Capítulo 126 a 130


 126

O exército estava aos pés da cidade, o país deixava de ser país, os traidores viviam em pânico o dia inteiro, e as mulheres do harém choravam, tristes pelo futuro que não podiam ver.

As mulheres do harém, em tempos turbulentos, não controlavam sua vida ou morte. Quando o imperador as mimava, tornavam-se belas por alguns dias. Mas, quando o desprezava e elas não tinham filhos, só lhes restava ser pisoteadas.

Xie Wanyu olhou para o desespero dos membros do palácio e ergueu as sobrancelhas em desdém:

— De que adianta esse pânico todo? Se o Rong Xia convocar, fiquem no quarto, quietinhos, sem sair por aí nem pensar besteira. Com o jeito dele, ele definitivamente não vai matar vocês.

— Desgraçada! — Jiang Luo entrou à força pela porta, deu um tapa no rosto de Xie Wanyu, com expressão feroz —. Você espera que eu perca tudo assim?

O tapa derrubou Xie Wanyu no chão, e seu rosto inchou e ficou vermelho na hora.

— Majestade — a criada pessoal de Xie Wanyu correu para ajudá-la, fez várias reverências a Jiang Luo —. Majestade é misericordioso, Majestade é misericordioso!

— Se meu pai não tivesse me forçado a me casar com você, como eu poderia amar uma mulher como você? — Jiang Luo deu um chute no pé de Xie Wanyu, virou as costas e saiu furioso.

O pessoal do palácio assistiu Jiang Luo partir em silêncio, então ajudou Xie Wanyu a se levantar.

Ela segurou a bochecha vermelha e inchada e riu alto, como se aquilo fosse algo muito prazeroso.

— Majestade — disse a criada, assustada com a risada —. O que foi isso?

— Nada, estou de ótimo humor — Xie Wanyu deu uma risadinha —. Vou me lavar, vou acompanhar a Rainha Mãe.

Embora não tivesse título oficial, diante da Rainha Mãe todas as concubinas do harém eram inferiores a ela. Então, mesmo que Jiang Luo a odiasse, enquanto a Rainha Mãe estivesse por perto, ele não faria nada.

Xie Wanyu sabia que isso era obra da Rainha Mãe para salvar sua vida, caso contrário, todo o harém já teria descoberto. Na verdade, a Rainha Mãe não gostava dela, nem da Princesa Herdeira, mas, como era boa, não suportava o sofrimento das mulheres do harém e agia assim.

Xie Wanyu não entendia por que a Rainha Mãe criara um filho como Jiang Luo.

Talvez ela seguisse mais o Supremo Imperador?

Fora dos portões da capital, os quatro portões — sudeste, noroeste e os outros dois — eram atacados por generais e soldados: Rong Xia no leste, Ban Hua no sul, Du Jiu e Zhao Zhong no oeste, e Shi Jin com o pessoal de Rong Xia no norte.

— Shi Jin, você realmente virou as costas — disse o general no muro do portão norte, olhando para Shi Jin a cavalo com descrença —. Por que fez isso?

Vendo a expressão horrorizada do homem, Shi Jin achou a cena ridícula. Eles sabiam que ele não queria se rebelar, mas ficaram calados enquanto Jiang Luo perseguia sua família. Agora, vendo-o liderar tropas para atacar, fingem surpresa.

Quem vocês querem enganar?

Ele, Shi Jin, não era mais um estranho.

— General Chen, não fique tão surpreso. O tirano matou meu pai e perseguiu minha família. Ele não acreditava que eu traí? — Shi Jin sacou sua arma —. Se o rei quer que o ministro se rebele, o ministro tem que se rebelar.

O coração do general Chen tremia. A situação da família Shi não era boa, então ele não podia culpá-lo por reagir assim. A culpa era do imperador, que acreditava em calúnias e desanimava os soldados.

Se não fosse a perda do apoio popular, como o exército rebelde de Rong Xia teria avançado de Zhongzhou à capital em menos de um ano?

Se o povo se afastar, a dinastia Jiangshan também acabará.

General Chen olhou para os soldados atrás dele, sentindo amargura. Como poderia deixar seu exército morrer nas mãos do próprio povo, enquanto sua família estava nas mãos do tirano? Se lutasse e irritasse Rong Xia, não teria onde morrer quando a cidade fosse tomada.

Como escolher?

— General Chen, com meu senhor Qingjun, a política anti-caos é a tendência geral. Por que bloquear o carro com seus braços e resistir sem necessidade? — Shi Jin não tinha pressa em atacar a cidade —. Não é melhor voltar?

— General Chen é leal e apaixonado, eu sei disso — disse Shi Jin —. Mas pergunto se você é digno do povo e da sua consciência?

Se Du Jiu estivesse presente, reconheceria que essas palavras eram familiares, pois Rong Xia também dissera algo parecido a Shi Jin.

General Chen segurou o muro, mas não dava a ordem para disparar as flechas.

Shi Jin e seu lado estavam travados, enquanto Rong Xia enfrentava um veterano. Esse veterano, de cabelo e barba prateados, ficava no muro, sem falar nem ordenar, como se Rong Xia nem existisse.

— Meu senhor, o que isso significa? — perguntou o ajudante de Rong Xia, confuso.

— Nada interessante. Ninguém deve agir sem minha ordem — respondeu Rong Xia. Sabia que o veterano fora um antigo membro da família Ban. Depois que o marechal Ban se feriu, o prestígio do veterano cresceu. Dizem que o marechal Ban não era popular no exército, por isso esse veterano nunca mais teve contato com a família Ban.

A família Ban estava afastada dos generais há anos. Para quem olhava de fora, era como se tomassem chá para refrescar, sem nada de estranho.

Mas para Rong Xia, esse chá esfriou rápido demais. Tanto que ela suspeitou que tudo fora preparado para o Imperador Yunqing ver.

No portão sul, Ban Hua cavalgava um cavalo branco alto. O sol brilhava sobre seu corpo, e a armadura prateada refletia luz ofuscante. O guardião do portão era ninguém menos que o Rei Changqing, que já fora derrotado por eles. Outro que surpreendeu Ban Hua foi Xie Qilin, da família Xie, encarregado do portão junto com Jiang Luo, mostrando que realmente não havia ninguém disponível na capital.

— Minha boa sobrinha, sendo uma moça, por que não está escondida em casa, apreciando flores e ouvindo música? Por que insiste em vir para este campo de batalha que pertence aos homens? — O Rei Changqing, vestido com uma túnica principesca, olhava com desdém. — Aposto que o cheiro de sangue vai te assustar. Dá pra ver que Rong Xia não cuida bem de você, caso contrário não te traria para um lugar desses. É melhor se render logo e deixar seu primo cuidar de você com carinho.

Xie Qilin, que estava de pé ao lado, franziu o cenho ao ouvir isso. As palavras do Rei Changqing haviam passado dos limites.

Mas o rei não achava que havia dito algo errado. Ele olhava de cima para a mulher em armadura prateada montada a cavalo:

— Se não ouvir seu tio, então só me resta te dar uma lição.

— Primo, não faz nem alguns meses que você perdeu a armadura e fugiu em pânico. Já esqueceu? — Ban Hua zombou. — É triste ver que tem uma memória tão ruim, e ainda tão jovem. Isso deixa a geração mais nova bem preocupada. Acho que só vendo de novo o que aconteceu há uns meses é que você vai lembrar.

O rosto do Rei Changqing escureceu na hora. Aquela derrota era uma vergonha para ele. Ban Hua trouxe à tona o passado justamente para tocar na ferida e humilhá-lo ainda mais.

— Já que não quer beber o vinho da boa vontade, então não me culpe por ser rude!

— Tá vendo? Os vilões nos livros sempre gostam de dizer isso — comentou Ban Hua com o tenente da ala esquerda. — Lembre-se: nunca diga isso em um campo de batalha.

— Por quê? — perguntou honestamente o simples tenente da ala esquerda. — O que tem de errado nessa frase?

— Quem diz isso geralmente perde no final — Ban Hua pegou a lança prateada que o tenente da ala direita segurava. — Quem diz isso atrai a maldição do deus da guerra. Não vence de jeito nenhum.

— Existe mesmo esse Deus da Guerra? — O pobre tenente da ala esquerda parecia ver sua fé desmoronar.

— Claro que existe — Ban Hua ergueu o queixo. — Quer ver? Fica olhando.

— Que bobagem é essa? Se a general disse, então é verdade! — O tenente da ala direita, que confiava cegamente em Ban Hua, deu um tapa no ombro do colega e não deixou que ele duvidasse da general.

Ban Hua riu, ergueu a cabeça e fez um gesto:

— Irmãos, venham comigo!

— Sim!

O grito ecoou como um tigre descendo a montanha, sacudindo os céus.

— Dois generais, há combate no portão sul!

Um soldado correu até Du Jiu e Zhao Zhong, relatando os movimentos dos outros grupos.

— Então foi a general Ban que atacou primeiro? — Zhao Zhong se surpreendeu. — Achei que seria o Senhor Shi.

Pelo ódio profundo de Shi Jin contra a corte, ele parecia ser o mais impaciente para agir.

— Quem está defendendo o portão sul? — Du Jiu perguntou ao soldado.

— O Rei Changqing e Xie Qilin.

— Xie Qilin... — Du Jiu esfregou o queixo. Pela personalidade da princesa, não era surpresa que ela fosse à luta. Ele olhou para o guarda hesitante no portão e disse:

— Nesse caso, vamos começar também.

As duas partes entraram em combate, e o confronto ficou travado. Os nobres da cidade estavam inquietos, querendo se esconder nas câmaras secretas com ouro, prata e joias.

A tensão fora do palácio era intensa, e por dentro não era diferente. As damas da corte e os eunucos corriam de um lado para o outro. Alguns, mais ousados, chegaram a roubar os tesouros de seus senhores e tentaram fugir do palácio. Mas Jiang Luo não toleraria isso. Assim que chegaram aos portões do palácio, esses eunucos foram alvejados por arqueiros.

As joias misturaram-se ao sangue que escorria de seus corpos, e aquilo que antes brilhava agora parecia imundo.

— Venham — o Rei Changqing estava sobre o portão da cidade, observando Ban Hua lutar com coragem, derrubando os soldados que ele mandara. — Chamem o arqueiro.

— Arqueiro? — O coração de Xie Qilin disparou, e ele não pôde deixar de perguntar: — Sua Alteza também tem um arqueiro de elite?

— O arqueiro de elite que este rei criou não é comum — respondeu o Rei Changqing, olhando fixamente para Ban Hua abaixo do portão. — Até o Supremo Imperador já o elogiou por ser o herdeiro do legado do Marechal Ban. Poucos no mundo o igualam.

Ele se lembrava que, numa competição de arco e flecha, Ban Hua até apostara prata nesse homem. Será que ela aceitaria morrer pelas mãos de alguém que pessoalmente elogiou?

Pouco depois, um homem magro, de aparência comum, com o braço direito ligeiramente mais curto, chegou ao portão. Ele mantinha a cabeça baixa, sem dizer uma palavra, mas segurava o arco firmemente.

— Você é o arqueiro herdeiro do Marechal Ban? Como se chama?

O homem magro assentiu:

— Respondendo ao senhor, este general se chama Gao Wangsheng.

— Wangsheng... — O Rei Changqing sorriu, assentiu e disse: — Bom nome. Venha comigo.

Gao Wangsheng o seguiu até a beira da muralha. Como era mais baixo, mal conseguia enxergar além do portão.

— Tragam um bloco de apoio para ele.

— Quero que atire e mate a mulher de armadura prateada com borlas vermelhas no capacete. Consegue?

— Meu senhor, este general não fere mulheres — Gao Wangsheng hesitou e apertou os lábios antes de falar.

— Não precisa matá-la. Mas, se não fizer isso, este rei trocará sua vida pela da sua família.

Os lábios de Gao Wangsheng tremeram levemente. Ele não tinha esposa nem filhos, mas tinha uma mãe idosa, de visão debilitada. As palavras do rei tocaram seu ponto fraco.

— Tragam a família de Gao Wangsheng...

— Meu senhor! — Gao Wangsheng interrompeu — Este general... aceita a ordem.

O Rei Changqing sorriu com desprezo e recuou um passo:

— Vá em frente.

Gao Wangsheng lambeu os lábios secos. O sol de início de outono era forte e seco. Sua mão, que segurava o arco, suava. Ele pegou a flecha e a posicionou na corda. Ao piscar, gotas de suor escorreram para seus olhos, obrigando-o a semicerrar as pálpebras.

— Senhor, — disse Xie Qilin de repente — Sua Majestade não deu ordem para matar a Princesa Fule. Vossa Alteza não estaria cometendo um erro ao fazer isso?

— E não é certo? — O Rei Changqing ergueu as sobrancelhas. — Espadas não têm olhos. Já que a Princesa Fule está no campo de batalha, pode muito bem morrer nele. Senhor Xie, está sentindo pena de uma flor prestes a murchar?

Xie Qilin abaixou as pálpebras e respondeu:

— Vossa Alteza exagera. Não tenho qualquer afeto pessoal pela Princesa Fule.

— Este rei não está interessado se há ou não algum caso entre vocês. Contanto que seja obediente e sensato, sem atrapalhar minhas decisões. — Ele se virou e gritou com Gao Wangsheng: — Está esperando o quê, paspalho? Atire logo!

Ban Hua havia acabado de derrubar um cavalariço que tentava atacá-la quando seu olho direito estremeceu. Virando-se rapidamente, viu uma flecha sobre a muralha da cidade apontada diretamente para ela.

Ia se esquivar, mas três cavaleiros avançaram de ambos os lados, cercando-a e dificultando qualquer fuga. Um frio percorreu seu coração. Sem escolha, virou o corpo, arriscando ser atingida no braço.

No exato momento em que a flecha foi disparada, Gao Wangsheng sentiu alguém se aproximando em sua direção. Sua mão tremeu, e a trajetória da flecha desviou levemente.

— Xie Qilin, o que está fazendo?!

Xie Qilin havia tomado o arco e a flecha de Gao Wangsheng e os atirado para fora da muralha. Virando-se para encarar o olhar furioso do Rei Changqing, ergueu a mão e fez uma saudação:

— A Princesa Fule é uma das descendentes preferidas de Sua Majestade. Não posso permitir que Vossa Alteza tome decisões por conta própria.

— Muito bem, muito bem mesmo... — O Rei Changqing riu de raiva. — Guardas! Amarrem Xie Qilin e entreguem-no a Sua Majestade!

Whoosh!

A flecha passou raspando pelo braço de Ban Hua e cravou-se no peito de um cavaleiro ao seu lado. Era um soldado do Exército Imperial. Caiu no chão com os olhos arregalados, o rosto jovem ainda marcado pela confusão.

Uma força dessas... — pensou Ban Hua, ofegante — Se essa flecha tivesse atingido meu peito, estaria morta com certeza.

De repente, lembrou-se do sonho que tivera — uma flecha atravessando suas costas, sem que houvesse tempo sequer para reagir. Morreu sob uma flecha, sem saber de onde veio.

A sensação dessa flecha... é igual à do sonho. Como se tivesse sido disparada pela mesma pessoa.

— General, está bem?! — O tenente correu desesperado até Ban Hua, pálido de medo.

— Estou bem — Ban Hua balançou a cabeça, lançando um olhar ao braço ensanguentado. — Não se distraia em batalha. Essa flecha não foi envenenada, então não se preocupe.

Porque um verdadeiro arqueiro... não precisa usar veneno para matar.

Os soldados do exército imperial diminuíam a cada minuto. O exército da família Rong, olhos vermelhos de fúria, avançava sem parar. Um caía, e dois surgiam em seu lugar. Os carros de cerco batiam contra os portões, mas os da capital eram altos e sólidos — não seriam quebrados com facilidade como os das outras cidades.

Mas por mais forte que fosse um portão, se os defensores caíssem, ele também cairia.

E o portão sul... finalmente se rompeu.

— General, — um pequeno soldado no portão leste falou, apavorado — o portão sul caiu!

— Quem quebrou o portão?

— A Princesa Fule.

O velho general riu alto ao ouvir isso:

— Digna descendente do marechal. Mesmo sendo uma garota, ainda é imponente. — Caminhou até a muralha, lançou um olhar para o exército Rong, impecavelmente uniforme, e disse aos tenentes atrás de si: — Quando o marechal nos liderava, nossa disciplina também era assim.

Os tenentes, inquietos, não entenderam o motivo do velho general falar aquilo, e ficaram confusos.

— Décadas... Décadas — ele gargalhou. — Este velho, enfim, esperou por este dia.

— Abram os portões e deem boas-vindas ao exército da família Rong.

— General!

O velho general balançou a cabeça. Seus cabelos brancos tremulavam com a brisa.

— Vocês me acompanharam por tantos anos. Como eu teria coragem de mandar vocês para a morte? O exército da família Rong vem com força. Não somos páreo para eles.

Esses generais eram leais, mas não podiam ver seus soldados morrerem em vão.

Quando o marechal fora traído pela família imperial, os irmãos de armas ficaram tão revoltados que pensaram até em se rebelar. Mas no leito de morte, o marechal os impediu.

"Vocês todos têm família. Como posso permitir que cometam tamanha loucura por minha causa?"

"Depois que eu voltar a Pequim, cuidem bem das fronteiras. Não deixem que os erros da corte os façam relaxar. Nós não lutamos pela realeza... lutamos pelo povo do mundo."

Mais tarde, quando o marechal voltou à capital, cortou todo contato com eles. Sabia que o imperador era desconfiado, e não queria envolvê-los.

Esse sacrifício durou décadas, até o marechal ser envenenado e morto. E mesmo assim, eles não ousaram dizer uma palavra, porque o marechal dissera que seus descendentes ainda precisariam deles.

Na verdade, eram os descendentes que precisavam de ajuda... mas o marechal não os deixou arriscar.

Os descendentes da família Ban carregaram por anos a fama de inúteis na capital. E os antigos subordinados nada puderam fazer. Sentiam vergonha. E se sentiam inúteis.

Hoje, Rong Xia apareceu diante do portão com o Talismã do Tigre das Três Forças, deixado pelo marechal. Abrir os portões... era o único gesto que o velho general podia fazer por ele.

Mas se Rong Xia for como os membros da dinastia Jiang — desconfiado, cruel, ingrato... Se ele decepcionar a Princesa Fule... então mesmo que esses veteranos morram, ainda terão coragem de encontrar o marechal no outro mundo, e lutar mais uma vez ao seu lado.

O portão leste se abriu totalmente.

Não houve som de batalha. Nenhum relincho. Apenas silêncio.

Duas fileiras de soldados bem uniformizados saíram, posicionando-se ao lado do portão. E então o velho general, de cabelos e barba brancos, surgiu. Cada passo que dava era lento, mas firme.

Rong Xia desmontou do cavalo e caminhou para recebê-lo.

— Senhor, cuidado com uma possível armadilha — advertiu um conselheiro, colocando-se à frente de Rong Xia, preocupado.

— Não se preocupe — disse Rong Xia, afastando a mão do conselheiro. Fez uma saudação à distância para o velho general e caminhou decidido em sua direção.

Os soldados de ambos os lados mantiveram-se em silêncio, observando enquanto o mestre se aproximava até que os dois ficassem frente a frente.

— Marquês de Cheng An — a voz do veterano soava um pouco rouca, e ele tirou o elmo —, este velho está disposto a receber Vossa Senhoria na cidade. Mas, por favor, não envergonhe os soldados sob meu comando. Eles apenas cumpriam ordens.

— Fique tranquilo, General. Jun Po jamais causará qualquer problema — Rong Xia deu um passo atrás e fez uma grande reverência ao veterano. — General Gao Yi, por favor, aceite o respeito de Jun Po.

— Vossa Senhoria não precisa de tanta cortesia — disse o veterano, estendendo a mão para amparar Rong Xia, com um sorriso —. Vossa Senhoria é genro da família do nosso marechal. Este velho não tem como aceitar tal saudação.

O coração de Rong Xia estremeceu. O marechal a que o veterano se referia deveria ser o avô de Huahua.

Não imaginei que, mesmo após tantos anos da morte do Marechal Ban, esses soldados ainda o recordassem com tamanha lealdade. Um general lendário como aquele, morto pelas mãos de sua própria família... Que desperdício. A família imperial Jiang realmente deve muito à família Ban.

— General, por favor.

— Meu lorde, por favor.

O portão leste foi tomado sem que uma única gota de sangue fosse derramada.

Aqueles que seguem o Dao recebem auxílio; os que o perdem, enfrentam abandono. As palavras dos antigos ainda ecoavam com verdade.

— General, o Rei Changqing escapou — informou o vice-general da direita, um tanto desanimado. — Esse homem é mesmo uma enguia, sempre escapa quando a coisa aperta. Mas conseguimos capturar outro general e o arqueiro que tentou atacá-la.

Ban Hua limpou o sangue salpicado no rosto e se virou, vendo Xie Qilin e o homem baixo e magro atrás dele.

Xie Qilin usava uma armadura dourada manchada de sangue, mas sua expressão era extremamente calma. Levantou a cabeça, lançou um olhar para Ban Hua e logo desviou o olhar. Hoje, ele não usava a venda no olho cego, que permanecia fechado, o que lhe dava um ar um pouco assustador.

— Quando aquele arqueiro me atacou, pareceu que alguém o empurrou — disse Ban Hua, batendo no cavalo e se aproximando de Xie Qilin. — Foi você quem o empurrou?

Xie Qilin abaixou a cabeça e não respondeu.

Ban Hua não insistiu. Virando-se para Gao Wangsheng, ordenou:

— Coloquem esses dois sob vigilância rigorosa. Os demais, entrem comigo.

— Sim, senhora!

Os soldados responderam em uníssono. Já estavam acostumados a obedecer às ordens de Ban Hua, e não viam nenhum problema em seguir os comandos de uma mulher.

Xie Qilin levantou os olhos e viu a figura imponente da mulher a cavalo, conduzindo um grupo de soldados sedentos por combate, afastando-se mais e mais. Ficou atônito.

Só quando ela desapareceu de vista, olhou para suas botas de combate manchadas de sangue e esboçou um sorriso amargo.

Talvez por ter salvado a vida de Ban Hua, os soldados que o vigiavam não o trataram com severidade. Vendo que muitos deles estavam feridos, disse:

— Há algumas caixas de madeira perto do portão da cidade, cheias de remédios para ferimentos. Podem ir pegá-las.

— Não pense que vai nos enganar — respondeu um dos soldados, desconfiado. — A General Ban disse que comida e remédio deixados assim à mostra não devem ser tocados. Vai saber se não foram envenenados.

Xie Qilin: …

Essa “General Ban”... deve ser a Ban Hua, não é?

Esses soldados tratavam suas palavras como mandamentos divinos — um sinal claro de sua autoridade entre as tropas. Ao pensar nisso, Xie Qilin não pôde deixar de sentir certo alívio. Foi uma bênção não tê-la desposado naquela época. Se tivesse casado com ela, talvez tivesse enterrado todos os seus talentos.

— Senhorita, senhorita! — Uma criada correu até o quarto de Li Xiaoru. — O exército rebelde entrou na cidade!

Li Xiaoru se levantou de súbito:

— Os portões foram rompidos?!

— A criada não tem certeza… Mas ouvi dizer que os portões leste e sul caíram. — Os olhos da jovem criada brilharam de forma estranha. — E… e ouvi dizer que quem liderou as tropas no portão sul foi a Princesa Fule.

— Foi ela? — Li Xiaoru não conseguia acreditar. Aquela princesa que sabia apenas das trivialidades da vida… sobreviveu ao campo de batalha e ainda liderou soldados?

— Não saia para procurar notícias, está muito perigoso lá fora. E se você se machucar? — Li Xiaoru estava um pouco aflita e não conseguiu evitar de repetir as instruções várias vezes.

— Senhorita, não se preocupe. Esses rebeldes são muito disciplinados. Depois que entraram na cidade, não perturbaram o povo — disse a criada ofegante. — Mas as lojas lá fora não abriram, e as coisas que a senhorita mandou a serva comprar… a serva não conseguiu encontrar.

— Não tem problema se não encontrou. Se eu soubesse que o exército da família Rong atacaria a cidade hoje, não teria deixado você sair de jeito nenhum — Li Xiaoru balançou a cabeça, um pouco atordoada. — Peça para mais algumas pessoas acompanharem o jovem mestre, não deixem que o barulho de fora assuste ela.

Depois que a criada saiu, uma leve expressão de entusiasmo surgiu no rosto de Li Xiaoru.

Finalmente... finalmente alguém veio para derrubar o tirano.

Ao pensar no pai deitado na cama, incapaz de se mover, Li Xiaoru enxugou os olhos e, em silêncio, orou para que o Marquês de Cheng An conseguisse derrubar o imperador o mais rápido possível — para que Jiang Luo recebesse o castigo que merecia.

127


— Majestade… — O eunuco pessoal de Jiang Luo ajoelhou-se com força diante dele. Seu rosto estava pálido como cinzas, e os olhos carregavam uma dor profunda, como um servo leal que estaria disposto a seguir seu senhor pelo fogo e pela água. Mesmo que o mundo inteiro traísse Jiang Luo, ele ainda assim não o abandonaria.

Jiang Luo estava sentado no chão. O salão, outrora repleto de cortesãos que lhe demonstravam lealdade diariamente, agora estava vazio. Aquele eunuco era o único que restava, além dele, naquele local onde antes incontáveis pessoas se ajoelhavam em reverência.

Lembrou-se de que o pequeno eunuco se chamava Xiao Kouzi. Por ter o mesmo nome de um cachorro que criara no passado, passou a dar mais atenção a ele, chegando até a colocá-lo para servi-lo de perto.

— Há quantos anos está comigo?

— Majestade, este servo está ao seu lado há quatro anos.

Jiang Luo soltou uma risada inexplicável. Desde quando dou atenção a um eunuco? Agora, o único que restava era justamente um eunuco. Isso era simplesmente ridículo... e triste.

Passos se aproximaram. O som das botas de couro das mulheres ecoava sobre o piso de jade. Vinham de longe, firmes e constantes, até parar diante da porta do salão.

Xie Wanyu surgiu vestindo um traje palaciano vermelho-sangue, com um grampo de fênix nos cabelos. Estava tão deslumbrante quanto no dia do casamento. Ela ficou parada na entrada do salão, o sol dourado iluminando sua silhueta e projetando sua longa sombra no chão — imóvel, como uma estátua.

— Xie Wanyu? — Jiang Luo se ergueu do chão. — O que está fazendo aqui? Este não é lugar para uma mulher como você.

— Agora, neste lugar, além de mim, que sou uma mulher e ainda me dou ao trabalho de aparecer, quem mais viria? — Xie Wanyu sorriu com desdém, virando o rosto para o pôr do sol. — Veja esse sol... não se parece com o fim da grande causa da dinastia Jiang?

— Cale a boca!

Xie Wanyu zombou:

— Ainda se acha o imperador todo-poderoso, que comanda o mundo e o harém com uma única palavra? Deixe de sonhar. Quando trancafiou o imperador e o príncipe, já devia ter previsto este dia.

— Ao longo da história, tantos príncipes derrubaram outros príncipes e ascenderam ao trono... e conseguiram manter-se. Por que eu não poderia?

— Porque eles eram reis benevolentes e se importavam com o povo. Mesmo que não fossem filhos ou irmãos exemplares, ainda assim conquistavam respeito e elogios. — Ela apontou para Jiang Luo, os olhos cheios de sarcasmo. — Mas e você? O que tem, além de sua crueldade e egoísmo?

— Se é tão corajoso, por que não sai e escuta com seus próprios ouvidos os gritos do povo que o amaldiçoa?!

— Cale-se! Cale a boca!

— Ha — Xie Wanyu passou a mão sobre a face maquiada, o olhar repleto de ódio ao encarar Jiang Luo. — Jiang Luo… gente como você deveria viver por muito tempo. Viver, para ser humilhado dia após dia.

BOOM! As portas do Palácio Daye foram arrombadas pelo exército da família Rong. Soldados surgiram de todos os lados. No alto da plataforma, Xie Wanyu semicerrava os olhos, observando as tropas se aproximarem e cercarem o mais luxuoso dos palácios do harém.

Ela se apoiou numa coluna de mármore branco esculpido, com o vestido vermelho-sangue ardendo como fogo sob o pôr do sol.

— Ban Hua… — murmurou ao ver a mulher que caminhava ao lado de Rong Xia. Uma usava roupas elegantes; a outra, armadura prateada manchada de sangue. Uma estava no alto do altar, a outra, montada a cavalo sob o portão do palácio. Ainda assim, não sentia estar acima dela. Diante da aura daquela mulher, parecia apenas uma palhaça de maquiagem carregada.

— Senhorita Xie. — Ban Hua inclinou-se em saudação de igual para igual. — Há quanto tempo. Está bem?

Xie Wanyu soltou uma risada leve:

— Estou ótima. Você finalmente chegou.

Ban Hua olhou para ela com piedade no semblante, incapaz de dizer qualquer coisa.

— Saia da frente! — Jiang Luo saiu correndo do palácio, empurrou Xie Wanyu e, ao ver a multidão de rebeldes diante de si, começou a praguejar: — Rong Xia, seu bandido! Você ousa trazer os rebeldes ao palácio! Os ancestrais da família Jiang estão observando lá do céu!

Rong Xia apenas o encarava em silêncio.

O silêncio o enfureceu ainda mais. Jiang Luo se pendurou no parapeito e começou a gritar injúrias, cada vez mais pesadas, que ecoavam por todo o harém.

Bum, bum, bum!

Soaram tambores e gongos em alarme.

— O Supremo Imperador está em estado crítico!

— O imperador mandou envenenar o Supremo Imperador! Chamem o médico imperial!

O rosto de Ban Hua mudou ao ouvir a menção ao "Supremo Imperador". Rong Xia notou sua expressão e ordenou aos subordinados:

— Venham, prendam o tirano. Eu irei ao encontro do Supremo Imperador.

— Sim, senhor!

Os soldados do exército da família Rong invadiram o salão e amarraram Jiang Luo com facilidade.

— Fiquem quietos! — Jiang Luo ainda tentou resistir, mas levou um tapa tão forte de um dos soldados que sua coroa dourada foi arremessada, rolando pelos degraus de jade até parar longe.

Sob o sol poente, só se via um leve brilho dourado da coroa. O resto havia sumido.

Desde que Jiang Luo se mudou para o Palácio Daye, o Imperador Yunqing havia sido transferido para o Palácio Shouning. A Imperatriz Viúva, no entanto, continuava no mesmo local de antes.

Ban Hua cavalgou até os portões do Palácio Shouning, desmontou e percebeu que o nome fora alterado para Palácio Shoukang. Não se importou com esse detalhe e entrou às pressas.

Assim que passou pelos portões, percebeu que o lugar estava desolado. O jardim do lado de fora estava tomado por ervas daninhas e o solo seco, coberto de flores anônimas e amareladas, parecia um cenário de abandono.

Olhou ao redor e viu algumas aias e eunucos ajoelhados num canto. Perguntou:

— Onde está Sua Majestade?

Um eunuco de azul apontou, trêmulo, para o canto direito. Ban Hua seguiu a indicação. Assim que entrou, foi tomada por um cheiro azedo e mofado que a deixou tonta.

No quarto, duas aias e alguns eunucos estavam ajoelhados diante da cama, chorando. Eles não notaram a entrada de Ban Hua, mas o Imperador Yunqing, deitado no leito, a viu imediatamente.

Ban Hua aproximou-se da cama e, ao encarar o velho e magro ancião deitado ali, ficou um pouco atordoada. Este é o mesmo Imperador Yunqing altivo de outrora?

Os lábios do imperador estavam azulados e escurecidos, as olheiras profundas, e havia sangue escorrendo dos ouvidos e do nariz — sinais claros de um envenenamento severo.

— Majestade — Ban Hua se curvou em saudação.

O Imperador Yunqing estendeu uma mão trêmula por baixo do cobertor. A mão estava seca e enegrecida, como um galho morto sem vida. Era impossível não lembrar das histórias de fantasmas ouvidas na infância ao ver aquela cena.

Ban Hua suspirou baixinho e segurou a mão dele.

Aquela pele era incrivelmente áspera. Ninguém conseguiria imaginar que essa fosse a mão de alguém acostumado a uma vida de luxo.

— Você voltou — disse o imperador, com dificuldade, ofegando por longos instantes antes de conseguir formar uma frase completa. — Menina... depois que eu morrer, não deixe que outras mulheres sejam enterradas comigo. Eu já tenho uma imperatriz, é o suficiente.

— Majestade... — Ban Hua sentiu um nó apertar em sua garganta. — O médico imperial chegará em breve. O senhor ficará bem.

O Imperador Yunqing balançou a cabeça, cuspindo uma grande golfada de sangue.

— Huahua, isso é o meu castigo...

Os lábios de Ban Hua se moveram, mas ela permaneceu em silêncio.

— Zhen... Zhen lhe deve... — O imperador arregalou os olhos, encarando-a. — Me desculpe...

E, de repente, os olhos arregalados perderam o brilho e ficaram vazios.

Ploc.

Uma lágrima caiu sobre o dorso da mão do Imperador Yunqing. Ban Hua colocou cuidadosamente a mão dele de volta sobre o peito, deu alguns passos para trás, ajoelhou-se diante da cama e se curvou três vezes com a testa tocando o chão.

— Princesa — Wang De surgiu de trás das cortinas, curvou-se e ajudou-a a se levantar. Ban Hua enxugou o canto dos olhos, respirou fundo e disse:

— Toquem o sino da morte.

Wang De recuou um passo, e respondeu com reverência:

— Sim.

Ban Hua abaixou os olhos... e percebeu que Wang De não tinha três dedos.

Bum, bum, bum...

O som lúgubre do sino da morte ecoou, e a imperatriz, ajoelhada diante de uma estátua, se levantou apressadamente:

— De onde vem o sino da morte?

— Majestade... é do Palácio Kangning... e do Palácio Kangshou...

Os olhos da imperatriz escureceram, e ela quase desmaiou. Agarrou o braço da aia ao seu lado, e murmurou com a voz rouca:

— Palácio Shouning?!

— Majestade — uma ama de honra de alta posição rastejou até ela — o imperador... mandou envenenar o Supremo Imperador, e ele morreu...

A imperatriz sentiu um calafrio subir pela garganta. Abriu a boca, sem conseguir respirar por um momento, e então perguntou:

— E o Rei Ning?

— O exército rebelde invadiu. Sua Majestade foi capturado.

Ao ouvir isso, a imperatriz já não suportou mais. Cuspiu uma grande quantidade de sangue.

No Palácio Oriental, o príncipe herdeiro, que estava encarcerado há muito tempo, já nem parecia humano. Vestia um manto velho e esfarrapado, e os cabelos estavam presos atrás da cabeça com um cordão de pano. Sentado à beira da cama, como um fantoche sem alma, ele apenas virou a cabeça em transe quando o sino da morte soou, tentando entender de onde vinha o som.

Desde a ascensão de Jiang Luo, o Palácio Oriental havia sido completamente isolado. Quase todos os eunucos e servas haviam sido retirados, e a comida enviada diariamente era escassa. Jiang Luo não queria matá-lo, mas também não o tratava como uma pessoa.

Sem nem mesmo água suficiente para beber, não havia o que dizer de banhos ou roupas limpas. Durante esse ano, a vida no Palácio Oriental foi mergulhada nas trevas. A filha do príncipe estava tão faminta que ficou pele e osso. Depois, a imperatriz a acolheu e salvou sua vida.

Sentado no quarto vazio, o príncipe cobriu o rosto e começou a chorar.

Ele sabia... seu pai havia morrido. E ele, um filho inútil e covarde, não pôde protegê-lo — nem à esposa, nem à filha.

— Huahua — Rong Xia esperava do lado de fora do Palácio Shoukang. Quando viu Ban Hua sair, aproximou-se e segurou sua mão. — Você parece triste.

— Estou bem — Ban Hua balançou a cabeça, então olhou para ele. — Wang De é seu?

— Sim.

— Não me admira...

Não me admira que, no meu sonho, Wang De chamasse Jiang Luo de "rei tirano" na masmorra, junto com o novo imperador. Antes, pensei que Jiang Luo tivesse feito algo para irritá-lo, mas agora percebo que Wang De já era leal a Rong Xia há muito tempo.

Quantos anos Wang De serviu ao Imperador Yunqing?

Oito? Dez ou mais?

Lembrava-se de que, quando ainda era muito jovem, Wang De já servia ao lado do imperador. Que tipo de método Rong Xia usou para fazer com que o eunuco-chefe trabalhasse para ele?

— Ele foi favorecido por meu pai — Rong Xia forçou um sorriso — e depois... por mim.

Ban Hua não perguntou que tipo de favor era esse — ela também não se importava tanto. A vida já tem problemas e intrigas demais, mais complexos do que qualquer história de romance. Se tentasse ir atrás de todas as respostas, acabaria exausta.

— Meu senhor, os palácios já estão todos sob controle. O que faremos agora? — O conselheiro de Rong Xia se aproximou. Seus olhos estavam cheios de entusiasmo, como se já enxergassem o dia glorioso em que Rong Xia ascenderia ao trono e se tornaria imperador.

— Vamos ao Palácio Oriental convidar o príncipe herdeiro para assumir o trono.

Os conselheiros o encararam, surpresos. Como assim entregar o que conquistaram com tanto esforço? Estavam cheios de frustração, mas não ousaram questionar a decisão de Rong Xia. Apenas o seguiram, contrariados, até os portões do Palácio Oriental.

Na entrada, não estavam apenas os guardas do exército da família Rong, mas também oficiais da corte imperial especialmente convidados por Rong Xia — e não eram homens que serviram a Jiang Luo, mas sim funcionários indicados durante o reinado do Imperador Yunqing.

Ao verem Rong Xia se aproximar, todos os oficiais recuaram e se curvaram. Alguns trocavam olhares furiosos entre si, mas Rong Xia os ignorou, e declarou:

— O tirano já foi capturado por meus homens. Senhores, entrem comigo e convidem Sua Alteza, o Príncipe Herdeiro, a subir ao trono.

Os cortesãos não se importavam com o que Rong Xia estava pensando — de qualquer forma, faziam o que ele mandava, e quando não podiam falar abertamente, simplesmente se calavam.

Quando todos entraram no Palácio Oriental, perceberam que havia algo de muito errado ali. Onde estavam as flores e plantas? E os criados que costumavam servir?

Aquela coisa preta e amarela estendida do lado de fora... era um cobertor?

O pátio estava coberto de folhas mortas, e portas e janelas estavam tomadas de poeira. Há quanto tempo ninguém limpa este lugar? Aqueles que já haviam visitado o Palácio Oriental no passado sentiram um aperto no coração. Naquela época, o lugar era impecável e refinado. Agora... era irreconhecível.

A porta principal do grande salão estava escancarada. O príncipe herdeiro e a princesa estavam sentados ali dentro. O salão era escuro, e ninguém do lado de fora conseguia distinguir claramente suas expressões.

— Este ministro saúda Sua Alteza, o Príncipe Herdeiro, para subir ao trono.

Ao cair da tarde, Rong Xia estava parado ao pé dos degraus, com uma postura tão respeitosa que não havia como criticar.

A princesa herdeira parecia um pouco agitada. Embora não houvesse velas acesas no salão e os outros não conseguissem ver claramente seu rosto, ela não pôde evitar de olhar para o príncipe com expectativa.

Se Sua Alteza subir ao trono, eu me tornarei a imperatriz — a mulher mais honrada do mundo.

No entanto, independentemente de sua ansiedade ou esperança, o príncipe permaneceu indiferente. Ele olhou para as pessoas diante do salão com expressão vazia e, de repente, disse:

— Minhas habilidades são limitadas. Não posso carregar a responsabilidade do mundo. Marquês Cheng An, por favor, volte.

— O príncipe é o primogênito de Sua Majestade, é natural que o destino o favoreça. Como pode menosprezar a si mesmo? — Rong Xia curvou-se profundamente mais uma vez. — Este humilde servo saúda Sua Alteza para ascender ao trono.

— Seguir o destino... — o príncipe sorriu de repente. — O destino predestinou que a dinastia Jiang caísse, então por que devo forçar o inevitável?

— Sua Alteza! — A princesa herdeira olhou para o príncipe em choque, incapaz de acreditar que ele rejeitaria o trono.

Rong Xia estreitou os olhos na direção do salão escuro e, de repente, disse:

— Por que não acendem as luzes?

— Re... resposta ao Marquês... não temos velas no Palácio Oriental, por isso não conseguimos acender luzes à noite — respondeu um eunuco pálido e magro, ajoelhado à frente de Rong Xia. Seus ombros tremiam incontrolavelmente.

— Nem velas lhes dão? Jiang Luo ainda pode ser chamado de humano?! — Ban Hua não conseguiu conter a raiva e ordenou a alguém que trouxesse lanternas para o Palácio Oriental.

Logo, lanternas foram penduradas em todos os corredores, e o salão principal ficou iluminado como o dia.

Ao verem o estado atual do príncipe e da princesa, todos os presentes prenderam a respiração. Como ficaram tão magros? E as roupas que usavam... Quão cruel era o coração do imperador Fengning para envenenar seu próprio pai e abusar dos irmãos e da cunhada?

Mesmo muitos dos ministros ali, que eram neutros e não apoiavam nem o príncipe nem o Rei Ning, não puderam deixar de sentir calafrios ao ver o estado do príncipe.

O príncipe levantou-se e caminhou até a porta, mas parou ao cruzar o limiar. Ele não tomava banho há mais de meio ano, não queria que os cortesãos percebessem o quão degradante era sua aparência real.

— Não creio ter capacidade para governar o mundo. Quando meu pai ainda vivia, elogiava frequentemente o talento do Marquês Cheng An — disse ele, olhando para Rong Xia. — O marquês tem um coração bondoso, habilidades notáveis e capacidade para governar. Ontem, em sonho, uma imortal veio sobre uma nuvem, dizendo ser a enviada de Qingluan, e declarou que o Marquês Cheng An era o escolhido para salvar o povo do mundo. Sendo uma ordem divina, como ousaria eu desobedecer?

— Portanto, rogo ao Marquês Cheng An que ascenda ao trono, pelo bem do povo.

O príncipe nunca havia compreendido o poder do povo — agora compreendia, mas já era tarde demais.

— Que o Marquês Cheng An ascenda ao trono! — gritaram em uníssono os soldados que guardavam o Palácio Oriental, ajoelhando-se com um joelho em direção a Rong Xia.

— Já que há um decreto do céu, o Marquês Cheng An não deve contrariá-lo. Obedeça ao destino e suba ao trono — disse um oficial de terceiro grau, levantando-se.

Ban Hua olhou para aquele homem. Era Liu Banshan, Shaoqing do Templo Dali.

— Que o Marquês Cheng An ascenda ao trono! — disseram, levantando-se, Yao Peiji e Zhou Bingan.

Mais pessoas se juntaram, algumas Ban Hua conhecia, outras não.

— O nome do mundo ainda é Jiang. Como este humilde oficial poderia cometer tamanho ato rebelde? Isso é... — Rong Xia recusava-se repetidamente, como se realmente não tivesse ambição pelo trono.

Mas mesmo que não quisesse, os outros não permitiriam que recusasse. Alguém trouxe uma luxuosa túnica imperial; tiraram-lhe a armadura à força e vestiram-lhe a túnica do dragão.

— Viva o Imperador! Longa vida a Sua Majestade!

— Longa vida a Sua Majestade! Longa vida, longa vida!

Os cortesãos ajoelharam-se um por um. Entre eles, havia os dispostos, os temerosos demais para resistir, e a maioria eram tolos, apenas seguindo a maré — obedecendo a quem tivesse o poder.

— Meu senhor... — o príncipe herdeiro ergueu a barra puída da túnica e ajoelhou-se devagar. — Este filho presta homenagem a Vossa Majestade... que Vossa Majestade tenha vida longa, vida longa... vida muito longa...

Como ele poderia querer entregar o império a Rong Xia? Mas agora, o povo já não acreditava na dinastia Jiang. Até os cortesãos haviam se curvado a Rong Xia. Se ele insistisse em subir ao trono, provavelmente morreria logo depois, e todos ao seu redor acabariam enterrados junto com ele.

Por causa do tormento causado por Jiang Luo ao longo de quase um ano, ele, que já era indeciso por natureza, havia perdido completamente o sangue e a coragem. Agora, só esperava que Rong Xia considerasse os laços familiares entre eles e lhe permitisse passar o resto da vida em paz.

A Princesa Herdeira olhou para o Príncipe Herdeiro, ajoelhado do lado de fora da porta, e balançou a cabeça com força. Seu marido era o Príncipe Herdeiro! Nem mesmo diante do Imperador ele precisava ajoelhar, então como podia se ajoelhar diante de um cortesão? Como isso pôde acontecer?!

No fim, Rong Xia foi forçado pelos cortesãos a vestir a túnica imperial do dragão e levado até o Palácio de Qinzheng por eles.

Ban Hua não o acompanhou. Ela permaneceu parada em frente ao portão do Palácio Oriental, olhando para o príncipe que ainda estava ajoelhado no chão. Aproximou-se, agachou-se diante dele e disse:

— Primo Príncipe, levante-se.

— Huahua? — Havia tanta gente antes que o príncipe nem havia percebido sua presença. Agora, vendo-a ali, usando uma armadura prateada manchada com sangue seco nas botas, ele sorriu amargamente. — Por que você está aqui?

— Só vou embora depois que você se levantar.

O príncipe a encarou atônito, e depois de um tempo perguntou:

— O pai... o segundo irmão realmente o envenenou?

Ban Hua pensou em Wang De, em Rong Xia, e nas palavras do Imperador Yunqing antes de morrer. Então assentiu devagar:

— Jiang Luo mandou os criados do palácio prepararem o veneno...

— Foi tudo culpa minha. Toda culpa minha. — Ele cambaleou ao se levantar do chão, rindo como se estivesse chorando. — Se eu não fosse tão fraco e indeciso, como teria chegado a esse ponto? Se... se...

Subitamente, ele parou de se queixar e apenas ergueu a cabeça, soltando uma gargalhada tão intensa que lágrimas escorriam por seu rosto.

Ban Hua curvou-se respeitosamente diante dele:

— Primo Príncipe, cuide-se bem. Eu me despeço por agora.

Ao sair do Palácio Oriental, ela olhou na direção do Palácio de Qinzheng e seguiu andando lentamente. O vento noturno soprava em seu rosto, suavizando o cheiro de sangue que impregnava o palácio. Nunca antes o palácio parecera tão tranquilo.

No Salão de Qinzheng, Rong Xia estava cercado por pessoas ajoelhadas, todos aclamando-o como imperador. A empolgação era geral, o entusiasmo era evidente. Mas enquanto seus olhos varriam o salão, ele não encontrava Ban Hua em lugar algum.

Onde está Huahua?

De repente, ele se levantou do trono de dragão. Seus olhos varreram novamente os rostos eufóricos ao seu redor, mas ainda assim não a encontrou.

— Vossa Majestade, aonde vai? — Zhao Zhong notou que Rong Xia descia os degraus de jade e estendeu a mão para detê-lo.

Rong Xia o ignorou, empurrou sua mão e saiu do salão sob os olhares surpresos de todos os oficiais.

— Sua Majestade?!

— Sua Majestade?!

Os cortesãos correram atrás dele, aglomerando-se diante do portão do salão.

Do lado de fora do Salão de Qinzheng havia um amplo espaço vazio. Em ocasiões importantes, esse espaço ficava repleto de nobres e cortesãos. Especialmente durante a cerimônia de coroação de um novo imperador, o local ficava tomado de pessoas ajoelhadas dentro e fora do salão — era o verdadeiro esplendor do poder imperial.

Mas agora, naquele espaço aberto, só havia os soldados de Rong Xia. No entanto, os cortesãos viram, ao longe, uma figura se aproximando lentamente, caminhando sem pressa, como se aquele local, tão reverenciado por tantos, não o intimidasse nem um pouco.

Conforme o homem se aproximava, sob a luz da noite, era possível ver que usava uma armadura prateada, mas seu rosto ainda estava oculto pela distância.

Enquanto todos se perguntavam quem era aquele que se atrevia a andar com tamanha ousadia diante do Salão de Qinzheng, Rong Xia, de repente, se moveu nos degraus de jade — e correu para baixo sem hesitação, sem olhar para trás, ignorando todos os cortesãos.

— Quem é aquele? — Yao Peiji virou-se para Du Jiu.

Du Jiu apenas baixou a cabeça com respeito e permaneceu em silêncio.

Yao Peiji apenas estalou a língua, impressionado com a discrição inabalável de Du Jiu. Como esperado de um subordinado de Rong Xia — boca fechada como um túmulo. Sem se irritar com a falta de resposta, ele apenas voltou a olhar para a figura que se aproximava, curioso sobre quem poderia ser tão importante a ponto de Rong Xia ir recebê-lo pessoalmente.

Seria essa a pessoa em quem Rong Xia mais confia?
Ou alguém dotado de talento para governar o império?

Ban Hua estava parada ao pé dos degraus de jade. Ao ver Rong Xia correndo em sua direção, ela inclinou a cabeça e olhou para o céu. Uma lua cheia pendia lá no alto, tão bonita que ela não conseguiu conter o sorriso.

Ela riu alto e começou a subir os degraus devagar.

Ela andava devagar, ele vinha depressa. Antes que desse muitos passos, Rong Xia já estava diante dela.

— Por que está correndo? — Ban Hua sorriu ao encará-lo. Ao vê-lo ofegante, não pôde deixar de rir ainda mais. — Olhe para trás, os cortesãos devem estar achando que você enlouqueceu.

— Não me importa se acham que estou louco, o que me assusta é perder você — disse Rong Xia, apertando com força a mão de Ban Hua.

As palmas dele estavam frias, mas suadas.

Do que ele tem tanto medo, para suar assim?

Ban Hua curvou os dedos e entrelaçou os dela.

— Vamos.

Rong Xia sorriu:

— Vamos juntos.

— Tá bom. — Ela sorriu, os olhos brilhando.

— Aquela é... — Zhou Bingan franziu a testa ao ver Rong Xia de mãos dadas com o general de armadura prateada, caminhando em direção ao Palácio de Qinzheng. Mas, à medida que os dois se aproximavam e ele finalmente pôde ver com clareza o rosto ao lado de Rong Xia, murmurou surpreso:

— Aquela é a Princesa Fule?!

Então... a pessoa que Rong Xia tanto procurava era a Princesa Fule?

128

A luz da lua estava clara, e Ban Hua e Rong Xia subiram lado a lado os degraus do Palácio de Qinzheng.

Sob os olhares atentos de todos os cortesãos, Rong Xia segurava firmemente a mão de Ban Hua e disse a todos:

— No último ano, minha esposa me ajudou imensamente. Sem ela, eu não estaria onde estou hoje. Não posso aceitar sozinho a homenagem dos senhores.

— Vossa Majestade, esta homenagem é... — Um oficial tentou protestar, querendo dizer que uma mulher não deveria receber a homenagem junto de um homem, mas foi logo calado por um general que surgiu do nada. O oficial arregalou os olhos e xingou mentalmente. Esses generais são rudes demais.

— Saudações a Vossa Majestade, vida longa ao Imperador! Vida longa, vida longa! — Zhao Zhong puxou a túnica e se ajoelhou diante dos dois.

Assim que ele se ajoelhou, inúmeros generais também se ajoelharam. Os ministros civis que tinham amizade com Rong Xia se curvaram de bom grado.

O chão estava gelado. Shi Jin ajoelhou-se e, ao erguer o rosto, viu o homem e a mulher de mãos dadas sob a luz da lua. Lentamente, abaixou a cabeça.

De agora em diante, ele é meu imperador, e ela, minha imperatriz. Não posso mais nutrir nenhum pensamento impróprio.

Ban Hua e Rong Xia não se mudaram imediatamente para o salão principal, mas ficaram num dos salões laterais do Palácio da Grande Lua.

Ban Hua já tinha ido várias vezes ao Da Yue Gong, mas era a primeira vez que dormia ali. Mesmo assim, não conseguia dormir.

— Huahua?

— Te acordei?

— Não — Rong Xia a puxou para seus braços —, eu também não consigo dormir.

— Então me conta uma história — disse Ban Hua, encostando-se ao peito dele. — Uma história com um começo doce e um final feliz.

— Está bem.

— Dizem que havia uma pedra estranha na terra de Shu. Tinha uma cabeça grande e um corpo pequeno, mas conseguia ficar de pé no alto de uma montanha. Os viajantes que passavam ficavam chocados ao vê-la...

A história nem chegou ao fim, e Ban Hua já tinha adormecido. Rong Xia beijou o canto dos lábios dela, fechou os olhos, sentiu o perfume de seu cabelo e também caiu no sono.

Desde pequeno, Rong Xia nunca sonhava, mas naquela noite teve um sonho estranho.

Estava em pé sobre um lago congelado. Uma garotinha vestida com roupas fofas de inverno estava diante dele, olhando-o com olhos bem abertos:

— Irmão, você pode me levar pra brincar no gelo?

Ele quis dizer que era perigoso andar no gelo, mas o rosto da menina foi se transformando no de Ban Hua. Ela olhava para ele sorrindo, e ao ver aquele sorriso, seu coração amoleceu.

Mas no instante seguinte, Huahua desapareceu. Ele olhou ao redor, aflito, e só viu uma névoa espessa e um vazio sem fim.

— Huahua! — Rong Xia abriu os olhos, virou-se para o lado e não viu ninguém ao seu redor.

— Venham!

— Vossa Majestade, quais são suas ordens?

— Onde está a imperatriz?

— Vossa Majestade, a Imperatriz foi visitar a antiga Imperatriz Viúva — respondeu Wang De ao notar a expressão preocupada de Rong Xia. — Ela disse que Vossa Majestade não vinha dormindo bem esses dias e pediu que não a incomodássemos.

— Entendi. Todos entrem e preparem a água para que eu me lave. — Rong Xia esfregou a testa. — Há quanto tempo ela saiu?

— Mais ou menos o tempo de duas xícaras de chá. — Wang De hesitou. — Se quiser, posso chamá-la agora mesmo.

— Não precisa — Rong Xia pensou por um instante. — Neste palácio, quem manda é a imperatriz. Deixe-a ir.

— Sim. — Ao ouvir isso, Wang De confirmou em seu coração que a posição de Ban Hua era mesmo suprema.

Ban Hua estava sentada na parte inferior da sala diante da Imperatriz Viúva. Esta aparentava cansaço, mas mantinha uma postura impecável. No entanto, Ban Hua podia sentir que ela já não era tão afetuosa como antes.

— Menina — disse a Imperatriz Viúva com um sorriso educado mais do que afetuoso —, não nos vemos há um ano, e você está mais digna do que nunca.

— Está zombando de mim, minha senhora? — Ban Hua tomou um gole de chá. — Desde pequena, quando é que eu tive alguma dignidade?

— Como te tratei todos esses anos? — A Imperatriz Viúva ignorou o comentário e foi direto ao ponto. — Alguma vez te tratei mal?

— Vossa Majestade sempre me tratou como uma filha. Nunca me tratou mal — respondeu Ban Hua, balançando a cabeça.

— Então me diga, por que invadiu o palácio com Rong Xia? — Os olhos da Imperatriz Viúva estavam vermelhos. — Essa é a sua forma de me retribuir?

Ban Hua não respondeu.

— As coisas chegaram a esse ponto, e eu não peço mais nada — disse a Imperatriz Viúva com um sorriso amargo. — Mas sei que você tem muito prestígio diante do novo imperador. Pode me prometer uma coisa?

— Por favor, diga.

— Pode pedir ao novo imperador que poupe a vida de Luo’er? — Ela apertava o lenço nas mãos com força. — Sei que ele cometeu muitos erros, mas a maior culpa foi minha. Fui eu quem não o educou direito. Posso garantir que, se o pouparem, nunca mais o deixarei causar problemas...

— Por quê?

Xie Wanyu abriu a porta de repente e entrou. Olhou para a Imperatriz Viúva com ressentimento:

— Por que ele deveria ser poupado depois de todas as atrocidades que cometeu? É porque corre o sangue da dinastia Jiang em suas veias? E a vida dos outros não vale nada?! Ele pode simplesmente matá-los como quiser?

— Imperatriz Viúva, a senhora tem um filho, mas todas as outras pessoas também têm. Quando Jiang Luo matou os filhos delas, a senhora pensou no sofrimento dos pais dessas pessoas? — Os olhos de Xie Wanyu estavam vermelhos, e sua voz carregava um prazer sombrio. — O que aconteceu com Jiang Luo hoje foi tudo culpa dele. Ele merece!

— Senhorita Xie, você... — A Imperatriz Viúva não esperava que Xie Wanyu aparecesse de repente. Sentou-se de volta à cadeira, atônita, sem palavras para responder.

— A Imperatriz Viúva salvou minha vida das mãos de Jiang Luo. Sou grata por isso. — Xie Wanyu ajoelhou-se diante dela e se curvou três vezes. — Mas quanto a esse pedido, não posso concordar.

Ela se levantou do chão, virou-se e fez uma reverência respeitosa para Ban Hua:

— Obrigada por sua ajuda ontem à noite.

Originalmente, assim como Jiang Luo, ela deveria ser presa na masmorra celestial, mas por causa das palavras de Ban Hua, elas — as mulheres do harém — foram levadas juntas para um palácio. Embora estivesse um pouco apertado, o ambiente era limpo, com água quente e refeições sendo servidas. Era infinitamente melhor do que a prisão.

— Os erros de Jiang Luo não têm nada a ver com vocês, mulheres do harém — disse Ban Hua, observando que Xie Wanyu estava tomada pela melancolia. Os cantos de seus olhos já estavam marcados por linhas finas. Ban Hua sentiu-se um pouco confusa. Não esperava que ela acabasse assim.

Xie Wanyu forçou um sorriso, rindo de si mesma:

— Dois anos atrás, eu me orgulhava de estar prestes a me casar com a família imperial, e você finalmente me reverenciava com um cumprimento. Não esperava transformar minha vida em um caos... Mas você...

Daqui a mil anos, alguém ainda saberá quem foi Ban Hua, mas ela, Xie Wanyu, talvez não passe de um nome apagado num canto obscuro dos livros de história — se é que deixará algum nome.

— Mas enfim, não faz sentido falar disso agora — concluiu Xie Wanyu. — Estou de saída.

Ban Hua olhou para suas costas se afastando, com o olhar ligeiramente tocado.

— Huahua, eu...

— Vossa Majestade — Ban Hua interrompeu a Imperatriz Viúva e falou diretamente: — Rong Xia é o meu homem.

A Imperatriz Viúva ficou atônita, sem entender de imediato o que aquilo queria dizer.

— Ele está disposto a me ouvir porque me trata bem — continuou Ban Hua. — Mas eu não vou abusar dessa gentileza, muito menos fazendo pedidos que possam prejudicá-lo. Ele me trata bem, e eu quero protegê-lo. Como poderia então colocar seus interesses em risco por causa de outros?

Ela se levantou da cadeira e fez uma mesura formal à Imperatriz Viúva:

— Sinto muito, não posso ajudá-la nisso.

Virou-se para sair, mas a Imperatriz Viúva agarrou seu pulso.

— Huahua, finja que estou te implorando, estou implorando! — A Imperatriz Viúva ajoelhou-se diante dela, segurando seu braço com força. Aquela mulher, que fora bela e altiva por toda a vida, naquele instante abandonava a elegância e o orgulho, tudo para tentar salvar a vida de seu filho.

— Vossa Majestade — disse Ban Hua, olhando para a Imperatriz Viúva em posição humilhante. Empurrou sua mão com firmeza. — Publicamente, pelo bem do povo, eu não posso aceitar esse pedido. Em particular, não permitirei que meu marido enfrente o imperador em meu lugar e acabe com mais problemas no futuro. Mesmo que a senhora se ajoelhe aqui hoje, eu não aceitarei.

— Você é mesmo tão cruel assim? — A Imperatriz Viúva segurava a barra das vestes de Ban Hua com voz rouca. — Como pode ser tão cruel, por quê?

Ban Hua ignorou as acusações, mantendo a voz calma:

— Não se preocupe. Após a cerimônia de coroação, pedirei a Sua Majestade que a honre como Imperatriz Viúva e a acomode em outro palácio. A senhora não passará por nenhuma dificuldade.

Ela fez uma pausa.

— Quanto ao príncipe, Sua Majestade não tirará sua vida. Desde que ele se comporte, terá riqueza e segurança pelo resto de seus dias.

A Imperatriz Viúva soltou a barra de sua roupa com fraqueza, o corpo tremendo em pranto.

— Vossa Majestade, se eu fosse a senhora, não causaria escândalos agora. Se continuar a criar problemas e ofender Sua Majestade, temo que nem a vida do príncipe será poupada.

A Imperatriz Viúva olhou para Ban Hua, surpresa. Não esperava ouvir esse tipo de palavras daquela que sempre fora vista como alguém voltada apenas para festas, boa comida e diversão.

— Vossa Majestade — disse Ban Hua, olhando para ela com os olhos límpidos e penetrantes —, sabe como meu avô morreu?

A Imperatriz Viúva permaneceu sentada no chão, atordoada. Só recobrou os sentidos depois que Ban Hua já havia deixado o salão.

Ela não sabia ao certo como o avô de Ban Hua tinha morrido, mas após a doença do imperador, começou a suspeitar da verdade. Por que Ban Hua perguntou aquilo? Ela já sabia?

Um calafrio percorreu seu corpo. Banhua... Desde quando ela sabe disso?

Quando Ban Hua voltou ao salão lateral do Palácio da Grande Lua, encontrou Rong Xia, vestido de preto, sentado à mesa fingindo ler documentos oficiais. Mas depois de tanto tempo convivendo com ele, Ban Hua percebia de longe quando ele só estava fazendo cena — e aquele não era seu jeito de ler de verdade.

— Huahua, voltou? — Rong Xia se levantou e puxou-a para sentar ao lado dele. Em seguida, estendeu o calendário de datas auspiciosas calculado pelo Qin Tianjian. — Os astrólogos disseram que daqui a cinco dias será um bom dia para a cerimônia de coroação. Após isso, indicaram mais três datas: uma no dia seguinte ao décimo segundo dia deste mês, outra no oitavo dia do mês seguinte e a última daqui a dois meses. Acho que o dia seguinte ao décimo segundo é ótimo. O que acha?

Ban Hua viu que ele havia feito anotações nas datas e assentiu:

— Não entendo dessas coisas. Se acha adequado, por mim está bom.

— Estou com pressa de fazer com que todos no mundo te chamem de Sua Majestade, a Imperatriz — disse Rong Xia, beijando a ponta do nariz dela. — Mês que vem está muito longe. Não aguento esperar.

— Não seria melhor todos me chamarem de rainha? — disse Ban Hua, distraída, brincando com os papéis do Qin Tianjian.

Rong Xia riu, abraçando-a e colocando-a sentada sobre seus joelhos:

— Posso te chamar de rainha? O mundo inteiro me chama de imperador, e você é minha rainha. Eu sou o imperador, acima de todos, exceto de você.

— Sem-vergonha — resmungou Ban Hua, empurrando-lhe o rosto antes de pular de seus joelhos. — Só de olhar pra esses papéis já fico com dor de cabeça. Melhor você lidar com isso sozinho.

— Aonde vai? — Rong Xia segurou sua mão.

— Vou sair do palácio pra ver minha família — respondeu ela, com os olhos brilhando. — Não os vejo há quase um ano. Como será que estão?

— Não se preocupe, mandarei escolta — Rong Xia se levantou. — Vou com você.

— Nem pensar — disse Ban Hua, empurrando-o de volta. — Sei o que está pensando, mas agora você não pode sair do palácio. Precisa resolver toda a bagunça que Jiang Luo deixou. E se isso vazar, vão dizer que os parentes da família Ban estão tomando o poder. Como vamos nos defender depois?

Rong Xia: ...

Eu só queria prestar honra à família Ban... Como foi que virou isso?

— O que a nossa família quer ser é uma família influente, preguiçosa e impossível de se mexer com — explicou Ban Hua —, mas não queremos ser aqueles parentes que controlam o poder e acabam exaustos. Isso dá trabalho demais... igual meu pai e meu irmão...

Ela tossiu discretamente, sentindo que talvez devesse preservar um pouco da dignidade da própria família.

— Você entende.

Rong Xia riu ao ouvir aquelas palavras:

— Não diga bobagens. Meu sogro e meu cunhado estão muito bem.

— É, os dois são os maiores bon vivants da capital, lideram todos os tipos de jogatinas — comentou Ban Hua, estalando a língua. — Está bem, é isso. Envie mais alguns acompanhantes respeitáveis comigo para fora do palácio. Pode ser considerado um presente para minha mãe.

Após pensar com cuidado, Rong Xia convocou Du Jiu, Wang De e dois confidentes de confiança, pedindo que acompanhassem Ban Hua até a mansão Jingting. Embora Ban Hua ainda não tivesse realizado a cerimônia da Imperatriz, devido à maneira como Rong Xia demonstrava consideração por ela em todos os aspectos, os cortesãos do palácio, ansiosos para agradar a nova senhora, prepararam a carruagem o mais rápido possível. O número de guardas, eunucos e servas acompanhando foi disposto de acordo com o posto de uma imperatriz principal.

Ban Hua também não se opôs a esse arranjo. Quanto mais sólida sua posição naquele momento, menos o mundo ousaria ofender a família Ban.

Antes de subir na carruagem, Ban Hua perguntou:

— Quando minha família voltou para a mansão Jingting?

— Vossa Majestade, na noite passada, Sua Majestade mandou alguém limpar a mansão do Duque Jingting e depois acolheu o duque e a madame de volta — respondeu Wang De com uma reverência. — Vossa Majestade, os presentes preparados por Sua Majestade já estão carregados. Podemos partir.

— Presentes? — Ban Hua ficou surpresa. Então Rong Xia havia preparado presentes? Como filha, ela só pensava em rever a família e acabou esquecendo desse detalhe.

— Certo. Vamos.

— Toquem os sinos!

Na mansão Jingting, os três membros da família Ban estavam sentados no pátio. Todos tinham semblantes solenes e ninguém falava. A mansão havia sido limpa com esmero, praticamente idêntica ao que era antes de ser saqueada. Mas o foco deles agora não era o estado da casa — suas mentes estavam um tanto confusas.

Escolheram com todo cuidado um homem talentoso, bonito e gentil para sua filha, acreditando que levariam uma vida pacífica por alguns anos. Mas quem diria que Jiang Luo subiria ao trono pouco depois, cortando inclusive o título de sua família?

Não que isso fosse um grande problema — afinal, já estavam mentalmente preparados. O mais absurdo era... como Rong Xia, de repente, se aliou aos rebeldes?

Num piscar de olhos, Rong Xia se tornou o líder do exército rebelde, invadiu a capital e virou o novo imperador.

As pessoas que os recepcionaram em casa na noite anterior — um imperador e uma imperatriz — os fizeram perceber, pela primeira vez, que a realidade podia ser mais absurda que uma peça de teatro.

— Pai, o senhor acha que estou sonhando? — Ban Heng olhou fixamente para Ban Huai. — Eu sou cunhado do imperador?

Ban Huai beliscou o próprio braço, e ao ouvir seu próprio grito, balançou a cabeça afirmativamente:

— Você não está sonhando.

— Qual é o problema agora? — Yin bateu na mesa. — Está achando que é fácil ser sogro do imperador? Ao longo dos tempos, quantas famílias das imperatrizes acabaram em desgraça? No fim, não só a imperatriz, mas toda a família perecia junto.

Ban Huai e Ban Heng baixaram a cabeça, obedientes.

— Antes de Huahua se casar com ele, nenhum de nós percebeu que ele tinha essas intenções. E o quão fundo esse homem é... nem você, nem eu podíamos imaginar...

— Se até nós tivéssemos percebido, ele teria conseguido rebelar-se? — retrucou Ban Huai em voz baixa. — É normal que não tenhamos notado.

— Fique calado agora. Não vou considerar você mudo — retrucou Yin.

Ban Huai: …

— Um imperador cheio de artimanhas... que chance Huahua tem contra ele? — Yin não pôde deixar de zombar. — Como ela pode vencê-lo?

Ban Heng achou que sua mãe era mesmo durona. Naquela altura, não pensava em aproveitar o prestígio da realeza, só em como sua irmã poderia se sobrepor ao novo imperador. Essa consciência política era bem diferente da de uma mulher comum do pátio interno.

— Não é querendo me gabar, mas minha irmã bate em dois imperadores — Ban Heng ergueu o queixo com orgulho. — Perguntei ao pessoal ontem. Minha irmã também esteve no campo de batalha, e é bastante respeitada pelos soldados.

— Se você tivesse metade da capacidade da sua irmã, eu não precisaria me preocupar tanto! — Yin virou-se para repreendê-lo. — Com essa sua cara, fico até com vergonha de sair dizendo que é irmão da Huahua. Não se importa de envergonhar sua irmã?

— Estive perdido por mais de dez anos... não dá pra me consertar tudo de uma vez, né? — Ban Heng olhou para Yin com expressão magoada. — Mãe, eu sou seu filho de sangue.

— Se não fosse, eu já teria te jogado pra fora de casa faz tempo — Yin respirou fundo. — Chega de brincadeira entre pai e filho. Tem duas coisas que preciso dizer.

— Primeiro, não importa quem peça algo a vocês no futuro, nunca aceitem de imediato.

— Segundo, tenham muito cuidado com quem o Heng’er vai se casar. Nossa família Ban não maltrata noras, mas também não podemos permitir que elas ponham a família inteira em risco — Yin olhou diretamente para Ban Heng. — Não se deixe seduzir por qualquer mulher nem faça coisas vergonhosas.

— Mãe, pode ficar tranquila — respondeu Ban Heng com sinceridade. — Estou acostumado a ver o rosto da minha irmã. Pra mim, todas as mulheres do mundo parecem comuns demais.

— Besteira — Yin franziu as sobrancelhas. — A beleza de uma mulher não está apenas na aparência. Se você olhar pra uma moça com essa mentalidade, é melhor nem se casar, pra não arruinar a vida de alguém boa.

Ban Heng ficou sério:

— Mãe, eu só estava brincando agora há pouco, não era de verdade…

— Senhor, senhora, minha jovem está aqui para vê-los! — O mordomo entrou correndo, com o rosto radiante. — Tem cavalos e carruagens cercando nosso portão. A senhorita chegou montada numa carruagem fênix!

Os três membros da família Ban ficaram atordoados por um instante, até entenderem que a "imperatriz" mencionada pelo mordomo não era outra senão sua filha — aquela que Rong Xia havia levado consigo para rebelar-se.

Yin levantou-se num pulo, empolgada:

— Por que ela veio agora? Será que Chao Shang vai achar ruim?

Ela murmurava, mas suas pernas não pararam nem por um segundo, correndo apressadamente em direção ao portão.

Ban Hua cruzava a estrada principal da capital numa carruagem fênix. Os guardas imperiais abriam caminho, acompanhados por eunucos e servas. A comitiva era grandiosa. Mesmo os cidadãos mais simples, sem grande vivência de mercado, ao verem os padrões de dragão, fênix e símbolos auspiciosos esculpidos na carruagem — puxada por dezoito cavalos —, afastavam-se imediatamente com respeito.

Ao chegar à mansão Jingting, Ban Hua apoiou-se na mão da criada e desceu da carruagem. Ao olhar para a placa familiar no portão, seus olhos se tornaram ligeiramente úmidos. Ela recusou a liteira preparada pelos servos e entrou diretamente pelos portões, erguendo a saia.

Cada planta e cada árvore ainda pareciam familiares, como se ela nunca tivesse partido.

A longa saia palaciana roçava sobre as pedras de ardósia limpas. Ban Hua caminhava apressadamente, e as criadas e eunucos atrás dela a seguiam com igual rapidez, com medo de demonstrar o menor descuido.

Ao se aproximar do segundo portão, ela parou de repente.

Lá estavam os três membros da família Ban, esticando os pescoços e olhando ao redor. No momento em que viram Ban Hua, Ban Heng correu em sua direção.

— Irmã! — Ban Heng correu ao seu encontro, depois contornou Ban Hua, tomou a barra do vestido que a criada segurava e passou a segui-la feito um cachorrinho.

Ao vê-lo daquele jeito, Ban Hua sorriu até os olhos ficarem vermelhos, estendeu a mão e bateu de leve em sua testa:

— Veja só como cresceu.

— Eu cresci mesmo? — Ban Heng sorriu radiante. — Este ano estive praticando boxe, e meu apetite aumentou bastante.

— É bom que um homem coma bastante — ela deu um tapinha no ombro de Ban Heng, e percebeu que ele estava mais forte que antes. Os irmãos conversaram e riram até chegarem diante de Ban Huai e Yin.

— Pai, mãe — Ban Hua ajoelhou-se diante dos dois —, sua filha foi indigna, causando preocupação aos mais velhos.

— Levante-se, levante-se — Yin enxugou as lágrimas e ajudou Ban Hua a se erguer do chão. — Basta que tenha voltado, basta que tenha voltado.

Ban Hua encostou-se ao corpo de Yin com carinho, exibindo toda a delicadeza de uma filha caçula.

Ela lançou um olhar às criadas e eunucos que a acompanhavam e disse a Wang De:

— Esperem do lado de fora. Não há necessidade de servirem aqui dentro.

— Sim. — Wang De deu um passo atrás, respeitosamente.

Yin reconheceu aquele homem como o eunuco que servia o Imperador Yunqing, mas não demonstrou nenhuma emoção. Só quando os quatro entraram no pátio interno ela comentou:

— Wang De é do Rong Xia?

Ban Hua assentiu:

— É.

— Não me admira... — Mesmo o imperador tinha ao lado um homem dele, e esse homem era o chefe dos eunucos. Se Rong Xia não se tornasse imperador, quem se tornaria?

Os três cercaram Ban Hua e perguntaram sobre tudo o que havia acontecido depois que ela saiu de Pequim. Ban Hua escolheu algumas histórias interessantes para contar, arrancando risos dos três — e, sem perceberem, o céu escureceu.

Foi só então que a família percebeu que, desde o meio-dia, não haviam comido nada além de chá e alguns petiscos.

Yin olhou para o céu e quis pedir que Ban Hua ficasse para jantar, mas a razão lhe dizia que a filha precisava voltar ao palácio.

Ela segurou a mão da filha com os dedos trêmulos e forçou um sorriso:

— Viajar à noite é difícil, você... tome cuidado.

Ban Hua olhou para Yin com um sorriso:

— A mãe não vai me convidar para jantar?

— Fico sim, fico sim! — Yin virou-se para limpar discretamente as lágrimas nos cantos dos olhos, e então sorriu para Ban Hua. — Vou mandar a cozinha preparar algo.

No quarto de hóspedes junto ao segundo portão, um jovem eunuco aproximou-se de Wang De e disse:

— Eunucho, está ficando tarde, e a senhora...

— Cale a boca — Wang De respondeu com a cabeça baixa. — A Imperatriz sabe o que faz. Não precisa dizer mais nada.

Meia hora depois, Wang De recebeu a notícia de que a Imperatriz voltaria ao palácio. Levantou-se às pressas, ajeitou as vestes e enxaguou a boca com chá antes de sair trotando do quarto de hóspedes.

Sob a noite, a família Ban acompanhava a Imperatriz até o portão, passo a passo. Até a barra do vestido da Imperatriz era carregada pelo filho mais velho da família Ban.

Wang De sabia o quanto aquela família amava Ban Hua. Ao ver aquela cena, sentiu um impulso de suspirar.

Talvez a família Ban jamais tivesse imaginado que a Princesa Ban um dia se tornaria Imperatriz.

— Vossa Majestade, partiremos de volta ao palácio — anunciou Wang De com voz elevada, sacudindo o espanador cerimonial na mão.

A carruagem começou a se mover lentamente, e Wang De, montado a cavalo, virou a cabeça. As velas vermelhas acesas diante da mansão Jingting brilhavam com intensidade. Os três membros da família Ban permaneciam imóveis sob os degraus.

Ele olhou de volta para a carruagem, também imóvel, e balançou a cabeça com um suspiro.

Esse é o destino.

129

A carruagem fênix parou diante do Palácio da Grande Lua, e, quando Ban Hua desceu do veículo com a ajuda de uma criada, viu um homem parado ao vento noturno, segurando uma lanterna em frente ao palácio.

As criadas e os eunucos ajoelharam-se todos no chão, e Ban Hua ficou ali de pé, sem conseguir conter o riso.

— Do que está rindo? — Rong Xia se aproximou dela com a lanterna, segurou sua mão e entregou a lanterna para Wang De. — Se divertiu bastante com a família?

Ban Hua assentiu, olhou para a lanterna nas mãos de Wang De e perguntou:

— Por que você está segurando a lanterna? Os que te servem não são bons o suficiente?

— Eles fazem o melhor que podem, mas você só me veria de imediato se eu estivesse segurando a lanterna — disse Rong Xia, pegando sua mão e conduzindo-a para dentro. — Mandei preparar seus pratos favoritos. Venha experimentar comigo.

— Tão tarde assim e você ainda não comeu?

Rong Xia sussurrou em seu ouvido, com um volume que só os dois podiam ouvir:

— Sem a Rainha Huahua por perto, eu não consigo dormir nem comer... como poderia ter comido?

Ban Hua o encarou, fingindo repreensão, mas no fim não mencionou que já havia comido na mansão Jingting. Só depois de jantar com Rong Xia é que tomou banho e foi dormir.

Agora, o país inteiro estava em reestruturação, e tanto o palácio anterior quanto o posterior estavam um caos. Embora Rong Xia fosse um letrado, agia com a determinação de um comandante militar. Aqueles que deviam ser exilados foram exilados, os decretos foram emitidos um após o outro, e, em apenas alguns dias, a capital voltou à sua antiga ordem. Ainda havia quem estivesse inquieto, mas pelo menos as ruas e vielas retomaram parte de sua antiga agitação.

O Rei Changqing vestia linho grosso e estava desgrenhado na fila de saída da cidade.

Ele já havia notado que, exceto pelos três primeiros dias, em que a saída da cidade era extremamente rigorosa, nos últimos dias só quem entrava era inspecionado com rigor; as exigências para sair não eram tão severas.

Como esperado, quando chegou sua vez, os guardas sequer verificaram. Após informar seu nome e endereço, foi liberado. Ao passar pelos portões da cidade, um peso foi retirado de seu peito, e ele não pôde deixar de apressar o passo.

Contanto que saísse dos limites da capital, alguém o buscaria na província de Yujing, e ele não precisaria se preocupar com seu retorno ao poder.

— Ei, você aí na frente com a trouxa, pare agora mesmo! — Ban Hua cavalgava, brincando com um chicote na mão. O chicote fora especialmente feito para ela por Rong Xia: bonito, resistente e, ao mesmo tempo, sem cortar a pele — mas doía até o fundo do coração.

O Rei Changqing congelou. Não esperava encontrar Ban Hua ali. Essa mulher não devia estar no palácio? O que está fazendo nos arredores da capital?

Ele não ousou fugir — bastaria um movimento suspeito para que todos percebessem algo errado.

— Que nobre vem chamar um camponês humilde? — disse ele, curvando os ombros como um plebeu assombrado, que nunca vira o mundo e tremia diante dos nobres.

— É você — disse Ban Hua, apontando com o chicote. — Levante a cabeça.

Antes de sair, o Rei Changqing havia passado maquiagem propositalmente. Tinha certeza de que Ban Hua não o reconheceria.

Seu rosto estava extremamente feio, com marcas de queimadura. Alguns dos que assistiam à cena até soltaram exclamações. Outros sentiram pena, achando que Ban Hua estava humilhando deliberadamente um pobre coitado.

Mas, ao verem que a jovem montava um cavalo esplêndido, vestia roupas luxuosas e era acompanhada por inúmeros guardas, ninguém ousou intervir em defesa daquele homem miserável.

— Esse rosto... — Ban Hua riu. — Tem algo estranho nele.

— Este camponês é culpado! É culpado por assustar a nobre dama! — amaldiçoava o Rei Changqing em seu coração, mas sem alterar a expressão. Ajoelhou-se diante de Ban Hua. — Peço perdão, minha senhora.

A multidão ao redor começou a se incomodar. Essa nobre já está exagerando. Só porque é rica e poderosa quer humilhar um pobre homem?

— Vossa Senhoria — uma jovem de saia se adiantou na multidão. Seus olhos traziam um certo receio, mas ela não recuou. — Um homem tão insignificante... por que perder tempo com ele? Por que não o deixa ir, para não manchar seus olhos?

Ban Hua fez um gesto para que os guardas detivessem o homem ajoelhado, então virou-se para a jovem e sorriu:

— O que você disse é bem interessante. De qual família é? Por que nunca a vi na capital?

— A posição social da pequena é baixa. Não é de se admirar que a nobre dama não tenha me visto antes — respondeu a moça, com uma reverência firme e educada. Embora não conhecesse a identidade de Ban Hua, podia ver os bordados com fios de ouro nas vestes da outra. E, num momento tão delicado quanto aquele, ousar cavalgar com tantos guardas pelo mercado só podia indicar que vinha de uma família de grande influência diante do novo imperador.

A guarda feminina atrás de Ban Hua avançou e sussurrou algumas palavras ao ouvido dela. Ban Hua assentiu.

— Seu pai é Pei Dongsheng, supervisor da Academia Imperial?

A jovem pareceu surpresa. Aquela nobre claramente não a conhecia, mas os guardas ao seu redor pareciam bem informados sobre toda a capital. Que tipo de família poderosa é essa, que pode empregar criados tão competentes?

— Respondendo à nobre dama, meu pai é apenas o ex-ofertante de vinho da Academia Imperial — disse a Srta. Pei, com outra reverência. — Fiz a senhora rir.

Ban Hua balançou a cabeça:

— Seu pai é um homem muito versado em poesia e literatura. É perfeitamente adequado para o cargo de supervisor da Academia.

A Srta. Pei sentiu o rosto esquentar. Após o imperador Fengning subir ao trono, seu pai fora demitido por ele, depois de redigir uma carta em oposição aos decretos imperiais. Agora, ser chamada novamente de ofertante de vinho fazia seu coração se embaralhar de emoções.

O pai dela trabalhou duro a vida inteira, mas, ao envelhecer, recebeu comentários tão cruéis que acabou deprimido e doente por muitos dias. Ela havia saído da cidade naquele dia para colher um tipo de erva medicinal nos arredores de Pequim, mas não esperava presenciar aquele tipo de farsa.

O que menos esperava ainda era que a jovem, que parecia tão agressiva, acabasse dizendo uma palavra de justiça em favor de seu pai.

Seu pai foi íntegro e honesto por toda a vida, nunca se envolveu com facções. Agora, os nobres da capital estavam todos ocupados tentando se aproximar do novo imperador. Quem se importaria com o pai dela? Ao ouvir aquelas palavras de repente, seus olhos se encheram, e o nariz ficou úmido de emoção.

— Agradeço pelo elogio.

— Eu não o elogiei — respondeu Ban Hua. — Apenas disse a verdade.

Ela desmontou do cavalo e deu um chute no Rei Changqing, que estava ajoelhado, derrubando-o no chão.

— Mas, veja só, sua família é toda tão correta, e ainda assim você é o melhor de todos em fingir ser coitado.

— Venham, tirem essa máscara!

A senhorita Pei se espantou ao ver que as marcas de queimadura no rosto daquele homem, que parecia tão miserável, não eram reais. Quando a camuflagem cinzenta e escura foi arrancada, revelou-se um rosto claro e bonito.

— O Rei Changqing é mesmo um bom ator — comentou Ban Hua, sorrindo ao ver o homem sendo contido pelos guardas. — Está com tanta pressa para onde, hein?

O Rei Changqing cuspiu a poeira da boca e chegou até a sorrir:

— Minha sobrinha tem olhos tão afiados... Mesmo depois de eu acabar com seu primo desse jeito, ainda consegue me reconhecer. Isso mostra que ainda tenho importância no seu coração.

PUM! Um dos guardas que o escoltava lhe desferiu um soco no rosto, fazendo com que um dos lados inchasse imediatamente.

— Primo, não pode ser assim. Meus guardas não têm lá muito bom temperamento. Se acabarem te machucando, vai ser difícil pra mim encarar minha sobrinha depois — zombou Ban Hua. — Então fique quietinho e sofra menos, sim?

— O vencedor é rei, o perdedor é bandido. Podem me matar ou cortar minha cabeça, mas parem com tanta hipocrisia.

— Já que o senhor tio fala com tanta firmeza, por que fugiu? — Ban Hua lançou um olhar para as unhas trêmulas do Rei Changqing. — Diz que não tem medo da morte, mas o corpo... é bem mais honesto que as palavras.

— Então ele é o Rei Changqing?!

— Aquele tirano?!

— É ele, matem ele!

Os espectadores, que até pouco tempo atrás tinham pena do “pobre homem”, perceberam que ele não era digno de piedade alguma. Quando viram que se tratava do temido Rei Changqing, a raiva tomou conta. Embora não ousassem ultrapassar os guardas para espancá-lo, não conseguiram conter o impulso de atirar coisas nele.

Ovos, verduras, frutas e legumes eram caros demais para serem desperdiçados, então passaram a jogar punhados de terra no homem. Alguns não tinham boa pontaria e até acertaram sem querer alguns guardas.

Ban Hua não se importava com o Rei Changqing, mas não queria que os guardas que sempre estiveram com ela se envolvessem em confusão, então falou em voz alta:

— Fiquem tranquilos! A corte jamais perdoará vilões como este!

Depois de falar, ainda deu dois chutes no chão diante do povo, para mostrar que estava do lado deles. Em seguida, ordenou aos guardas que amarrassem o Rei Changqing com cordas e o jogassem em cima do cavalo como se fosse um saco de mantimentos.

— Ban Hua! Um homem de letras pode ser morto, mas não humilhado! — gritou o Rei Changqing, indignado. — Você está indo longe demais!

— Primo, não foi você mesmo quem disse que o vencedor é rei e o perdedor é bandido? — Ban Hua deu uma leve batida nele com o chicote. — Então aceite obedientemente o que eu, a vencedora, quiser fazer com você.

A aparência vitoriosa daquela vilã estava estampada de forma vívida no rosto dela.

A senhorita Pei, que estava chocada do início ao fim, demorou a se recuperar. De quem é essa garota, que age com tanta arrogância? Ela mesma jamais ousaria fazer tais coisas, mas, por algum motivo, enquanto assistia escondida, sentiu uma pontada de inveja.

— Com licença, com licença. — Ban Hua montou novamente no cavalo, juntou as mãos em um cumprimento cerimonioso para o povo que assistia à cena, puxou as rédeas e desapareceu diante de todos.

Os transeuntes ficaram atônitos por um instante e, logo depois, começaram a aplaudir com entusiasmo.

— Gente ruim assim, quanto mais prender, melhor!

— De que família será essa nobre? Que olhos bons ela tem! Se não fosse por ela, esse crápula teria escapado!

— Olha esse estilo, esse porte... não é a Princesa Imperial? Tem toda a aparência de uma!

— Ei, o novo imperador só se casou faz dois anos. De onde viria uma princesa tão crescida assim?

Ban Hua levou diretamente o Rei Changqing para a prisão. Depois de trancá-lo, ficou do lado de fora da grade e disse:

— Primo, fique quietinho aqui na prisão. Espero que consiga dormir tranquilo todas as noites... e que as almas inocentes do povo não venham te visitar.

— Eu nunca acreditei em fantasmas nem em deuses, então não precisa dizer essas bobagens pra me assustar — respondeu o Rei Changqing com um sorriso sarcástico. — E você acha que as mãos do seu marido estão limpas?

— As mãos dos outros podem até estar sujas, e por isso eu os desprezo. Mas as mãos do meu homem, por mais sujas que sejam, continuam sendo dele — retrucou Ban Hua com firmeza. — Meu primo ainda não sabe que eu sou ótima em proteger os meus?

Liu Banshan, que estava de lado, lançou um olhar complexo para Ban Hua. Era a primeira vez que via alguém defender um duplo padrão com tanta elegância e naturalidade, sem nem um pingo de vergonha.

O Rei Changqing, que ficou sem palavras diante de Ban Hua, também ficou atordoado. Ele achava que ela iria persegui-lo com perguntas sobre as ações de Rong Xia, mas jamais esperava que ela reagisse daquele jeito.

Como aquele idiota do Ban Huai criou uma filha assim?!

Essa garota é normal da cabeça?

130

— Já que você defende seus defeitos e é tão irracional, com que qualificações você se acha no direito de julgar meu comportamento? — zombou o Rei Changqing. — Se quer me ridicularizar, diga logo. Não precisa inventar desculpas com aparência nobre.

— As mãos do meu homem estão manchadas de sangue pelo bem do povo do mundo, mas você... — Ban Hua exibiu um traço de desprezo no rosto. — Você só brinca com a vida dos outros em nome do poder. Ninguém tem as mãos limpas, mas o motivo da sujeira importa. E você não é melhor que ele.

Ban Hua falou repetidamente “meu homem”, e o olhar que lançou ao Rei Changqing estava carregado de desdém.

— Cale a boca, o que você sabe?! — o Rei Changqing se lançou contra a grade da cela. — Se não fosse pelo Imperador Yunqing, eu...

— Lorde Liu, é melhor mandar alguém vigiá-lo de perto e não deixar que ninguém se aproxime — disse Ban Hua, voltando-se para Liu Banshan. — Depois da cerimônia de coroação, Sua Majestade o punirá devidamente.

— Sim — respondeu Liu Banshan, erguendo os olhos para os do Rei Changqing, que agora pareciam retorcidos pelo ódio, e deixou escapar um leve sorriso no canto dos lábios.

O Rei Changqing estava prestes a cuspir todas as mágoas e rancores quando viu Ban Hua simplesmente virar as costas e ir embora sem o menor interesse. Era como se alguém tivesse despejado óleo sobre o fogo de sua fúria: ele explodiu num acesso de cólera. Aquela atitude — de não se importar nem um pouco com o que ele dizia, de agir como se seus sentimentos não importassem — foi pior do que se alguém o estivesse esculachando em público.

Ele chutou a grade da cela duas vezes com força e começou a gritar palavrões.

Nobres, ambulantes, plebeus — quando perdem o juízo, são todos iguais: sem modos, sem compostura.

Liu Banshan lançou um último olhar ao Rei Changqing, que parecia à beira da loucura, ordenou que a segurança fosse reforçada ali, e seguiu o exemplo de Ban Hua: não disse mais uma palavra ao prisioneiro e se retirou da prisão.

Para alguém como o Rei Changqing, o mais insuportável era ser ignorado. Quando ninguém lhe dava atenção, sentia-se atacado, como um sapo ferido que se debate em desespero.

Ao sair da prisão, Ban Hua retornou apressada ao Palácio da Lua. No caminho, cruzou com alguns ministros que tinham acabado de conversar com Rong Xia. Ela apenas fez um aceno de cabeça e passou direto. Os ministros se entreolharam ao vê-la entrar no Palácio da Grande Lua como se fosse dona do lugar, e então recuaram com as cabeças baixas.

— Você acertou — disse Ban Hua ao se sentar ao lado de Rong Xia —, o Rei Changqing realmente tentou fugir da cidade hoje, e ainda por cima se disfarçou de homem com o rosto queimado, exatamente como você previu.

Antes de ela sair naquela manhã, Rong Xia havia comentado que era muito provável que o Rei Changqing tentasse escapar disfarçado no meio do povo. Para não ser reconhecido pelas patrulhas, ele provavelmente usaria maquiagem pesada ou fingiria ser deformado. Ban Hua achou que era apenas suposição, mas os fatos mostraram que Rong Xia estava certo.

— Ele sempre foi muito vaidoso com a própria aparência, então é natural que, ao fugir, a primeira coisa que fizesse fosse disfarçar o rosto — disse Rong Xia, largando o pincel e sorrindo para Ban Hua. — Uma pessoa extremamente vaidosa sempre acredita que os outros se importam com o rosto dela tanto quanto ela mesma.

Ban Hua revirou os olhos: ...

— Não fale dessas coisas desagradáveis agora — disse Rong Xia, pegando a mão dela. — Venha comer.

Os dois lavaram as mãos sob os cuidados das criadas, e Ban Hua perguntou de repente:

— A cerimônia de coroação é depois de amanhã... está nervoso?

— Se você me observar lá de baixo, não vou ficar nervoso.

Ban Hua não conseguiu conter o riso.

— Eu sou tão incrível assim?

— Para mim, Huahua, você é a mais poderosa de todas.

— Tá bom, trate de manter isso depois.

Após o jantar, um eunuco veio informar que o ex-príncipe desejava ver Rong Xia.

Ban Hua se levantou:

— Conversem, vou descansar atrás do biombo um pouco.

Ela sabia que, com ela presente, o príncipe jamais ficaria à vontade. Melhor se afastar.

O príncipe entrou no salão lateral do Palácio da Grande Lua. Tirando alguns eunucos servindo chá, apenas Rong Xia estava ali. Ele fez menção de se ajoelhar para prestar reverência, mas Rong Xia o deteve.

— Vossa Alteza não precisa de tanta formalidade.

— As cerimônias não podem ser abandonadas — respondeu o príncipe com leveza.

Como insistiu, acabou se ajoelhando, e Rong Xia retribuiu com uma meia saudação. O clima entre eles era muito menos hostil do que seria esperado entre um antigo herdeiro e um novo imperador.

— Vim hoje porque desejo entregar algo a Vossa Majestade — disse o príncipe, segurando uma caixa de madeira diante de Rong Xia. — No momento, não tenho mais nada de valor, só posso oferecer isso como presente de felicitações pela sua coroação.

Rong Xia recebeu a caixa com as próprias mãos. Ao abri-la, viu o Chuan Guo Yuxi, o selo imperial de jade. Sob o selo havia um decreto, escrito de próprio punho pelo príncipe. A maior parte era dedicada a elogiar o caráter e a capacidade de Rong Xia; o restante declarava a disposição do príncipe em abdicar do trono e permitir que Rong Xia governasse o mundo.

— Agradeço por sua grandeza, Vossa Alteza.

O príncipe apenas balançou a cabeça com um sorriso. Após trocar mais algumas palavras com Rong Xia, levantou-se para ir embora.

Não era que ele não tivesse fantasias sobre o trono — apenas sabia que a realidade era outra. Desejar não fazia as coisas acontecerem. Atualmente, ele ainda residia temporariamente no Palácio Leste, mas com seu novo status, viver ali já parecia um alívio.

Um eunuco se aproximou para ajudá-lo, mas ele recusou com um gesto. Entrou sozinho no portão do Palácio Leste e, ao cruzar com a princesa herdeira, que o olhou com frieza, hesitou por um instante, sem saber o que dizer.

Entre eles já não havia mais diálogo. O príncipe sabia que a princesa estava insatisfeita com sua abdicação, mas ele também não podia ignorar o bem-estar de todo o Palácio Leste... e da própria rainha-mãe.

A concubina o saudou com reverência, e quando estava prestes a falar, viu o príncipe virar-se em direção ao salão lateral.

Ela não se conteve e perguntou:

— Para onde o príncipe deseja ir?

— Vou ao estúdio ler um livro.

— O príncipe está mesmo tão relutante em falar comigo agora? — Shi Shi o olhou com mágoa. — Fui casada com você por tantos anos. Mesmo que não tenha méritos, ao menos me esforcei. Por que o príncipe me trata com tanta frieza?

— Shi Shi — o príncipe esfregou a testa, exausto. Desde que fora colocado sob prisão domiciliar pelo Imperador Feng Ning, seu corpo definhava dia após dia, e agora sua túnica de brocado pendia frouxa sobre os ombros. Ele suspirou. — Não me chame mais de príncipe. Eu já não sou mais o príncipe.

A princesa não conseguiu se conter:

— Eu não entendo... por que você recusou o pedido de Rong Xia para assumir o trono?

— Shi Shi, eu não posso subir ao trono, e não devo subir ao trono. Você entende? — o príncipe parecia irritado. — Você também não é mais a princesa herdeira. Entendeu?

— Está dizendo que se subir ao trono vai morrer? — Shi Shi rosnou, com a voz baixa. — Mesmo que eu pudesse ser rainha só por um dia, que fosse por meio dia, ao menos estaria registrado na história que eu fui uma rainha! Não uma princesa herdeira descartada!

— Você está obcecada e fora de si! — o príncipe empalideceu de raiva. — Se quer tanto ser rainha, então arrume um homem que possa fazer isso por você. Eu não posso te dar o que você quer!

O príncipe jamais tinha dito palavras tão duras a Shi Shi. Mas agora, aquilo era o máximo da sua franqueza.

Vendo o príncipe se afastar com um gesto brusco das mangas, Shi ficou ali, paralisada. Será que ele realmente... já se cansou de mim?

— Princesa... a senhora está bem...

PÁ! Shi Shi deu um tapa com as costas da mão no rosto da criada.

— Que bobagem é essa que você está dizendo? Não ouviu o que o príncipe disse? Eu não sou mais a princesa herdeira!

A criada ajoelhou-se no chão, lágrimas nos olhos, pedindo perdão sem ousar emitir uma queixa.

O Palácio Leste, naquele momento, era como um túmulo. Os que estavam dentro pareciam mortos em vida; os que estavam fora, não queriam se aproximar.

No dia em que Rong Xia subiu ao trono, o céu estava claro e ensolarado, com algumas nuvens brancas salpicando o azul do firmamento — um cenário que inexplicavelmente fazia o coração se encher de alegria.

As regras da cerimônia de coroação eram extremamente rigorosas. Não apenas os ministros se viam exaustos, como até mesmo o novo imperador não tinha descanso fácil.

Chuan Yuxi! — anunciou em voz alta o oficial do Ministério dos Ritos.

Uma mulher vestida com trajes vermelhos e um vestido palaciano bordado com peônias douradas entrou no salão, carregando uma caixa de madeira de nanmu revestida de seda dourada, e caminhou passo a passo em direção ao centro.

Uma mulher?!
É uma mulher quem carrega o Selo Imperial?!

Alguns cortesãos ficaram horrorizados; outros permaneceram impassíveis. Mas, independentemente do que se passava nos corações deles, aquela mulher com coroa dourada e vestes palacianas liderava trinta e dois guardas robustos, ajoelhando-se com firmeza no centro do salão.

Ban Hua ergueu a caixa de nanmu revestida com seda dourada e declarou em voz alta:

— Desejo que o meu imperador reine para sempre, que o povo viva em paz e prosperidade, e que o mundo dance e cante em harmonia!

Ela se levantou. Os trinta e dois guardas ainda estavam ajoelhados no chão, imóveis.

Os degraus do salão eram feitos de ouro puro. Ban Hua colocou o pé direito sobre o primeiro deles e subiu, passo a passo, em direção a Rong Xia.

Os degraus estavam divididos em cinco seções, cada uma com nove degraus. Segurando a caixa de madeira com firmeza, ela subia com passos estáveis — até alcançar o último degrau.

— Majestade. — Ela tentou se ajoelhar para entregar o selo imperial a Rong Xia, mas ele segurou seus braços e pegou o selo de suas mãos.

Rong Xia segurava o Yuxi com a mão esquerda e Ban Hua com a mão direita. Virou-se e sorriu para ela.

Os cortesãos se ajoelharam em uníssono e gritaram “longa vida” três vezes.

No primeiro ano da Dinastia Ying, o imperador fundador Rong Xia, com apenas vinte e seis anos, subiu ao trono. Seu nome de reinado foi Cheng'an, e por isso, esse ano também ficou conhecido como o primeiro ano de Cheng'an.

Após a ascensão oficial de Rong Xia, o primeiro decreto imperial foi conceder ao antigo príncipe herdeiro o título de Príncipe da Paz e presenteá-lo com uma residência.

Quando o povo soube disso, todos louvaram a benevolência e generosidade de Rong Xia, que tratava o ex-príncipe herdeiro com tamanha cortesia.

Alguns oficiais também sugeriram que a ascensão do novo imperador deveria ser celebrada com uma anistia geral, para que o povo inteiro comemorasse. No entanto, Rong Xia recusou.

— Os prisioneiros que estão cumprindo pena o fazem por suas próprias faltas — declarou Rong Xia com calma, sentado no trono imperial. — Perdoar seus crimes não é motivo de júbilo para o povo, mas sim uma injustiça para os cidadãos comuns.
Se é para que todos celebrem, é melhor isentar de impostos, por um ano, as regiões mais afetadas por calamidades. Isso, sim, é o verdadeiro júbilo do povo.

— O nome de Vossa Majestade será lembrado com honra — declarou Zhou Bingan ao se levantar. — Essa foi uma decisão admirável.

— Glória ao nome de Sua Majestade.

Depois disso, Rong Xia recompensou alguns soldados meritórios, e também reconvocou oficiais civis que haviam sido desprezados por Jiang Luo. A corte imperial estava enfraquecida, mas não houve o menor sinal de caos.

Especialmente o fato de que Rong Xia se recusou a conceder uma anistia, mas mostrou-se disposto a isentar os impostos nas regiões mais atingidas, fez com que o povo o aplaudisse — e, por tabela, amaldiçoasse o antigo imperador por sua estupidez e desgoverno.

Muitos servidores civis retornaram aos seus cargos, entre eles Pei Dongsheng, que antes havia sido afastado por se recusar a bajular. Ao receber o decreto palaciano, Pei chorou de alegria, e em dois dias sua saúde já havia melhorado pela metade.

A senhorita Pei lembrou-se, de repente, daquela nobre dama que encontrara dez dias atrás. Aquela mulher dissera que seu pai era o mais adequado para ocupar o cargo de oferente da Academia Imperial. Pouco tempo depois, seu pai foi de fato reintegrado. Quem era aquela dama?

Quem, afinal, pode chamar o Rei Changqing de primo?

Alguns estavam dispostos a servir Rong Xia. Outros, porém, permaneciam sentados em casa, adotando um ar de nobre desdém, fingindo lealdade à dinastia anterior para demonstrar sua integridade moral. Chegaram até a compor poemas para exaltar seu espírito elevado e seu desprezo pelo mundo de vaidades.

Mas essa pose de superioridade não durou muito antes de ser, “acidentalmente”, esmagada com um tapa bem dado pela família Ban.


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