Capítulo 12: Magia


 Jiang Shaocai cutucou mais uma vez a cabeça da Serpente Solar Sangrenta. Ao perceber o olhar de Mu Yungui, ergueu as sobrancelhas e perguntou:

— Que tipo de olhar é esse?

Mu Yungui ficou sem palavras. Desde que o Castigo Celestial caíra e a energia demoníaca se espalhara pelo mundo, as bestas demoníacas haviam se tornado um pesadelo compartilhado pelos cultivadores. Os humanos nutriam sentimentos complexos em relação a essas criaturas: repulsa, medo, evasão e até certo fascínio — mas ninguém jamais parara para pensar se a carne delas podia ser comida.

Isso é... ridículo, pensou Mu Yungui, boquiaberta diante da pergunta.

Mas Jiang Shaocai mantinha uma expressão séria, como se ponderasse profundamente sobre o assunto, sem um pingo de brincadeira. Isso tornava tudo ainda mais preocupante. Mu Yungui começou a temer pela sanidade mental dele. Suspirou e respondeu:

— A energia demoníaca contamina o qi espiritual. Cultivadores não devem ter contato com ela. Em outras palavras, a energia demoníaca é o qi corrompido dessas bestas. Embora eu nunca tenha tentado, não acredito que comer isso seja possível.

Jiang Shaocai não disse nada. O galho em sua mão pareceu tocar algo. Ajoelhou-se, fincando-o em algum ponto, e de repente estendeu a mão para Mu Yungui:

— Me dá a adaga.

Mu Yungui, por estar caçando, trazia todas as armas necessárias, incluindo uma adaga presa à cintura. Sem saber o que ele pretendia, ela pousou a mão sobre o cabo e hesitou:

— O que você vai fazer?

— Que enrolação. — Jiang Shaocai estendeu o braço, pressionou os dedos sobre o dorso da mão de Mu Yungui e, com um movimento brusco, arrancou a adaga dela. Seus dedos eram longos e quentes, com calos finos nas pontas. Ele pressionou um ponto em seu pulso — não se sabe qual — e Mu Yungui, sem querer, relaxou a mão, deixando a arma cair. Jiang Shaocai a pegou antes mesmo que ela entendesse o que havia acontecido. A adaga girou algumas vezes entre os dedos dele antes de ser empunhada com firmeza e cravada com força nos ossos da serpente.

A cabeça da Serpente Solar Sangrenta estava destroçada, cheia de carne dilacerada e escamas reviradas, com diversos ossos partidos visíveis entre o sangue. Mas a adaga, nas mãos de Jiang Shaocai, parecia ter olhos: cortava as escamas e separava os ossos com fluidez. As órbitas da serpente eram buracos negros, e o único olho restante — verde e turvo, com vasos de sangue explodidos — fitava Jiang Shaocai fixamente. Mas ele não se importava, e continuava o trabalho sem hesitar.

Mu Yungui olhou para o pedaço de escama que ela mesma havia arrancado e, depois, para o trabalho de Jiang Shaocai. Um sentimento complicado a invadiu. Como alguém pode ser tão hábil em dissecar cadáveres? Isso é assustador...

Jiang Shaocai estava concentrado na ponta da lâmina, e Mu Yungui raramente o vira com uma expressão tão séria desde que o havia despertado do gelo. Naquele momento, ele parecia uma pessoa completamente diferente do jovem impulsivo de sempre, o que a deixou surpresa.

A ponta da adaga finalmente cavou algo no meio de tanto sangue: um cristal marrom-esverdeado apareceu. Jiang Shaocai o pegou com os dedos, girando-o à luz do sol.

O cristal era translúcido, brilhando sob a luz. Mas, sob essa beleza, estavam as mãos ensanguentadas de Jiang Shaocai. Seus dedos, longos e bem proporcionados, agora cobertos de sangue, deixavam escorrer filetes rubros, compondo uma cena de beleza brutal.

Mu Yungui não sabia se olhava para o cristal ou para as mãos dele. Ficou atônita por um momento antes de reagir:

— Essa Serpente Solar Sangrenta é apenas de Nível 3... É raro conseguir um cristal mágico tão grande assim.

Jiang Shaocai arqueou as sobrancelhas e virou-se para ela:

— Isso se chama cristal mágico?

— Sim. — Mu Yungui assentiu. — Bestas demoníacas cultivam com energia demoníaca, então às vezes formam cristais em seus corpos. Mas é raro em bestas de Nível 2, e só um pouco mais comum em bestas de Nível 3. Poucos na ilha conseguem matar uma criatura desse nível. Eu mesma só tinha ouvido falar.

Jiang Shaocai fitou o cristal, pensativo. A energia dentro dele era densa, e sua pureza quase se comparava à de uma pedra espiritual de nível médio. Mu Yungui pareceu perceber suas intenções e rapidamente alertou:

— Isso não pode ser usado. Apesar de parecer bonito, o cristal está carregado de energia demoníaca. É nocivo aos cultivadores. Nem mesmo como enfeite serve.

Jiang Shaocai soltou um resmungo, se levantou e girou a adaga entre os dedos enquanto caminhava tranquilamente em direção à costa:

— Se tem energia, não existe nada que não possa ser aproveitado.

Ao ouvir isso, Mu Yungui imediatamente foi atrás dele, preocupada:

— O que você pretende? A energia demoníaca corrói o qi espiritual. Se você tiver contato por muito tempo, pode até enlouquecer.

— Eu sei. — Jiang Shaocai manteve a palma aberta, com a adaga girando nela. Aproximou-se de Mu Yungui e, antes que ela pudesse reagir, jogou a adaga direto de volta à bainha presa à cintura dela.

Mu Yungui instintivamente levou a mão à cintura, constrangida. Jiang Shaocai, por outro lado, agia com naturalidade, como se aquilo fosse a coisa mais banal do mundo. Ela quase não conseguiu retrucar, e teve que se consolar mentalmente: Deixa pra lá. O cérebro dele não funciona direito. Nem entende o básico da convivência entre homens e mulheres.

Engolindo em seco, Mu Yungui viu Jiang Shaocai continuar andando, e finalmente perguntou, sem conseguir conter-se:

— Aonde você pensa que vai?

Jiang Shaocai virou-se com uma expressão como se ela fosse idiota:

— Caçar outra besta.

Mu Yungui apontou para o monte de carne destroçada na areia, incrédula:

— A Serpente Solar Sangrenta ainda está aí. Você matou, mas não processou o corpo. Como pretende ganhar pontos depois?

Jiang Shaocai parou, confuso:

— Não dá pra guardar isso na manga?

Mu Yungui o encarou em silêncio, voltou-se sem dizer palavra. Jiang Shaocai demorou a entender, mas logo percebeu que havia falado outra bobagem.

Ele a seguiu, murmurando para si mesmo:

— Nem uma manga de universo¹... Nem mesmo um espaço de semente de mostarda²?

Mu Yungui nem quis responder. Falar com ele é como explicar a um camponês faminto por que ele não pode usar diamantes no lugar de comida.

Ela sabia que não podia contar com Jiang Shaocai. Por isso, arregaçou as mangas e começou a separar os materiais da Serpente Solar Sangrenta que pudessem ser trocados por pontos. Jiang Shaocai a observava enquanto ela jogava fora um osso da serpente, franzindo o cenho:

— Esse é o osso mais duro. Por que jogou fora?

— Está saturado de energia demoníaca. Não serve pra nada. — Mu Yungui separou os ossos restantes, menos densos e ainda aproveitáveis. — O Consulado é muito exigente. Se a aparência estiver ruim, eles não aceitam. E se a energia demoníaca for muito intensa, vão até diminuir o valor.

Jiang Shaocai ergueu as sobrancelhas com leve desdém. No mundo imortal de onde vim, quanto maior o nível da besta, mais valioso é o núcleo, os ossos e o sangue. Mas aqui... tratam o que há de mais puro como lixo e valorizam os restos fracos. São tolos ou espertos demais?

Tranquilo, Jiang Shaocai guardou o cristal mágico e pegou o osso mais valioso da besta, com naturalidade. Mu Yungui, ao notar, indagou com preocupação:

— Esses ossos não podem ser vendidos. Por que está pegando isso?

Jiang Shaocai soltou uma risadinha, sem dizer nada. Não valia dinheiro, mas, afinal, quem mandava eram aqueles idiotas da ilha.

Como não possuíam um artefato mágico espacial, os dois tiveram que voltar depois de caçarem apenas dois monstros. Foram até o Salão do Consulado para trocar seus pontos e, em seguida, pegaram o barco de volta para casa.

O mar estava majestoso, com grandes nuvens brancas flutuando no céu. O oceano e o céu se fundiam num mesmo tom azul brilhante, cegante. Mu Yungui saltou da cabine com suas roupas esvoaçando ao vento, parecendo que a qualquer momento poderia ser levada pela brisa. Ela correu morro acima, deu dois passos e acenou para quem vinha atrás:

— Anda logo, corre um pouco!

Jiang Shaocai não queria correr e continuava andando devagar. Mu Yungui, ansiosa para voltar e fazer sua lição de casa, não aguentou. Pegou a mão dele e saiu puxando-o morro acima.

Jiang Shaocai foi praticamente arrastado ladeira acima. As roupas de ambos roçavam nas flores do campo, derrubando pétalas por onde passavam. Mu Yungui finalmente conseguiu levá-lo até o topo. Fechou a porta e correu para o quarto lateral.

Jiang Shaocai continuou seguindo-a preguiçosamente, soltando um suspiro ao vê-la assim. Em todos os seus anos de vida, era a primeira vez que via alguém correndo para fazer tarefa de casa.

Mas Jiang Shaocai era diferente. Depois de se banhar e trocar de roupa, lavando o sal do corpo, deitou-se confortavelmente na sala de estar, com o cristal mágico nas costas, observando-o com atenção. Aquele tipo de pedra era muito semelhante às pedras espirituais; a diferença era que as pedras espirituais armazenavam energia espiritual, enquanto os cristais mágicos estavam cheios de energia demoníaca.

Jiang Shaocai sentiu a energia ali contida — era extremamente pura, com uma reserva considerável.

Se as pedras espirituais são minérios formados pelas dádivas naturais do céu e da terra, os cristais mágicos são a essência da energia cultivada ativamente pelas bestas demoníacas. No fundo, é tudo a mesma coisa.

Ao pensar na quantidade de monstros que havia lá fora, Jiang Shaocai sentiu pena. Uma pena que os humanos não possam usar esse tipo de energia. Caso contrário, seria um recurso extremamente prático para o cultivo.

Depois de terminar de examinar o cristal mágico, ele passou a estudar os ossos que havia trazido naquele dia. Os ossos das feras demoníacas, temperados pela energia demoníaca, eram duros e afiados — materiais ideais para forjar armas. Para refinar sua espada natal, Jiang Shaocai já havia lidado com inúmeros tesouros da natureza. Os ossos das bestas espirituais costumavam ser brancos como jade, finos e elegantes, enquanto os ossos das feras demoníacas à sua frente eram espessos e rígidos, com padrões negros se enroscando pela superfície.

Enquanto virava os ossos nas mãos, Jiang Shaocai já começava a pensar em como fabricar espadas com aqueles materiais. Embora seu osso espiritual da espada estivesse quebrado, seu instinto como cultivador da espada ainda o fazia reagir naturalmente a monstros, como se fosse puxar uma lâmina.

Ele conhecia várias receitas antigas de forjamento de espadas, e os materiais indicados nelas podiam ser adaptados. A verdadeira dúvida era se os ossos das bestas demoníacas conseguiriam suportar a energia espiritual.

Se não conseguissem, mesmo que a espada fosse feita, não serviria para nada.

Jiang Shaocai levantou a cabeça e se apoiou no braço do sofá. Naquela posição, seu pescoço parecia ainda mais esguio, com o pomo de adão delineado e se movendo suavemente com a respiração — um quadro extremamente belo.

Ele ficou deitado por um tempo, quase finalizando a nova receita de forja da espada. Mas até então, Mu Yungui ainda não havia dado sinal de vida. Jiang Shaocai começou a se incomodar. Levantou-se, colheu uma flor da árvore e a arremessou à distância, acertando Mu Yungui.

Ela estava cultivando e, de repente, sentiu algo tocá-la. Assustada, ergueu a mão por reflexo e percebeu que era uma magnólia rosada e delicada.

Mu Yungui suspirou, colocou a flor sobre a mesa ao lado e perguntou:

— O que foi agora?

Jiang Shaocai estava de pé à janela, com o rosto claro e bonito, visivelmente irritado:

— Por que está cultivando há tanto tempo?

Mu Yungui piscou, sem entender:

— Até praticar agora é errado?

Ele franziu os lábios finos, ficou em silêncio por um momento, e então disse:

— Você devia estar preparando alguma comida.

Mu Yungui olhou para o rosto sério dele e demorou a lembrar que Jiang Shaocai havia comido todos os doces da casa no dia anterior, e que ela prometera fazer mais hoje. Sem palavras, respondeu:

— Tudo isso só por causa disso? Vale mesmo interromper meu cultivo por um motivo tão trivial?

Jiang Shaocai arqueou as sobrancelhas:

Trivial?

Mu Yungui não quis discutir como se fosse uma tola. Já estava há tempo demais sentada cultivando, então resolveu se movimentar um pouco. Levantou-se e foi até a cozinha preparar os doces.

Como Jiang Shaocai comia demais, Mu Yungui escolheu um tipo de doce simples, mas em grande quantidade. Começou a amassar a massa, adicionando os ingredientes aos poucos.

Com as mãos cobertas de farinha, era difícil pegar as coisas. Estendeu a mão para a caixa de açúcar, mas antes que alcançasse, uma mão limpa a pegou e perguntou:

— Quanto você quer adicionar?

Jiang Shaocai, sem que ela percebesse, já estava ao lado. Mu Yungui pensou por um instante e disse:

— Pode colocar a gosto, você decide.

Jiang Shaocai encheu duas colheres bem grandes. Sentindo que a colher não estava dando conta, virou a caixa e começou a despejar direto.

Mu Yungui ficou assustada com aquilo e o interrompeu às pressas:

— Já tem açúcar na massa!

— Eu sei — respondeu ele, ainda derramando o açúcar impiedosamente. Seu rosto era frio e afiado, e sua voz, clara como um riacho entre pedras: — Não faz mal colocar mais. Açúcar não é caro.

Mu Yungui olhou de lado para o perfil dele, relutante em comentar:

— O açúcar realmente não é caro, mas se comer açúcar demais... pode fazer mal ao cérebro.

Jiang Shaocai a encarou, parecendo ter entendido algo de repente:

— É mesmo. Então é melhor você não comer.

As sobrancelhas de Mu Yungui se contraíram, mas ela manteve a compostura. Respirou fundo e respondeu o mais calmamente possível:

— Estou falando de você.

Jiang Shaocai a olhou surpreso, franzindo a testa:

— Além de ser lerda, você ainda pensa essas coisas?

Ele está piorando, pensou Mu Yungui, olhando o rosto bonito e delicado de Jiang Shaocai com um longo suspiro interno. Abaixou a voz e perguntou suavemente:

— Você já comeu tofu congelado?

Os olhos de Jiang Shaocai eram como obsidiana, encarando-a de cima a baixo com desconfiança. Pelo olhar dele, Mu Yungui percebeu que ele nunca tinha comido. Ela levantou um dedo coberto de farinha e tentou explicar:

— O tofu congelado parece normal, mas sua estrutura foi alterada pelo gelo. Os espaços internos se expandem, e ele nunca mais volta ao que era antes. Você também foi descongelado de uma camada de gelo, não quer prestar atenção?

Mu Yungui se esforçava para ser o mais delicada possível. Ela suspeitava que o cérebro de Jiang Shaocai havia virado um "tofu congelado". E mesmo que ele nunca tivesse provado esse tipo de tofu, já entendia a comparação.

Por um instante, Jiang Shaocai não soube como se sentir. Essa pateta doce e inocente... tá me chamando de burro?

Sem expressão, Jiang Shaocai estendeu a mão, pressionou o topo da cabeça de Mu Yungui e a sacudiu de um lado para o outro:

— Você tem só água aí dentro?

❛ ━━━━━━・❪ ❁ ❫ ・━━━━━━ ❜

Notas:

¹ "Manga de universo" (袖中乾坤, xiù zhōng qián kūn): feitiço espacial avançado que permite guardar objetos ou até seres vivos dentro das mangas do traje, algo comum em cultivadores de alto nível em xianxia.

² "Semente de mostarda": referência a mustard seed space (芥子空间, jiè zǐ kōng jiān), um tipo de tesouro mágico ou feitiço que guarda espaço infinito num objeto pequeno — conceito frequente em romances de fantasia chinesa.


Postar um comentário

0 Comentários