Capítulo 111 a 115


 

111

— Princesa, tio, por aqui, por favor. — A criada que carregava a lanterna abriu caminho, e Rong Xia segurou a mão de Ban Hua, caminhando pelo corredor Jiuqu até o pátio de Ban Hua.

O pátio era requintadamente decorado. Mesmo coberto por uma neve pesada, dava para perceber que o dono da casa havia dedicado muito esforço no design daquele lugar.

A criada abriu a porta e o quarto estava muito limpo. A cortina de gaze vermelha trazia bordados de diversos símbolos auspiciosos, como romãs. Ban Hua se virou para olhar a criada atrás dela:

— Deixe algumas pessoas para nos servir e o resto pode se retirar.

— Sim.

As criadas acenderam as velas do quarto, saudaram Ban Hua e Rong Xia, fizeram uma reverência e recuaram.

— É a primeira vez que entro no quarto de uma mulher. — Rong Xia foi até a cama, olhou ao redor e viu uma pequena grade na cabeceira. Quando a abriu, viu alguns petiscos dentro. Virou-se para Ban Hua e disse: — É muito interessante, vou pedir para fazerem isso quando eu voltar.

— Não é nada, a cama de patos mandarins que eu trouxe como dote tem essa grade pequena. — Ban Hua lavou a maquiagem do rosto e vestiu um camisola confortável e larga. — Vamos nos lavar e dormir.

Vendo Ban Hua molhando os pés, Rong Xia se inclinou e enfiou os próprios pés na mesma bacia grande.

— Não me aperte! — Ban Hua pisou no pé dele. — Em casa não falta água.

— Economize água — disse Rong Xia confiante — Não é fácil para os criados correrem pra lá e pra cá num dia tão frio.

— Mestre, a água quente ainda está no fogo na ala lateral. — Uma criadinha falou honestamente — Sem problemas.

— Tudo bem, vou usar junto com a princesa. — A desculpa foi desmascarada, mas Rong Xia nem se incomodou; em vez disso, passou os dedos dos pés delicadamente pela sola do pé de Ban Hua. Ban Hua não resistiu e pisou de novo no pé dele.

Depois de molharem os pés, Rong Xia abraçou Ban Hua e a levou para a cama. A cama já estava aquecida pela senhora Tang, e Ban Hua se encolheu debaixo do cobertor, bocejando:

— Já passou da hora, vamos dormir.

Rong Xia a segurou nos braços, viu que ela estava mesmo com sono e lhe deu um beijo leve na testa:

— Tenha bons sonhos.

Ban Hua arqueou o peito, ouvindo o batimento do coração dele, e caiu em sono profundo.


— Mesmo que pareça uma fada que vira todos os seres vivos de cabeça para baixo, não se pode forçar o sentimento. Se você me deixar ir, também estará se deixando ir.

— O que você é? Vale a pena me deixar ir ou não? — A mulher de vermelho cavalgava, queixo erguido com orgulho, olhando para ele como se fosse um estranho sem relação. — Vá embora! Apenas vá. Não me venha com declarações de amor aqui na minha frente. Eu aceitei fazer um contrato de casamento com você, Xie Lin, mas isso depende do quão bonita você é. Hoje você fugiu com outra, não vou te impedir, espero que vocês dois não se arrependam um dia.

— Obrigado, princesa, pela sua generosidade. Xie não vai se arrepender.

— Eh — a mulher a cavalo riu, os olhos cheios de sarcasmo — Já vi muitos homens como você em livros de histórias.

Ela jogou um pequeno pacote para a mulher ao lado:

— Isso é meu presente de agradecimento. Se não fosse você, eu não saberia que tipo de sujeito é esse homem.

No crepúsculo do sol da manhã, seu rosto estava rosado, sorriso nos lábios, e os olhos brilhantes cheios de frieza.


— Segundo jovem mestre! Segundo jovem mestre! O primeiro jovem mestre está com febre de novo, e o médico disse que a situação não está boa. Vá ver!

Xie Qilin abriu os olhos. Lá fora, pela janela, ainda estava escuro. Ouviu a voz ansiosa do menino, vestiu uma capa grossa rapidamente, antes de sequer calçar o robe externo, abriu a porta e saiu.

— Como está o irmão mais velho?

— Dei uma papinha para ele ontem à noite, e ele ainda estava animado, mas agora está com febre. — O menino carregava uma lanterna e caminhava na neve, ora fundo, ora raso. Ainda não amanhecera, e os que limpavam a casa dormiam, então ninguém tirava a neve.

— Onde está o médico?

— Vários médicos imperiais e outros convidados estão aqui — o criado correu de um lado para o outro, ofegante — Mas disseram que a situação não está boa.

A face de Xie Qilin mudou e ele acelerou o passo. Entrando no pátio do irmão mais velho, ouviu o choro da mãe e as reclamações furiosas do pai.

— Gastamos muito dinheiro para contratar vocês, é assim que retribuem? Dizem que são médicos milagrosos, por que não conseguem nem curar meu filho?!

— Pai! — Xie Qilin temia que o pai, muito triste, falasse impulsivamente e ofendesse os médicos, o que não ajudaria o irmão mais velho. Agora só podem contar com eles para tratamento, não podiam ofendê-los.

— Tio Zhongping! — Dois médicos se levantaram. Um deles disse friamente: — Apesar de não sermos tão habilidosos, somos médicos criados pela princesa Fule, não da mansão do senhor Zhongping. Como dizem, “Quem bate no cachorro olha o dono.” Para o tio, talvez sejamos piores que cães, mas só a princesa Fule nos repreendeu, não o senhor.

— O senhor pediu para vir no dia do casamento da princesa, e ela mandou tratar do senhor, mas isso não significa que aceitaremos ser insultados por você. Se o senhor Zhongping acha que não conseguimos competir com seus médicos, então vamos embora.

— Por favor, parem vocês dois. — Xie Qilin se aproximou e fez uma reverência — Meu pai estava nervoso e falou coisas ofensivas, por favor, me perdoem.

— Desculpe, senhor Xie, nenhum de nós é de temperamento fácil. O senhor Zhongping nos xingou porque não respeita nossa princesa. Como dizem, “O rei humilha seus ministros até a morte, e o mestre humilha seus servos.” Xie Er, não digo mais nada, adeus!

Depois de falarem, não importava o quanto Xie Qilin implorasse, eles sacudiram as mangas e saíram.

Xie Qilin ficou olhando fixamente para as costas dos dois, sem conseguir dizer uma palavra. As pessoas da família Ban sempre foram assim: palavras gentis podem receber algum respeito, mas se alguém lhes bate no rosto, eles pisam no rosto do outro no chão. Até os criados são muito protetores com seus mestres — bastante típico da nobreza geral.

— Pai, — Xie Qilin andou até a frente do tio Zhongping — como está o irmão mais velho?

O tio Zhongping balançou a cabeça, com a expressão marcada pela vida, e depois de um tempo disse:

— Qilin, o que eu mais lamento na vida do seu pai foi ter deixado sua irmã casar com o Rei Ning, e ter amarrado nossa família ao barco do Rei Ning.

Xie Qilin olhou para Xie Chongjin, cujo estado de vida ou morte era desconhecido na cama, e de repente falou:

— Então nossa família vai descer desse barco dele.

A face do tio Zhongping mudou drasticamente, os lábios tremiam, ele se encolheu na cadeira, o crepúsculo pesado e sem vida.

Ele não teve nenhum sonho a noite toda, e quando Rong Xia acordou, já era dia claro. Vendo que Ban Hua ainda dormia, puxou cuidadosamente os braços dela. Depois de vestir seu robe, caminhou silenciosamente para fora, antes de deixar as criadas lavarem o rosto.

Ban Heng entrou, viu Rong Xia vestido e sentado numa cadeira do lado de fora, e perguntou em voz baixa:

— Cunhado, minha irmã ainda está dormindo?

Rong Xia assentiu, levantou-se e saiu:

— Irmão Heng, você pode me levar para dar uma volta pelo pátio?

Ban Heng concordou:

— Ainda está nevando lá fora, depois do café da manhã eu vou levar você para dar uma olhada.

— Obrigado.

Ban Heng coçou a parte de trás da mão desconfortavelmente:

— Então, não precisa ser tão educado comigo. Nossa família não liga para essas formalidades. Depois que você conviver com a gente por um tempo, vai entender. As regras são para os outros verem. Na intimidade, você faz o que quiser.

Rong Xia riu ao ouvir isso:

— Não é à toa que Huahua é tão fofa.

Ban Hua deu de ombros — que tipo de olhos seriam necessários para achar a irmã dele fofa? Elogiar a beleza da irmã, tudo bem, mas fofa...

Isso deve ser a tal da beleza que só o dono dos olhos enxerga. De qualquer forma, o próprio irmão nunca conseguiria dizer isso contra a vontade dela, e ele sempre sentia que a barreira da consciência não permitia.

Na hora do café da manhã, Ban Hua ainda não tinha levantado, então Yin disse um pouco envergonhada:

— Meu genro, fiz você esperar.

— Sogra, é uma bênção poder dormir. — Rong Xia disse para Yin — Não faz mal deixar Huahua dormir um pouco mais.

Yin deu uma risada seca, mas não disse mais nada. Se as palavras de Rong Xia fossem educadas, ela ainda poderia dar uma bronca em Ban Hua, mas vendo a aparência dele, ela realmente não acreditava que Hua Hua fosse levantar cedo. Se isso continuasse, quão preguiçosa aquela garota seria?

Depois do café, Ban Heng levou Rong Xia para passear pelo pátio da casa dos Ban.

— Ninguém mora nesses pátios pequenos. Nossa família tem poucas dependentes mulheres. Esses pátios pequenos não são usados, então dois foram transformados em salas de estudo e pomares, e os outros pátios estão trancados. — Ban Heng levou Rong Xia até o pomar, onde havia laranjeiras, com algumas laranjas penduradas nos galhos. As frutas não tinham crescido muito bem, mas eram bonitas de se ver. Ninguém colhia as frutas, a maioria já estava madura e caía no chão, e as restantes pendiam nos galhos, mas chegando perto se via que as frutas estavam fracas e sem vida.

— A Mansão da Princesa da Vovó tem um pomar. Dizem que foi porque meu avô gostava. Depois que nossa família se mudou para a Mansão Hou, também construímos um jardim parecido com o da mansão da princesa. Infelizmente, a vovó raramente vinha aqui. — Ban Heng colheu uma laranja do galho e tirou a casca. A polpa da laranja já havia perdido muita umidade e estava branca e seca.

— Queria que você provasse, mas parece que não dá para comer. — Ban Heng jogou a laranja na neve com arrependimento, virou-se e disse: — Minha irmã está quase acordando, vamos voltar.

Rong Xia olhou para o pomar:

— Huahua gosta desse pomar?

— Ela costumava me levar para brincar no bosque, até pegou um esquilo na árvore para me assustar. — Ban Heng saiu do pomar com Rong Xia, sorrindo — Minha irmã é meio direta, não sabe ser gentil e ardilosa, mas tem um bom coração.

Ban Heng resumiu Ban Hua em poucas palavras: "Embora minha irmã tenha muitos defeitos, ela é uma boa garota." E ele devia tratá-la bem. Ele não mencionou Rong Xia, mas o significado por trás de cada frase era que não queriam que Rong Xia desapontasse Ban Hua.

— Eu realmente invejo vocês. — Rong Xia lembrou da infância, mas não achou nada especialmente interessante.

A única coisa que ainda lembrava era que, aos onze anos, brincava às escondidas com uma criança de cinco ou seis anos no gelo congelado. Depois, a mãe descobriu que seu robe estava molhado e ficou tão brava que o ignorou por vários dias.

Só mais tarde ele percebeu que aquele gelo congelado era muito perigoso. Felizmente, não houve acidente naquele dia, senão ele e a criança teriam afundado na água.

Lembrava que aquela criança achou uma tábua e sentou no gelo, pedindo que ele puxasse, mas ele recusou. Não se lembrava do rosto da criança, mas recordava claramente o biquinho que ela fez.

Sua mãe nunca permitiu que ele fizesse isso, porque não era elegante o suficiente.

Ban Heng acenou com a mão:

— Não tem nada para invejar.

Rong Xia sorriu:

— É bom ter alguém para crescer junto.

— Você não tem um irmão mais velho também? Por que ninguém te acompanha? — Depois de falar, Ban Heng percebeu que tinha dito algo errado. O irmão mais velho da família Rong morreu de doença há alguns anos. Enfiar a faca na ferida da tristeza alheia.

— Desculpa... — Ban Heng sentiu-se meio sem jeito.

— Sem problema, — Rong Xia balançou a cabeça — são coisas antigas, não há nada que eu não possa mencionar.

O relacionamento dele com o irmão mais velho não era muito bom. Embora fossem irmãos de sangue, não eram próximos por causa dos costumes da família Rong. Respeito e amor estavam acima da intimidade, e eles não podiam escapar das regras em cada palavra e ação.

— Está nevando tanto, o que vocês estão fazendo aqui? — Ban Hua estava embaixo do corredor com um aquecedor de mãos nos braços, chamando os dois. — Venham rápido.

Ban Heng correu para Ban Hua:

— Irmã, pode contar comigo.

As bochechas de Ban Hua ficaram vermelhas ao levantar:

— Eu dormi pesado demais ontem à noite, por isso acordei tarde.

— Está com frio? — Rong Xia tocou o rosto dela, macio e delicado, e não resistiu a tocar mais.

— Segurando isso com as mãos frias. — Ban Hua enfiou o aquecedor nas mãos de Rong Xia, cobriu o rosto com as duas mãos e disse: — Não toque no meu rosto, o que eu faço se você tocar no meu rosto?

— Rong Xia apertou a mão dela e devolveu o aquecedor de mãos: — Está bem, não vou tocar.

— Princesa, — Ruyi chegou apressada — os dois médicos que você pediu emprestado da residência do Conde Zhongping voltaram, e querem vê-la.

— Mestre Xie não precisa mais de médico? — Ban Hua ergueu as sobrancelhas — Deixe-os me encontrar no salão principal.

Xie Chongjin havia sido esfaqueado. Só se passaram alguns dias, não precisaria de médico?

Será que... as pessoas foram embora?

Ban Hua chegou ao salão principal, e após ouvir o que os dois médicos disseram, assentiu:

— Vocês estão certos, cometeram um erro com os senhores. Por favor, vão descansar no quintal.

— A princesa é justa, a família Xie foi rude, não há motivo para culpá-la — disseram os dois médicos — este servo se retira.

Depois que os dois médicos saíram, Ban Hua resmungou friamente:

— A família Xie realmente não sabe puxar saco. A partir de agora, quem quer que esteja na família deles vai viver ou morrer. Mesmo que se ajoelhem e façam reverências a mim, não emprestarei médico algum.

— Certo, não vamos pedir mais — Rong Xia concordou ao lado dele.

Do lado de fora do Jardim Baishou, Xie Chongjin, que veio se desculpar, ficou parado do lado de fora da porta por um tempo, quando um garoto de roupas verdes apareceu e o saudou:

— Senhor Xie, que coincidência, nosso Marquês e sua esposa não estão no jardim.

— Não estão aqui? Foram para a Mansão do Marquês de Cheng’an? — Xie Chongjin tirou a neve dos ombros e soltou um suspiro quente.

O criado balançou a cabeça:

— Ontem foi o dia em que Madame voltou para casa. Nosso Marquês e Madame foram para a Mansão Jingting ontem e ainda não voltaram hoje.

— Mansão Jingting? — Xie Chongjin achou que tinha ouvido errado — Você disse que foram ontem?

— Sim — o garoto sorriu — Se quiser ver os dois mestres, temo que terá que ir até o Jingting Gong, a família natal de Madame.

— Obrigado.

— Não há de quê.

Xie Chongjin montou em seu cavalo, pegou o manto do garoto e amarrou-o. Rong Xia acompanhou Ban Hua até a mansão Jingting na véspera de Ano Novo. Ele jamais imaginou isso.

— Meu senhor, vamos para a mansão Jingting? — O garoto que segurava as rédeas do cavalo olhou para Xie Chongjin. Ele realmente não queria ir à mansão Jingting, porque não só os dois mestres não se suportam, como também as pessoas que moram na mansão se evitam.

— Não precisa — Xie Chongjin balançou a cabeça devagar — Hoje é o primeiro dia do primeiro mês lunar, não queremos incomodar demais. Deixe as dívidas e encargos conosco aqui.

— Sim.

Xie Chongjin ficou pasmo; nunca imaginara que Rong Xia faria isso por Ban Hua. Passar o Ano Novo na casa da família, até ficar na casa dos Yue no primeiro dia do ano novo lunar — qual a diferença disso para ser genro?

Rong Xia e Ban Hua ficaram na casa dos Ban até o terceiro dia do primeiro mês lunar antes de arrumar as malas e voltar para o palácio.

— Aliás, — Ban Hua deitou-se na mesa e olhou para Rong Xia — vamos fazer oferendas aos sogros?

Rong Xia entregou a ela um copo de água com mel:

— Pode ir quando quiser.

Vendo que a expressão dele era indiferente, Ban Hua percebeu que ele não tinha um sentimento profundo pelos pais dela e deixou o assunto de lado.

Três dias depois, quando a neve parou, Rong Xia a levou para um quarto nos fundos, onde estavam os túmulos dos dois ancestrais da família Rong e de Da Lang da família Rong.

— Precisamos ir ao túmulo para prestar homenagem, então vamos fazer a reverência aqui. — O quarto era um tanto vazio, exceto pelas duas lápides de oferendas, sem outras decorações. Atrás das lápides, havia dois quadros: um homem à esquerda e uma mulher à direita, provavelmente os pais de Rong Xia.

Ban Hua não sabia o que dizer diante da lápide fria. Ela se curvou três vezes com o incenso, colocou o incenso atrás do incensário e levantou a saia para se curvar, mas foi segurada por Rong Xia.

— Não precisa, o chão está frio — Rong Xia olhou para as lápides sem expressão — Isso basta.

— Oh — Ban Hua puxou a mão dele suavemente — Você está de mau humor?

— Tudo bem, estou bem. — Rong Xia estendeu a mão e tocou a testa dela, com um sorriso gentil.

— Se não quiser sorrir, não sorria. — Ban Hua puxou-o para fora — Vamos dar uma volta no jardim. Embora este palácio já seja nosso, ela ainda não havia aproveitado direito.

— Princesa, o príncipe está bêbado e não consegue se levantar agora.

Xie Wanyu estava ao lado da cama, olhando para o homem que dormia profundamente, virou-se e viu vários cortesãos na sala olhando para ela horrorizados, e não pôde deixar de rir de escárnio — talvez essas pessoas achassem que ela aproveitaria a oportunidade para matar Jiang Luo?

Virou-se e saiu da sala sem expressão.

Embora ela e Jiang Luo fossem chamados de marido e esposa, não tinham metade do afeto entre um casal. No começo, ela pensou que, depois de casar com Jiang Luo, poderia dominar Ban Hua e fazê-la baixar a cabeça para ela.

Mas construiu um poço de fogo.

Ela voltou para o quarto, pegou uma caixa de creme facial comum da penteadeira. Esse creme tinha um cheiro muito agradável, como o aroma do osmanthus doce em plena floração em agosto.

— Princesa, — uma dama da corte se aproximou — quer se lavar?

— Não, — Xie Wanyu guardou a caixa do creme, que já estava usada até um terço, de volta na penteadeira e disse com um sorriso leve — diga para alguém cuidar bem do príncipe. Ouvi dizer que bêbados às vezes morrem sufocados enquanto dormem.

Os ombros da criada tremeram de medo e ela não ousou falar.

Vendo a criada assustada assim, Xie Wanyu zombou:

— Por quê? Se eu digo uma coisa dessas, vocês deveriam ficar com medo também, não é?

Todos na corte ficaram em silêncio.

A concubina e o príncipe agora são chamados de “estranhos”, o que já é uma forma educada de dizer. O termo mais apropriado seria “inimigos que se encaram sem se reconhecer”. O príncipe colocou a vida do irmão da princesa em risco. Como essa inimizade poderia ser resolvida?

— Se você perguntar para eles, o príncipe realmente passou dos limites. Afinal, Dalang Xie é seu cunhado. Que tipo de ódio profundo existe entre os dois que só pode ser resolvido com uma faca?

— Vocês, todos para trás — o sorriso no rosto de Xie Wanyu foi sumindo aos poucos — Eu quero ficar sozinha.

— Sim.

O quarto ficou silencioso novamente. Xie Wanyu tirou um bilhete de um grampo de cabelo; nele estava escrita uma frase curta.

— Duanning fica perto do Palácio do Leste.

Ela sorriu amargamente. Mesmo que o Rei Ning subisse ao trono no futuro, com a forma como ele a tratava, a família Xie não teria um fim feliz. Mas agora, se o Donggong assumir o trono, o que aconteceria com ela, a Princesa Ning? Presa num dilema, ela acabara naquela situação.

Existe algum jeito de eu matar o Rei Ning e garantir uma vida confortável daqui pra frente?

No sétimo dia do primeiro mês lunar, o selo imperial foi reaberto, e todos os oficiais foram à corte pela primeira vez no ano novo. Ao verem não só o segundo príncipe, mas também o príncipe herdeiro no salão, souberam que o Palácio do Leste havia sido liberado.

Embora o príncipe tenha um caráter um pouco fraco, ao menos pode ser chamado de benevolente. A natureza tirânica do Rei Ning é realmente assustadora.

Na verdade, o próprio Rei Ning ficou mais chocado que os oficiais. Antes da aparição do príncipe, ele não sabia que o Palácio do Leste havia sido liberado. Olhou para o príncipe à sua esquerda, curvou-se relutantemente com a face sombria e saudou-o.

O imperador liberou secretamente o príncipe sem avisá-lo.

O que ele pretende fazer?

— Vossa Majestade decretou: Sua Alteza, o Príncipe Herdeiro, está com boa saúde, podendo assim dividir minhas preocupações...

Quando o príncipe foi colocado em prisão domiciliar, a justificativa era sua saúde debilitada. Agora que está bem, naturalmente continuará a supervisionar o país. Quanto ao Rei Ning, que seja obedecido como Rei Ning.

No nono dia do primeiro mês lunar, o Imperador Yunqing concedeu ao Príncipe Ning uma mansão de príncipe, dizendo que ele se mudaria para lá depois de janeiro.

Quando os ministros souberam desse decreto imperial, finalmente ficaram aliviados.

Parece que este mundo será herdado pelo príncipe, afinal.

— Eu não aceito, não aceito! — Jiang Luo destruiu tudo no quarto — O príncipe herdeiro nasceu alguns anos antes de mim, por que o mundo deveria ser dele?

— Meu senhor, por favor, acalme-se! — O eunuco se aproximou com chá — A situação não está tão desesperadora, não perca a cabeça.

Jiang Luo tomou alguns goles de chá. Com o estômago aquecido, sentiu a mente mais clara:

— Enganei o príncipe para cometer um erro tão grande, e o imperador o trancou por poucos meses. Cala a boca, que chance esse rei tem?

O eunuco pegou a xícara meio vazia e sorriu:

— Meu senhor, além do apoio de alguns funcionários civis, o príncipe herdeiro não tem poder militar nas mãos.

— Será que este rei tem? — Jiang Luo sentou-se impaciente — Mas aquele Rong Xia é importante entre os funcionários civis, e gosta muito do príncipe herdeiro. Se eu não eliminar esse cara, fico mesmo triste.

— Mas sua última tentativa de assassinato...

— Eu não vou mexer nele, vou mexer na mulher dele. — Jiang Luo zombou — Humanos têm fraquezas. Se algo acontecer com Ban Hua dentro da casa dele, vou ver se a família Ban perdoa Rong Xia.

— Quer dizer que vai mandar alguém assassinar a Princesa Fule? — O eunuco piscou assustado e rapidamente baixou a cabeça — A princesa Fule morrer assassinada? Como a família Ban odiaria então o Marquês de Cheng Anhou? Este servo é burro, não entendo essa teoria.

— Seu eunuco, é claro que você não entende — Rei Ning resmungou — A família Ban é a mais irracional, e culpar os outros é normal pra eles. Desde que algo aconteça com Ban Hua, não precisamos mais lidar com Rong Xia. Se Ban Hua estiver em casa, Rong Xia ficará muito ocupado para se cuidar.

— Meu senhor é muito ardiloso, mas eu sou um servo muito burro.

— O que disse? — Xie Wanyu se virou para o eunuco à sua frente — Rei Ning quer matar Ban Hua?

— Sim.

— Ele é louco?

Xie Wanyu apertou o lenço na mão e respirou fundo várias vezes:

— Você pode sair, preciso pensar.

O eunuco saiu silenciosamente.

Xie Wanyu odiava Ban Hua com todas as forças, e às vezes desejava que ela morresse.

Mas...

112

— Príncipe — Shi Shi entrou no estúdio e colocou a caixa de comida sobre a mesa — esta é a sopa que mandei preparar, por favor, beba um pouco.

— Deixe aí — o príncipe pegou um memorial ainda lacrado e o empilhou sobre outro que estava lendo — Você teve trabalho.

Shi Shi percebeu que ele estava com cautela em relação a ela, e sentiu um leve amargor no peito. Após colocar a caixa de comida, fez uma reverência:

— Vossa Alteza deveria descansar mais, não se esgote tanto.

Ela abriu a caixa, retirou a tigela de sopa e a colocou diante dele.

— Eu quero vê-lo beber.

— Não precisa — o príncipe ergueu os olhos para ela — Vou beber depois de terminar este memorial. Pode ir descansar.

O leve aroma da sopa pairava no ar. Shi Shi recuou um passo:

— A concubina se retira.

— En. — O príncipe baixou a cabeça e não voltou a olhar para ela.

Shi Shi caminhou lentamente até a porta. Virou-se para olhar o príncipe mais uma vez, mas ele ainda não a encarava. Apenas a tigela de sopa esquecida ainda soltava vapor — e logo esfriaria.

Após reassumir o posto de supervisor do país, o príncipe dispensou os funcionários que haviam substituído Rong Xia e Yao Peiji. Em seguida, foi pessoalmente à residência da família Yao convidar Yao Peiji a retornar à corte — agindo com cortesia exemplar.

Com o retorno de Yao Peiji, todos começaram a especular quando o Marquês de Cheng An voltaria à corte. Mas o que ninguém esperava era que, mesmo com o príncipe indo pessoalmente visitá-lo, Rong Xia recusou o convite.

Pensando bem, o Marquês de Cheng An é um homem erudito. Desde que entrou para o governo, realizou inúmeros feitos práticos. No entanto, o Rei Ning o demitiu com uma simples ordem, sem sequer preservar sua dignidade. Como alguém de tanto valor aceitaria retornar tão facilmente?

Além disso, há rumores de que ele pode ter sangue real. Depois de sofrer tamanha humilhação, seria estranho se aceitasse calado.

Entre os partidários do príncipe, houve grande indignação. Esse Marquês de Cheng An realmente não sabe ser cortês! O príncipe foi em pessoa convidá-lo e ainda assim ele o ignorou. Acaso o príncipe precisa implorar?

— Alteza — um oficial de sexto escalão do Palácio do Leste falou, furioso — Rong Xia não é o único talento deste mundo. Vossa Alteza tem status nobre, por que deveria se rebaixar a esse ponto?

— Talentos comuns são muitos, mas os verdadeiramente raros são poucos — o príncipe abriu os braços para que a criada arrumasse suas vestes. Discordava completamente daquele comentário — Com apoio do rei, até um tigre solitário ganha asas.

— Mas...

— Nos tempos antigos, até os sábios visitavam talentos várias vezes. Não ouso me comparar a eles, mas se for pelo bem de uma fundação de cem anos para esta grande causa, por que seria tão difícil ir algumas vezes mais?

— O Príncipe é realmente nobre de espírito!

— Foi minha visão curta.

O príncipe sorriu com amargura. Aquilo não se tratava de nobreza de espírito, mas de necessidade. A corte estava um caos — queixas por toda parte, funcionários corruptos como traças devorando as raízes do império, e os demais se puxando pelas pernas. Era quase impossível governar.

Rong Xia, embora jovem, era extremamente respeitado. Mesmo sendo punido por seu pai, quando todos pensavam que havia sido rejeitado, ainda assim alguns funcionários ousaram defendê-lo — o que mostrava sua força.

O príncipe nem queria que Rong Xia fizesse muito, mas precisava demonstrar que o valorizava, para tranquilizar os estudiosos do país.

— Já arrumaram os cavalos e carruagens? — Ao trocar de roupa, o príncipe perguntou ao criado ao lado — Ouvi dizer que o Marquês de Cheng An voltou ontem para a Mansão do Marquês?

— Respondendo a Vossa Alteza, Cheng Anhou de fato se mudou para a Mansão do Marquês.

— Isso é bem a cara dele.

— Contudo, há rumores de que a Princesa Fule gosta de passear pela capital, então o lorde marquês, preocupado que isso dificultasse seus deslocamentos, decidiu retornar à mansão propositalmente.

O príncipe soltou uma gargalhada:

— Essa Huahua, mesmo casada, jamais se permitiria ser contrariada.

— A Princesa Fule é tão bela, como poderia o Marquês de Cheng An permitir que ela fosse contrariada? — Chang Sui sabia que o príncipe tinha grande apreço pela família do Duque Jingting, então escolheu palavras agradáveis — Ouvi até que o Marquês acompanhou a princesa de volta à mansão Jingting para passar a Véspera de Ano Novo. Muitos na capital invejaram a princesa por isso.

Ao ouvir isso, o príncipe teve uma impressão ainda melhor de Rong Xia. Um homem disposto a dedicar tanto à sua esposa só pode ter um coração gentil.

Ao pensar em Shi Shi, que já era sua esposa há anos, o príncipe suspirou suavemente, com uma expressão melancólica.

A Mansão de Cheng Anhou estava em verdadeiro alvoroço — o dote de Ban Hua era grande demais, e um armazém não bastava. Foi preciso reorganizar tudo.

Eram incontáveis os objetos de ouro, prata e jade. O mordomo responsável pelo registro e inventário suava sem parar. Seu lorde marquês havia se casado com a própria Deusa da Fortuna. Ao ver o rosto sereno do intendente enviado pela família Ban junto ao dote, o mordomo respirou fundo e advertiu os servos que moviam os objetos a serem extremamente cuidadosos.

— Já está tudo catalogado? — Rong Xia se aproximou e, ao ver várias caixas ainda no pátio, virou-se para o mordomo — Madame confiou essa tarefa a você por acreditar na sua competência. Não a decepcione.

— Sim. — Antes de Ban Hua se casar com a família Rong, o mordomo temia que a princesa entregasse todos os direitos da casa aos criados que trouxera. Mas, para sua surpresa, a esposa não só não tinha essa intenção, como ainda lhe permitira supervisionar o armazém junto com o pessoal do dote.

Isso o tranquilizou profundamente, mas também o comoveu. A senhora não trata nosso lorde marquês como um estranho.

— Lorde Marquês, os objetos de ouro, prata e jade já foram organizados, mas estas caligrafias e pinturas antigas... — o mordomo hesitou. Ao ver os nomes dessas peças, achou que tinha entendido errado — ou que a família Ban estava zombando dele. Não ousou contar aos outros servos, com medo de causar um grande escândalo.

 — O que houve com as caligrafias e pinturas? — Rong Xia arqueou as sobrancelhas. — Algum servo desastrado quebrou algo?

O mordomo balançou a cabeça com força. Jamais permitiria que algo fosse quebrado — se aquelas peças fossem autênticas, qualquer uma delas valeria uma fortuna incalculável. Quanto mais quebrar, ele sequer ousava tocá-las. Sem saber como expressar o choque que sentia, apenas entregou a lista para Rong Xia.

Calígrafos de milênios atrás, autógrafos de imperadores de dinastias passadas, obras únicas de discípulos de mestres famosos, pinturas de imperatrizes, caligrafias e cópias manuscritas de grandes figuras e raridades fora de circulação — todas peças pelas quais nem dez mil moedas de ouro seriam suficientes. Como a família Ban podia ter tudo isso? Teriam eles transferido todas as obras da biblioteca imperial para a Mansão do Marquês?

Rong Xia pegou a lista, e quanto mais lia, mais assustado ficava. Reduziu a voz e perguntou:

— Quem mais sabe disso?

A família Rong era rica há séculos, e possuía muitos tesouros, inclusive livros, caligrafias e pinturas. Mas nada comparado ao que estava naquela lista. E essas peças sequer estavam registradas no inventário público do dote da família Ban. Ele sequer imaginava que sua esposa havia trazido tamanha fortuna ao casar-se com ele.

Os poucos livros que Huahua lhe dera no início já o haviam surpreendido. Jamais pensou que a família Ban possuía tantos tesouros que qualquer erudito sonharia em tocar.

— Além de mim, só o intendente enviado pela senhora para cuidar do armazém está ciente — respondeu o mordomo.

— Você fez bem em manter sigilo — disse Rong Xia, guardando a lista — Mantenha tudo bem seguro e não deixe vazar nenhuma informação.

— Entendido.

Com a lista em mãos, Rong Xia foi até o quintal procurar Ban Hua. Ela estava deitada sobre a ponte de mármore branco alimentando os peixes. Como o tempo ainda estava frio, usava roupas de pele, parecendo de longe uma bela e preguiçosa raposa.

— Huahua — Rong Xia se aproximou, pegou o manto das mãos de uma criada e o colocou sobre os ombros dela — Acabei de ver seu dote. É melhor eu ir morar na casa da minha sogra como genro residente.

Ban Hua riu com as palavras dele, ergueu a mão e dispensou os criados antes de dizer:

— Assustado com o ouro e a prata?

— Não — Rong Xia balançou a cabeça — Fiquei intimidado com os livros.

— São coisas que nossos ancestrais recolheram quando acompanharam Taizu em sua conquista do mundo — suspirou Ban Hua. — Dizem que, naquela época, o mundo era um caos, o povo sofria, e a cada cidade conquistada junto ao soberano, nossos ancestrais dividiam entre si os bens das famílias nobres. Para evitar brigas entre irmãos por causa dos espólios, Taizu mandava que tirassem sorte. E os ancestrais da nossa família tinham azar, sempre pegavam livros, pinturas e outras coisas que ninguém queria. Mesmo assim, aceitaram. Depois que Taizu se proclamou imperador, recompensou nossos ancestrais com muito ouro, prata e joias. Foi assim que começaram as economias da primeira geração da nossa família.

O primeiro imperador da Dinastia Daye fora um homem rústico, quase analfabeto. Dizem que, no início de suas campanhas, sequer sabia ler. Quem diria que alguém assim acabaria imperador?

Ao ouvir a expressão "rabiscos e pinturas velhas", ele deve ter ficado impassível como quem vê um defeito insignificante no rosto. Mas, pensando bem, em tempos de fome e guerra, talvez aquelas obras antigas não valessem mais que um cesto de macarrão de arroz. De que serviriam pinturas e caligrafias para quem mal tinha o que comer?

— A família achou que você poderia gostar dessas caligrafias e pinturas — disse Ban Hua, baixando os olhos sem encarar Rong Xia, focando-se nos peixes koi na água. — Quando o irmão Heng tiver um filho, dividiremos metade com ele. E esses próximos anos serão suficientes pra você copiar tudo o que precisar.

— Vamos.

Uma mão branca se estendeu diante de Ban Hua.

— Pra onde? — Ela ergueu os olhos para Rong Xia. O sorriso em seu rosto fez o coração dela amolecer.

— Te levar ao meu armazém.

Ban Hua piscou e colocou a mão na palma dele. Rong Xia a puxou, e os dois pareciam crianças, ansiosos por mostrar um ao outro seus tesouros secretos.

O depósito ancestral da família Rong era enorme. Ban Hua viu Rong Xia abrir diversas portas antes de chegarem ao local principal.

Ele sequer olhou para as dúzias de caixas laqueadas com batom vermelho que estavam do lado de fora, conduzindo Ban Hua diretamente para dentro. Na sala central havia diversas caligrafias e pinturas antigas. Ban Hua, que não era muito interessada nisso, apenas lançou um olhar rápido e perdeu o interesse.

A sala mais interna era ainda maior. Prateleiras alinhadas continham caixas requintadas de todos os tamanhos — feitas de mogno, sândalo, madeira de ágar, e até de nanmu dourado. Ela abriu uma caixa de ágar e viu que estava cheia de pingentes de jade, empilhados ali como se fossem simples pedrinhas de rio.

Ao abrir uma grande caixa de mogno próxima, encontrou um conjunto de adornos de cabelo dourados, com pétalas de peônia tão finas quanto asas de cigarra — pura perfeição.

Joias de ouro podem ser tão delicadas assim?!

Ela então abriu outras caixas — camisas de pérola, travesseiros de jade, acessórios de rubi... Uma infinidade de joias inestimáveis, tão belas que Ban Hua não conseguia desviar o olhar.

— Rong Xia... — disse ela, tirando com cuidado um grampo de cabelo em forma de asas de fênix, tão belo que a fez esquecer de respirar — Os seus ancestrais não eram generais que tocavam ouro?

A família Ban sempre foi de destaque, e também possuía ouro e joias em abundância. Mas nem mesmo eles tinham uma coleção tão vasta de peças raras — a ponto de encher um armazém inteiro.

— Claro que não — riu Rong Xia, pegando o grampo das mãos dela e prendendo em seus cabelos — Entre os antepassados da família Rong, houve um primeiro-ministro da dinastia anterior, e até alguém que se casou com uma princesa. Você claramente não memorizou direito o quadro genealógico quando era pequena.

Todos os filhos e filhas de grandes famílias aprendiam as genealogias de seus clãs e os feitos ilustres de seus ancestrais — o que lhes permitia se gabar ou elogiar outros em ocasiões sociais. A família Rong era uma dessas famílias prestigiadas, próspera havia duas ou três gerações. Na capital, quase todos sabiam das glórias de seus antepassados.

— Essas relações são muito complicadas — disse Ban Hua, pegando um espelho de mão cravejado de joias na prateleira e se admirando — Então decorei só as famílias com quem temos boas relações.

Ela olhou para Rong Xia com alegria.

— Esse grampo é lindo.

Rong Xia colocou aquele molho de chaves nas mãos de Ban Hua:

— Todas as joias daqui são suas. Pode pegar e usar o que quiser, sem problema algum.

Todas? — As chaves tilintaram na mão de Ban Hua. Ela olhou para Rong Xia, incrédula. Aquelas eram heranças da família Rong, como ele ousava deixá-la usar tudo livremente?

Rong Xia lançou um olhar pelo cômodo, assentiu com um sorriso e disse:

— Sim. Essas joias ficaram anos fechadas nesse quarto escuro. Por favor, Huahua, leve-as para tomar um pouco de ar fresco.

Ban Hua sorriu tanto que seus olhos quase se fecharam:

— Tá bom.

Ela adorava essas coisas bonitas mais do que tudo.

Ao ver o sorriso de Ban Hua, Rong Xia sentiu que o vazio em seu coração de infância finalmente havia sido preenchido — e estava transbordando. Seu peito inteiro se aquecia.

— Esse bracelete é bonito? — Ban Hua escolheu um bracelete exótico, com joias delicadas penduradas, feito para cobrir tanto os dedos quanto o pulso. Seu braço era claro e macio, como se pudesse fazer brotar água com um simples toque.

— Muito bonito — respondeu Rong Xia, com a respiração acelerada. Inclinou-se e deu uma lambida suave no braço dela. — Mas esse braço é ainda mais bonito.

— Não começa, eu nem lavei as mãos ainda.

— Eu não me importo.

— Mas eu me importo.

Rong Xia pegou Ban Hua nos braços e saiu do depósito sorrindo. As damas de companhia que estavam de guarda do lado de fora abaixaram a cabeça imediatamente, sem ousar olhar diretamente.

— O que estão esperando? Fechem a porta logo — Du Jiu pigarreou e chamou a atenção dos subordinados.

Sempre há esse tipo de pessoa no mundo — que, por mais que você a toque, parece que nunca é o suficiente. Cada parte dela parece encantadora. Você quer beijá-la do alto da cabeça até a ponta dos pés, quer segurá-la nos braços sem jamais soltá-la, protegê-la de qualquer mágoa. Quando ela franze a testa, você se esforça para fazê-la sorrir. Quando ela sorri, o céu parece mais azul e o coração, mais quente. E, se for preciso morrer por ela, você aceita.

Rong Xia sentia que havia se apaixonado perdidamente pela mulher deitada sob ele. Cada parte de seu corpo fazia com que ele não quisesse desviar os lábios nem por um segundo.

Como pode haver uma mulher tão encantadora no mundo? E como eu posso estar tão obcecado assim? Ele não sabia. E nem queria saber.

Seu corpo era macio como nuvem, seus lábios doces como mel. Diante dela, ele se tornava um devoto sem razão ou posição, pronto para entregar tudo o que tinha. Só pedia que os olhos dela continuassem voltados para ele, que seus braços nunca o deixassem.

A ponta quente da língua deslizou por sua clavícula — e prendeu para sempre seu coração.


Uma hora e meia depois, Ban Hua saiu da banheira vestindo roupas novas. Seu corpo parecia um pêssego maduro e úmido. As criadas que a viram ficaram com o rosto corado e o coração acelerado como trovões. Mas nenhuma delas conseguia entender por quê seus corações estavam tão desobedientes.

— Ruyi — disse Ban Hua, apoiando preguiçosamente o queixo numa das mãos. Havia um charme irresistível em cada traço de seus olhos e sobrancelhas. — Me arrume.

— Sim.

Depois de pentear os cabelos, ela tirou da caixa o grampo de fênix que Rong Xia colocara pessoalmente em seus cabelos:

— Use este aqui.

Ruyi pegou o grampo e ficou encantada com o trabalho minucioso:

— Mestre, este grampo é tão lindo.

— Escolhi porque é bonito mesmo — Ban Hua desenhou uma flor elaborada entre as sobrancelhas. — Caso contrário, ia usar pra quê?

Enquanto ajustava as roupas de Ban Hua, Ruyi viu uma marca vermelha discreta no pescoço da patroa e ficou vermelha de vergonha:

— A princesa tem razão. — Foi por pouco. Ela quase tocou o pescoço da princesa agora há pouco. E se tivesse tocado, o que teria acontecido com ela?

Ban Hua acabara de se vestir e terminar a maquiagem quando um servo anunciou a chegada do príncipe herdeiro.

— Onde está o Lorde Hou? — Rong Xia havia saído meia hora antes. E agora que o príncipe estava ali, ela não sabia se o marido havia voltado.

— Alguém veio chamá-lo, e o Lorde Hou acabou de sair da mansão.

— Eu irei até lá agora mesmo — disse Ban Hua, vestindo um manto vermelho vivo. Ela se virou e saiu do salão, seguida apressadamente pelos criados.

— Alteza, perguntei aos criados da mansão do marquês, e o marquês de Cheng’an não está em casa no momento — informou o acompanhante-chefe do príncipe, com uma leve irritação no rosto.

— Não tem problema se Junpo não estiver — respondeu o príncipe com um sorriso sereno — Podemos dizer que estou aqui apenas para visitar minha prima.

— Irmão príncipe está com saudades de mim?

O príncipe se virou e viu Ban Hua entrando com um sorriso no rosto, acompanhada por um grupo de criados — como nos velhos tempos, antes do casamento. Desde que fora colocado em prisão domiciliar no Palácio Leste, ele não recebia muitas notícias do exterior. Mas a família Ban continuava enviando coisas para ele de tempos em tempos. Mesmo que fossem apenas frutas e legumes da estação, ele se sentia profundamente tocado por esse gesto.

É raro receber carvão em dia de neve. Quantas pessoas, em todo o império, ainda lhe ofereciam algo só por ele ser o príncipe?

Apenas a família Ban. Não importava se ele estava no auge ou em queda — eles sempre o tratavam do mesmo jeito.

Talvez fosse por isso que o imperador também gostasse da família Ban.

— Huahua — disse o príncipe, levantando-se com um sorriso — Como você está?

— Irmão príncipe — Ban Hua entrou, cumprimentou o príncipe com uma reverência e o observou atentamente antes de balançar a cabeça. — Você está mais magro.

O príncipe sorriu com amargura:

— Tenho tido pouco apetite ultimamente.

— Ai... — suspirou Ban Hua, convidando-o a sentar — Irmão príncipe, se precisar de mim, pode me chamar no palácio. Por que se deu ao trabalho de vir até aqui?

— Não vim para vê-la — respondeu o príncipe, direto ao ponto, já que sabia que Ban Hua era franca. — Vim procurar o marquês de Cheng’an. Não sei se meu primo está por aqui?

— Ele saiu há pouco — disse Ban Hua, virando-se para um servo — Mande alguns rapazes ágeis procurarem o Lorde Hou. Digam que o príncipe está visitando e peçam que ele volte o quanto antes.

— Não precisa disso, prima — apressou-se o príncipe. — Se meu primo não está, aproveito para trocar algumas palavras com você. Não há necessidade de incomodá-lo.

— Se fosse qualquer outro, eu nem me daria ao trabalho de chamar — disse Ban Hua, rindo. — Mas você é primo dele. Não faz sentido o cunhado não estar presente quando uma visita tão distinta vem nos ver.

— Ver que você está tão à vontade vivendo na Mansão do Marquês me deixa aliviado — disse o príncipe, notando a segurança com que Ban Hua falava. Seu sorriso agora era sincero. — Eu estava preocupado que você e o Marquês de Cheng’an não se dessem bem. Veja só, me preocupei à toa.

Ele sentia um arrependimento no fundo do peito. Quando Huahua se casou, ele ainda estava preso no Palácio Leste, e sequer pôde comparecer ao casamento ou mandar suas bênçãos pessoalmente.

— E como não seria motivo de preocupação? Você é meu pilar. Se ele me tratar mal, ainda vou precisar de você pra me ajudar a descontar a raiva — disse Ban Hua com confiança. — Você não vai ficar do lado dele em vez do meu, vai?

— É claro que estou do seu lado.

Os dois primos conversavam descontraidamente sobre banalidades, enquanto os oficiais do Palácio Leste, sentados ao lado, estavam inquietos por dentro. O príncipe e a Princesa Fule tinham uma relação tão boa... Por que o príncipe simplesmente não pedia a ela que falasse com o Marquês de Cheng’an? Um simples sopro no ouvido já resolveria a questão, não?

Meia hora depois, Rong Xia voltou e, assim que entrou, curvou-se respeitosamente diante do príncipe:

— Jun Po, não precisa de tanta formalidade — o príncipe se adiantou e o ajudou a levantar, sem deixá-lo concluir a saudação. — Fui eu quem veio sem avisar e o incomodei.

— Agradeço a tolerância de Vossa Alteza — Rong Xia sentou-se ao lado de Ban Hua e lhe ofereceu um sorriso gentil.

Ban Hua estalou os dedos e então se levantou:

— Irmão príncipe, conversem à vontade. Vou pedir aos criados que preparem o jantar.

Depois que Ban Hua saiu, o sorriso de Rong Xia se desfez um pouco:

— Alteza, se sua visita de hoje ainda for por causa dos assuntos da corte... peço que me perdoe, mas não posso concordar.

— Jun Po...

— Alteza — Rong Xia se levantou e fez uma reverência ao príncipe — acabei de me casar com a Princesa. É tempo de cultivarmos nossa relação. Eu realmente não tenho coração para me separar dela agora.

O príncipe ficou em silêncio. Não precisava se preocupar com mais nada, mas com os assuntos de sua prima, ele se importava, sim.

Depois de um tempo, falou novamente:

— Sei que agora é difícil para você retornar à corte, mas Daye precisa de você, o povo de Daye precisa de você. — Ele se ergueu e fez uma longa reverência diante de Rong Xia. — Primo, eu mesmo pedirei desculpas a ela, mas peço que o Lorde Hou me ajude.

— Alteza! — exclamou, alarmado, um dos oficiais do Palácio Leste. O príncipe herdeiro, herdeiro do império, se curvar para um cortesão?!

Rong Xia se levantou e retribuiu o gesto cerimonioso:

— Alteza, permita-me lhe lembrar de algo.

O príncipe endireitou o corpo e olhou para Rong Xia com um olhar calmo:

— Lorde Hou, diga.

— Sua Majestade está fraca, e o Rei Ning está apenas esperando uma oportunidade. Mesmo que Vossa Alteza tenha boas intenções, há tantos assuntos na corte que o senhor pode acabar impotente diante deles.

O príncipe ficou surpreso ao ouvir aquilo. Ele sabia. É claro que sabia. Apenas fingia que não. Mas os que o cercavam não tinham coragem de tocar nesse assunto com ele.

— Como eu não saberia? — disse ele com um sorriso amargo. — Só queria me envergonhar um pouco menos...

Rong Xia permaneceu em silêncio. O príncipe é um bom homem... mas não é um bom imperador. Se ele estivesse no lugar do príncipe, já teria controlado o Rei Ning, tomado as rédeas da corte e esvaziado o poder do imperador, transformando desvantagens em vantagens.

Mas o príncipe... é bom demais. Muito filial, muito leal, muito gentil.

Como alguém assim conseguiria sustentar os grandes e pequenos assuntos da corte? Isso era apenas uma ilusão.

— Se Vossa Alteza realmente tem esse desejo — disse Rong Xia com olhar firme — por que não começa por alocar fundos para as áreas afetadas por desastres e isenta-los de impostos por dois anos, para acalmar o coração do povo? — Ele estreitou os olhos. — Claro, uma medida ainda melhor seria punir o Rei Ning. Assim o povo veria a sinceridade da corte imperial.

— Mas ele... é meu irmão mais novo, afinal — o príncipe hesitou, com expressão abalada. — Se eu o punir, o pai e a imperatriz também vão se entristecer.

O rosto de Rong Xia ficou ainda mais frio:

— Já que o príncipe tem plena consciência disso tudo... o que espera de um humilde oficial como eu?

Um barro tão mole que não consegue sustentar nem uma parede... e ele ainda precisava ajudá-lo. Mas ele não era um deus.

E mesmo que fosse — não colocaria suas mãos nessa lama.

O que ele queria... não era uma parede desabando.

113

— O mordomo disse que chegou um lote novo de legumes frescos do Zhuangzi — disse Ban Hua ao entrar na sala, mas logo percebeu que havia algo de errado no ar. Os subordinados do príncipe tinham expressões desagradáveis, embora não ousassem se manifestar. O príncipe forçava um sorriso, com um ar levemente solitário. Apenas Rong Xia mantinha-se como sempre: sereno, elegante, tomando chá calmamente ao lado dela.

Ela se aproximou de Rong Xia e sentou-se, fingindo não notar a tensão entre ele e os demais.

— Irmão príncipe, faz tempo que não sentamos para conversar. Fique para jantar conosco hoje. E esse lorde aqui é...?

— Este humilde oficial é do Zhan Shifu...

— Ah, então é o Mestre do Zhan Shifu — Ban Hua cobriu a boca e riu, enquanto ajeitava o Feng Feichai nas têmporas, falando com naturalidade: — Olhando para a expressão do lorde, não consigo deixar de lembrar de algumas regras religiosas do palácio. Uma antiga ama de leite minha, por exemplo. Na época, havia uma que era muito próxima de uma concubina favorita e vivia com mania de implicância. Eu era teimosa e acabei discutindo com essa senhora. Nunca mais a vi desde então. Será que ela ainda está bem?

O subordinado do príncipe franziu ainda mais o cenho, mas conteve sua insatisfação.

— Posso saber quem era essa concubina?

— Parece que era a Song Guipin, ou talvez a Song Zhaoyi — Ban Hua encostou as mãos no aquecedor e ergueu as sobrancelhas. — Faz tanto tempo que quase esqueci o nome dela.

Song Zhaoyi...

O subordinado do príncipe empalideceu. Lembrava muito bem que, cinco anos antes, Song Zhaoyi era bastante favorecida, mas caiu em desgraça após ofender certo nobre — desde então, desapareceu do palácio. A princesa Fule mencionou essa mulher só porque achou minha expressão desagradável e isso atrapalhou seu humor?

Será que a nobre que Song Zhaoyi ofendeu era a própria Princesa Fule, ainda uma dama da cidade naquela época...?

Num dia tão frio, o seguidor do príncipe sentiu como se um bloco de gelo lhe escorregasse pela garganta. Seus dentes tremiam de frio involuntário. Virou-se para o príncipe e notou que ele não demonstrava qualquer insatisfação com a princesa. Recompôs-se depressa. Essa Princesa Fule não é alguém com quem se possa brincar. Se levar umas chicotadas por causa disso, só vai ser castigo merecido.

O jantar foi muito bem preparado, cada prato requintado em cor, aroma e sabor. A família Rong, com sua história de duas ou três dinastias, acumulou inúmeras receitas. Já a família Ban tinha fama de ser exigente com comida há gerações. Agora que os descendentes das duas famílias estavam casados, a variedade de pratos só aumentava.

O príncipe já havia jantado com Rong Xia antes. Naquela época, os pratos da família Rong eram refinados e saudáveis. Mas o jantar de hoje... era diferente.

Lançou um olhar para Ban Hua, sentada ao lado de Rong Xia, e tudo ficou claro como um espelho.

O oficial do príncipe, sentado mais abaixo, olhava os pratos com pesar. A Princesa Fule é extravagante demais, usando refeições tão elaboradas. Era uma pena que Rong Xia, um homem tão refinado quanto a lua, se deixasse dominar por desejos carnais, cedendo a tantos caprichos femininos.

Lamentável.

Mas o sabor da comida era realmente maravilhoso. E ele, sem perceber, acabou comendo muito mais do que o habitual.

Depois do jantar, já tendo lavado as mãos e enxaguado a boca, o príncipe disse a Rong Xia:

— Gu sabe que o ocorrido hoje lhe causou certo constrangimento, mas espero que o Lorde Hou possa compreender a dificuldade em que me encontro.

— Alteza, a lealdade e a justiça sempre foram um dilema desde os tempos antigos — disse Rong Xia com expressão séria. — Imagino que Vossa Alteza entenda isso perfeitamente.

O príncipe suspirou em silêncio.

— Entendo, sim... mas, mesmo assim, não consigo suportar.

Rong Xia soltou uma risadinha, com um tom sutil de ironia.

— Já que Vossa Alteza diz isso... então nada posso fazer.

O rosto do príncipe ardeu como se tivesse levado um tapa. Virou-se para olhar Ban Hua. Ela brincava com a pulseira de jade no pulso, sem demonstrar interesse algum pela conversa. Os subordinados do príncipe, aflitos com a cena, intervieram:

— Alteza, já está tarde. Deveríamos retornar ao palácio.

O príncipe pareceu despertar de seus pensamentos. Virou-se para Rong Xia e Ban Hua:

— Prima, primo, devo voltar agora. Com licença.

Rong Xia e Ban Hua o acompanharam até o portão da mansão Rong. Só voltaram para o pátio principal depois que o príncipe subiu na carruagem.

— O que o príncipe queria com você?

— Ele quer que eu volte para a corte.

Ban Hua franziu a testa:

— Agora que o governo está um caos e as facções estão em guerra... da última vez, você foi injustamente repreendido por Sua Majestade. Quem é que quer se meter nesse tipo de lama? E além disso... — Ela fez uma pausa. — Além disso, o Príncipe Ning, por mais que se esforce, não tem perfil pra ser imperador. Deixa eles se estapearem sozinhos. Não vale o desgaste.

— Eu achei que Huahua fosse me pedir pra ajudar o príncipe — disse Rong Xia, surpreso. — Então é assim que você pensa.

— O que eu penso não muda nada — disse Ban Hua, balançando a cabeça. — Vovô e vovó sempre disseram: tudo que atinge o auge começa a decair, e quando chega ao fundo, é aí que sobrevive. Agora que a corte está como está, mesmo que você vá até lá, não conseguirá mudar muita coisa. Só espero que você fique bem.

Daqui a alguns anos, quando o novo imperador assumir, pelo menos você não estará enredado no escândalo de ter sua casa confiscada.

— Vovô e vovó estavam certos — Rong Xia sorriu. — O mundo sempre dá voltas.

Na manhã seguinte, Ban Hua recebeu um convite do Palácio Leste. A Princesa Herdeira havia convidado as damas nobres para tomar chá no palácio. Como sua posição era elevada, Ban Hua naturalmente estava entre as convidadas.

Ela pegou o cartão e leu várias vezes. Quanto mais olhava, mais sentia que havia sido escrito pela própria princesa. Apesar de não dominar a caligrafia, ela reconhecia o selo particular da princesa no rodapé do convite.

— Princesa, a relação entre nós e a Princesa Herdeira nunca foi muito boa. Por que não deixamos pra lá? — disse Ruyi, preocupada, ao ver o convite nas mãos de Ban Hua. — Temo que ela queira te constranger de propósito.

— Por que eu não iria? — Ban Hua jogou o convite de volta sobre a mesa. — Esse é o primeiro convite que recebo desde que me casei. Não só quero ir, como quero ir de forma deslumbrante. Quanto à princesa… ela não ousaria fazer nada contra mim.

Com a situação atual da família Shi, a menos que estivesse completamente fora de si, a princesa jamais faria algo que a deixasse infeliz.

Além disso, Ban Hua já sabia que Shi Feixian não era a mente por trás do assassinato de seu pai, então estava disposta a dar esse voto de confiança à princesa — ou ao príncipe. No fim das contas, ela sempre teve um temperamento inquieto e não conseguia ficar parada por muito tempo.

Até hoje, ainda não descobriu quem é o verdadeiro mandante do crime. Sabia que o caso envolvia disputas dentro da corte, não era algo que pudesse investigar tão facilmente. Mas também não conseguia aceitar isso — sentia que, enquanto não esclarecesse tudo, seu coração não encontraria paz. Quem sabe onde esse homem nas sombras está escondido... e se ele tentar atacar a família Ban de novo?

Sentia vagamente que o imperador Yun Qing estava envolvido por trás de tudo, e talvez por isso hesitasse tanto. Sua Majestade queria usar o assassinato de seu pai para suprimir a família Shi. A verdade, para ele, não importava — e talvez até quisesse que a família Ban acreditasse naquela “verdade”.

— Princesa? Princesa?

Ban Hua recobrou os sentidos e olhou para Ruyi.

— Pegue aquele vestido de palácio feito com tecido Yanxia. Quero usá-lo para ir ao palácio amanhã.

— Não vai parecer… exagerado demais? — Ruyi hesitou. Aquela roupa de corte feita com tecido forjado em névoa leve havia sido encomendada, segundo diziam, por ordem do próprio Lorde Hou antes mesmo do casamento da princesa. Só fora finalizada dois dias atrás. Era uma peça tão bela quanto um traje celestial, perfeita em cada detalhe.

Se não tivesse visto com os próprios olhos, Ruyi jamais acreditaria que um homem tão elegante quanto o marquês teria preparado algo tão esplendoroso para a princesa. Sempre imaginou que, de acordo com o caráter dele, preferiria que a esposa se vestisse com sobriedade, e não com roupas tão chamativas que ninguém conseguisse desviar o olhar.

— Quanto mais chamativa, melhor — Ban Hua olhou para seu reflexo no espelho. — Adoro ver como elas querem me criticar e me invejar ao mesmo tempo… mas são obrigadas a engolir.

Ruyi riu baixinho ao ouvir isso:

— Ainda se lembra das fofocas que diziam?

— Eu não sou santa. Se falam de mim, claro que eu lembro — Ban Hua passou um bálsamo nos lábios e os pressionou suavemente. — Pra que serve uma vida toda generosa para uma mulher? Perdoar os outros só faz a gente se sacrificar.

— A princesa está certa — Ruyi assentiu. O que a nossa princesa diz está sempre certo.

No Palácio, na residência do Rei Ning.

— Princesa — disse a criada, erguendo um espelho diante de Xie Wanyu —, está bom assim?

Xie Wanyu assentiu. O rouge cobria perfeitamente sua palidez, e o bálsamo deixava seus lábios brilhantes e rosados. A maquiagem talvez fosse a coisa mais milagrosa do mundo — capaz de enterrar o cansaço e as emoções de uma mulher, deixando seus verdadeiros sentimentos ocultos, conhecidos apenas por ela mesma.

— Está quase na hora? — piscou, tentando dar mais brilho ao olhar.

— Sim.

— Então vamos.

O início da primavera ainda trazia um friozinho, e Xie Wanyu vestia uma capa forrada de pele de raposa. Pelo caminho, várias damas e eunucos a saudavam com reverência. Cenas que, em outro tempo, teriam lhe dado prazer. Agora, não lhe despertavam nada. Ela não passava de uma pobre mulher com um status mais elevado que o das criadas e eunucos. Receber presentes dessas pessoas… o que há de tão especial nisso?

Assim que chegou ao portão do Palácio Leste, ouviu vozes animadas vindo de trás. Parou e olhou por sobre o ombro.

Ban Hua estava cercada de criadas e eunucos que a bajulavam. Alguns elogiavam sua beleza, outros suas roupas magníficas. Ela, satisfeita, premiava todos com punhados de sementes de melão douradas. Ao ver alguém parado à sua frente, ergueu o olhar — e não pôde deixar de encarar por um instante a pessoa.

Xie Wanyu?

Ao notar a maquiagem carregada no rosto dela, Ban Hua estacou. Os olhares das duas se cruzaram no ar. Para surpresa de Ban Hua, Xie Wanyu apenas inclinou levemente a cabeça em saudação — e virou-se para entrar no Palácio Leste.

Quando é que Xie Wanyu ficou tão acessível assim? Ban Hua ficou intrigada.

As criadas e eunucos que a haviam atendido na última visita estavam ainda mais atenciosos desta vez, e a conduziram com entusiasmo para o interior do palácio, afastando-se apenas depois de lhe prestarem mais uma saudação formal.

— A esposa de Cheng Anhou ainda não chegou? — disse uma senhora ao redor, olhando em volta. — Estou curiosa para ver como está a recém-casada.

— Que esposa de Cheng Anhou o quê — disse uma outra com a voz fina e um sorriso sarcástico. — O título de Princesa Fule é mais alto do que o de Cheng Anhou. O certo seria chamá-lo de “Junma” de Cheng Anhou.

Essa questão de como se dirigir aos dois sempre causava um certo constrangimento.

Se chamassem o marquês de “Junma” — título para maridos de princesas —, isso diminuiria o peso do título de marquês, que não era baixo. Apesar de não ter voltado à corte, Rong Xia ainda ostentava o cargo de Ministro do Ministério dos Funcionários. Sem falar que havia rumores de que era filho ilegítimo de Sua Majestade.

Mas chamar Ban Hua de “Madame Hou” também parecia errado. Ela, afinal, tinha uma patente duas categorias acima do marido. O casamento entre a Princesa Fule e o Marquês Cheng An era, formalmente, um casamento “para baixo”.

— Senhoras, moças, podem me chamar como quiserem — disse Ban Hua, entrando com um sorriso nos lábios. — Eu e o Lorde Hou não nos importamos com isso.

As mulheres se viraram e viram Ban Hua, deslumbrante como uma concubina celestial saída de um mural, caminhando em sua direção. Primeiro ficaram maravilhadas com a beleza de seu traje de palácio. Depois, recordaram que a princesa Fule havia se casado com o gentil e refinado Cheng Anhou. Viver com tamanho luxo, sem se preocupar com a opinião dele... Será que não teme que ele a despreze?

O fato de Cheng Anhou ter aceitado se casar com ela já era surpreendente para muitas. E agora, ver a princesa Fule tão indiferente aos sentimentos do marido… Isso é arrogância demais.

Se ela continuar agindo assim, mesmo que Cheng Anhou seja um homem raro, quanto tempo mais ele vai aguentar...?

— Esta esposa cumprimenta a Princesa Herdeira. Desculpe-me pela demora — disse Ban Hua, aproximando-se da Princesa Herdeira diante de todos, e fazendo-lhe uma reverência.

Minha família não precisa de tanta formalidade, sente-se logo — disse a princesa com um sorriso, convidando Ban Hua a se acomodar. — Não tenho nada para fazer no palácio, então quis convidá-las para conversar, tomar chá e assistir a uma peça. — Enquanto falava, entregou a Ban Hua um libreto de óperas. — Princesa, veja se tem alguma peça que deseja ouvir.

Ban Hua escolheu aleatoriamente uma peça animada e devolveu o libreto à princesa.

Ao ver que ela não a colocava em situação embaraçosa, a princesa relaxou. Tinha receio de que Ban Hua ainda estivesse ressentida por causa da irmã mais nova e a fizesse perder a compostura diante das outras.

Logo após o início da ópera, a imperatriz enviou alguns petiscos de frutas e melões, dizendo que não se sentia bem para comparecer, mas queria que todas aproveitassem.

Esse gesto da imperatriz concedeu muito prestígio à princesa herdeira. As damas presentes elogiaram a benevolência da imperatriz e o carinho que ela tinha pelo príncipe e por sua esposa, o que deixou a princesa tão feliz que até comeu dois doces que não costumava gostar.

Depois de muito chá, as damas começaram a se levantar para irem aos fundos trocar de roupa. Quando Ban Hua se dirigia até lá, notou que Xie Wanyu vinha logo atrás.

Como princesa, Xie Wanyu estava acompanhada por apenas uma criada — a mesma que a atendia desde a juventude em seus aposentos.

— Ban Hua — disse Xie Wanyu de repente, empurrando-a de leve ao passar por ela —, o que há com você? Não consegue nem andar?

— O que pensa que está fazendo? — Ruyi segurou Ban Hua rapidamente e encarou Xie Wanyu. — Princesa, por favor, contenha-se.

Xie Wanyu lançou um olhar a Ban Hua, bufou com desdém e virou-se para sair.

— Ela... ela... — Ruyi murmurou, furiosa. — Deve estar com alguma doença mental!

Ban Hua ergueu os olhos e olhou na direção por onde Xie Wanyu havia saído. Em seguida, observou ao redor e notou dois eunucos discretos ao lado de um rochedo decorativo.

— Está tudo bem — disse ela, entrando no salão interior com Ruyi, onde abriu um bilhete em sua mão.

Ruyi viu o papel nas mãos de Ban Hua e ficou chocada. Olhou em volta rapidamente e abriu uma janela como se apenas quisesse deixar o ar entrar, posicionando-se de forma a encobrir Ban Hua.

O Rei Ning pretende matar. Seja cuidadosa.

Ban Hua encarou as palavras do bilhete, então o rasgou em pequenos pedaços e os guardou dentro de um sache que levava consigo.

Eu e Xie Wanyu nunca nos demos bem. Por que ela me avisaria? Será por causa do que Jiang Luo fez ao irmão dela? Ou porque ele a maltratou?

Ela não pensou nas consequências, caso eu entregasse esse bilhete ao imperador?

Ban Hua foi até o espelho de bronze, ajeitou o fengchai nos cabelos e disse a Ruyi:

— Vamos voltar.

— Sim. — Ruyi não perguntou o conteúdo do bilhete, mas sabia que deveria ser algo muito importante, caso contrário a princesa não teria rasgado o papel com tanto cuidado.

De volta ao salão, Ban Hua viu que Xie Wanyu já havia se sentado. Quando a viu entrar, nem mesmo a olhou.

A princesa herdeira, por outro lado, sorriu ao vê-la.

Shi Shi nunca gostou de Ban Hua. Naquela época, ela invadiu o Palácio do Primeiro-Ministro e levou sua irmã à força até o Templo Dali. A princesa guardava aquele ressentimento até hoje. O que tornava tudo ainda mais irônico era que Ban Hua acabou ficando com o homem que sua irmã gostava.

Ban Hua estava casada com Rong Xia há menos de meio mês, mas tinha o rosto corado e o espírito elevado. Era evidente que vivia bem. E, como sempre, era ousada e extravagante. O vestido que usava era forjado de Yanxia, um tecido raríssimo. Quem não soubesse, pensaria que a família Ban havia lhe dado isso como parte do dote. Mas ela sabia muito bem que aquele vestido não vinha da família Ban.

Lembrava com clareza que, mesmo nas melhores épocas, o Yanxia era raríssimo, e só servia para fazer um xale ou lenço. Usá-lo para confeccionar uma saia inteira era puro exagero — e mesmo que alguém quisesse, não encontraria o tecido.

Dizia-se que o processo de tecelagem do Yanxia era extremamente complexo, e que sua coloração não se desgastava com o tempo — mesmo após cem anos, permanecia brilhante como nuvens. Mas a única artesã que dominava essa técnica falecera sem deixar herdeiros ou discípulos. A arte havia se perdido.

Hoje, mesmo que uma família quisesse usar Yanxia para fazer uma saia, não conseguiria.

Ela ouvira dizer que, ao subir ao trono, Sua Majestade presenteara o velho marquês de Cheng An com um rolo de Yanxia Duan, mas como a esposa do marquês, Madame Lin, não gostava de ostentação, o tecido jamais apareceu novamente na mansão Cheng An. Inesperadamente, mais de vinte anos depois, aquela peça foi usada para confeccionar um vestido para Ban Hua.

O Marquês Cheng An certamente valorizava muito Ban Hua.

Durante o almoço, uma dama não conseguiu conter-se e comentou:

— Princesa, a saia de palácio que está usando é belíssima. Posso saber de que material é feita e qual bordadeira a confeccionou?

— Ah, eu não sei ao certo — respondeu Ban Hua com um sorriso leve. — Quando escolhi a roupa, nem olhei o tipo de tecido ou o bordado. Assim que vi que era bonita, vesti.

Esse vestido realça ainda mais sua beleza, princesa — disse a dama com um sorriso forçado.

Ban Hua sorriu... e aceitou mesmo assim o elogio.

As outras esposas não conseguiram evitar e lançaram mais alguns olhares para a saia palaciana de Ban Hua. De fato, era deslumbrante — uma bela mulher com belas roupas. Era tão impressionante que as demais damas ficaram até constrangidas de sentir inveja.

A princesa é tão extravagante... tenho receio de que seja um exagero — comentou uma jovem dama da família. — O Marquês de Cheng An é um homem frugal. Se agir assim, o que os outros pensarão dele?

Ban Hua arqueou as sobrancelhas e olhou para a mulher que falou. Em vez de se irritar, sorriu.

Essa senhora é mesmo curiosa. O que o meu marido pensa ou deixa de pensar é um assunto entre nós dois. Por que a senhora está tão preocupada? E, além do mais, esta saia de palácio foi feita especialmente por ele, ele mesmo a preparou para que eu usasse. Então... o que isso tem a ver com os outros?

A dama empalideceu e, após um longo silêncio, murmurou:

Foi um mal-entendido. A princesa não precisava ser tão agressiva.

Você, uma estranha sem relação alguma, se preocupa com o que eu visto, e ainda me chama de agressiva? — Ban Hua soltou um riso frio. — De que família é essa mulher que não conhece nem as regras básicas de convivência? Já tem uma certa idade, mas ainda não aprendeu que não se comenta dos assuntos privados dos outros?

Princesa Fule, — cochichou uma dama que queria agradá-la, — essa é a esposa do preletor da Academia Imperial. Seu nome de solteira é Yang. Ela tem uma irmã mais velha.

Yang...? — Ban Hua refletiu por um instante e então balançou a cabeça. — Não me lembro bem dela.

Dizem que, antigamente, a mansão do Marquês de Cheng An tinha alguma ligação com a família dela. — A dama sorriu com malícia. — Quando o irmão de Cheng Anhou faleceu, sua esposa da família Yang sofreu um aborto e voltou para a casa da família. Depois se casou novamente.

Ban Hua ergueu as sobrancelhas e respondeu com indiferença:

Então foi isso.

O irmão de Rong Xia havia morrido de doença, e a esposa, da família Yang, abortou a criança e se casou de novo. Sob uma ótica prática, não era um erro tão grave. Mas, do ponto de vista humano, parecia cruel. O marido mal havia falecido, e ela já se livrava do filho e voltava para a família, ansiosa por um novo casamento. Isso dava um calafrio.

Como mulher, Ban Hua não julgava diretamente, mas certamente não gostava da forma como a pequena Yang se metia em seus assuntos. Lançou-lhe um olhar — a mulher estava tão apavorada que não sabia onde colocar as mãos, sem coragem nem para falar.

Tão medrosa... e ainda quer se preocupar com a reputação de Rong Xia? Será que eu deveria agradecer por ela se importar com meu marido?

Com esse episódio, Ban Hua levantou-se com confiança e despediu-se da princesa. A princesa, conhecendo bem seu temperamento, não ousou insistir. Em vez disso, mandou uma criada embaraçada acompanhá-la até a saída.

Depois que Ban Hua partiu, a princesa olhou de relance para a Srta. Yang, com expressão incômoda, e comentou com naturalidade:

Como mulheres, o importante é cuidarmos bem da nossa própria vida. Se ficarmos apontando o dedo para os outros, acaba parecendo um pouco... deselegante.

Todas as damas presentes entenderam que ela falava de Xiao Yang, mas fingiram não notar e prontamente concordaram com a princesa.

Agora que o príncipe herdeiro estava se recuperando, e ninguém sabia quando Sua Majestade retomaria plenamente o poder, era evidente que o futuro do império Daye estava se inclinando para o príncipe. Quem se atreveria a ofender a princesa herdeira?

Xiao Yang ficou ali, constrangida. Assim que deixou o palácio, escondeu-se na carruagem e caiu em prantos. Sentia-se extremamente humilhada — havia sido ridicularizada por Ban Hua e desprezada pela princesa herdeira. Não compreendia por que a princesa, que tinha uma relação tão ruim com os Ban, decidira apoiar Ban Hua. Ela não deveria querer vê-la perder a compostura?

Quando Ban Hua voltou à mansão do marquês, Rong Xia já a esperava.

Huahua está linda hoje — disse ele, levantando-se para segurar sua mão. — A reunião foi interessante?

Interessante? — Ban Hua sentou-se diante do espelho e começou a tirar os enfeites do cabelo. — Era só o de sempre: marido e filhos. Comparar maridos? Quem entre elas pode competir comigo? Comparar filhos? Eu nem tenho. Não dá nem pra conversar.

Sou assim tão bom assim? — O sorriso de Rong Xia se alargou.

Aos meus olhos, você é o melhor marido. — Ban Hua virou-se, puxou a túnica dele, fazendo com que se inclinasse, e lhe deu um beijo na bochecha. — Bom menino.

Rong Xia riu, divertido com o jeito dela de mimá-lo como uma criança. Começou a ajudá-la a tirar os enfeites do cabelo.

Se foi entediante, não precisamos ir da próxima vez.

Como não ir? — Ban Hua sorriu. — Se eu não for, só vou ouvir fofoca.

Aliás... — Ban Hua contou a Rong Xia sobre o bilhete que recebera de Xie Wanyu. Franziu o cenho e disse: — Jiang Luo tentou te assassinar da última vez, e Sua Majestade o protegeu. E agora ele ainda não desistiu. Que ódio é esse que ele tem de você, que quer tanto tirar sua vida?

Ban Hua não compreendia a lógica de Jiang Luo. Se queria disputar poder, não havia outros meios além do assassinato? Será que ele não tem cérebro?

Ódio? — O polegar de Rong Xia deslizou suavemente pela bochecha de Ban Hua, seus olhos calmos como sempre.

114

— O Rei Ning é tirano por natureza, e age conforme sua vontade. Desde que eu não faça o que ele acha certo, ele terá ódio de mim — Rong Xia sorriu. — Estou preocupado é com o povo de Daye. O que será do futuro?

Ban Hua suspirou e, após um longo silêncio, perguntou:

— Xie Wanyu está mostrando favor a nós, ou ao príncipe?

Rong Xia esticou os dedos e pressionou suavemente a testa franzida:

— Seja o que ela quiser fazer, não vale a pena se preocupar com isso agora.

Ban Hua beliscou o dedo e riu:

— Eu sei, você deve estar atento esses dias.

— Certo.

Desde o último atentado, Rong Xia organizou muitos guardas no pátio principal, e toda a Mansão Hou foi revista minuciosamente. Depois que o barco virou no canal, ele não queria cometer o mesmo erro de novo.

No fim do primeiro mês, a família do Rei Ning finalmente saiu do palácio. A nova casa já estava preparada há muito tempo. Apesar do Rei Ning estar insatisfeito, teve que fingir alegria, convidar os outros para um banquete e receber visitas.

O que mais irritou Jiang Luo foi que a família Ban e Rong Xia encontraram desculpas para enviar presentes, mas ninguém apareceu. Era quase como dizer a todos os dignitários da capital que a mansão de Cheng’anhou e a família Ban tinham uma relação ruim com ele.

Se fossem só essas duas famílias, tudo bem, mas várias outras alegaram estar doentes e mandaram presentes generosos, sem nem enviar um membro da família. A maioria delas tinha boa relação com Rong Xia ou sempre o admirou.

Ao ouvir o relato dos servos, Jiang Luo virou a caixa de presentes da família no chão. A Guanyin de Jade, avaliada em quase mil taéis, estilhaçou-se.

O fiel seguidor do Rei Ning, ao ver a Guanyin de Jade quebrada, mudou drasticamente a expressão. Era o dia da inauguração da casa do príncipe, e quebrar a Guanyin era mau presságio. Quis apanhar os pedaços de jade no chão, mas foi afastado com um chute pelo Rei Ning, que pisava na cabeça da Guanyin com os olhos turvos.

— São todos cachorros ignorantes.

Xie Wanyu estava na porta e, vendo que o Rei Ning perdia o controle, riu e se afastou.

— Princesa — a criada a acompanhou até a casa — o bilhete que a senhora deu à princesa Fule pode fazê-la pensar que o Rei Ning quer assassinar o Marquês Cheng An?

— Isso é problema dela — Xie Wanyu sorriu com certo cinismo. — Já dei o aviso que devia. Se ela não tomar cuidado, não me culpe. Embora eu não goste muito de Ban Hua, também não sou de gostar de gente.

Ela já está numa situação complicada. Se outros quiserem se divertir, eu assisto.

Com a ausência de muitos nomes importantes, o banquete de inauguração de Jiang Luo parecia vazio. Do início ao fim, ele estava mal-humorado. Uma criada o serviu mal e foi chutada em público; no fim, outros a tiraram dali.

Os vizinhos, vendo o desprezo do Rei Ning pela vida humana, ficaram gelados. A comida não agradou nem anfitrião nem convidados, e quando todos levantaram para sair, o clima era de pressa.

— Senhor Liu — alguém chamou para deter Liu Banshan e perguntou baixinho: — Ouvi dizer que o Templo Dali aceitou um caso complicado?

O problema é que o réu é o mordomo da mansão do Rei Ning. Este decidiu que se o Templo Dali o prendesse, seria uma desonra para ele, e não quer que isso aconteça.

O mordomo cometeu três mortes, e o Rei Ning recusou que o Templo Dali o levasse por causa de sua influência. Isso gerava críticas.

Liu Banshan suspirou, balançou a cabeça e evitou comentar.

Quem o consolou deu um tapinha no ombro e disse:

— Não é problema nosso. Só lamento o povo...

Conhecer e não poder fazer nada: esse é o estado atual da corte de Daye.

Dez dias depois, no Grande Palácio da Lua, o espírito do Imperador Yunqing estava especialmente bom. Recentemente, não só conseguia andar alguns passos, como comia mais que antes. Gostava cada vez mais de Rong Xia e Ban Hua, sentindo que sua melhora vinha da alegria trazida por eles.

— Quantos já apresentaram queixas contra o Rei Ning? — perguntou, olhando para o príncipe ao lado, tomando um gole de chá para a saúde. Vendo a hesitação dele, franziu a testa. — Príncipe, embora seja irmão mais velho do Rei Ning, também é futuro imperador de Daye. Do que tem medo para falar?

O príncipe se ajoelhou e disse:

— Pai, que o senhor viva para sempre. Seu filho está disposto a ser príncipe pela vida toda.

O salão silenciou. O príncipe ficou ajoelhado, sem coragem para erguer a cabeça. O único som era sua respiração acelerada.

— Nenhum imperador vive para sempre, eu tampouco — disse Yunqing com expressão imprevisível. — Levante-se e responda.

O príncipe se ergueu, olhou para o rosto envelhecido e os cabelos grisalhos do pai, lembrou quando ele segurava sua mão ensinando a escrever, mais de dez anos atrás. Não queria ver o pai afetado por essas coisas. O que o irmão mais novo fez foi realmente demais.

— Ainda não descobriu como esconder as falhas do seu irmão? — Yunqing atirou um memorial na mão do príncipe. — Nem dez dias se passaram desde que ele se mudou para a mansão do Príncipe Ning, e três servos caíram e morreram. Se continuar a protegê-lo, vai esperar ele matar todo mundo?

— Pai, acalme-se. Já consolei o irmão — o príncipe se adiantou e deu tapinhas nas costas de Yunqing. — Fale devagar, o corpo fica nervoso.

— Hmph! — Yunqing zombou. — Ele mandou tropas reprimir os sobreviventes, será que deu certo?

Pode ser que não se importe com a vida de alguns inferiores, mas se preocupa muito com a falta de juízo do filho. Como homem importante, deveria ter o mínimo de capacidade decisória. Se não consegue nem isso, o que poderá realizar?

— O semblante do príncipe escureceu de repente — disse ele. — Meu ministro já tentou apaziguar as vítimas por toda parte, e não haverá grandes distúrbios.

— Entendo — acenou o Imperador Yunqing. — Você se afaste.

— Pai, o segundo irmão ainda é jovem, dê mais algumas chances a ele...

— Príncipe — interrompeu Yunqing —, eu já sabia como ser imperador e governar o país aos quinze anos. Como imperador, tenho meus favoritos, mas esse é o limite, o rei com tino.

— Não quero que você se torne um rei sábio, quero ao menos que não cause uma catástrofe por ser parcial e acabe com uma má reputação por milhares de anos — disse Yunqing, acenando com a mão. — Você se afaste e pense nisso.

— Sim.

O príncipe saiu do Grande Palácio da Lua com a face pálida e encontrou Xie Wanyu que ia cumprimentar a rainha.

— Alteza Real — disse ela, vendo a expressão ruim do príncipe, sabendo que ele havia levado bronca do pai.

— Irmãos — o príncipe lançou um olhar breve para Xie Wanyu e desviou sem mostrar ressentimento.

Xie Wanyu pensou que o príncipe era, na verdade, um homem muito bom, só que de personalidade muito suave. Rezou por ele:

— Alteza Real, minha cunhada tem algo para lhe dizer.

— O quê?

— Percebi que o humor do Rei Ning anda cada vez pior e temo que algo esteja errado com ele — disse Xie Wanyu, olhando para os próprios pés. — Mas nosso príncipe não gosta de me contar essas coisas. Tentei convencê-lo a consultar o médico imperial, mas ele não aceitou.

— Quer dizer que o temperamento do segundo irmão piora por causa da saúde fraca? — os olhos do príncipe brilharam, como se tivesse encontrado uma desculpa para as falhas de Jiang Luo.

— Talvez — Xie Wanyu sentiu um pouco de pena do príncipe. Ele ainda não sabia que a prisão domiciliar imposta pelo Imperador por causa da desavença com a concubina não era coincidência, mas plano de Jiang Luo. Ainda tentava desculpar Jiang Luo, sem saber que este o via como espinho e jamais o perdoaria sem eliminá-lo.

Esses dois irmãos são mesmo curiosos. Mesma mãe e pai, personalidades completamente opostas.

— Obrigado, irmão e irmã, por me avisarem — pensou o príncipe. — Vou conversar com minha mãe sobre isso.

— Obrigada, Príncipe Herdeiro — Xie Wanyu falou com expressão grata. — Se você e a rainha mãe o persuadirem, ele certamente ouvirá.

O príncipe sorriu amargamente: receava que o segundo irmão nem quisesse ouvir.

— Aliás, o príncipe esclareceu bem o mal-entendido que houve no palácio? — perguntou Xie Wanyu, como quem não quer nada. — Acredito que o príncipe não faria aquilo e não vale a pena ter desavença com o Imperador por coisa tão pequena.

Ao ouvir Xie Wanyu mencionar o episódio daquele dia, o sorriso do príncipe finalmente se quebrou.

Desde que foi colocado sob prisão domiciliar no Palácio do Leste, lembrou muitas vezes o que aconteceu: como ficou no mesmo quarto que a concubina do pai e foi descoberto. Tudo parecia um mal-entendido causado por coincidência, mas que coincidência seria essa?

Suspeitava que fora armação de várias princesas concubinas, que não tinham valor para o pai nem poder real, então qual vantagem teriam em conspirar contra ele?

— Se Sua Alteza quiser saber a verdade, pode perguntar ao meu príncipe — Xie Wanyu sorriu tranquila. — Há um eunuco junto ao príncipe que tem boa relação com uma criada próxima à concubina. Por que não pedir a ele que ajude a descobrir o que realmente aconteceu?

— Você disse que o eunuco junto ao segundo irmão tem boa relação com a criada da concubina?

— Isso mesmo — Xie Wanyu olhou intrigada para o príncipe. — O que foi?

— Tudo bem — o rosto do príncipe ficou ainda mais feio. — Irmãos e irmãs, fiquem à vontade, vou me retirar.

— Alteza Real, vá com calma — Xie Wanyu sorriu, olhando para as costas do príncipe, os olhos cheios de satisfação.

Seu irmão está magro por causa da dor. Como poderia o Rei Ning ter um irmão mais velho tão cuidadoso?

Como pode haver coisa boa no mundo quando alguém age de má-fé querendo tirar vantagem?

Casar com um homem assim... Se não consegue aceitar, melhor ser viúva do que vê-lo honrado a vida toda, ainda mais sentado no trono supremo.

O segundo dia de fevereiro é o dia do plantio da dinastia Daye. Nesse dia, o imperador leva a rainha aos campos para arar, semear e rezar por boas colheitas.

Mas este ano é diferente: o Imperador está incapaz de se mover, e só o príncipe pode representá-lo.

Além do príncipe, os nobres da família e oficiais importantes acompanham o cocheiro, cavando o solo duas vezes com enxadas no ombro, enquanto as mulheres semeiam algumas vezes.

Antes do casamento, Ban Hua não precisava participar dessas cerimônias, mas agora, casada, ela representa a mulher que sustenta a família. De nascimento nobre, deve comparecer ao festival do plantio.

Vestindo uma jaqueta curta acolchoada, o cabelo preso com seda azul e dois grampos de madeira, sem mais joias, Ban Hua se olhou no espelho e pensou: Se daqui a três ou quatro anos eu perder meu título, provavelmente vou me vestir assim.

— A princesa está linda mesmo com roupas simples assim. Nem isso esconde sua beleza — disse Ruyi, após limpar as unhas de Ban Hua e confirmar que não havia nada a reclamar da aparência da princesa. — Com essa roupa, a princesa continua bela.

— Ruyi, sabe o que eu mais gosto em você? — Ban Hua bateu na roupa de tecido grosso que vestia. — Gosto mais da sua boca doce.

Ao ouvir isso, Yuzhu ao lado sorriu:

— Senhora princesa, esta serva tem boca doce, por isso a senhora deveria gostar mais de mim.

— Ai, dói, dói! Eu amo vocês, minhas pequenas lindas — Ban Hua agarrou as mãos das duas e brincou. — Não sei quais dois fedelhos vão tirar proveito de mim e casar com essas duas belezinhas da minha família no futuro.

— Princesa, os escravos não querem sentir cheiro de homem, os escravos só querem ficar ao seu lado e servi-la.

Do lado de fora da porta, Rong Xia, membro do bando dos “homens fedidos”, olhava para a esposa abraçando para cá e para lá com uma expressão complicada, sentindo-se como a parceira original que descobriu que o marido andava “cheirando outras flores” e não tinha razão para despejar seu despeito.

— Huahua — Rong Xia bateu na porta, interrompendo a diversão de Ban Hua com as criadas —. Já está na hora de nos prepararmos para sair.

Ban Hua virou a cabeça e viu que Rong Xia vestia roupas simples de tecido áspero cinza, e o cabelo preso por uma faixa de pano trançado. A única coisa que destoava daquele visual era o rosto claro e o pescoço suculento dele. Não conseguiu evitar que seus olhos se aquecessem. Se Rong Xia fosse mesmo uma pessoa comum e aparecesse assim diante de mim, talvez eu não resistisse a mantê-lo cativo.

Ela se levantou e caminhou até Rong Xia, segurando sua mão:

— Então vamos.

Rong Xia lançou um meio sorriso para Ruyi, Yuzhu e as outras criadas:

— A relação da Huahua com elas é realmente boa.

— Pode ficar tranquila, meu amor, a pessoa que eu mais amo será sempre você.

Rong Xia olhou para Ban Hua com olhos ardentes:

— Seria ainda melhor se essa frase fosse “Eu te amo para sempre mais que tudo.”

Ban Hua piscou e assumiu a expressão inocente de sempre.

— Você não vai contar? — Rong Xia estendeu a mão e tocou sua bochecha. — Então eu conto para você.

— Contar o quê?

— Que sempre só vou amar você.

Ban Hua hesitou por um instante, virou a cabeça para Rong Xia e se perdeu em seus olhos sem fundo. Os olhos de algumas pessoas são a existência mais encantadora do mundo. Ban Hua sentiu que o que via não era um par de olhos, mas um céu estrelado vasto e ofuscante. A paisagem lá dentro era bonita demais, nebulosa demais, e ela não conseguia entender tudo.

Desviando o olhar, Ban Hua sorriu, seus cílios delicados parecendo névoa da manhã.

Rong Xia apertou sua mão e a conduziu para dentro da carruagem.

— Rong Xia — Ban Hua levantou a cortina e olhou para a capital movimentada do lado de fora —, veja lá fora.

Rong Xia inclinou-se para perto de Ban Hua e olhou para a paisagem pela janela, mas, além dos pedestres, restaurantes e lojas que passavam, não havia nada especial.

— Está bonito?

Rong Xia se virou para Ban Hua, com a expressão calma, hesitou entre um sim ou não, mas acabou perguntando honestamente:

— O que está bonito?

— A prosperidade da capital.

A carruagem onde estavam era muito luxuosa e chamava atenção das pessoas. Ban Hua viu inveja, ciúmes e mais admiração em seus rostos. Porque sabem que, mesmo que sejam pobres a vida toda, jamais viverão uma vida tão bela.

Rong Xia estendeu a palma da mão e entrelaçou os dedos com os de Ban Hua:

— Vou fazer você ver a prosperidade da sua vida, confie em mim.

As pálpebras de Ban Hua tremeram levemente, e ela virou a cabeça devagar para Rong Xia:

— Uma vida toda?

— Sim, para sempre, para sempre — Rong Xia sorriu para ela —. Você gosta da prosperidade da capital, então vamos mantê-la o máximo possível, combinado?

Ban Hua não respondeu nem sim nem não, olhou para o queixo delicado e perfeito de Rong Xia e, de repente, perguntou:

— Você gosta de usar roupas pretas?

Rong Xia encarou os olhos de Ban Hua e, depois de um tempo, disse:

— Você gosta de me ver usando roupas pretas?

— Eu prefiro suas roupas pela metade, ou que você não use nada — Ban Hua sorriu de modo ambíguo.

— Huahua — Rong Xia respirou fundo algumas vezes, controlando a secura que subia no peito —. Se continuar falando assim, acho que vou perder a compostura hoje.

— Vossa Majestade não vai aparecer hoje — Ban Hua o beijou no queixo e o afastou com um sorriso —. Você é um cavalheiro, não faça nada rude.

Rong Xia sorriu amargamente. Com uma diabinha dessas ao lado, que cavalheiro ele seria?

— Mestre Hou, Yutian chegou.

Rong Xia levantou a cortina e desceu, depois se virou para ajudar Ban Hua, que estava em um banquinho alto, quase uma cabeça mais alta que ele. Ela olhou para baixo, parecendo um pequeno pavão orgulhoso:

— Eu prometo a você.

Rong Xia congelou, depois sorriu radiante.

— Cheng’an... — Yao Peiji viu a carruagem da mansão do Marquês Cheng’an parar e estava prestes a cumprimentá-los, mas ao ver o Marquês e a princesa Fule trocando olhares e sorrisos carinhosos, ele, um meio-velho, sentiu-se meio sem jeito de interromper. Passou a mão no rosto, virou-se e fingiu não ter visto nada.

— Yao Shangshu — Liu Banshan se aproximou e o saudou —. O que está fazendo parado aqui?

Yao Peiji tossiu seco e mostrou meio cumprimento a Liu Banshan:

— O velho só está dando uma olhada ao redor, só isso.

Percebendo que havia algo estranho em sua expressão, Liu Banshan olhou para os lados e viu Cheng Anhou descendo do banquinho com a ajuda da princesa Fule. Cheng Anhou parecia cauteloso, como se segurasse um tesouro.

Depois que a princesa Fule saltou da carruagem, disse algo que fez o sorriso de Cheng Anhou não desaparecer.

Liu Banshan e Yao Peiji ficaram num canto por quase um incenso inteiro até Rong Xia notar que estavam ali. Ele pegou a mão de Ban Hua e caminhou até os dois. Após se cumprimentarem, Rong Xia perguntou:

— Onde estão as esposas dos dois senhores?

— Zhuo Jing não está bem, deixei ela descansar na residência — Yao Peiji olhou para Liu Banshan —. A senhora Ling deveria vir?

Liu Banshan sabia que o Marquês Cheng An estava preocupado que a princesa Fule ficasse entediada sozinha e queria alguém para acompanhá-la, então disse:

— Zhuojing chegará em breve, só peçam um pouco de paciência.

Não muito longe, Ban Hua viu uma mulher sorridente, levemente rechonchuda, se aproximando. Ela lançou um olhar para a figura magra de Liu Banshan. Era curioso que fossem marido e mulher.

A senhora Liu era uma pessoa muito gentil. Seu status não era dos mais altos, mas diante de Ban Hua, não se mostrava bajuladora. Os familiares femininos estavam separados dos homens. A senhora Liu levou Ban Hua até o local onde as mulheres aguardavam a chegada do Santo Lavrador e então explicou em voz baixa o que deveriam fazer durante o Festival do Plantio.

Embora essa senhora Liu fosse muito atenciosa e nada bajuladora, depois de um tempo convivendo com ela, ainda se sentia que ela era excessivamente respeitosa com Ban Hua, ou a valorizava demais.

Apesar de Liu Banshan ser apenas o jovem ministro do Templo Dali, com posto inferior ao dela e de Rong Xia, a senhora Liu não demonstrava tanto respeito a ele.

Depois de esperar cerca de meia hora, finalmente chegaram o príncipe e a princesa. Ao descerem da luxuosa carruagem do príncipe, estavam vestidos como agricultores, e a princesa ainda segurava uma cesta de vime na mão.

Um oficial da corte ao lado dele lhe lembrava o que o príncipe precisava fazer e a que cuidados tomar. O restante dos cortesãos e das esposas permaneciam respeitosamente em pé. Só depois que o príncipe e a concubina se movimentaram, os demais os seguiram, tentando aparentar grande entusiasmo.

Pisando no solo macio, Ban Hua percebeu que toda a terra havia sido revolvida, sem uma única erva daninha ou pedra maior que um polegar. Aquele terreno não parecia terra comum. A área ao redor da residência da família Ban pertencia à própria família Ban. Quando estava livre, ela costumava brincar com o pai e o irmão e, por isso, já tinha visto muitas cenas de agricultores trabalhando. O solo nunca era tão macio, e ervas daninhas, pedras e galhos secos eram comuns.

Parecia tudo uma encenação.

Ban Hua lançou as sementes que segurava nas covas cavadas, três ou quatro em cada uma, confiando ao destino se iriam crescer ou morrer.

Suas mãos e pés se moveram rapidamente, e ela plantou uma fileira em pouco tempo. Ao se virar, viu que as outras esposas estavam muito atrás dela. Olhou para as sementes na cesta de bambu em sua cintura e virou a cabeça para o pequeno eunuco ao lado:

— Eu fiz mais rápido?

Parece que suspeitavam que ela não fosse sociável, embora ela nem fosse muito sociável originalmente.

— É ótimo que a princesa tenha mãos e pés ágeis — o pequeno eunuco riu secamente. — Para ele, isso é questão de fazer algo casualmente. Mesmo que esses nobres apenas joguem uma ou duas sementes para plantar, o povo lá embaixo complementa o resto e garante que a colheita cresça melhor que a dos outros.

Ele também não esperava que a princesa Fule fosse tão ágil com as mãos e pés, e que a postura dela ao lançar sementes tivesse tanto charme. Como eunuco simples do enviado, ele não ousava interromper o interesse da princesa Fule em lançar sementes, apenas a seguia honestamente.

Ban Hua endireitou-se, olhou ao redor e viu Rong Xia afofando a terra à distância, embora achasse que o solo estava tão macio que parecia ter sido revolvido inúmeras vezes.

— Princesa — a senhora Liu aproximou-se —, está cansada? Se estiver, venha descansar.

Um abrigo para descanso já havia sido montado ao lado da lavoura. De fora, não parecia muito vistoso, mas dentro havia mesas, cadeiras, almofadas, melões, frutas e petiscos.

Ban Hua lavou as mãos e entrou no abrigo. Quando as outras esposas a viram, todas se levantaram para cumprimentá-la. Ban Hua levantou a mão e disse:

— Não precisam ser tão formais, sentem-se.

— A princesa é tão incrível, já trabalhou tanto — gabou-se uma senhora —. Fico realmente com inveja ao ver isso.

— Não há nada para invejar — respondeu Ban Hua —. Venho de uma família de generais, então não é de se espantar que eu seja mais forte que vocês.

Quando os outros ouviram as palavras, elogiaram os ancestrais da família Ban, como seguiram o Taizu para conquistar o mundo e defenderam as fronteiras da grande causa.

As criadas entraram para servir o chá, e a criada que servia Ban Hua sacudiu a mão, fazendo o chá transbordar pela borda da xícara e respingar na mesa.

— Princesa, perdoe a falha, perdoe a falha — disse a criada, com voz trêmula.

Vendo que a dama da corte tinha apenas treze ou quatorze anos, Ban Hua entregou-lhe um lenço e disse:

— Cuidado para não se queimar.

— Obrigada, princesa. — A criada segurou o lenço e não o usou para limpar o dorso das mãos, mas despejou o chá original da xícara, pegou mais chá e encheu a xícara de novo.

— Princesa, beba com calma, a criada vai se retirar. — A pequena criada apertou o lenço, limpou a água da mesa com a manga e saiu apressada.

Ban Hua pegou a xícara de chá, deu um gole e a colocou de volta.

115

— Senhora Liu sentou-se ao lado de Ban Hua e sussurrou em seu ouvido:

— O chá daqui não é muito bom. Uma vez eu disse que, como filho do dragão e da fênix, não se deve se entregar aos prazeres. Por isso, Yutian mandou preparar esse chá amargo e adstringente, no máximo serve para matar a sede.

Ban Hua percebeu que as outras esposas estavam um tanto constrangidas, mas ainda assim tomaram alguns goles do chá para demonstrar sua disposição em compartilhar os infortúnios do povo.

— Esse chá... — Ban Hua pegou a xícara, levou-a até o nariz e aspirou suavemente — ainda está úmido?

— Úmido? — Senhora Liu riu —. Embora o chá seja ruim, os criados não ousariam servir folhas úmidas.

Ban Hua olhou para o líquido pardo na xícara em sua mão, levou um gole à boca e logo em seguida a colocou de volta sobre a mesa. O sabor era simplesmente repugnante. Pegou o lenço que Ruyi lhe estendia e cuspiu discretamente o chá ali mesmo.

Nesse momento, a princesa herdeira entrou. Todas as parentes femininas se levantaram para cumprimentá-la. Com o rosto suado, ela disse:

— Por favor, sentem-se. Não precisam de tantas formalidades.

Ela tomou alguns goles do chá, sem qualquer expressão de desgosto no rosto. Não se sabia se estava de fato com sede ou se apenas atuava muito bem.

Mas, pelos gestos e postura, era uma princesa herdeira exemplar.

As mulheres se sentaram novamente, e a princesa herdeira sorriu para Ban Hua:

— É a primeira vez que a princesa Fule vem. Está se acostumando bem?

— Agradeço a preocupação de Vossa Alteza — respondeu Ban Hua, sentindo a garganta queimar. Balançou a cabeça —. Está tudo bem.

A princesa herdeira viu que o chá na xícara de Ban Hua mal havia sido tocado e concluiu que a princesa, acostumada a ser mimada desde criança, não suportava o menor desconforto. Mas como o príncipe agora pretendia se aproximar do Marquês Cheng’an, ela precisava protegê-la:

— Vi que plantou uma fileira inteira de sementes sozinha. Tenha cuidado para não se cansar.

Se não quiser beber o chá, que não beba. De todo modo, não há registradores entre as mulheres, então não tem problema tomar só um pouco d’água.

— Já está quase na hora do almoço — a princesa herdeira limpou o rosto com um lenço, as bochechas coradas pela atividade —. Vamos nos preparar para comer.

Tendo já experimentado o chá rústico, naturalmente o almoço não seria farto: meia tigela de arroz glutinoso grosso, alguns pratos de vegetais silvestres fervidos e sem gosto de carne. Mesmo alguém exigente como Ban Hua comeu um punhado daqueles vegetais amargos e com gosto de peixe, ficando ainda mais preocupada com o futuro.

A vida do povo comum realmente não é fácil. Comem coisas tão ruins, e talvez nem em quantidade suficiente.

Ao lembrar que Jiang Luo havia enviado tropas para reprimir os refugiados, causando inúmeras mortes, Ban Hua sentiu-se tão enjoada que quase vomitou.

— Princesa Fule, sei que essa comida não é boa, mas é o que o povo do mundo come. A princesa pode comer também, não é? — disse uma mulher sentada à sua frente, com tom de consolo, mas obviamente querendo provocar —. A senhora come só por uma refeição, mas há quem coma assim a vida toda.

Ban Hua a olhou. Parecia ser a meia-irmã de sua mãe, casada com um pequeno conde de quarto grau empobrecido. Ela mal podia participar de ocasiões como essa, mas por sua posição inferior, ninguém ali lhe dava importância.

Ban Hua era uma princesa de primeiro grau, titulada diretamente pelo imperador, com mesmo posto de seu pai, Ban Huai. Não perderia tempo com provocações mesquinhas de alguém como aquela Yin menor.

Ela apenas riu com desdém, lançando um olhar frio e ignorando-a por completo.

Uma dama de quarto grau ousar criticar palavras e ações de uma princesa de primeiro grau e ser ignorada — não havia vergonha maior.

A senhora Liu interveio:

— Essa senhora ali embaixo realmente sabe quanto a princesa Fule comeu? Parece que ainda não aprendeu direito as regras de etiqueta.

É o mais básico: não se deve falar demais nem encarar os superiores sem motivo. As palavras da senhora Liu deixaram claro que aquela mulher da família Yin não tinha educação alguma.

Algumas esposas riram em voz alta. Todas eram mulheres distintas, e aquelas refeições também lhes eram difíceis de engolir. Agora, ver uma desconhecida apontando o dedo para a princesa era realmente vergonhoso.

Alvo de ridículo, Xiao Yin ficou vermelha de vergonha e respondeu irritada:

— Senhora Liu, embora meu status seja humilde, ainda sou mais velha que a princesa Fule. Não é demais eu dizer umas palavras.

Ao ouvir isso, Ban Hua imediatamente fechou a cara:

— Quem você pensa que é para se comparar à minha família? Se não tem vergonha na cara, então suma daqui!

Muita gente conhecia os desentendimentos entre a senhora Jingting e sua família natal. Ela não voltava para casa há anos, e por causa das abominações cometidas pelos Yin, ninguém ousava dizer que ela era filha ingrata — no máximo riam dela pelas costas por não tratar bem a filha mais velha, a ponto de nem conseguir se apoiar nela agora.

Ban Hua humilhou tanto Xiao Yin que esta quis retrucar, mas a princesa herdeira, sentada ao alto, disse:

— Esta senhora não está se sentindo bem. Arranjem alguém para acompanhá-la para fora.

— Princesa herdeira... — Xiao Yin olhou surpresa.

A princesa apenas limpou a boca com calma:

— Não precisa dizer mais nada. Pode se retirar.

Com o corpo tremendo, Xiao Yin virou-se e foi “convidada” a sair por duas funcionárias.

A família Yin não andava bem nos últimos anos, principalmente porque o senhor Jingting e os nobres próximos a ele haviam feito questão de dificultar a vida de seus descendentes — especialmente dos filhos das madrastas. Estavam em situação pior do que os filhos das concubinas.

Ela estava indignada, mas o favor imperial sobre a família Ban era profundo. E quanto à família Yin? Mesmo tentando se reconciliar com a família Ban, sua irmã mais velha não lhes dava a mínima, nem sequer os deixava entrar pela porta.

— A princesa Fule parece pálida, está se sentindo mal? — após mandar Xiao Yin embora, a princesa herdeira olhou para Ban Hua, cujo rosto estava branco e os lábios escurecidos, e apressou-se —. Vou mandar chamar o médico imperial agora mesmo.

— Não é necessário — Ban Hua balançou a cabeça. — Eu só...

Ela parou por um instante — e então cuspiu uma golfada de sangue escuro.

— Princesa! — Senhora Liu não conseguiu mais manter o sorriso no rosto e segurou Ban Hua em pânico. — O que está acontecendo com você?

Ban Hua limpou o canto dos lábios com o dorso da mão — agora manchada de sangue. Ela cobriu o peito em chamas, atordoada por uma sensação de profunda indignação.

Hoje não estou usando maquiagem, nem roupas ou joias vistosas. Não posso morrer assim, de forma tão apagada. Se for para morrer... quero estar vestida com a Hua Qun, a maquiagem mais bela, adornada com joias que todas as mulheres do mundo invejam. Só assim minha morte não terá sido em vão.

Não aceito isso!

Eu não quero morrer!

— Depressa! Chamem imediatamente o médico imperial! Chamem todos! — A voz da princesa herdeira tremia. Ela era responsável pelas comidas e bebidas das damas. Se algo acontecesse com a princesa Fule, mesmo com mil explicações não poderia se livrar da culpa.

— Coloquem os guardas imperiais para vigiar este lugar agora mesmo! Ninguém pode sair. Todas as servas e eunucos devem ser rigorosamente investigados! — A princesa cerrou os dentes, tomada pelo ódio. — Com tantas damas presentes, seria menos grave que qualquer outra sofresse um acidente... menos a princesa Fule. Não podemos deixar ninguém suspeito escapar!

As outras mulheres também estavam apavoradas. No dia a dia, no máximo trocavam farpas ou palavras maldosas, mas envenenar alguém? Isso ia além de tudo. Ao verem o rosto pálido e o sangue na boca de Ban Hua, algumas, mais sensíveis, soltaram gritos de pavor.

O príncipe estava jantando com os cortesãos quando ouviu os gritos vindos do pavilhão das mulheres — e até o barulho dos guardas imperiais se movendo. Chamou imediatamente um dos eunucos:

— Vá ver o que houve com a princesa!

A princesa herdeira era alguém de temperamento estável. Ela jamais mobilizaria os guardas imperiais por qualquer coisa. Algo grave havia acontecido.

— Relato urgente! — Um eunuco correu até onde estavam, pálido e tremendo. Antes mesmo de olhar os presentes, ajoelhou-se com força:

— Alteza! A princesa Fule foi envenenada!

— O que você disse?! — Rong Xia se levantou de súbito, virando a pequena mesa à sua frente. A comida espalhou-se pelo chão.

— A princesa Fule foi envenenada. Todos os médicos imperiais foram convocados para...

Rong Xia sentiu um zumbido ensurdecedor nos ouvidos. Empurrou os oficiais que tentaram consolá-lo e saiu correndo do salão.

Os demais se entreolharam, primeiro chocados, depois apavorados. O veneno estava no chá servido a todos — se o alvo fosse outro, poderiam estar mortos naquele instante.

— Príncipe... — Um ministro tentou impedir que o príncipe saísse também, mas ele não respondeu. Apenas foi atrás.

— Vice-comandante Shi, aconteceu uma tragédia — disse o comandante Yang, aproximando-se de Shi Jin. — A princesa Fule sofreu um atentado. A princesa herdeira ordenou que cercássemos Yutian imediatamente e impedíssemos qualquer um de sair.

— Quem sofreu um atentado? — Shi Jin apertou o punho na empunhadura da espada, os maxilares trincados. — Quem?!

O comandante Yang estranhou a reação:

— Foi a esposa do Marquês de Cheng An... a princesa Fule.

Shi Jin fez uma breve saudação silenciosa e virou-se, caminhando em direção ao pavilhão das mulheres. Yang gritou:

— Shi Jin, pra onde está indo?

Shi Jin o ignorou e seguiu em frente, sem olhar para trás.

— Ei... — O comandante Yang franziu o cenho, notando algo estranho. Por que ele está tão abalado?

Antes de chegar muito longe, Shi Jin viu Rong Xia correndo desesperado à distância. Aquele homem sempre tão contido agora parecia um cão perdido, sem qualquer imagem digna.

Ele parou e viu Rong Xia tropeçar e cair, levantar-se coberto de poeira e continuar correndo sem se importar com o cabelo despenteado ou a roupa suja. Corria como se não houvesse mais nada no mundo além de Ban Hua.

— Vice-comandante Shi? — Yang o alcançou. — O que houve com você?

— Nada. — Shi Jin desviou o olhar e respondeu com frieza: — Vou organizar os guardas imperiais para cercar o local.

O comandante Yang olhou para as costas rígidas de Shi Jin, depois para o pavilhão das mulheres, e franziu o cenho, pensativo.

Rong Xia entrou como um furacão no salão onde estavam as mulheres e viu Ban Hua deitada em um divã improvisado, com um médico imperial tentando dar-lhe uma tigela de remédio escuro.

Mas bastaram alguns goles e Ban Hua vomitou — não apenas a poção amarga, mas também uma grande quantidade de sangue.

— Marquês de Cheng An... — A princesa herdeira viu Rong Xia entrar e tentou dizer algo para confortá-lo, mas bastou que ele a fitasse para que um arrepio gelado subisse dos pés até o peito dela. Tremendo, não ousou mais abrir a boca.

— Huahua... — Rong Xia se aproximou, pegou a mão dela — estava fria como gelo. Levou os dedos até o nariz de Ban Hua, certificando-se de que ainda respirava. Então apertou a mão dela, tremendo. Ban Hua cobria o peito, os olhos avermelhados, e olhou o médico imperial:

— Como está a princesa?

— Marquês... estou tentando provocar o vômito... talvez... — O médico hesitou. Queria dizer que talvez houvesse esperança, mas ao ver os olhos vermelhos de Rong Xia, engoliu o resto das palavras.

— Continue.

— O quê?

— Eu disse para continuar provocando o vômito.

Havia um brilho úmido nos olhos de Rong Xia, mas o médico não ousou encará-lo. Pegou novamente a tigela de remédio e tentou levar à boca da princesa. Mas uma pessoa inconsciente não conseguiria engolir nada. Poderia até usar um funil, mas sendo ela tão estimada por Sua Majestade, se ousasse fazer isso, seria expulso do Hospital Imperial no dia seguinte.

— Eu mesmo farei. — Rong Xia arrancou a tigela das mãos do médico, pegou Ban Hua nos braços, tomou um grande gole do remédio de gosto estranho e, em seguida, inclinou-se para passar o líquido diretamente da própria boca para a dela.

As parentes femininas ao redor desviaram o olhar, constrangidas, mas não conseguiram evitar lançar alguns olhares furtivos.

Um gole, dois goles, três goles.

Ban Hua, ainda inconsciente, franziu o cenho e, após cuspir algumas golfadas da infusão marrom-escura, vomitou sangue em profusão. No começo, o sangue era de um vermelho escuro, mas aos poucos, foi adquirindo uma coloração mais normal.

Rong Xia fixou o olhar no sangue no recipiente, as mãos tremendo cada vez mais, a ponto de quase deixar a tigela de remédio cair.

— Hou Ye, vai ficar tudo bem — disse o médico imperial, observando a cor do sangue. — O estômago da princesa já está praticamente limpo. Pela minha avaliação, embora o veneno seja muito forte, a quantidade que a princesa ingeriu foi muito pequena. Por isso, ainda temos chance de salvá-la.

O príncipe se virou e perguntou aos outros médicos imperiais:

— Descobriram que veneno foi usado contra a princesa?

— Em resposta à Alteza, encontramos uma pequena quantidade de Artemisia spp. na xícara usada pela princesa Fule.

— Artemísia sobre a neve? — O príncipe pareceu achar bonito o nome. — Que tipo de substância é essa?

— Também é conhecida pelo nome comum de acônito. Originalmente, é usada como remédio para contusões, mas se ingerida, é altamente tóxica. Como a princesa Fule tomou apenas uma pequena quantidade, não deve estar em perigo.

O que o médico imperial mais não compreendia era o seguinte: se alguém pretendia envenenar outra pessoa, por que usar uma dose tão pequena?

Embora o acônito fosse perigoso, se a dose fosse baixa e o vômito induzido a tempo, não haveria risco de morte.

— Lembrei de algo — disse de repente a senhora Liu. — Quando uma criada trouxe o chá para a princesa, acabou derramando um pouco, e a princesa lhe ofereceu um lenço. A criada então trocou o chá e serviu uma nova xícara para a princesa...

Ou seja, o chá original estava fortemente envenenado, mas a criada derramou aquele primeiro e trouxe uma nova xícara. Assim, a quantidade de veneno ingerida pela princesa foi muito menor.

Quem quer que planejasse matar alguém, já teria treinado essa habilidade: uma única dose bastava. Mesmo que a princesa fosse exigente, por cortesia ela tomaria um gole — e esse único gole bastaria para matá-la. O inesperado foi a criada ter servido outro chá.

Seria uma coincidência, ou será que a criada se arrependeu no último instante e salvou a vida da princesa Fule?

— Tragam essa criada aqui — ordenou o príncipe, lançando um olhar a Rong Xia, que ainda segurava Ban Hua. Se não der uma explicação clara ao Marquês de Cheng An e à família Ban, como poderei encará-los no futuro?

Desde o incidente com Ban Hua, a princesa herdeira já havia mandado isolar todas as criadas e eunucos. Nem mesmo se quisessem cometer suicídio, teriam chance. Agora que o príncipe queria interrogar alguém, a criada foi rapidamente trazida.

— Qual o seu nome? — perguntou o príncipe, vendo que ela ainda era muito jovem, com traços infantis. — Por que envenenou a princesa Fule?

— Esta serva... esta serva se chama Xiaoyu — a jovem criada se ajoelhou diante do leito onde Ban Hua jazia. — Sei que é crime capital, e aceito a punição.

— Quem foi que a instigou? — perguntou a princesa herdeira. — Que tipo de ódio poderia uma criada sentir pela princesa, para desejar sua morte?

A criada balançou a cabeça:

— A princesa é uma boa pessoa.

A princesa franziu os lábios num sorriso frio:

— Se ela é uma boa pessoa, por que você a envenenou?

A jovem apenas balançou a cabeça novamente.

— Estou em dívida com a princesa Fule. Espero poder retribuir sua bondade na próxima vida.

Assim que terminou de falar, ela se levantou bruscamente e se lançou na direção de um guarda que já havia sacado a espada. Du Jiu a conteve no mesmo instante.

— Acha que morrer vai resolver tudo? — A princesa olhou friamente para a criada. — Sua família, seus parentes, seus conterrâneos, todos podem ser implicados por causa disso. Se eu fosse você, contaria logo quem está por trás. Ao menos evitaria que inocentes pagassem por isso.

A jovem tremia dos ombros à cintura e lançou um olhar cauteloso ao príncipe e à princesa:

— Não tenho nada a dizer.

— Nesse caso, levem-na...

— Alteza — disse Rong Xia, interrompendo de repente. Seus olhos estavam vermelhos — como se tivesse chorado, ou como se houvesse acalmado após um acesso de fúria. — Permita-me trocar algumas palavras com ela.

— Por favor, Marquês de Cheng An — disse o príncipe, desviando o olhar, sentindo-se profundamente culpado com Rong Xia e Ban Hua.

— Sei que alguém importante para você foi ameaçado — disse Rong Xia, fitando a jovem criada que tremia de joelhos no chão. — Por isso, você não ousa revelar quem está por trás disso. Mas suspeito que seu alvo não era apenas a princesa Fule. O príncipe e a princesa herdeira também estavam na mira. Se ousa cometer um crime que condena até nove gerações de uma família, deveria ter coragem de arcar com as consequências.

— Senhor Marquês! — exclamou a jovem criada. — Essa ação foi só minha, não envolve ninguém mais. Peço ao senhor que perdoe os outros!

Rong Xia riu com desprezo:

— Se eu te poupar, quem vai devolver a dor que Huahua sofreu hoje?

A criada se prostrou com força:

— Estou disposta a pagar com a vida.

— Não me importo com a sua vida — respondeu Rong Xia, voltando o olhar para Ban Hua, deitada no divã. O rosto dela estava pálido, sem o mínimo sinal de vida, e até os lábios antes rosados estavam esbranquiçados.

Seu coração ardia de ódio, mas sua mente permanecia fria — o que até o surpreendia.

O que mais detestava era não ter sido bom o suficiente, não ter protegido Huahua. Por sua falha, ela sofrera tanto... quase perdera a vida.

A princesa herdeira notou a intenção assassina no olhar de Rong Xia. Sabia que o caso nada tinha a ver com ela, mas ainda assim não conseguia conter o medo.

— Príncipe... — ela se virou para o marido, esperando que ele dissesse algo para desfazer o clima, mas o príncipe apenas balançou levemente a cabeça. Ele já decidira deixar a iniciativa nas mãos de Rong Xia.

Em seguida, olhou para as outras mulheres e ordenou que todas se retirassem.

— Não tenho nenhum parente próximo — disse Rong Xia, segurando a mão de Ban Hua. A voz era calma. — Huahua é tudo o que tenho. Se a ferirem... não esperem de mim nenhuma piedade. Não importa se foi por necessidade ou por coação. Isso não tem nada a ver comigo.

— Eu só quero a morte dos seus nove clãs.

— Du Jiu — chamou Rong Xia, olhando para os guardas —, vá imediatamente descobrir quem tem ligação com essa criada, quem é próximo da sua família, e prenda qualquer um que pareça suspeito. Suspeito que ela esteja em conluio com facções rebeldes, conspirando contra a família imperial.

— Sim, senhor.

— O Marquês é bondoso, o Marquês é generoso... — a jovem criada batia a cabeça no chão diante de Rong Xia sem parar.

Toque. Toque. Toque.

Logo, sangue começou a escorrer de sua testa. O príncipe, vendo aquilo, ficou com pena e virou o rosto, querendo interceder — mas, ao ver o modo como Rong Xia olhava para Ban Hua, acabou não dizendo nada.

Nunca tinha visto Rong Xia olhar alguém daquela forma. Tinha a sensação de que, se Ban Hua partisse daquele jeito, Rong Xia certamente enlouqueceria.

— Pare de se prostrar — disse Rong Xia friamente, limpando com cuidado o sangue nos lábios de Ban Hua com um lenço. — Vai incomodar o descanso de Huahua. Se quiser morrer, vá lá fora. Sua vida ou morte não importa. E você não irá sozinha... mandarei seus parentes e amigos fazerem companhia.

O Marquês de Cheng An enlouqueceu?

A princesa herdeira olhava Rong Xia, incrédula. Isso é algo que um cavalheiro diria?

Ban Hua era mesmo tão importante? A ponto de fazê-lo abandonar todos os princípios de moralidade, jogar fora sua reputação, sua postura, e até sua dignidade — e fazer tudo isso contra uma simples criada do palácio?

Mas ela não duvidava daquelas palavras. Por alguma razão, sentia que se a criada não dissesse a verdade, Rong Xia de fato arrastaria todos os seus familiares para o inferno com ela.

Lágrimas de uma beleza, túmulo de um herói... No fim, Cheng Anhou ainda era um homem. E nem mesmo os homens escapam da tentação da beleza.

Ele foi tão enfeitiçado por Ban Hua que jogou fora a si mesmo.

Talvez fosse por isso que a princesa herdeira nunca gostou de Ban Hua. Ela não odiava mulheres mais belas que ela — a capital estava cheia de beldades. Se fosse sentir inveja, não conseguiria viver.

Mas Ban Hua era diferente. Linda demais, deslumbrante demais. Mesmo que não fosse uma feiticeira que traz desgraça ao reino, seria uma mulher inquieta, incapaz de viver em paz.

A princesa herdeira não gostava de mulheres assim — nem mesmo da própria cunhada, a Princesa Anle, por quem também nutria certa aversão.

Na sua visão, Ban Hua era igual à princesa Anle: vivia uma vida leviana e agitada, como se o mundo ao redor não importasse. E ver Cheng Anhou apaixonado por ela daquele jeito... era incompreensível. Como o sol surgindo de repente em um dia de tempestade.

Havia tantas mulheres boas no mundo, tantas belas e talentosas. Que demônio enfeitiçou Cheng Anhou para fazê-lo se perder por uma mulher como essa?

— Marquês de Cheng An — não resistiu e disse a princesa herdeira —, de que adianta forçá-la assim? Por que não envia alguém para investigar com calma quem ela tem frequentado? A verdade sempre vem à tona.

— Eu não posso esperar — respondeu Rong Xia, lançando-lhe um olhar frio. — Huahua é minha esposa. A princesa herdeira não entende o quanto ela significa para mim. Eu não peço nada, apenas que o príncipe não interfira na minha decisão.

A princesa herdeira empalideceu.

— Marquês de Cheng An, o que quer dizer com isso?

O que ele quer dizer...?

O amor, no fim, sempre esbarra nos interesses. Seria uma provocação quanto à sua relação fria com o príncipe? Seria um insulto velado?

Rong Xia a ignorou. Enrolou Ban Hua em um cobertor fino, segurou-a com cuidado nos braços, virou-se e saiu do aposento.

— Marquês de Cheng An... — chamou o príncipe, levantando-se. — Para onde está levando a moça Hua?

— Huahua gosta de camas mais macias. Estou levando-a de volta para casa, para que possa se recuperar em paz — respondeu Rong Xia, fazendo uma leve reverência. — Perdoe-me por não prestar-lhe as devidas saudações.

O príncipe balançou a cabeça, suspirou e disse:

— Mandarei chamar o médico imperial para ir até sua residência imediatamente.

— Agradeço, Príncipe.

— Não precisa agradecer — disse o príncipe. — Hua Yatou é minha prima. Vê-la assim me deixa muito mal.

A princesa herdeira sentiu-se vazia. Fora humilhada por um marquês, e o príncipe, em vez de defendê-la, ainda mostrava preocupação com uma prima distante.

Quando foi que nossa relação esfriou tanto?

Lembrava-se nitidamente: no começo do casamento, o príncipe era gentil com ela. Sempre sorridente, respeitoso, atento.

Seria porque... ela não conseguiu lhe dar um filho?

Rong Xia saiu do aposento carregando Ban Hua nos braços — e, ao levantar o rosto, seus olhos encontraram os de Shi Jin, que vigiava do lado de fora.

Um vento frio soprou, fazendo voar os cabelos soltos de Rong Xia.




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