:
— O príncipe também veio?
Pelo que conhecia do irmão, ele jamais deixaria que ela morasse sozinha na mansão do marquês Cheng An por tanto tempo.
— Sim — disse Ruyi, enxugando o suor da testa de Ban Hua com um lenço quente. — O príncipe está hospedado no pátio ao lado.
Ban Hua sorriu:
— Esse pirralho...
Nem tenho coragem de xingar.
Logo depois, Rong Xia entrou novamente, tocando a testa de Ban Hua com a mão:
— Ainda está com febre baixa.
Ele a envolveu no cobertor, ajudou-a a se sentar na cabeceira da cama e levou a tigela de remédio até os lábios dela:
— Vou te dar o remédio.
Finalmente sem colherzinha.
Ban Hua prendeu a respiração e tomou o remédio todo, mordendo uma fruta cristalizada que Rong Xia colocou em sua boca. Um leve sorriso apareceu em seu rosto pálido.
— Está rindo de quê? — perguntou Rong Xia, segurando-a com uma mão e limpando o canto da boca com a outra.
— Primeiro da minha beleza — disse Ban Hua, piscando os olhos, com um ar extra inocente.
Rong Xia riu baixinho:
— A minha beleza está nos meus braços.
— Humm... — Ban Hua bocejou. — Ainda quero dormir.
— Então durma — disse Rong Xia, sorrindo, mas sem soltá-la. Ban Hua abriu os olhos e olhou para ele. Só dava para ver seu queixo e metade do rosto. Mas beleza é beleza: mesmo só com a nuca à mostra, ainda era bonito.
— Lorde Marquês... — Ruyi quis dizer que ele podia deitar a princesa e deixá-la descansar sozinha.
Mas Cheng Anhou a olhou, e ela fechou a boca na hora. Quando ela e Yuzhu saíram do quarto, percebeu que estava com a testa coberta de suor.
— Irmã Ruyi, não é inapropriado o Marquês An ficar no quarto? — sussurrou Yuzhu. — Devemos entrar e servi-la?
— Não precisa — respondeu Ruyi, respirando fundo. — Se a princesa quisesse que ficássemos, já teria falado antes de dormir.
Além disso, com o caráter do senhor Rong, ele não faria nada, e com elas e algumas guardas femininas do lado de fora, ele também não podia fazer nada.
Rong Xia nunca tinha visto Ban Hua tão fraca. No dia a dia, ela era como uma raposa deslumbrante, cheia de energia. Onde quer que estivesse, era sempre a mais brilhante. Ninguém conseguia ignorá-la — ou melhor, quando ela estava presente, era difícil até prestar atenção em mais alguém.
Vê-la assim pela primeira vez, tão indefesa, despertava nele o impulso de fundi-la ao próprio corpo, mas tinha medo de machucá-la. Só podia segurá-la com extremo cuidado, sem querer soltar, mas também sem ousar apertar demais.
Como pode existir uma mulher tão maravilhosa neste mundo?
Enquanto ela existisse, o resto do mundo pareceria cinzento — só ela era deslumbrante como uma pintura viva.
Jamais imaginou que um dia haveria uma mulher de pé diante dele, empunhando uma espada, como uma montanha protegendo-o do vento e da chuva, bloqueando lâminas por ele.
Sua mãe fora fraca, com o rosto sempre tomado por uma tristeza infindável, contando-lhe incessantemente sobre suas dores. Sempre de novo, e de novo, como uma névoa espessa que nunca se dissipava.
Antes de morrer, aquelas mãos finas apertaram seu braço até sangrar. Disse que temia que o pai se casasse de novo e a esquecesse. Seu amor, ódio, dor e lembranças eram como os sonhos sombrios de uma jovem solitária — nunca foram bonitos, nem mesmo no fim.
Nunca se preocupou com o que aconteceria com os dois filhos sem a proteção de uma mãe. Tampouco achava errado despejar sua tristeza e dor sobre eles repetidamente. Gostava de coisas elegantes e sóbrias, e até moldou os filhos a terem os mesmos gostos desde pequenos.
Detestava o vermelho chamativo. Dizia que ouro e prata eram vulgares. Chegou até a zombar da família Ban quando ainda estava viva.
Ela nunca usava as joias do cofre da casa, porque achava que eram apenas objetos — e que a mulher mais bela é aquela que é bonita mesmo sem adornos. Uma mulher obcecada por joias, que gastava energia com roupas e enfeites, era, aos olhos dela, vulgar e superficial. Não se dignava a dizer uma palavra a esse tipo de pessoa, muito menos a sentar-se ao lado delas.
Quando criança, ele já imaginara como as joias do armazém da mansão ficariam bonitas em sua mãe. No entanto, antes mesmo de comentar, sua mãe o fez entender que quem gostava dessas coisas era fútil.
Então, ele enterrou esse pensamento bem fundo dentro de si.
Ser gentil, elegante, agradável e moderado nas palavras e ações — essa era a expectativa que sua mãe lhe dera, e foi assim que ela o criou.
Depois, ela morreu. O pai também morreu. E o irmão mais velho desapareceu. Ele foi o único que restou de toda a família Rong. E se tornou o mais digno cavalheiro de toda a linhagem.
Mas toda vez que entrava no armazém da mansão Rong, não conseguia evitar olhar para aquelas joias.
Elas são claramente tão belas... por que gostar disso seria considerado vulgar?
Por quê?
Até aquele dia.
Enquanto cavalgava pela rua, viu aquela jovem nobre — a mesma que havia conhecido por acaso nas montanhas — vestindo um traje vermelho, também montada a cavalo, chicoteando um homem. Todos os seus olhos foram atraídos por ela. Todo o resto do mundo parecia cinzento e sem vida. Somente ela era como uma chama, tão deslumbrante que lhe tirava o fôlego.
Aquilo era beleza vívida e extrema. Como poderia ser vulgar?
Saindo das lembranças, Rong Xia olhou para a mulher adormecida em seus braços. Colocou-a de volta na cama, levantou-se e lhe deu um beijo leve nos lábios. Eles tinham um gosto amargo, mas estavam mornos.
Lambendo discretamente o canto da boca dela, Rong Xia se recostou na cabeceira da cama e fechou os olhos.
Ban Hua sabia que estava sonhando de novo.
Ela viu Shen Yu vir se despedir, viu Xie Qilin perder um olho, viu Xie Wanyu e Jiang Luo se casarem — e os dois se afastarem por causa de Shi Feixian.
O sonho mudava com rapidez e sem lógica. Às vezes era primavera, depois nevava lá fora; num piscar de olhos, o jardim se enchia de flores.
O príncipe estava trancado em um pátio escuro e úmido. Parecia estar escrevendo algo, mas antes que Ban Hua se aproximasse, o sonho mudava outra vez. Agora, ela via o salão principal do Grande Palácio da Lua tomado por guardas da guarda imperial. Shi Jin estava ao lado do comandante da guarda, os dois com o rosto coberto de sangue, sem que fosse possível saber se estavam vivos ou mortos.
Um par de botas azul-esverdeadas de sola grossa atravessava a porta. A sola pisava sobre o sangue coagulado. A pessoa pareceu achar aquele sangue sujo demais e, então, levantou o pé e pisou num cadáver ao lado, esfregando o calçado para limpá-lo antes de seguir adiante.
— Rei Changqing, por que está fazendo isso?
— Por quê? — O homem riu e abriu lentamente o leque que segurava. — O imperador Yunqing me deve isso.
Príncipe Changqing?! Ban Hua ouviu passos vindo por trás. Ao se virar, viu Jiang Luo entrando com uma equipe de guardas armados com espadas, o rosto cheio de orgulho.
Jiang Luo?!
Ela olhou, chocada, para os dois caminhando juntos. Como o rei Changqing poderia estar ligado a Jiang Luo?
Ban Hua abriu os olhos de repente, vendo o véu da cortina flutuar e Rong Xia deitado na cabeceira da cama.
— Hua Hua, você acordou?
Ban Hua encarou Rong Xia por um momento, então perguntou de repente:
— Você tem uma boa relação com o rei Changqing?
Ela se lembrava de que, quando o rei Changqing a convidou — junto com o irmão Heng — para ver os pássaros, Rong Xia ficara ao lado dele.
Rong Xia limpou o suor da testa dela como sempre fazia e respondeu:
— Não é tão boa assim. Ele gosta da minha caligrafia e pintura, por isso costuma me convidar para conversar sobre poesia. Mas nem sempre tenho tempo.
Ban Hua assentiu levemente e sussurrou:
— Melhor não ir.
— O quê? — Rong Xia sorriu, olhando para ela.
Ban Hua balançou a cabeça:
— Ainda estou um pouco tonta.
— Deixe-me massagear para você — disse Rong Xia, pressionando as têmporas dela. — Por que pensou nele de repente?
— Tive um sonho.
— Sonhou com ele e não comigo?
Ban Hua riu ao ouvir isso:
— Eu não sonhei com ele, sonhei com um porco e um estorninho.
— Hã?
— O estorninho estava em cima do porco, e o porco podia voar. Quando sonhei com o estorninho, lembrei que Sua Alteza Changqing me convidou para ver um estorninho. — Ban Hua olhou para Rong Xia. — Como um porco pode voar?
— Provavelmente porque esse porco está sonhando?
— Ah.
Ban Hua mordeu o dorso da própria mão.
— Ai... os porcos não apenas voam, como também mordem as pessoas.
Ban Heng, parado na porta, pensou sem expressão:
Será que cheguei cedo demais?
102
Ban Hua soltou a mão, olhou para a fileira de marcas de dente no dorso da mão de Rong Xia e resmungou:
— Se eu fosse um porco, o que você seria?
— Eu seria apenas um porco honesto correndo atrás de você...
— Cof, cof, cof!
Ban Heng achou que, se não fizesse nenhum movimento para mostrar sua presença, os dois no quarto provavelmente nem perceberiam que ele estava ali.
— Irmão Heng — chamou Ban Hua ao vê-lo —, venha, venha. — E empurrou Rong Xia para o lado, para que o irmão não ficasse do lado de fora atrapalhando sua visão.
— Irmã, Lorde Rong. — Ban Heng entrou pela porta e cumprimentou Rong Xia com um gesto de cortesia. Embora sua atitude não fosse descortês, também não era calorosa. Ele olhou para Ban Hua, deitada na cama, e estava prestes a dizer algo, mas ao notar os hematomas ao redor dos olhos de Rong Xia, que ainda não tinham se espalhado por completo, engoliu as palavras.
— Está se sentindo melhor? — O quarto tinha cheiro de remédio amargo, e havia uma tigela vazia sobre a mesinha de madeira ao lado. Obviamente, o medicamento já tinha sido tomado.
Ban Hua fez um som afirmativo, a voz nasal um pouco carregada. Com o rosto pálido e os olhos grandes, parecia frágil e abatida — e aquilo amoleceu o coração de Ban Heng. Ele ainda não sabia exatamente o que tinha acontecido na noite anterior, mas vendo a atitude dos criados da Mansão Rong, sua irmã claramente tinha ajudado muito Rong Xia.
— O pai e a mãe estão muito preocupados com você, mas também sabem que o Lorde Rong tem um temperamento confiável, então ficaram mais tranquilos ao saberem que você está se recuperando aqui. — Ao dizer isso, Ban Heng virou-se para Rong Xia e lhe lançou um sorriso educado.
Rong Xia sorriu com certa amargura ao ouvir aquilo. Aquelas palavras soavam como um gesto de confiança, mas na verdade eram um alerta.
Ban Hua sorriu, sem graça:
— Acabei deixando os dois anciãos preocupados...
— Está tudo bem. Mamãe me disse antes de eu sair: você não precisa se preocupar com nada, só foque em se recuperar. — Ban Heng falou com o rosto relaxado, obviamente esperando a reação de Rong Xia. — De qualquer forma, mamãe disse que você não tem muitos neurônios para se ocupar com isso.
Ban Hua não considerou isso um elogio.
Rong Xia, que estava ao lado dos irmãos, não conseguiu conter uma risada. Quando Ban Hua virou o rosto para olhá-lo, ele fechou uma das mãos e a levou até a boca, tossindo duas vezes:
— Perdão, eu...
Ban Hua disse com tolerância:
— Se quiser rir, ria. Não se reprima.
Rong Xia não riu naquele momento, mas pediu que os criados levassem Ban Heng para tomar o café da manhã. Depois que Ban Heng saiu, ele voltou a rir.
Ban Hua olhou para ele com um olhar afetuoso e impotente, como se dissesse: Não há nada que eu possa fazer com você mesmo.
Ao ver aquele olhar, o sorriso de Rong Xia se tornou ainda mais evidente.
Na Mansão do Tio Zhongping, a família Xie já havia dispensado uma leva após outra de médicos, mas todos davam a mesma resposta: haviam salvado a vida do filho mais velho, mas não podiam salvar... sua virilidade.
Xie Jinke tinha dois filhos e uma filha. O filho mais novo havia perdido a razão e ficado cego de um olho. Agora, passava os dias entre amigos de poesia e pintura, como um monge, sem interesse por relacionamentos. A filha mais nova, embora casada com um título nobre, não era feliz — o Rei Ning não era alguém afetuoso. Embora ostentasse o título de princesa, sua vida não era mais confortável do que se tivesse casado com um homem comum.
E agora o filho mais velho...
Que pecado a família Xie cometeu para que todas essas desgraças caíssem uma após a outra?
— Os médicos imperiais do palácio não puderam fazer nada, e nem os da família Ban — murmurou Madame Xie, sentada atônita na cadeira. — Marido, o que vamos fazer?
— Senhor, senhora! — uma criada apareceu correndo, ansiosa. — O jovem mestre e a jovem senhora brigaram. O jovem mestre mandou a senhora embora!
Madame Xie se levantou bruscamente:
— E onde está a jovem senhora?
— Está chorando no quarto agora mesmo — respondeu a criada, aflita. — Vão ver!
Embora o povo comum não soubesse do problema íntimo de Xie Chongjin, muitos entre as famílias influentes da capital já haviam escutado boatos. E, claro, muitos também fofocavam pelas costas. A família Xie apenas fingia que nada sabia.
Xie Jinke e Madame Xie entraram no pátio onde moravam o filho mais velho e a nora, e logo ouviram gritos e xingamentos do filho, além do som de objetos sendo arremessados. A nora apenas chorava, sem dizer nada. Temendo que ele magoasse ainda mais a esposa, Madame Xie entrou:
— Chongjin, o que está fazendo?!
Xie Chongjin virou-se para ela com o rosto vermelho:
— Mãe, já pegaram os desgraçados?
Madame Xie desviou o olhar, sem coragem de encarar os olhos do filho:
— A Mansão Jingzhao está investigando. Você não está bem de saúde, não pode se irritar ou vai piorar.
— Investigando? — Xie Chongjin soltou um sorriso frio. — Aposto que o Jingzhaoyin está mais preocupado com o caso de Rong Junpo. Que tempo ele teria para se importar com a nossa família?
Madame Xie ficou furiosa, envergonhada e ao mesmo tempo angustiada:
— Que bobagem você está dizendo? Há tantos casos na capital, você acha mesmo que o Jingzhaoyin está focado apenas em um caso do Marquês de Cheng’an?
— Não é assim que o mundo funciona? — respondeu ele, com expressão apática. — Essas pessoas bajulam quem tem mais poder.
— Que seja o duque ou o que for, qual é a grandeza disso? Agora quem manda é o Rei Ning! — disse Madame Xie, temendo que o filho entrasse em depressão. Ajudou-o a sentar-se na cama. — Se você está com raiva, fale comigo. Por que descontar na sua esposa?
A jovem senhora da família Xie estava sentada num canto, enxugando as lágrimas, e não reagiu às palavras da sogra.
Mas para Xie Chongjin, apenas ver as esposas e concubinas o fazia lembrar da dor de sua impotência. Ele não queria ver mulher alguma agora. Por mais que Madame Xie tentasse persuadi-lo, ele se recusou a ceder.
Xie Jinke e a esposa vieram e foram embora às pressas. A jovem senhora também saiu do pátio. Xie Chongjin, ainda tomado pelas lembranças daquele dia, deu um chute no único banquinho que estava aos seus pés.
Duas horas depois, um rapaz vestido como criado correu para o pátio com o rosto pálido de pânico.
— Jovem mestre, jovem mestre! — arfava ele. — Encontrei a pessoa, mas...
— Mas o quê? — Xie Chongjin percebeu que a expressão do criado não era boa. — Fale claramente.
— Eu... eu investiguei. Os marginais locais que desapareceram sem deixar rastro tinham tido contato com um homem chamado Men San’er alguns dias antes do incidente. Esse Men San’er é um charlatão de rua que se diz adivinho, não tem grandes habilidades, mas fala tão bem que consegue assustar velhas ignorantes e noras pobres a ponto de fazê-las acreditar em tudo. — Ao ver a expressão impaciente de Xie Chongjin, o criado se apressou em ir direto ao ponto: — Ouvi dizer que esse Men San’er tem um irmão que trabalha no palácio. E o irmão dele... serve justamente no Palácio do Príncipe Ning.
— Príncipe Ning? — Xie Chongjin ficou atônito. Seus olhos se arregalaram como os de um louco. — Por que ele faria isso?
Como o criado teria coragem de dizer qualquer outra coisa? Apenas murmurou:
— Talvez... talvez tenha sido um mal-entendido...
— Que tipo de mal-entendido?! — Xie Chongjin zombou. — Ele não respeita nem os ministros importantes da corte. Não seria nenhuma surpresa se tivesse feito algo assim.
Já era comentado há muito tempo que o Rei Ning tinha sentimentos por uma das filhas da família Shi. Mas como o Príncipe Herdeiro se casou com a filha mais velha da família, era absolutamente impossível que duas filhas Shi se casassem com membros da família imperial. Por isso, Sua Majestade decidiu casar alguém sem tanta influência na corte com o Rei Ning. A escolha foi a família Xie.
Em termos de poder militar, sua família era inferior à rica família Ban. Entre os funcionários civis, estavam claramente abaixo das famílias Rong, Yao, Yan, Shi e outras. Ou seja, a família Xie era perfeita para conter a ambição do Rei Ning.
Desde que Ning Wang se casou com sua irmã, tem vivido infeliz, e não seria surpreendente se ele quisesse se vingar da família Xie. Se fosse qualquer outro, talvez isso fosse impensável. Mas se for o Rei Ning... tudo parece fazer sentido.
Ning Wang, Jiang Luo.
— Jiang Luo... — Xie Chongjin pronunciou o nome, sílaba por sílaba. Seus dentes cerrados sangravam. Como homem, como poderia não odiar algo assim?
Na Mansão Jingting, Madame Yin estava sentada junto à janela bordando uma bolsinha de pano. Já vinha bordando aquela bolsa há muito tempo — e era extremamente delicada.
— Madame — entrou sua ama de confiança. Yin fez um gesto para que ela ficasse em silêncio, guardou a bolsinha no cesto, cobriu-a com um lenço de brocado e o colocou longe, antes de falar:
— É a bolsa de casamento que bordei para a Huahua. Não pode ser contaminada por coisas azaradas.
A ama inclinou o corpo com respeito e, depois que Yin voltou a se sentar na cadeira, murmurou:
— O assunto foi resolvido.
No rosto de Yin, nenhuma emoção.
— Foi mesmo.
— Fique tranquila. Tudo parece uma coincidência. Ninguém vai suspeitar de nós.
Yin soltou um leve escárnio:
— Só devolvi a ele o que ele mesmo me deu. Quem pode me culpar por isso?
— Madame, a senhora ainda é muito bondosa — disse a ama, um pouco insatisfeita. — Aquele senhor Xie queria a vida do mestre!
— Bondosa? — Yin deu uma risada. — Duvido que o senhor Xie ache isso.
Embora a família Ban não estivesse mais no auge, como diz o ditado, um camelo magro ainda é maior que um cavalo. Desde que o imperador no trono não mirasse deliberadamente contra eles, ainda poderiam viver uma vida bastante confortável. O mestre tinha a mente simples e não entendia as complexidades do mundo, então alguém precisava fazer aquilo.
Em uma família, sempre tem que haver alguém que pense com a cabeça.
— Madame, e quanto à princesa...?
— Não se preocupe tanto — disse Yin, balançando a cabeça. — Ela é uma menina sensata, sabe o que deve e o que não deve fazer. Além disso, o Marquês de Cheng’an é realmente um bom partido. Se os dois puderem se dar bem após o casamento, ficaremos tranquilos.
Ao ouvir isso, a ama ficou em silêncio.
Yin se levantou e saiu para o jardim. As flores e plantas que enfeitavam o pátio tinham sido todas escolhidas por seu marido, de acordo com o gosto dela. Ao longo da vida, enquanto esteve na família Yin, sofreu e aprendeu todas as artimanhas do mundo. Achava que, ao se casar com o príncipe herdeiro, estaria pulando de uma fogueira para outra — mas, surpreendentemente, pulou direto para uma fonte termal.
Se alguém ousar tocar minha fonte termal, lutarei até a morte.
Se eu não tivesse meios enquanto vivia com os Yin, como teria protegido o dote que minha mãe me deixou e me casado com honra na Mansão da Princesa Herdeira?
Todo mundo tem um limite. O meu limite... é o meu marido e meus filhos.
Ban Hua estava morando na Mansão do Marquês de Cheng’an, onde estendia os braços e era vestida, abria a boca e era alimentada, fechava os olhos e via um homem bonito, abria os olhos e o via sorrindo. Embora ainda não tivesse se casado oficialmente, a família Rong já a tratava como a dona da casa.
— Princesa, experimente isso. — Uma bela criada colocou uma uva descascada e sem sementes na boca de Ban Hua. Uma outra abanava delicadamente o rosto dela, e mais uma aplicava óleo em suas pernas e ombros. Se Ban Hua fosse um homem, qualquer um que visse aquela cena suspiraria: Que libertino!
No entanto, dentro da Mansão Cheng’an, todas as jovens criadas bonitas adoravam ficar perto de Ban Hua — como se servi-la fosse uma honra.
Ban Heng, sentado do outro lado, descascava suas próprias uvas com expressão vazia. Quando um criado tentou ajudá-lo, ele o encarou com desdém. Servir uma beldade é divertido. Ser atendido por um brutamontes desses, qual a graça?
Ele lançou um olhar para Ban Hua, que estava deitada languidamente no divã, ouvindo as histórias do contador de causos. Pelo menos isso era interessante — o contador mantido pela Mansão Cheng’an tinha um nível realmente alto, e suas histórias eram bem originais.
Ele já estava farto das velhas histórias de estudiosos pobres, jovens ricas e raposas demoníacas. Será que todas as damas nobres e os espíritos do mundo estão cegos? Não gostam dos jovens bonitos e refinados e preferem esses estudantes miseráveis?
As histórias do contador da Mansão Cheng’an eram diferentes. Ele contava sobre um estudioso pobre que se esforçava e, no fim, voltava para se casar com sua amiga de infância. Ou do estudioso que espiava a beleza de uma dama rica, mas acabava apanhando de vara e nem conseguia passar nos exames. E quanto à raposa demoníaca, depois de brincar com o talentoso erudito, desaparecia nas montanhas — e jamais virava uma dona de casa comum que costura e cozinha.
— Isso mesmo, esse é o tom certo — disse Ban Heng, dando um tapa na coxa. — Um estudioso pobre assim tem mesmo que levar uma lição, essa história foi interessante! — Ele tirou duas moedas de prata da bolsa e entregou ao contador. — Conte outra pra gente amanhã.
— Sim, jovem mestre. — O contador agradeceu e guardou o dinheiro bem junto ao corpo.
Ban Hua não estava tão animada quanto Ban Heng. Desde que ouvira a história contada por Rong Xia, todas as outras pareciam banais. Felizmente, Rong Xia estava com tempo ultimamente, então podia conversar com ela, contar histórias e ajudá-la a passar o tempo.
Enquanto pensava nisso, Rong Xia entrou. Vestia um robe de cetim prateado e tinha os cabelos presos com uma coroa de jade. Seu visual era fresco e elegante.
Hoje em dia, alguns estudiosos da moda preferem roupas sem cinto e cabelos soltos, achando isso mais romântico e confortável. No entanto, Ban Hua ainda admirava esse tipo de homem nobre, bem-vestido e com os cabelos impecavelmente presos — porque só assim ela tinha vontade de abrir a roupa dele para ver a clavícula.
Quanto aos de cabelos desgrenhados, ela sempre ficava preocupada com nós nos fios ou que estivessem cheios de poeira. Só de pensar nisso, já não conseguia mais achar esses homens bonitos.
Ao ver os olhos da irmã repousarem sobre Rong Xia, Ban Heng abaixou a cabeça e voltou a descascar uvas.
Ele ainda se sentia muito aliviado por ela ser sua irmã e não seu irmão. Caso contrário, se desenvolvesse um temperamento tão encantador assim... os caixões dos antepassados talvez nem conseguissem ficar fechados.
Ao perceber a aproximação de Rong Xia, as belas criadas ao redor de Ban Hua se afastaram imediatamente, curvando-se e baixando a cabeça, sem ousar lançar mais nenhum olhar.
Ban Hua apoiou o queixo numa das mãos, deitada languidamente sobre o divã. Ao ver Rong Xia, nem se deu ao trabalho de se levantar.
— Você não tinha ido ver o Comandante Chen?
— Ele disse que já concluiu a investigação do caso, e eu pensei que você talvez tivesse interesse, então vim perguntar. — Rong Xia lançou um olhar às criadas paradas, imóveis, de cabeça baixa, e comentou com um sorriso: — Parece que você se dá muito bem com as criadas da Bifu.
— Provavelmente porque eu gosto de belezas, e as belezas gostam de mim também? — Ban Hua se sentou ereta, puxou debaixo do travesseiro caído um pequeno espelho de cabo, deu uma olhada no próprio rosto, certificando-se de que o cabelo ainda estava arrumado, e então se levantou. — Já descobriu tudo em tão poucos dias?
Rong Xia segurou sua mão. Estava quente no verão, mas o corpo dele sempre tinha uma temperatura agradável: quente no inverno, fresco no verão.
A mão levemente quente de Ban Hua foi envolvida pela de Rong Xia, e um frescor suave se espalhou por sua palma. Ela arqueou uma sobrancelha, olhou para ele com um sorriso, mas não puxou a mão de volta.
— Eu... — Ban Heng olhou para os dois de costas, prestes a dizer “quero ir também”, mas não teve chance. Pensou por um momento, depois desistiu de perguntar e resolveu simplesmente seguir os dois com cara de pau.
Depois que a gente se acostuma com certas coisas, nem incomoda mais.
A única sequela disso... talvez seja a vontade de arranjar uma esposa.
Os dois caminharam até a porta do salão. Rong Xia lançou um olhar para Ban Hua e soltou a mão dela com um certo relutância. Pensou com pesar: Se já fôssemos casados, eu poderia andar de mãos dadas com Huahua em público, sem me preocupar com fofocas e críticas.
— Saudações ao Lorde Marquês, à Princesa e ao Jovem Mestre Ban. — Os oficiais liderados pelo Comandante Chen se levantaram e cumprimentaram ao vê-los entrar.
— Senhores, não precisam de tanta formalidade. Por favor, sentem-se. — Rong Xia e Ban Hua entraram na sala, e Ban Hua se sentou ao lado dele em silêncio.
— A princesa ficou resfriada dias atrás, e nós, oficiais, não tivemos a oportunidade de cumprimentá-la devidamente. Como está a saúde de Vossa Alteza? — Comandante Chen inclinou-se para Ban Hua. — Sua Majestade está muito preocupado com sua recuperação, e disse que, assim que melhorar, espera vê-la no palácio.
— Já estou bem melhor — disse Ban Hua com duas tosses suaves. — Estou fazendo Sua Majestade se preocupar à toa.
Comandante Chen viu que a Princesa Fule estava realmente com um aspecto bem mais enérgico que na última vez em que a vira e ficou aliviado.
— O motivo de minha visita hoje é relatar o caso do assassino.
A xícara de chá que Rong Xia havia levantado foi colocada de volta na mesa.
— Gostaria de saber quem tem tanto ódio de mim assim?
O Comandante Chen mencionou o nome de uma pessoa. Era o Vice-Ministro Zuo da Secretaria de Funcionários — e também alguém que já fora próximo da família Yan, na época em que os Yan ainda detinham poder.
— Foi ele? — Rong Xia franziu a testa. — Eu apenas descobri algumas inconsistências nas contas da secretaria quando ele estava lá. Depois que organizei tudo, nunca mais toquei no assunto. Não esperava que ainda guardasse rancor.
— O senhor é um cavalheiro, Lorde Hou, não pode compreender a mente de um vilão — comentou o Comandante Chen com um sorriso. — Pode ficar tranquilo. Sua Majestade não deixará que esse homem saia impune.
Rong Xia manteve no rosto uma expressão de choque e tristeza. Não importava o que o Comandante dissesse, ele apenas assentia em silêncio.
Comandante Chen suspirou por dentro ao ver aquela expressão tão abalada. Esse é apenas um bode expiatório, mas os verdadeiros responsáveis não podem ser envolvidos, então só nos resta investigar até aqui.
Nesse caso, nem Jing Zhaoyi nem Liu Banshan ousavam abrir a boca. Ao verem que Chen Tong ficou encarregado, ninguém questionou. Hoje em dia, qualquer um com um pouco de inteligência já suspeita que esse caso esteja relacionado à disputa pelo trono — caso contrário, Sua Majestade não teria enviado um subordinado direto e de confiança para comandar a investigação.
Tecnicamente, não era responsabilidade do Comandante Chen cuidar desse caso. Mas Sua Majestade insistiu em nomear pessoalmente, sob o pretexto de “preocupação com seus súditos”. O que mais alguém poderia dizer?
Coitado do Lorde Rong Hou. Leal a Sua Majestade, quase perdeu a vida sob a lâmina de um assassino, e mesmo assim não consegue justiça.
Jing Zhaoyi olhou para aquele rosto com expressão melancólica e sentiu ainda mais simpatia. É melhor mesmo não saber demais. Quanto mais se sabe, mais encrenca se arruma.
— O oficial inferior percebe que Lorde Rong já se recuperou bastante — disse o Comandante Chen. — Gostaria de saber quando pretende retornar à corte. O atual Ministro da Secretaria de Funcionários ainda é apenas um substituto, e muitos assuntos precisam da sua supervisão pessoal.
— Por favor, perdoe-me, Vossa Majestade. Não tenho me sentido muito disposto ultimamente, e o ferimento ainda não cicatrizou. Receio que não poderei servir lealmente a Vossa Majestade por enquanto. Peço sua compreensão.
O Comandante Chen assentiu em silêncio:
— Não se preocupe, transmitirei seus pensamentos a Sua Majestade.
Agora que o Rei Ning está cada vez mais poderoso na corte, Sua Majestade já não consegue mais ficar parado. Ele queria que o Marquês de Cheng’an voltasse à corte para conter o ímpeto do Rei Ning, mas, ao ver o quão pálido estava o Lorde Rong, provavelmente sabia que ele não poderia se esforçar muito tão cedo.
Depois que todos saíram, Ban Hua riu preguiçosamente, deu um tapinha no ombro de Rong Xia e disse:
— Não leve tão a sério. A vida é pra frente, não estrague seu humor por gente ou coisas desnecessárias. Mas, quanto a esse caso... seria ridículo você tratar isso como “desnecessário”.
Ela olhou para Rong Xia, que parecia um pouco abatido, e esticou o dedo indicador para beliscar o nariz dele:
— Vamos lá, bonitinho, me dá um sorriso.
Rong Xia sorriu.
— Assim é que se faz — disse Ban Hua, puxando-o da cadeira —. Uns dias atrás eu vi que as flores de lótus no lago estavam desabrochando. Vem ver comigo.
— Claro.
Após retornar ao Palácio da Lua, o Comandante Chen relatou o ocorrido ao Imperador Yunqing.
Ao ouvir que Rong Xia não poderia retornar à corte por enquanto, o Imperador franziu levemente as sobrancelhas:
— Já faz quase dois meses, e ele ainda não se recuperou? Será que está mesmo ferido... ou está me culpando?
— Majestade, dizem que lesões graves levam cem dias para curar. E, de fato, o semblante de Lorde Rong não parecia muito bom — explicou o Comandante Chen. — Mesmo tentando disfarçar, dava pra ver que ainda está debilitado.
— Está insinuando que ele ainda guarda rancor por ter sido espancado no fim do ano passado?
O Comandante Chen ficou surpreso por um momento. Não esperava que Sua Majestade mencionasse aquele assunto. Por causa do atentado à Princesa Dening, tanto ele quanto Shi Jin haviam sido punidos. Quando Shi Jin já podia montar a cavalo, ele ainda estava “de cama”, e até surgiram boatos de que já não era mais um homem de verdade.
Na verdade, por muitos dias depois, ele esteve ajudando Sua Majestade em assuntos que não podiam ser tratados abertamente. Por isso, após ser reintegrado ao cargo, muitos o cumprimentaram pessoalmente.
Ajoelhando-se sobre um joelho diante do imperador, o Comandante Chen declarou:
— Majestade, não tive essa intenção.
— Não teve? — O Imperador Yunqing zombou. — Sei que todos me acham irracional. Mas este mundo... é irracional.
— Fora! — O Imperador pegou a bengala com cabeça de dragão e atirou contra o Comandante Chen. — Vá lá fora e fique ajoelhado!
Com a cabeça baixa, o Comandante Chen respondeu:
— Sim.
— Espere — chamou novamente o imperador. — Já lidaram com os assassinos?
— Em resposta a Vossa Majestade, todos se suicidaram na prisão do Templo Dali — relatou o comandante, retornando à posição inicial de joelhos. — Pode ficar tranquilo.
— Hm. — O Imperador Yunqing assentiu. — E o príncipe? Já demonstrou arrependimento?
O Comandante Chen riu por dentro. Arrependimento? Um bom filho sendo torturado por Vossa Majestade até esse ponto, e ainda quer que ele se arrependa?
Arrependimento por se envolver com uma concubina? Ou por não saber se portar e fazer o imperador sentir ciúmes?
Mas o Palácio do Leste nunca esteve em falta de beldades. Se precisasse, bastava o príncipe pedir, e muitos enviariam mulheres lindas para agradá-lo. Então, por que se envolver com uma concubina? Será que Sua Majestade realmente não entende... ou finge não entender?
O imperador está velho. Tem medo. Medo de que seu filho se torne mais forte que ele, por isso finge acreditar nas acusações contra o príncipe, aproveitando para destruir sua reputação entre o povo.
Se trata assim o próprio filho... o que dirá de seus subordinados?
Na Mansão do Marquês de Cheng’an, os presentes recebidos pareciam não ter fim. Desta vez, os presentes de boas-vindas causaram espanto.
Eram enviados por eruditos, por ministros da corte, por jovens senhoritas e até por nobres. Alguns presentes eram especialmente preparados para Ban Hua. Parecia que a notícia de que ela estava hospedada ali para se recuperar e que salvara Rong Xia naquela noite chuvosa já tinha se espalhado.
Afinal, por que tantas pessoas mandariam presentes — ainda que sem dizer claramente o motivo — com itens que só mulheres costumam gostar?
— Lorde Hou, Princesa Changqing, Sua Alteza chegou.
Ban Hua colocou de lado a lista de presentes e comentou com Rong Xia:
— O estorninho chegou?
Ao ouvir isso, Rong Xia não pôde deixar de sorrir. Antes que pudesse se levantar, outro servo entrou apressado.
— Lorde Hou, a comitiva do Príncipe Ning chegou com um presente.
Ban Hua pousou a lista de presentes, estreitou os olhos e sorriu para Rong Xia:
— O porco e o cão chegaram também.
103
O Rei Changqing gostava de belezas, não se importava com os assuntos do governo e tinha pouco contato com o Rei Ning. Ele e Sua Majestade eram chamados de primos, e sua senioridade dentro da família imperial não era baixa, mas sua presença na corte não chegava nem à metade da de Rong Xia.
Mas ele veio visitar na qualidade de rei do condado, e Rong Xia definitivamente não o rejeitaria. Por isso, colocou o cartão de visita de lado e se levantou para recebê-lo pessoalmente.
— Alteza, Rei Changqing — Rong Xia entrou pela porta e cumprimentou-o com um gesto respeitoso —, o príncipe do condado está aqui, e minha humilde residência se enche de esplendor.
— Marquês Cheng An, está sendo cortês demais — disse o Rei Changqing, pousando a xícara de chá e se levantando. — Estava querendo vê-lo nos últimos dias, mas sei que deve estar ocupado investigando o caso do assassino, então não seria apropriado incomodar. Agora que o caso foi esclarecido, posso respirar aliviado e vim sem medo de perturbar.
— O comandante Chen e alguns senhores do Templo Dali são os responsáveis por esses casos. Como os ferimentos antigos ainda não cicatrizaram, e algo assim acontece novamente, não tenho energia para me preocupar com isso — respondeu Rong Xia com um leve sorriso. — Tenho apenas ficado no quarto, lendo e recuperando o corpo.
— Isso é que é viver bem — disse o Rei Changqing, abanando-se com um leque. — A propósito, minha sobrinha também está se recuperando em sua casa?
Rong Xia sorriu discretamente:
— Sim.
— Ai — suspirou o Rei Changqing —, essa menina é inquieta desde criança. Quando tinha oito anos, já discutia com o Rei Ning, e até brigou com ele, que era alguns anos mais velho. Quantas crianças têm coragem de brigar assim com um príncipe?
Rong Xia não respondeu. Ele não tinha o hábito de discutir assuntos pessoais de sua noiva com outros homens.
Contudo, o Rei Changqing não se importava nem um pouco com isso e foi direto até a porta, dizendo a Rong Xia:
— Vamos, faz tempo que não vejo minha sobrinha, vá comigo vê-la. A menina Hua mora no pátio ao lado do seu?
Vendo que o Rei Changqing caminhava à frente como se não houvesse mais ninguém, Rong Xia rapidamente o acompanhou.
— Seu jardim é muito bem construído — comentou o Rei Changqing ao pisar na ponte de jade branca Jiuqu, no centro do lago. — Ouvi dizer que essa ponte foi feita especialmente para a senhora sua mãe, quando seu pai ainda era vivo?
Rong Xia olhou para as carpas koi balançando a cauda no lago artificial:
— Esse lago e essa ponte existem desde que tenho memória.
O Rei Changqing riu:
— Seu pai realmente tinha um ótimo relacionamento com sua mãe. Dá até inveja.
Rong Xia respondeu com um leve sorriso:
— Quando o velho príncipe e a princesa ainda eram vivos, eles se davam muito bem. O senhor está brincando, príncipe do condado.
Ao falar dos anciãos que já partiram, mesmo uma piada amigável exigia seriedade. Rong Xia sentia que sua relação com o Rei Changqing não era próxima o suficiente para esse tipo de brincadeira.
— Você continua tão correto em sua conduta — disse o Rei Changqing, percebendo sua insatisfação, e suspirou com um sorriso. — Está bem, está bem, não direi mais nada.
Os dois atravessaram a ponte. Rong Xia não o levou ao pátio ao lado, mas sim ao seu próprio pátio principal. Ao chegar ao portão do pátio, disse a um rapaz que o guardava:
— Vá convidar a Princesa Fule e o Príncipe Ban. Diga que o Rei Changqing está aqui.
O Rei Changqing ouviu isso e deteve o servo:
— Não precisa tanto protocolo. A menina Hua está doente, não tenho coragem de fazê-la ir e voltar. Por que não deixo eu mesmo ir vê-la?
— Alteza, o senhor é mais velho que ela, não há motivo algum para visitá-la pessoalmente. É o Rei do Condado, sua posição está acima da dela, não há por que se rebaixar assim — disse Rong Xia com um leve sorriso. — Coincidentemente, ela está com bom ânimo hoje, sua cabeça melhorou um pouco, e uma caminhada faz bem ao corpo.
— Entendo — disse o Rei Changqing, sem demonstrar o menor constrangimento. — Então foi erro meu.
Rong Xia levou o Rei Changqing ao salão principal do pátio. O Rei Changqing sentou-se no assento de honra, e Rong Xia ocupou o assento secundário.
Uma criada entrou para servir chá, e o Rei Changqing olhou para Rong Xia com um ar insinuante:
— As criadas da mansão de Vossa Excelência são realmente...
— Marquês, a princesa e o príncipe chegaram — anunciou uma voz do lado de fora.
Esses criados chamavam-nos de princesa e príncipe, e não de Princesa Fule e Príncipe do Palácio Jingting. A diferença entre antes e agora era sutil, mas reveladora. O Rei Changqing abaixou a cabeça e tomou um gole de chá. Diziam que Rong Xia não gostava da Princesa Fule, que ela apenas insistia em persegui-lo, e que agora havia salvado a vida do Marquês Cheng An. Ele pensava: Será que, depois disso, o marquês continuará ignorando os sentimentos da Princesa Fule?
Mas se Rong Xia realmente não tivesse sentimentos por Ban Hua, por que os criados da mansão tratariam Ban Hua com tamanha familiaridade?
— Saudações, Alteza Rei Changqing.
— Somos da mesma família, não há necessidade de tanta formalidade — disse o Rei Changqing, olhando para os dois irmãos impressionantes. Sorriu e os convidou a sentar. — Visitei de forma inesperada hoje, espero não ter atrapalhado o descanso de Huahua?
Ban Hua respondeu de imediato:
— Alteza se importa comigo, como isso poderia ser um incômodo?
O Rei Changqing sorriu:
— Minha sobrinha fala bem. Agora não há nada importante na corte. Estou apenas esperando para beber o vinho do seu casamento, sobrinha.
Ban Hua virou o rosto:
— Alteza veio hoje apenas para zombar de mim?
O Rei Changqing deu uma boa risada ao ouvir isso, parecendo o mais gentil dos anciãos — sabia fazer piadas, mas sempre levava em consideração os sentimentos dos mais jovens, sabendo exatamente quando parar. Se Ban Hua não tivesse tido aquele sonho estranho na noite anterior, ela certamente gostaria muito do Rei Changqing.
Mas, não importava o que ele dissesse ou fizesse agora, a imagem que lhe vinha à mente era a da cena em seu sonho.
Como as solas dos pés dele estavam sujas de sangue, ele as limpava no corpo de outras pessoas, como se o que estivesse pisando não fosse gente, mas trapos. Ela nunca se achou uma pessoa especialmente bondosa, mas isso não significava que pudesse aceitar alguém tão cruel.
— Huahua? — O Rei Changqing percebeu algo estranho na expressão de Ban Hua e olhou nos olhos dela com preocupação. — Ainda não se recuperou?
Ban Hua forçou um sorriso:
— Ainda estou um pouco tonta.
— Sendo assim, não quero incomodar mais — disse o Rei Changqing, levantando-se. — Vim visitá-lo hoje. Ao ver que está bem, posso ficar tranquilo.
Ban Hua semicerrava os olhos e sorria; seus olhos brilhantes se curvavam como luas crescentes. Parecia muito feliz, mas não podia deixar que os outros vissem o que realmente pensava em seu coração.
— Vou acompanhar o Príncipe do Condado até a saída — disse Rong Xia, levantando-se e saindo novamente do pátio principal junto com o Rei Changqing.
Ao passarem pelo Portão da Lua, o Rei Changqing comentou de repente:
— Mestre Rong, você é uma pessoa de muita sorte.
— Não entendi por que Sua Alteza disse isso.
— Eu pensava que, com sua personalidade, você se casaria com uma mulher elegante como um crisântemo. Achava até que uma vida assim seria muito entediante — o Rei Changqing balançou a cabeça e sorriu, brincando com o leque dobrável em sua mão. — Não esperava que acabasse pedindo em casamento a sobrinha mais interessante do rei.
— Alteza está brincando — respondeu Rong Xia, com o tom repentinamente mudado. — Mas de fato, a princesa é uma moça rara e admirável.
O Rei Changqing soltou uma risada baixa, virou-se e continuou a caminhar. Ao chegarem ao segundo portão, viram algumas criadas e criados entrando no interior da residência carregando pilhas de caixas de presente, algumas com o brasão do Rei Ning.
O canto da boca do Rei Changqing se curvou ainda mais. Ele virou-se para Rong Xia e disse:
— Mestre Hou, pode ficar. Não precisa me acompanhar.
— Por favor.
— Fique.
Rong Xia ainda assim o acompanhou até o portão. Antes de subir na carruagem, o Rei Changqing cobriu a boca e tossiu algumas vezes.
Ao ouvir o som, o Rei Changqing virou-se para Rong Xia:
— Mestre Hou, cuide bem da sua saúde.
— Agradeço a preocupação de Vossa Alteza.
O Rei Changqing entrou na carruagem, e o veículo luxuoso do Rei do Condado afastou-se lentamente da mansão do Marquês de Cheng'an. Rong Xia permaneceu de pé no portão, observando a carruagem sumir no horizonte, e só então se virou e voltou para dentro.
Inesperadamente, ao retornar, viu Ban Hua parada sobre a ponte de pedra Hanbaiyu Jiuqu, mas Ban Heng, que sempre gostava de segui-la como uma sombra, não estava por perto.
— Huahua — Rong Xia aproximou-se de Ban Hua —, está ventando aqui. Por que veio até aqui?
— Estava entediada no pátio, então vim tomar um pouco de sol — respondeu Ban Hua, com o cabelo preso de forma solta em um coque, aparentando tranquilidade e preguiça. Ela ergueu o queixo na direção do portão. — O Rei Changqing já foi embora?
— Sim, já voltou — Rong Xia estendeu a mão para ela. — Vamos para o pátio tomar sol. Aqui está ventando muito. Se ficar doente de novo e tiver que tomar mais remédio, não vai ser castigo demais?
Ban Hua olhou para a mão estendida diante dela e colocou a sua sobre a palma de Rong Xia:
— Tá bom.
Ela realmente não queria beber aquele remédio amargo outra vez.
— Onde está o irmão Ben?
— Voltou para o pátio para treinar seus passos largos — disse Ban Hua. — O corpo dele ainda está fraco e precisa se exercitar.
Rong Xia ficou surpreso com as palavras, depois assentiu:
— Tem razão. Precisa mesmo praticar.
De qualquer forma, tudo que Huahua diz está certo, então não há problema.
O caso do ataque de assassinos na mansão do Marquês de Cheng’an foi finalmente declarado como sendo uma vingança por ciúmes de um oficial do Ministério dos Assuntos Civis, sem relação com outras pessoas. Algumas pessoas acreditaram nessa versão. Afinal, Sua Majestade havia mandado investigar o caso com grande rigor e recompensado o Marquês Cheng An com muitos presentes. Até circularam rumores de que, se o Marquês Cheng An não estivesse ausente da corte recentemente e não tivesse sido promovido há pouco, Sua Majestade até gostaria de conceder-lhe o título de Duque do Reino.
As famílias nobres, no entanto, riam desses boatos. Esse é o título de Duque do Reino, não um doce para agradar criança. Se você está mal-humorado, toma um.
Em toda a corte, havia apenas três pessoas que realmente possuíam o título de Duque do Reino.
Um era o irmão mais novo da imperatriz viúva, outro era o pai da imperatriz, e o último era o dândi da família Ban.
Esses três duques tinham algo em comum: todos se apoiavam em mulheres para alcançar o poder. Um contava com a irmã, outro com a filha, e o terceiro com a mãe.
Para um oficial ou ministro, conquistar um título como esse era um feito grandioso, digno de glória ancestral. Era algo a ser registrado com destaque no livro genealógico, de modo que mesmo séculos após uma possível mudança de dinastia, os descendentes ainda se orgulhariam ao ver aquilo.
Alguns poucos viam claramente a situação: Sua Majestade não estava expressando compaixão pelo Marquês Cheng An, mas sim tentando apaziguá-lo. Porque o verdadeiro assassino certamente não era um mero funcionário do ministério, e o verdadeiro mandante era outra pessoa. Como poderia um pequeno oficial do Ministério dos Assuntos Civis ter tanto poder a ponto de contratar um assassino profissional e ainda subornar os criados da mansão do Marquês de Cheng’an?
Eles não precisavam nem pensar muito para saber quem Sua Majestade queria proteger. A resposta estava clara em seus corações.
O Rei Ning.
Alguns ministros veteranos estavam decepcionados. Mesmo que o Rei Ning tivesse feito algo assim, Sua Majestade não deveria continuar deixando que ele supervisionasse o país. Hoje o Marquês Cheng An o desagradou e foi alvo de assassinos. Se amanhã eles fizessem algo que o irritasse, também seriam alvos?
O Marquês Cheng An teve sorte, e a Princesa Fule apareceu no momento mais crítico para salvar sua vida. Mas eles? Todos teriam essa sorte?
A atitude de Sua Majestade deixava claro que a vida dos ministros não era algo que ele levasse muito a sério.
Alguns cortesãos estavam com o coração partido, outros batiam no peito e pisavam no chão de raiva, enquanto Ban Huai, junto de alguns amigos dândis, continuava fazendo confusão na corte. O Rei Ning ficou tão furioso que seu rosto ficou lívido, mas ainda assim não conseguiu se livrar de Ban Huai.
Inicialmente, todos achavam que Ban Huai iria aproveitar a situação para causar ainda mais tumulto na corte depois de irritar tanto o Rei Ning, mas no fim, quando a reunião começou, Ban Huai sequer apareceu e pediu licença para faltar.
Quando perguntaram o motivo, a resposta foi a seguinte: o respeitável Senhor Jingting levou um susto no caminho de volta para casa, bateu a testa na lateral da carruagem e sofreu um pequeno corte. Felizmente, o interior da carruagem do Senhor Jingting era forrado com várias camadas de almofadas, e até as paredes estavam cobertas de pele macia. Por isso, o ferimento não foi grave.
No entanto, o Senhor Jing Ting acabara de defender Cheng Anhou no tribunal, sofreu um ferimento no caminho de volta e foi surpreendido por uma "coincidência".
Ninguém jamais tinha visto uma coincidência assim no mundo. Temia-se que não fosse coincidência, mas sim algo planejado. Pessoas em altos cargos inevitavelmente despertam suspeitas. Por isso, o acidente do Senhor Jing Ting já foi interpretado na mente de todos como fruto de uma intenção oculta de outrem.
Deixe-me perguntar: quem odiaria tanto o Senhor Jing Ting?
Todos voltaram os olhos para o Rei Ning, que estava sentado no trono com padrão de píton sob a cadeira de dragão. Ele era irritadiço, cruel, imprudente e mesquinho. Se uma pessoa assim se tornasse imperador, como o país poderia sobreviver? O Marquês Cheng An e o Duque Jing Ting foram ambos vítimas das suas tramas, então o que esperar dos demais?
Ban Hua, ainda se recuperando dos ferimentos na mansão do Marquês de Cheng’an, ao saber que Ban Huai tinha se machucado, não conseguiu ficar parada e correu de volta naquele dia. Porém, ela apenas circulou Ban Huai algumas vezes e só viu um pequeno curativo do tamanho do polegar em sua testa, sem outros ferimentos.
— Pai, o que está acontecendo aqui? — Ban Hua bebeu meio copo de chá de uma vez, sem sequer ter tempo para almoçar, só para voltar cedo.
— É realmente uma coincidência — disse Ban Huai com um sorriso seco, e contou o ocorrido.
A ideia geral era que uma pessoa, por acidente, assustou os cavalos que puxavam a carruagem. Ban Huai, sentado na carruagem, bateu a cabeça contra a parede do veículo. Além disso, o responsável pelo susto era um eunuco do Palácio Ning, que saiu do palácio para fazer compras.
Não se sabia o que realmente aconteceu. Mesmo que o Rei Ning não tivesse ordenado nada, aos olhos de todos na capital, a culpa era dele.
— O Rei Ning está realmente insano, pode fazer qualquer coisa.
Jiang Luo, que estava prestes a agir, discutia com a princesa. Ele não gostava da intromissão de Xie Wanyu e achava que ela não deveria ter enviado presentes ao Marquês de Cheng’an. Xie Wanyu o ridicularizava por não ser inteligente o suficiente para agir direito. Não só Sua Majestade e a Rainha recompensaram Cheng Anhou, como até o príncipe confinado no Palácio do Leste recebeu presentes. Que moral ele teria para aparecer na mansão de Rong Xia sem levar ao menos um presente? Ainda acha que não há fofocas por aí?
— E se eu mandar matar ele? — Jiang Luo sorriu sarcasticamente. — O que é ele, meu príncipe sênior? Tenho que viver agradando?
— Mas você não matou — Xie Wanyu comentou, exasperada com o raciocínio dele. — Se fosse capaz, teria feito isso naquela noite. Agora, tentando espantar a cobra, só revelou suas intenções para todo mundo. O que você quer que os cortesãos pensem?
— Não me importo com o que pensam ou fazem — respondeu Jiang Luo com desprezo. — São só um bando de cachorros, quem liga para o que cachorros pensam?
Xie Wanyu nem quis continuar a conversa, levantou-se e saiu da sala.
Cachorros também mordem, afinal. E mesmo que sejam cachorros, nem todos reconhecem Jiang Luo como dono.
— Princesa — uma criada correu até ela em passos rápidos e cochichou —, o filho mais velho mandou alguém entregar uma carta.
Xie Wanyu parou e ergueu as sobrancelhas:
— Você quer dizer o filho mais velho?
— Sim.
Ela pegou o bilhete enrolado, mais fino que seu dedo mindinho, abriu-o, o rosto ficou pálido, e virou a cabeça de repente, olhando para o pátio atrás de si.
— Princesa, o que houve? — A criada olhou para ela preocupada, ao ver sua expressão estranha.
— Estou bem — Xie Wanyu respirou fundo, fincou as unhas bem feitas na palma da mão —. Lembre-se, não pode contar a ninguém sobre esta carta, nem mesmo às pessoas da mansão do tio Zhongping.
A criada assentiu, assustada:
— Sim, a criada entendeu.
Ela rasgou o bilhete aos pedaços e os jogou no grande vaso de lírio d’água ao lado. O papel amarelado flutuou na água, como uma mancha incômoda, ferindo os olhos de Xie Wanyu.
— Estalo!
Ela bateu forte na água, que espirrou para todos os lados, molhando seu rosto e roupas. Com o dorso da mão, limpou o rosto com força e voltou a olhar para a criada, que estava ajoelhada, aterrorizada:
— Por que está ajoelhada? Levante-se!
— Sim — disse a criada, tremendo, sem coragem de encarar o rosto de Xie Wanyu.
Mas a expressão de Xie Wanyu estava excepcionalmente calma. Ela limpou as gotas d’água no canto da boca com os dedos e riu:
— Esperem eu trocar de roupa.
A consequência de Ban Hua ter corrido de volta para a mansão Jingting foi que ela adoeceu novamente, numa sequência de altos e baixos. Quando sua aparência estava pior, ela vinha com frequência à casa dos Ban. Por isso, mandavam sempre presentes: joias hoje, cetim de nuvem de fumaça amanhã, e livros de histórias novos depois. Valiosos ou não, enquanto pensassem que Ban Hua pudesse gostar, entregavam para ela.
O verão passou assim, e só no final do outono e início do inverno Ban Hua se recuperou totalmente. Se ela obedecesse ao conselho para melhorar, a doença desapareceria como um fio de seda — um fio puxado muito lentamente.
Sua Majestade já emitira vários decretos para que Rong Xia voltasse à corte, mas seu corpo parecia debilitado desde a última surra, e adoecera novamente poucos dias após retornar. O Imperador Yunqing enviou um médico imperial para examinar seu pulso pessoalmente, e o médico disse que a lesão era profunda, e que se ele não se recuperasse por cerca de um ano, não haveria cura.
Desesperado, o Imperador Yunqing não teve escolha senão promover algumas pessoas sem ligação com o Rei Ning e sua facção.
Esses indivíduos pareciam discretos, mas o príncipe e os oficiais da facção do Rei Ning não podiam evitá-los nem em palavras nem em ações. Os oficiais dessa facção sequer ousavam se aproximar demais, não só por falta de poder, mas também por medo de possíveis conspirações.
Todos sabiam que Sua Majestade estava testando a lealdade dos dois lados. Se algo acontecesse a essas pessoas, ele naturalmente ficaria desconfiado.
Quando a primeira neve caiu na capital naquele inverno, o Imperador Yunqing largou as muletas e conseguiu dar alguns passos. Na noite em que planejava voltar à corte, teve pesadelos novamente.
Ele sonhou que tinha pouco mais de dez anos, seu pai não queria vê-lo, seus irmãos o desprezavam, e apenas Ban Huai e Rong Xiaolang, que eram vários anos mais novos que ele, o seguiam sinceramente.
Viu o Senhor Jingting chegando para suceder Huai, mas a garganta do Senhor Jingting estava cheia de pus e sangue, e seu rosto coberto de sangue.
— Tio, o que aconteceu com o senhor?
— Vossa Majestade, não foi o senhor quem mandou envenenar este humilde ministro até a morte?
— Vossa Majestade — Rong Xiaolang, que originalmente o acompanhava, de repente começou a perder os cabelos, que caíram pelo chão, enquanto sangue negro escorria pelos ouvidos, boca e nariz. — Vossa Majestade me odeia por ter visto todos os seus passados embaraçosos, por isso não gosta de mim e quer me matar?
— Não, não... —
O Imperador Yunqing recuou várias vezes, dizendo: — Eu... eu estou aqui pelo país...
— Mentira!
— Mentira!
— Não! — o Imperador Yunqing ficou subitamente surpreso e gritou horrorizado: — Não fui eu!
— Vossa Majestade! Vossa Majestade! — os eunucos e criadas entraram apressados. Ao verem o Imperador Yunqing deitado no chão sob a cama imperial, suaram frio. Como poderia Sua Majestade ter caído da cama?
Logo o médico imperial chegou correndo. Depois de ver os sintomas, balançou a cabeça solenemente. Sua Majestade parecia estar ficando cada vez mais doente.
— Médico imperial... — a rainha lançou um olhar para o imperador deitado, seu rosto estava insensível e exausto. O temperamento estranho do Imperador Yunqing nos últimos seis meses quase havia destruído a antiga amizade entre eles. Mas, para o homem com a barba já meio branca, seu coração ainda amolecia. — O que aconteceu, Vossa Majestade? Por que tantos cabelos ficaram grisalhos da noite para o dia?
— Imperatriz, Vossa Majestade está muito preocupada — o médico imperial ajoelhou-se diante dela. — Sou incompetente. A condição de Vossa Majestade melhorou gradualmente, mas depois desta noite...
A rainha acenou com a mão fraquejando: — Entendi.
Recuperar-se de um segundo derrame é ainda mais difícil.
Quando o Imperador Yunqing acordou, percebeu que não poderia mais sair da cama. Com seu temperamento explosivo, ele xingou muitos servos no Grande Palácio da Lua, e até a rainha foi severamente repreendida por ele.
— Cadê meu saquinho da sorte? — percebeu o Imperador Yunqing, horrorizado ao notar que o saquinho que ficava debaixo do travesseiro sumira. — Quem roubou meu saquinho da sorte?
O saquinho havia desaparecido, e até o deus da porta colado na entrada fora danificado pelo forte vento da noite anterior. O Imperador Yunqing sentou-se à cabeceira da cama, com os cabelos desgrenhados, olhando fixamente para a cortina de gaze, como se tivesse perdido a sanidade:
— Deve ser porque isso desapareceu que eles vieram atrás de mim, só pode ser por isso.
— Vossa Majestade, está na hora de tomar o remédio — Wang De entrou segurando a tigela de remédio, mas o Imperador Yunqing, repentinamente agitado, derrubou a tigela, molhando-se todo com o líquido. Wang De nem sequer ousou franzir a testa.
— Vá passar minha ordem oral, e convoque imediatamente o Marquês Cheng An e a Princesa Fule para entrarem no palácio — segurando firmemente a mão de Wang De, o Imperador Yunqing ordenou. — Que eles entrem imediatamente.
— Vossa Majestade — Wang De sussurrou —, o Marquês Cheng An está doente, ainda repousando na cama.
— Tem que carregá-lo — os olhos do Imperador Yunqing brilharam, como alguém que está há muito tempo sedento e acaba de encontrar uma fonte de água cristalina. Ignorando tudo, ordenou: — Vá rápido.
— Sim — Wang De fez uma reverência e retirou-se.
Ao sair, o vento gelado penetrou seus ossos através das roupas molhadas, e ele não pôde deixar de tremer.
— Vovô De, que ordens o senhor tem?
— Ordem oral de Sua Majestade: o Marquês Cheng Anhou e a Princesa Fule têm audiência.
— Isso... — o pequeno eunuco olhou para a neve pesada lá fora. Dois dias atrás, o Marquês Cheng An adoeceu, e Sua Majestade até lhe concedeu tônicos. No entanto, congelado assim hoje, mandou chamá-los novamente para o palácio? Isso não é ficar jogando os outros de um lado para o outro?
— Que os guardas imperiais resolvam isso rapidamente. Sua Majestade está ansioso para vê-los.
— Sim! — o pequeno eunuco não ousou falar mais. O temperamento de Sua Majestade estava cada vez mais estranho, e várias pessoas no Grande Palácio da Lua já haviam sido espancadas até a morte com tábuas. Mesmo sendo um eunuco sem raízes, ele ainda temia pela própria vida.
Os membros da família estavam comendo fondue ao redor do fogão quente. Embora não pudessem comer peixes e carnes grandes agora, fondue cozinhado ali era delicioso. Ao ouvir que o Imperador Yunqing convocara urgentemente, e que só Ban Hua estava sozinha, a família Ban ficou um pouco surpresa, mas não ousou desobedecer a ordem.
Ban Hua vestiu um macacão com gola de raposa branca e uma capa também de raposa branca antes de sair da casa dos Ban.
A carruagem enviada pelo palácio já estava esperando do lado de fora do portão, e a pessoa parada na frente era Shi Jin.
— Princesa, tome cuidado onde pisa — sussurrou Shi Jin quando Ban Hua subiu no degrau da carruagem.
Ban Hua parou, então se virou e acenou para ele:
— Obrigada.
104
A carruagem lutava para avançar na neve densa, e os guardas que a conduziam forçavam os cavalos a correrem mais rápido, mas as patas dos animais escorregavam, e o veículo balançava perigosamente na estrada.
— Cuidado — disse Shi Jin, montado ao lado do cocheiro, com expressão séria. — Se a Princesa Fule se machucar, quem entre vocês poderá arcar com isso?
— Sim — responderam os guardas imperiais que atuavam como cocheiros, suando frio e com as sobrancelhas franzidas, confusos. Não deveria haver conflitos entre a família Shi e a família Ban? Por que o comandante-adjunto não parecia guardar rancor da Princesa Fule?
Mas as mágoas e ressentimentos entre a nobreza não eram algo que eles pudessem entender. Como o comandante-adjunto não queria aproveitar essa oportunidade para "dar um fim" à Princesa Fule, ele certamente não ofenderia essas nobres famílias.
Ban Hua ajeitou o grampo de veludo em forma de coelho de neve na têmpora, fingindo não ouvir a conversa do lado de fora, e levantou a cortina para olhar para fora. Estavam quase chegando ao palácio.
— Comandante-adjunto Shi — já havia eunucos esperando no portão do palácio, que ao verem Shi Jin apressaram-se a falar: — Sua Majestade ordenou que a Princesa seguisse direto de carruagem para o Grande Palácio da Lua, sem desmontar.
Shi Jin olhou para a carruagem atrás de si, assentiu levemente e disse: — Entendido.
Os guardas da porta nem levantaram os olhos, olhando para a carruagem luxuosa sem dar um único olhar extra. Só quando a roda do eixo do carro deixou uma marca profunda na neve diante do portão do palácio, que já não podia mais ser vista, os guardas trocaram um olhar.
Marquês Cheng’an e Princesa Fule entraram no palácio em pouco tempo. O que teria Sua Majestade para convocá-los às pressas?
— Comandante-adjunto Shi — disse Ban Hua, sentada na carruagem —, não é estranho andar de carruagem no Palácio Proibido?
Shi Jin apertou as rédeas, recuou para o lado e juntou as mãos em cumprimento: — Princesa, essa é uma ordem de Sua Majestade.
Ban Hua riu sem motivo aparente: — Desta vez, ninguém vai me forçar a sair da carruagem, certo?
O rosto de Shi Jin ficou sério e respondeu respeitosamente: — A princesa está certa.
Parece que a Princesa Fule ainda sabia que ele era quem a impedia de desmontar, e isso lhe trouxe um alívio inexplicável, como se uma preocupação antiga finalmente tivesse se dissipado. Depois da poeira baixar, era um tipo de alívio não precisar mais se preocupar.
Ban Hua riu, e não falou mais nada até a carruagem parar diante do portão principal do Grande Palácio da Lua.
— Princesa, chegamos ao Grande Palácio da Lua.
Quando Ban Hua desceu da carruagem, os guardas ao redor baixaram a cabeça e deram um passo atrás. Até Shi Jin, o comandante, desmontou do cavalo e manteve postura respeitosa. Baixou a cabeça, e só se viam algumas pedras azuis bordadas em seus sapatos simples de pele, que combinavam com as flores de lótus azuis bordadas em seu vestido branco de palácio com peles de raposa.
— Seu servo cumprimenta a princesa — várias oficiais femininas aproximaram-se para saudá-la, algumas seguravam guarda-chuvas para Ban Hua, outras ofereciam aquecedores de mãos, todas respeitosas e admiradas.
Vendo que Ban Hua estava cercada pelas criadas e entrava no salão interior, Shi Jin ficou parado por um momento. Sabendo que seus subordinados o chamavam, ele se recompôs:
— Fiquem aqui por um momento. Se Sua Majestade precisar, também podemos responder rapidamente.
Pensando no temperamento atual de Sua Majestade, os guardas imperiais sentiam um medo persistente, então seguiram a palavra de Shi Jin e permaneceram do lado de fora em guarda.
Ban Hua entrou no salão externo e viu que Rong Xia estava ali. Ele vestia uma túnica de brocado azul, com aparência doente. Havia um braseiro de carvão no salão, que mantinha o ambiente aquecido. Ban Hua tirou a pele de raposa e foi até o lado de Rong Xia.
— Por que você está aqui? — perguntou.
Rong Xia tampou a boca com um lenço e tossiu algumas vezes: — Sua Majestade mandou chamá-la.
Ele abaixou o véu e segurou a mão de Ban Hua em sua palma. A palma fria de Ban Hua foi imediatamente envolvida por um calor reconfortante. Ela olhou preocupada na direção do salão interior e quis dizer algo, mas não falou no fim.
Nesse momento, Wang De apareceu. Vendo as mãos dos dois, avançou para fazer uma reverência:
— Princesa, Senhor Hou, Sua Majestade os convida a entrar.
Ban Hua lançou um olhar para Wang De, que sorriu e se afastou.
— Vamos — disse Rong Xia, apertando os delicados dedos de Ban Hua antes de soltá-los a contragosto.
Quando Ban Hua entrou no salão interior, quase vomitou com o cheiro estranho no ar. O aroma de velas de incenso misturado ao cheiro de remédios a deixava quase sufocada. Mas ela sabia que não podia mostrar nenhuma emoção no rosto, ou o Imperador Yunqing explodiria.
Como Ban Hua esperava, desde que os dois entraram no palácio, os olhos do Imperador Yunqing estavam sobre eles. Só quando se aproximaram que o Imperador fechou os olhos.
— Vossa Majestade — Ban Hua ficou a alguns passos da cama imperial, olhando para o homem envelhecido com olhos preocupados e inocentes. — O senhor está com saudades de mim de novo?
— Sim — respondeu o Imperador Yunqing, abrindo os olhos e olhando para Ban Hua. — Sinto sua falta.
— Sente-se.
Ban Hua puxou Rong Xia para se sentar na cadeira e, aproveitando, pegou uma tangerina fina sobre a bandeja em formato de folha de lótus. Após descascar, percebeu que as mãos estavam cobertas de óleo da casca. Quis pegar um lenço, mas não tinha nenhum à mão.
Rong Xia retirou seu lenço silenciosamente, pegou a mão de Ban Hua e limpou o óleo para ela. Ban Hua generosamente compartilhou metade da tangerina com ele.
— Garota — disse o Imperador Yunqing com voz um pouco rouca —, se você tem um noivo, não deveria dividir a comida comigo?
Ban Hua ficou um pouco confusa. Não significava que Sua Majestade já estava melhor, mas por que falava tão rápido quanto ela da última vez?
— Está muito frio, não quero comer demais, e não quero desperdiçar, então deixo ele comer o resto — sorriu Ban Hua, descascando um pedaço de tangerina para alimentar o Imperador Yunqing. — Este aqui está ótimo.
Ela se incluía junto com o Imperador Yunqing no “nós”, insinuando que, em seu coração, ele lhe pertencia. Embora Rong Xia fosse seu noivo, em seu íntimo, o status dele ainda era inferior ao do Imperador Yunqing.
O Imperador Yunqing realmente se divertia com ela e comeu a laranja, dizendo: — Vamos lá, essa coisa é muito fria, eu não gosto de comer.
— Vossa Majestade sabia que isso foi especialmente preparado por Vossa Majestade — disse Ban Hua alegremente. — Obrigada pela sua bondade, Majestade.
Na verdade, aquilo não foi preparado de propósito, mas depois de ver a expressão feliz de Ban Hua, o Imperador Yunqing não disse nada para contestar. Olhou para Rong Xia, que estava sentado quieto ao lado. Fazia tempo que não o via; Rong Xia havia perdido muito peso, a doença ainda estava visível no rosto, e sua palidez não deixava traço algum de sangue.
— Jun Po, eu pedi para você e Ban Hua virem aqui hoje porque quero que façam algo para mim — disse o Imperador Yunqing. — Gostei muito do desenho do deus da porta que você fez da última vez. Hoje, pode fazer outro quadro.
— Sim — Rong Xia olhou hesitante para o Imperador Yunqing. — Vossa Majestade, o senhor também deve cuidar mais do seu corpo.
O Imperador Yunqing sabia que ele se preocupava com sua saúde, então suspirou levemente: — Eu entendo.
Dois eunucos entraram carregando uma mesa. Canetas, tinta, papel, pedras de tinta e tintas já estavam preparados. Pelas circunstâncias, o Imperador Yunqing queria assistir Rong Xia pintar ali mesmo.
— Vossa Majestade, o Marquês Cheng An sabe pintar, e eu sei fazer o quê? — Ban Hua virou-se para o Imperador Yunqing com expressão aflita. — Não me peça para fazer inscrições.
O Imperador Yunqing sorriu: — Você pode bordar alguns pontos nessa bolsa aqui, à vontade.
Só então Ban Hua percebeu que na mesa trazida pelos eunucos, além dos materiais de pintura, havia também uma bolsa simples e elegante, sem qualquer padrão.
— Vossa Majestade, o senhor sabe muito bem como é a minha fama de “celebridade feminina” — Ban Hua pegou a bolsa, segurou a agulha e sentou na cadeira mais próxima do Imperador Yunqing. — Não brinque comigo se o bordado ficar feio.
O ambiente ficou silencioso, e Ban Hua bordou o caractere torto “Fushou” (Felicidade e Longevidade). Só se ouvia a tosse de Rong Xia de vez em quando. Após bordar o símbolo de bênção, Ban Hua levantou os olhos para as costas dele. Rong Xia tossiu levemente e virou a cabeça para olhar para ela.
Ao se olharem, Ban Hua piscou, abaixou a cabeça e continuou a trabalhar contra os pontos.
O Imperador Yunqing observava a relação quase infantil entre os dois e de repente lembrou que um dia também fora jovem e apaixonado por mulheres bonitas. Só que já havia esquecido a aparência daquela mulher delicada, lembrando apenas que parecia estar casada.
— Vossa Majestade — disse Rong Xia, baixando a caneta —, a pintura de Weichen está pronta.
O Imperador Yunqing nem olhou para o desenho do deus da porta e mandou os eunucos entrarem direto, pedindo que colassem a pintura na porta do salão interior.
As sobrancelhas de Rong Xia se franziram levemente. Observando os olhos aflitos do Imperador Yunqing, ele caminhou até o lado de Ban Hua. A bolsa dela estava bordada de forma semelhante, mas o bordado era realmente ruim, que até ele tinha dificuldade em elogiar.
Mas o Imperador Yunqing gostou muito. Quando a bolsa ficou pronta, não esperou para enfiá-la debaixo do travesseiro.
Ban Hua sentiu que algo estava errado com o Imperador Yunqing. Suas palavras e atos não pareciam os de um imperador valente, mas sim de uma criança de sete ou oito anos incapaz de controlar suas emoções.
Ele os chamara com urgência na neve só para que eles pintassem e bordassem bolsas. Em que isso era diferente do Hunjun?
— Vossa Majestade, Vossa Majestade? — Ban Hua percebeu que o Imperador Yunqing havia fechado os olhos. Trocaram um olhar com Rong Xia e recuaram discretamente.
Ao saírem do salão interior e respirarem o ar fresco lá fora, Ban Hua sentiu corpo e mente mais confortáveis. Olhou para as damas e eunucos que estavam no salão externo e acenou para Wang De, que estava mais próximo dela.
— Chefe Wang, Sua Majestade está dormindo. Terminou.
Wang De sorriu ao ouvir e conduziu os dois para fora do Palácio da Lua, depois lhes deu um grande presente:
— Hoje, por favor, incomodem o Senhor Hou e a Princesa.
Ban Hua sorriu e disse: — Poder encontrar Sua Majestade é uma bênção que muitos nem sonham em ter.
Mas, ao dizer isso, virou o rosto para olhar Rong Xia, que usava um casaco de pele azul-marinho ao lado dela, preocupada. Ele já não aguentava mais, então falou diretamente:
— Eunuco, já que Sua Majestade está descansando, não vou mais incomodar, então me retiro.
— Vá com calma.
Wang De olhou para Rong Xia, fez uma reverência e voltou para o Palácio da Lua.
Ao verem Rong Xia e Ban Hua saírem, os guardas imperiais que protegiam o palácio suspiraram aliviados, pois parecia que Sua Majestade estava de bom humor naquele dia.
Eles tinham pego o homem e naturalmente queriam despachá-lo. Ban Hua ajudou Rong Xia a entrar na carruagem, virou-se para os guardas e disse:
— Obrigada a todos, vou voltar com o Senhor Rong.
Segundo as regras, não era apropriado que homem e mulher compartilhassem a carruagem, mas como logo eles se casariam, os detalhes não importavam muito, e assim economizavam. Ninguém se opôs.
— Vice-comandante, por que não deixar os subordinados...
— Não, deixem que eu faça essa viagem — disse Shi Jin sem expressão. — Eu trouxe a Princesa Fule, então naturalmente vou garantir que ela volte em segurança.
— Sim.
Ban Hua sentou-se na carruagem e olhou preocupada para Rong Xia:
— Como está sua saúde?
Rong Xia balançou a cabeça: — Está tudo bem.
Pegou a mão de Ban Hua e escreveu três palavras na palma dela:
não se preocupe.
— Você... — Ban Hua lembrou que quem guardava do lado de fora era Shi Jin, e disse: — Vou fazer um fondue em casa esta noite, você pode ir também.
Rong Xia assentiu: — Está bem.
Do lado de fora da carruagem, os olhos de Shi Jin estavam sempre voltados para frente, flocos de neve caíam em seus cabelos, que logo ficaram brancos. Outro subordinado quis segurar um guarda-chuva para ele, mas ele recusou.
Os subordinados perceberam que ele não estava de bom humor, então não ousaram falar mais nada.
A carruagem parou na casa do Marquês de Cheng’an, e quem desceu primeiro não foi Rong Xia, mas Ban Hua.
Ela saltou da carruagem, virou-se e estendeu a mão para quem ainda estava dentro: — Desçam, eu vou ajudar vocês.
— Tosse, tosse, tosse. — Rong Xia tossiu, levantou a cortina e saiu, olhando para a mão estendida à sua frente e a segurou sem hesitar. Depois de descer, cobriu os cantos da boca com um lenço e sorriu para Shi Jin: — O vice-comandante Lao Shi vai nos levar de volta.
— É seu dever, Marquês Cheng’an, não precisa ser educado — respondeu ele.
Rong Xia sorriu ainda mais gentilmente e conduziu Ban Hua pelo portão da casa da família Ban.
— Tsk — disse um guarda com certo aborrecimento, assim que os dois entraram. — Por que esses acadêmicos são tão virtuosos, tão fracos, e precisam que uma mulher os apoie, parecendo menininhos? O que é ainda mais irritante é que a princesa Fule é tão bonita, e o Marquês Cheng’an tem vergonha de deixar a princesa ajudá-lo. Que sem vergonha! Não podem ser um pouco mais homens?
— Está bom — respondeu Shi Jin, com um pouco de frieza. — Se querem fofocar sobre os outros, por que não voltam para casa e praticam sua técnica de sabre?
Se pudessem se aproximar de uma beleza, que importa se são homens ou não?
Rong Xia segurou a mão de Ban Hua e sentiu um conforto que percorreu todo o corpo dela. Ele parou de tossir e ofegar, e seu rosto pálido ganhou um tom rosado. Ela até comeu uma tigela grande de vegetais no fondue. Toda fraqueza e resquício da doença desapareceram.
No fim, ele insistiu em passar a noite na casa dos Ban, alegando a forte neve, o vento intenso e sua própria fraqueza — o que confirmou sua determinação de se casar com Ban Hua.
Na manhã seguinte, o Imperador Yunqing acordou. Após despertar, comeu duas tigelas de mingau e alguns petiscos, e até seu rosto parecia mais radiante.
— Wang De — disse o Imperador repentinamente para Wang De, que estava ao seu lado —, existe um ditado popular, chamado Chongxi?
— Vossa Majestade — respondeu Wang De, hesitante —, realmente existe esse ditado, mas...
— Você disse que, se deixarmos o Marquês Cheng’an e a Princesa Fule se casarem no palácio, isso traria felicidade?
— Vossa Majestade — Wang De se assustou tanto que se ajoelhou diante do imperador —, a Condessa Fule e o Marquês Cheng’an são apenas ministros estrangeiros. Como poderiam se casar no palácio? Isso vai contra as regras dos ancestrais.
— Um deles é minha sobrinha e o outro é meu sobrinho. Não é tão absurdo assim que se casem no palácio — retrucou Yunqing. — Vi que a data do casamento deles está muito distante. Em dezembro há um bom dia, que coincide com o período de luto da filha mais velha, não seria a ocasião perfeita?
Wang De se ajoelhou no chão, como se não quisesse mais acordar. Afinal, ele era apenas um eunuco; por que deveria se preocupar com as regras dos ancestrais?
— Vá e consulte Qin Tianjian para saber se há bons dias em dezembro.
Wang De recebeu a ordem e se retirou, mas antes de ir a Qin Tianjian, deixou escapar a notícia de propósito.
Se Sua Majestade queria que o Marquês Cheng’an e a Princesa Fule se casassem no palácio, isso definitivamente não seria possível. Porém, marcar o casamento para dezembro era viável, já que o dia 28 de dezembro era um bom dia. Para o mundo exterior, seria um casamento tradicional e auspicioso — perfeito.
Quando a rainha soube da notícia, correu ao Grande Palácio da Lua e persuadiu o Imperador Yunqing por bastante tempo até que ele abandonasse a ideia do casamento no palácio. Mas a ideia da “alegria” já estava profundamente enraizada no coração do imperador.
No fim, ele deu aos dois um palácio separado nos subúrbios de Beijing, alegando, pelo oráculo de Qin Tianjian, que seria melhor para o casamento.
O feng shui dos outros palácios onde o imperador morava não era ruim, mas os palácios na Dinastia Daye geralmente eram dados como recompensa aos herdeiros — e não havia precedente para recompensar ministros estrangeiros.
Além disso, o entusiasmo do Imperador Yunqing com o casamento do Marquês Cheng’an e da Princesa Fule era o mesmo como se fosse o casamento de seu próprio filho.
Quando o Rei Ning se casou, Yunqing não mostrou tanto entusiasmo assim.
Por isso, espalhou-se um boato misterioso de que o Marquês Cheng’an era, na verdade, filho do imperador — e por isso ele permitira o casamento com sua descendente favorita. Mesmo doente, ainda se preocupava com o casamento do Marquês.
Quando essas pessoas espalhavam rumores, esqueciam que, quando o casamento foi anunciado, também disseram que o Marquês Cheng’an fora obrigado pelo imperador a casar com a Princesa Fule. Agora ele voltava a ser filho ilegítimo do imperador — e por isso teria o casamento com sua protegida mais querida.
Lógica é a coisa mais inútil quando se trata de fofoca.
Quando a família Ban soube das intenções do Imperador Yunqing, todos ficaram perplexos. Quando os jovens da família se casavam, a data era decidida pelos pais — o que o imperador queria? Por que o vigésimo oitavo dia do décimo segundo mês lunar seria um bom dia? Por mais auspicioso que fosse o dia, que relação teria com ele?
Ban Huai ficou tão furioso que quebrou vários conjuntos de chá em casa, mas não podiam recusar a “gentileza” de Sua Majestade.
— Mestre, esse conjunto de chá vale seiscentos taéis — disse Yin friamente, observando Ban Huai quebrar os utensílios. — No total, você já destruiu quase dois mil taéis em louças.
— Madame — arfou Ban Huai —, eu simplesmente não consigo respirar.
— Se estiver com raiva, engula — riu Yin —. Você não ouviu o que disseram no palácio? O que mais preocupa Sua Majestade ultimamente é esse casamento. Por causa disso ele não consegue dormir direito, não come bem. Se você for impedir, vai ver se ele não enlouquece.
— Por que ele está tão preocupado? Será que o Marquês Cheng’an é mesmo filho ilegítimo dele?
— É só conversa de gente ignorante de fora, você acredita? — zombou Yin. — Lin nunca teve muito contato com o presente, como poderia ter um filho ilegítimo? Será que foi como aqueles roteiros que falam em “gravidez por sentimento”?
— Gravidez por sentimento? Isso é mentira — Ban Huai de repente se sentiu culpado. — Como eu poderia acreditar nisso?
Yin arqueou as sobrancelhas e o ignorou.
— Zuoyou Huahua também está disposta a se casar com Cheng Anhou, e não faz tanta diferença se for mais cedo ou mais tarde — disse Yin, franzindo a testa —. Ainda bem que está tudo mais ou menos igual, senão eu teria que correr com isso...
— Eu não suporto minha filha se casar tão cedo — retrucou Ban Huai, teimoso —. É uma sensação ruim no coração.
— Não me diga que quer esperar o luto oficial do país antes de deixá-los se casar? — Yin baixou a voz, com um tom frio.
— Marido, madame, o que vocês querem dizer com isso? — Ban Huai ficou surpreso, olhou para Yin em pânico —. Não pode ser, né?
— Quem sabe? — Yin se levantou —. Não arrume confusão, vou falar com Huahua. Se ela não tiver objeção, o assunto fica resolvido assim.
Originalmente, o boato de que Rong Xia era filho ilegítimo do Imperador Yunqing era só a inveja de alguns ignorantes, mas, por algum motivo, o rumor se espalhou cada vez mais, e até o Rei Ning ouviu falar disso.
— Como? Filho ilegítimo? — o Rei Ning levantou-se excitado da cadeira —. Impossível! Isso é absolutamente impossível!
Se Rong Xia fosse filho ilegítimo do pai, ele jamais teria sido mantido após o caso de assassinato. Isso não pode acontecer.
— Por que seria impossível? — Xie Wanyu sorriu sarcasticamente —. Se formos falar disso, a mãe do Marquês Cheng An e Sua Majestade ainda são primos. Dizem que essa Lin é extremamente bela, por isso o velho Âmbar não ligava para a origem de Lin e insistia em casar-se com ela, até reformou seu jardim.
— Cala a boca! — Jiang Luo interrompeu —. Seu pai ter um filho ilegítimo não é bom nem para você nem para mim. Acha que agora é hora de assistir à diversão?
— As palavras de Vossa Majestade são injustas — respondeu Xie Wanyu calmamente —. Mesmo que o Marquês Cheng An seja filho ilegítimo de Sua Majestade, enquanto ele não o reconhecer, continuará apenas um cortesão. Por que se importar com ele?
Xie Wanyu não entendia por que Jiang Luo insistia em se aproximar de Rong Xia ultimamente. Não seria mais importante agradar Sua Majestade e pisar no príncipe para que ele nunca mais se levantasse?
Questão de QI que é realmente insolúvel.
— Eu não reconheci — Jiang Luo se aborreceu —. Agora toda a capital sabe do outro palácio. Quanto dinheiro e recursos foram desperdiçados para construir um genro! O rei e o príncipe herdeiro querem isso, mas o pai não quer entregar. Agora que o Marquês Cheng An vai se casar, não está óbvio o gesto de recompensar e deixar o casamento ocorrer em outro palácio?
Quanto mais Jiang Luo falava, mais sentia que Rong Xia provavelmente era filho ilegítimo de seu pai. Caso contrário, por que o pai o teria tratado tão bem todos esses anos?
Xie Wanyu arqueou as sobrancelhas: — Vossa Majestade já deu, não pode pedir de volta?
— Não é como se eu não tivesse visto coisas boas antes — Jiang Luo se irritou um pouco —. Cala a boca, não quero mais falar com você.
Xie Wanyu não se importou, resmungou baixo, virou-se e saiu, ignorando completamente o embaraço e o desabafo dele.
— Vossa Majestade — a rainha entrou no Grande Palácio da Lua e viu o Imperador olhando para um processo de casamento. Ela parou —. Isso é o procedimento do casamento entre o Marquês Cheng An e a Princesa Fule?
— Sim — Yunqing anda com boa disposição ultimamente, como alguém que tomou a dianteira, com o espírito renovado —. Não há mais idosos na família de Cheng Anhou, e eu sou o padrinho do casamento, então tenho que me preocupar mais.
— Vossa Majestade... — a rainha olhou para uma lista de presentes preparada pelo Ministério dos Rituais sobre a mesa. De acordo com as regras, o Ministério deve organizar presentes de congratulação para nobres casados, mas geralmente são coisas superficiais, apenas para dar um ar de prestígio.
Seu coração tremeu levemente, lembrando que Sua Majestade certa vez chamou o Sr. Rong Xiaolang no sono, parecendo aterrorizado, como se ele tivesse feito algo para ofendê-lo.
Será que...
A rainha de repente sentiu que a lista de presentes em suas mãos pesava mais de mil quilos.
— Vossa Majestade, já ouviu os boatos lá fora?
— Que boatos? — o Imperador Yunqing não levantou o olhar, toda sua atenção estava na lista. Para ele, não era uma cerimônia, mas um casamento perfeito. Ele esperava que, após esse casamento, seu corpo ficasse saudável e pudesse sentar no trono do dragão novamente, recebendo o louvor dos oficiais civis e militares.
— Dizem que o Marquês An é seu filho ilegítimo?
— Que absurdo é esse? — Yunqing não esperava ouvir tamanha bobagem e logo retrucou —. Imperatriz, não acredite nessas palavras lá fora. Nunca encontrei Lin pessoalmente várias vezes, como poderia haver um filho ilegítimo como o Marquês Cheng An?
Se ele realmente tivesse tal filho, tudo bem.
O coração da rainha ficou mais frio. Será que Sua Majestade não se importa nem um pouco com esses rumores?
105
— Majestade — a rainha pousou a lista de presentes —, esses rumores não são bons nem para Vossa Majestade, nem para o Marquês de Cheng’an. Acho que seria melhor esclarecê-los.
O Imperador Yunqing sentia que, apenas tratando Rong Xia como seu próprio filho, poderia escapar daquele pesadelo. Ocupando uma posição tão alta, mas sem possuir um corpo saudável, ele — como tantos outros imperadores absurdos da história — passou a temer a morte e o envelhecimento. Suas ambições juvenis e seu julgamento antes tão claro desapareceram. Sua única obsessão agora era ter um corpo forte e alcançar a longevidade.
— De que adianta esclarecer? Essas pessoas só vão achar que estou tentando encobrir alguma coisa — respondeu ele com indiferença. — Quem é limpo se limpa sozinho. A rainha não precisa se preocupar.
A rainha apertou os lábios e abaixou os olhos.
— Entendido.
A família Lin, naquela época, era realmente como uma orquídea em um vale deserto — bela e serena. Até mesmo uma mulher não conseguia evitar sentir compaixão ao vê-la. Lin deveria ter sido prima de Sua Majestade, mas por causa dos ressentimentos da geração anterior, ela sofreu muito na juventude.
Dizia-se que, antes de se casar com a rainha, Sua Majestade gostava de outra mulher. Embora nunca mais tivesse mencionado essa mulher após o casamento, a imperatriz ainda não conseguia deixar de pensar: seria aquela mulher da família Lin? Seria por isso que Sua Majestade não pôde se casar com ela, nem sequer demonstrar sua vontade?
— Rainha — disse o imperador, julgando que havia sido claro o suficiente para que ela não tivesse mais mal-entendidos —, o casamento entre o Marquês de Cheng’an e a senhorita Hua é muito importante para mim. Minha saúde não permite que eu me ocupe de tudo, então tudo dependerá de você.
— Não se preocupe, Majestade — respondeu ela, abaixando a cabeça e ajudando a organizar as listas sobre a mesa —, esse casamento não sairá errado.
Com o quanto a família Ban ama sua filha, era impossível que permitissem que o casamento causasse problemas.
A princesa da família Ban, que já tivera quatro noivos, finalmente ia se casar.
Assim que a notícia se espalhou pela capital, alguns homens invejaram a sorte do Marquês de Cheng’an, algumas mulheres invejaram a sorte de Ban Hua, e outros — sem relação alguma — invejavam que Rong Xia talvez tivesse dois pais com atitudes esquisitas.
Embora alguns começassem a especular sobre possíveis acontecimentos do passado, todos mantinham uma postura séria, fingindo preocupação com os assuntos de Estado, e calculavam a possibilidade de Sua Majestade reconhecer esse “filho ilegítimo”. Se isso acontecesse, será que o trono seria passado para Rong Xia?
Ao pensar no Rei Ning — desastroso em tudo o que fazia — e no príncipe herdeiro, cuja personalidade era fraca, muitos oficiais sinceramente preocupados com o futuro do império começaram a pensar que, se o Marquês de Cheng’an fosse mesmo sangue da família Jiang, talvez fosse a melhor escolha para o trono. Pelo menos não precisariam se preocupar com um imperador que escutasse bajuladores por ter ouvidos fracos, ou que governasse de acordo com seus próprios impulsos, punindo e humilhando cortesãos sem se importar com o povo.
— Como isso é possível? — Ban Hua não conseguiu conter o riso ao ouvir os boatos de Ban Heng. — Isso é tudo invenção. Ele não pode ser filho de Sua Majestade.
— Isso não é tão certo assim — rebateu Ban Heng. — Veja como Sua Majestade é gentil com o Marquês de Cheng’an. Todos esses anos promovendo-o... Quando os pais e irmãos dele morreram, ele não foi rebaixado, e ainda teve apoio da família da rainha.
No começo, ele também achava os rumores absurdos, mas à medida que se espalhavam, e as explicações começavam a fazer sentido — como o tal Qian Yuan —, ele passou a duvidar.
— Se não fosse filho de sangue, alguém da corte teria esse tipo de tratamento?
— Esqueceu que o pai de Rong Xia foi companheiro de Sua Majestade quando ele ainda era príncipe? — Ban Hua refletiu um pouco. — Talvez seja por causa disso que ele cuida de Rong Xia.
— E você acredita nisso? — Ban Heng arqueou a sobrancelha, desconfiando das palavras da irmã. — Se Sua Majestade fosse mesmo tão nostálgico, quando o irmão mais velho de Rong Xia ainda estava vivo, ele não teria recusado a sucessão do título da família com a desculpa de que o luto ainda não havia passado. O decreto de desaprovação veio, e ele continuou com o mesmo título de seu pai, de conde.
De acordo com as regras da dinastia Daye, os herdeiros que sucedem ao título dos pais devem ser rebaixados em um nível. Se a família não for bem-vista pela corte, pode ser rebaixada em dois ou até três níveis. Como os títulos são raros e valiosos, os imperadores são extremamente cautelosos com isso — então por que seria tão generoso nesse caso?
Ban Heng até achava que metade da razão pela qual Rong Dalang morreu tão cedo foi por causa da demora de Yunqing em lhe passar o título.
— Isso não é questão de acreditar ou não — respondeu Ban Hua —, é que Rong Xia não pode ser filho ilegítimo do Imperador Yunqing.
Ela não quis continuar discutindo, levantou-se e disse:
— Não dê ouvidos a esses boatos. Você já é burro o suficiente, se escutar mais vai ficar pior ainda.
Ban Heng: ...
— Onde você vai?
— Encontrar o filho ilegítimo do imperador de quem você está falando — respondeu Ban Hua, pegando o manto de pele de raposa no cabide e se preparando para sair.
— Irmã — chamou Ban Heng —, você e Rong Xia realmente vão se casar antes do Ano-Novo?
— A data já não foi marcada? — Ban Hua parou em frente ao grande espelho de bronze, amarrou a fita do manto e não demonstrou nenhuma objeção ao casamento. — Sua Majestade está com pressa, e nós vamos dizer não?
— Diziam que fevereiro era um bom mês, mas do nada adiantaram dois meses. Qual é a pressa de Sua Majestade? — resmungou Ban Heng, descontente.
— Talvez para Chongxi — brincou Ban Hua. — Isso não acontece com frequência entre o povo? Quando um idoso está doente, faz-se os mais jovens se casarem, para trazer alegria e afastar a doença.
— Mas isso só vale para filhos e filhas. Você e Rong Xia não são filhos de Sua Majestade. Que alegria é essa? — Ban Heng zombou da piada sem noção da irmã. — Está nevando lá fora, não vá a cavalo.
— Já entendi — respondeu Ban Hua, abrindo a porta. Virou-se e disse: — Ah, e não se esqueça de praticar boxe de novo.
— Tá bom, tá bom, vai logo ver seu noivo — murmurou Ban Heng, acenando displicente. Ele claramente não tinha interesse em treinar punhos e chutes. De qualquer forma, Rong Xia era só um frágil erudito. Se um dia fizesse algo contra sua irmã, ele o esmagaria com um único soco.
A neve na capital costumava cair com intensidade, por vários dias seguidos. Havia muito menos pedestres nas ruas do que de costume. Ban Hua estava sentada dentro de uma carruagem macia e aquecida, com um aquecedor de mãos entre os dedos, ouvindo o tilintar dos sinos dos cavalos. Impaciente, levantou a cortina da janela.
Os poucos transeuntes na rua andavam encolhidos de frio. Havia vendedores de carvão, de óleo e até de carne curtida para o Ano-Novo. Ela soprou um bafo branco no ar e, de repente, se deu conta: mais um ano estava prestes a terminar.
No canto da rua, ainda havia meninos e meninas com etiquetas de palha na cabeça sendo vendidos. Ban Hua desviou o olhar e baixou a cortina.
Ultimamente, cada vez mais pessoas estavam vendendo filhos na capital. Ela franziu o cenho. Se até a capital está assim, como será a situação no resto do país?
A Mansão do Marquês de Cheng’an não ficava longe da Mansão de Jingting, e quando a carruagem estava quase chegando ao destino, parou subitamente.
— Por que paramos aqui? — perguntou Ban Hua, erguendo a cortina.
— Princesa, há várias carruagens estacionadas à frente, e essa parte da rua está bloqueada.
Ban Hua então se inclinou para fora e viu diversas carruagens paradas. Julgando pela ornamentação, eram veículos de pessoas de alta patente. Ela entregou seu aquecedor de mãos ao guarda ao lado da carruagem, pegou outro das mãos de uma criada, pisou no banquinho e desceu.
O chão estava coberto de neve suja. Pelo visto, muita gente veio visitar a Mansão do Marquês de Cheng’an.
— Esquece, vamos embora — disse ela, virando-se. Era o tipo de gente com quem menos gostava de lidar.
— Saudações à princesa! — Um jovem de roupas verdes correu até ela, curvou-se respeitosamente e falou: — Por favor, entre.
Ban Hua parou sobre o banquinho e ergueu o queixo na direção das carruagens:
— O Marquês está com tempo agora?
— Talvez não tenha para os outros, mas para a senhorita, ele sempre tem — respondeu o servo com um sorriso bajulador. — O Marquês deu ordens claras: se a princesa vier, deve ser recebida imediatamente. Quem demorar para obedecer... bem, que faça as malas e deixe a mansão.
— Que absurdo — comentou Ban Hua com um sorriso. — O Marquês é assim tão irracional?
— O Lorde Marquês é muito razoável na maioria das coisas, mas no que diz respeito à princesa, não há razão que o segure — disse o rapaz, coçando a cabeça e sorrindo timidamente. Quando viu a criada segurando o guarda-chuva para Ban Hua, apressou-se em baixar a cabeça. Não ousava encará-la diretamente. As criadas da princesa eram todas tão belas que ofuscavam os olhos.
Rong Xia estava na sala principal conversando com alguns oficiais. Os homens diante dele eram conhecidos por apoiar o príncipe herdeiro. Desde que este fora colocado em prisão domiciliar no Palácio Oriental, eles vinham se empenhando por ele. Só recuaram após o Rei Ning ter esmagado os oficiais alinhados ao príncipe.
Rong Xia sabia exatamente o que aqueles homens queriam: tinham ouvido os boatos e queriam que ele, o suposto “filho ilegítimo”, intercedesse junto ao imperador pelo príncipe herdeiro.
Esses homens são ridículos, pensou Rong Xia. Não é de admirar que o príncipe tenha se tornado tão fraco — foi influenciado por gente assim.
Agora que o Rei Ning tinha tanto poder, em vez de tentarem derrubá-lo ou fazer Sua Majestade perder a confiança nele, aqueles oficiais ainda buscavam meios de implorar clemência para o príncipe. Que tipo de cérebro é esse? O mais sensato seria afastar o Rei Ning do poder, fazer com que o imperador se decepcionasse com ele — só então interceder pelo príncipe faria algum sentido.
Dentre os que restavam no grupo do príncipe, o mais capaz era Shi Chonghai. Infelizmente, sua arrogância irritou o imperador, e agora ele nada podia fazer — só assistia de longe enquanto o Rei Ning crescia em influência.
— O Marquês de Cheng’an tem uma aparência digna e modos de um verdadeiro cavalheiro — comentou um dos oficiais. — O príncipe sempre elogia muito o Marquês diante de seus ministros, e enaltece seu talento literário.
Esses homens não paravam de repetir o nome do príncipe. Embora Rong Xia admirasse a lealdade deles, estava determinado a não se comover.
— Lorde Marquês — o mordomo entrou —, a princesa Fule chegou.
Ao ouvir isso, Rong Xia pousou a xícara de chá e levantou-se:
— Senhores, minha noiva chegou. Fiquem à vontade. Eu voltarei em breve.
Mesmo os mais descarados entre os oficiais ficaram constrangidos de interromper um momento entre noivos. E embora Rong Xia não houvesse dado nenhuma promessa sobre interceder pelo príncipe, também não os rejeitara completamente, o que os deixou com uma réstia de esperança.
— Vamos nos retirar.
— Senhores, não precisam de tanta formalidade.
Após algumas despedidas insistentes, os oficiais finalmente saíram pelo portão da mansão. Ainda não haviam ido longe quando viram um grupo de pessoas se aproximando da entrada principal. À frente, vinha uma jovem de dezessete ou dezoito anos, vestindo um manto branco como a neve. Estava cercada por criadas tão belas quanto flores, parecendo uma concubina celestial em passeio.
— Aquela é... — murmurou o oficial à frente, parando de andar. Virou-se para os colegas e disse: — Vamos esperar.
Decidiram esperar até que Ban Hua passasse para então seguir caminho. O mordomo que os acompanhava ficou respeitosamente atrás deles, de cabeça baixa.
Para surpresa deles, Ban Hua os notou. Parou, retirou o capuz do manto e acenou com um leve aceno de cabeça. Os oficiais, lisonjeados, responderam rapidamente com reverências, e só voltaram a si depois que ela passou.
Ao olharem novamente, viram que Rong Xia havia saído para recepcioná-la. Um homem belo, uma mulher encantadora — uma visão que despertava inveja.
— Senhores, por favor — disse o mordomo com um sorriso, fazendo um gesto de convite.
Os oficiais finalmente voltaram à realidade e saíram da mansão com sorrisos constrangidos. Lá fora, trocaram despedidas amargas. Não havia mais nada que pudessem fazer.
Toda a capital sabia que Sua Majestade estava investindo pessoalmente nesse casamento. Por isso, todos que tinham laços com a família Ban capricharam nos presentes de noivado. Joias, livros antigos e pinturas preciosas foram enviados, um após o outro, à casa dos Ban.
Faltando cerca de dez dias para os dois casamentos, algumas pessoas já começaram a especular sobre o tamanho do dote da Princesa Fule e o valor dos presentes de noivado enviados pelo Marquês de Cheng’an.
Havia até alguns jovens folgados, que mantinham boas relações com Ban Huai, apostando se ele choraria ao levar Ban Hua até o noivo ou se seguraria a filha no colo, recusando-se a deixá-la se casar.
Era para ser apenas um casamento comum entre nobres, mas como o Imperador Yunqing concedeu um palácio separado para os dois noivos e ainda circularam rumores de que o Marquês de Cheng’an era seu filho ilegítimo, a cerimônia acabou se tornando o centro das atenções.
A família Yan e a família Shi não demonstraram nenhuma reação incomum quanto a isso, mas a família Xie teve uma atitude um tanto estranha: preparou um presente generoso e o enviou à mansão Jingting. Todos sabiam que os Xie e os Ban tinham desavenças antigas, então causou espanto que a família Xie enviasse um presente tão valioso.
Só mais tarde alguém se lembrou de que a família Ban havia chamado os médicos da família Xie tempos atrás, deixando de lado os rancores do passado. Embora eles só tivessem conseguido salvar a vida de Dalang da família Xie — e não seus membros danificados —, diante da gravidade da situação, nem mesmo os deuses seriam capazes de reverter aquilo. Portanto, não era justo colocar a culpa nos médicos.
Dado que Dalang da família Xie estava ferido em tal grau, conseguir salvar sua vida já era mérito suficiente da equipe médica da família Ban.
Pensando sob esse ponto de vista, todos entenderam que a atitude da família Xie se devia a esse favor.
O curioso era que ninguém cogitava que a intenção da família Xie fosse ajudar o Segundo Príncipe a conquistar o apoio da família Ban e do Marquês de Cheng’an. Isso apenas mostrava o quão complexas eram aquelas relações.
— Na época em que a Princesa Herdeira se casou com a família Shi, o dote era de apenas cento e oitenta e oito peças. O nosso está exagerado demais — disse Yin com dor de cabeça após finalizar a lista do dote. Refletindo um pouco, voltou-se para Ban Huai: — Que tal enviarmos algumas coisas para a casa dos Rong primeiro? Afinal, o Marquês de Cheng’an não é do tipo que cobiça o dote da nossa filha.
— Tem razão. Ainda temos aqueles livros antigos, caligrafias e pinturas. Se der para levá-los à casa dos Rong, que levem logo — respondeu Ban Huai, balançando a cabeça. — Melhor que fiquem lá do que apodreçam aqui em casa.
O que aconteceria nos próximos anos? Tudo podia mudar. Antigamente, o plano deles era: se a casa fosse invadida, tentariam mandar esses livros para fora com antecedência. Agora que haviam encontrado um genro com talento literário, era melhor dar os livros a ele do que deixá-los cair nas mãos de estranhos, ou pior, serem levados embora quando a casa fosse saqueada.
Ban Huai pensava com clareza: se a família Ban ainda estivesse de pé dali a quatro anos, todos aqueles livros antigos estariam em cópias duplicadas, e tanto os originais quanto os manuscritos seriam divididos meio a meio. Ninguém ficaria com mais, e ninguém sairia no prejuízo.
Embora ele não se importasse tanto com esses objetos, eram legados dos antepassados da família — uma lembrança para as gerações futuras.
— Eu entendo o que você quer dizer — Yin assentiu, e de repente pareceu um pouco melancólica. — Criei essa filha por tantos anos, e num piscar de olhos ela vai se casar. Só sinto um vazio aqui dentro.
Ela sabia que Rong Xia era um bom genro, e também que a filha estava satisfeita com o casamento, mas como toda mãe, não deixava de se preocupar com a filha... e sentia-se relutante em deixá-la partir.
Ban Huai segurou sua mão e sorriu:
— Os filhos crescem um dia. Mas você ainda vai ter a mim ao seu lado.
Yin sorriu de repente e deu um tapinha no dorso da mão dele:
— Se o senhor consegue dizer isso, acho que a Huahua não vai ficar tão triste ao se casar.
Ban Huai: ...
Na verdade, ele não tinha tanta certeza disso.
— Neve branca, fogareiro de barro vermelho... — Ban Hua tomou um gole do chá que Ban Huai preparara e comentou com um sorriso: — Embora eu não devesse beber esse chá, o sabor está realmente ótimo.
— Contanto que você goste — respondeu Rong Xia, enquanto pousava o fogareiro de chá —, chá é para ser bebido. Dizer que é bom ou ruim não tem nada de errado.
Ao ouvir isso, Ban Hua sorriu:
— Com um temperamento desses, não me espanta que você conquiste as moças.
— Eu não sou assim com todo mundo — disse Rong Xia, olhando para ela com uma expressão injustiçada. — Quando foi que você me viu cortejando outra mulher? Se elas gostam ou não, o que isso tem a ver comigo?
Ao vê-lo fazendo aquela cara de coitadinho de propósito, Ban Hua esticou a mão, apertou as bochechas dele e puxou para os lados:
— Está fingindo de novo, né? Não pense que só por ser bonito eu vou ter medo de lidar com você.
— E como Huahua pretende lidar comigo? — Rong Xia aproximou o rosto do dela. Seus olhos profundos pareciam um lago calmo e límpido, penetrando direto até o fundo do coração de Ban Hua. — Eu obedecerei.
— Não tente me seduzir com essa carinha — retrucou Ban Hua, dando um tapinha no próprio peito, que acelerava um pouco. Depois, levou a xícara até a boca de Rong Xia. — Toma, bebe mais um gole de chá.
Rong Xia segurou o pulso dela, tomou o chá diretamente de sua mão, e depois lambeu o canto dos lábios úmidos:
— Está bem doce.
— Doce? — Ban Hua olhou para os lábios de Rong Xia, e não conseguiu se conter. Inclinou-se para a frente e lambeu os lábios dele.
A ponta macia da língua encontrou os lábios suaves — um pouco doces, um pouco quentes, um pouco ofegantes. Ban Hua piscou, achando que a sensação era agradável, então esticou a língua e lambeu de novo. Em seguida, sentou-se rapidamente de volta em sua posição original, fazendo-se de séria:
— Hm, é mesmo doce.
Rong Xia tocou os próprios lábios e sorriu:
— Parece que Huahua ficou bastante satisfeita com o que viu?
— Hmph — Ban Hua segurava a xícara de chá e a girava entre as mãos. — Então todos os cavalheiros são assim?
— Eu não sou um cavalheiro. Não sei o que é ser um cavalheiro — disse Rong Xia, segurando a mão dela. — Só sei que é bom que Huahua goste.
Ban Hua abaixou os olhos para a mão que ele segurava, e então virou a cabeça para observar os flocos de neve que voavam do lado de fora da janela. Nessa mesma época, no ano passado, ela jamais teria imaginado que estaria ao lado desse homem. Lembrou-se do que sonhara certa vez, e perguntou:
— Rong Xia, o que você pensa da Dinastia Daye?
Rong Xia ergueu o olhar para ela e de repente sorriu:
— O povo sofre, o governo é caótico, os clãs nobres são preguiçosos e inertes, e não há sucessores à altura.
— Você tem mesmo coragem de dizer isso? Não tem medo que eu te denuncie ao imperador? — Ban Hua o olhou com um sorriso. — Nossa família também faz parte desses clãs preguiçosos.
— A família Ban é diferente.
— Diferente?
— Diferente de todos os outros, aos meus olhos.
— Parece que você não é uma pessoa justa — disse Ban Hua, apoiando o queixo com uma das mãos e pousando a outra sobre a mão de Rong Xia. — Eu achei que você diria que nossa classe social precisa aprender a progredir.
— Sou uma pessoa tendenciosa — Rong Xia abaixou a cabeça e beijou o dorso da mão dela. — Enquanto for humano, será parcial. Aos meus olhos, a família Ban não é composta por filhos inúteis e preguiçosos, mas por pessoas de espírito livre e mente aberta.
— Isso não começa com a inação?
— A inação dos outros é odiosa, mas a inação da família Ban é adorável — disse Rong Xia com um sorriso. — Não é?
— Hm... — Ban Hua assentiu com um olhar sério. — Essa colocação é bastante razoável.
Rong Xia por fim não conseguiu conter o riso, levantou-se, caminhou até o lado de Ban Hua e a envolveu nos braços. Como pode haver uma mulher tão adorável neste mundo? Mesmo se ele a absorvesse até os ossos, ainda não seria suficiente.
— Du Jiu — Wang Qu empurrou a porta e entrou no quarto. Ao ver Du Jiu sentado junto à janela, perguntou: — Como está seu ferimento?
— Já está bem melhor — respondeu Du Jiu, voltando o rosto para ele. Levantou-se, foi até a mesa e fez sinal para que se sentasse. — Por que teve tempo de vir até meu quarto hoje?
Wang Qu pousou o cesto de frutas que carregava:
— Só vim ver como você estava.
Du Jiu ergueu as pálpebras para encará-lo:
— Se tem algo a dizer, diga logo. Trabalhamos juntos há tantos anos, não precisa de formalidade comigo.
— É que há algo que não entendo — Wang Qu pegou uma laranja do cesto e começou a descascá-la. — Segundo o plano original, deveríamos respeitar o luto oficial do império.
— O Lorde Marquês tem seu próprio plano. Só precisamos seguir suas ordens, o resto não é da nossa conta — disse Du Jiu. Ao ver que o outro já estava comendo, puxou o cesto para perto de si. — Mesmo que tenha vindo me perguntar, eu também não tenho a resposta.
— Você nunca pensou que a chegada da Princesa Fule, no momento do atentado contra o Marquês, foi coincidência demais? — Wang Qu semicerrava os olhos. — Ela parece tê-lo salvado, mas quem garante que não teve nada a ver com o ataque? E se ela só fez isso para conquistar o favor do Marquês?
— Mas o que ela ganharia com isso? — Du Jiu devolveu a pergunta. — O poder de Lorde Marquês? Seu status? Sua aparência?
Wang Qu engasgou por um momento, ainda segurando meia laranja descascada:
— Talvez... a aparência?
— Então ela gastaria tanta energia contratando assassinos, com várias vidas em jogo, só para atrair o interesse do nosso senhor com base na beleza dele? — Du Jiu abriu a laranja e jogou um gomo na boca. — Wang Qu, vocês, estudiosos, são inteligentes, mas também são os mais propensos a cometer erros. São enganados pela própria esperteza.
Wang Qu tentou rebater:
— Isso é só uma suposição...
— Eu acho que não é suposição nenhuma. Você tem é implicância com a Princesa Fule — disse Du Jiu, jogando a laranja de volta sobre a mesa e limpando as mãos na própria roupa. — Ela é linda, ainda por cima deu ao Marquês vários livros antigos de valor inestimável. Uma nora dessas não se encontra nem com lanterna. E o mais importante: o Lorde Marquês gosta dela.
— Eu sempre achei que o Lorde Marquês se casaria com ela por causa da influência militar por trás da família Ban — murmurou Wang Qu.
— Os fatos mostram que você pensou demais — respondeu Du Jiu, num tom leve. — Wang Qu, não me leve a mal por dizer isso, mas tem certas coisas em que você não deveria se intrometer. Se continuar insistindo, ninguém vai conseguir te proteger depois.
— Eu só estou pensando no bem do Lorde Marquês... — Wang Qu tentou justificar, mas ao levantar os olhos e ver a expressão de Du Jiu, notou um leve sarcasmo em seu olhar. E então, não conseguiu mais dizer nada.
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