136
O Príncipe He não teve coragem de desviar o olhar e disse lentamente:
— Segundo irmão, esse é o castigo que você merece.
— Você até tem medo de Rong Xia? — Jiang Luo se deitou diante da porta e disse com a voz rouca. — Se até você não se importa mais comigo, então não existe mais ninguém no mundo que se importe comigo.
— Você é realmente um sem-vergonha — disse Ban Hua, colocando-se diante do Príncipe He. — Ainda tem a audácia de bancar o coitado depois de cometer tantos crimes? Só se acha tão seguro porque percebeu que seu primo tem o coração mole.
Liu Banshan achou que a expressão “se acha seguro por ser favorecido” talvez não fosse a mais adequada nesse contexto.
— Ban Hua... — Jiang Luo a encarou atônito, e então soltou uma risada histérica. — E você? Uma ex-princesa... o que vai acontecer com você e Rong Xia? Eu acabei assim, nessa miséria. Quantos dias felizes você ainda terá?
Ban Hua zombou:
— Não sei quantos dias terei, mas pelo menos agora sou a imperatriz — e você, um prisioneiro. Em vez de se preocupar comigo, devia estar pensando no seu próprio futuro.
— Huahua é como uma parente, uma companheira e a pessoa de quem mais gosto — Rong Xia se aproximou de Ban Hua, os olhos frios como o inverno, um olhar que congelava até os ossos. — Parece que o tempo que você passou preso ainda foi pouco, Rei Li. Caso contrário, não estaria falando tanta besteira.
Ao se lembrar dos dias na prisão do céu, o medo retornou ao olhar de Jiang Luo.
Ban Hua o olhou com calma, abaixando levemente as pálpebras.
Rong Xia deixou de encará-lo e voltou-se para o Príncipe He:
— Príncipe He, o senhor acha mesmo que eu vou acreditar que foi ele quem mandou assassinar Huahua?
O Príncipe He olhou para Jiang Luo na cela e, após um momento, respondeu com dificuldade:
— Não foi ele.
— Parece... que Vossa Alteza sabe quem foi o mandante? — Rong Xia virou-se para o Príncipe He com um tom de voz casual, como se estivesse perguntando algo trivial.
O príncipe ficou em silêncio por muito tempo antes de dizer:
— Sim, eu sei.
Ban Hua olhou para ele, surpresa. Sempre pensou que o Príncipe He não tinha nada a ver com aquilo, mas de repente ele afirmava saber quem era o culpado.
— Quem?
O calabouço mergulhou em silêncio. Ban Hua continuava a encará-lo, sem dizer mais nada.
— Foi minha princesa... Shi Suyue.
Na Mansão do Príncipe.
Madame Shi vestira sua túnica mais luxuosa, com um grampo de cabelo com nove fênix adornando os fios, e sentava-se ereta na cadeira de espaldar alto. No instante em que os guardas imperiais invadiram o salão, ela sorriu.
— Princesa consorte — Du Jiu entrou no pátio principal e observou a mulher sentada com imponência. Seu porte era digno e majestoso. Embora não fosse uma mulher extremamente bela, sua presença superava a de qualquer outra. — Recebi ordens de Sua Majestade para prendê-la e levá-la ao palácio.
— Prender? — Shi se levantou lentamente. — Este palácio já esperava por esse dia. Como o novo imperador poderia tolerar os antigos do regime anterior? No fim das contas, trata-se apenas de uma vida. Levem-na.
Du Jiu sorriu levemente:
— A senhora entendeu mal. Sua Majestade quer que colabore na investigação sobre o atentado à imperatriz.
Shi ficou pálida, mas sua altivez não se abalou:
— O que Sua Majestade quiser fazer, basta uma ordem. Não há necessidade de desculpas. Como mulher fraca, só posso obedecer.
Du Jiu entendeu o que ela queria insinuar — que o imperador estava sendo cruel com os antigos da dinastia anterior. Mas ele já estava acostumado com esses joguinhos do harém desde sua época como espião, e não se impressionava nem um pouco.
Lançando um olhar ao redor, viu os criados da mansão do príncipe em silêncio absoluto, dominados pelo medo. Sorriu:
— Princesa, a senhora não é uma nobre do harém. Não deve se referir a si mesma como “este palácio”. Por favor, cuide de suas palavras.
— Peço também que nos acompanhe imediatamente.
Shi soltou uma risada fria e saiu porta afora.
Ao cruzar o portão da mansão, parou e perguntou a Du Jiu:
— Onde está o príncipe?
Du Jiu fez uma reverência:
— Princesa, não se preocupe. Tenho uma ótima relação com Sua Alteza.
Shi franziu a testa:
— Não perguntei se ele está bem. Quero saber sobre ele... — Ela hesitou, mas no fim, não completou a frase.
Naquele momento, o céu já estava completamente escuro. Exceto pelas lanternas penduradas no palácio, não se via mais nenhuma luz nas ruas. Ela olhou para a carruagem parada diante de si — era lindamente entalhada com desenhos de fênix.
Com a ajuda da criada, subiu na carruagem, virou-se para encarar os guardas que a cercavam. Os rostos deles estavam mergulhados nas sombras — algo naquela cena dava um arrepio inquietante.
Do lado de fora do Portão de Suzaku, Shi Jin foi barrado pelos guardas.
— Lorde Shi, por favor, volte. Já está tarde. Sua Majestade não o receberá agora — disseram os guardas, tentando ser diplomáticos. — Se for algo urgente, pode entregar uma carta no Palácio da Grande Lua. Mas entrar no palácio neste momento... receamos que não será possível.
— Peço que transmitam meu pedido! É realmente uma questão urgente!
Os dois guardas se entreolharam, hesitaram por um tempo, e finalmente disseram:
— Aguarde um pouco. Vamos mandar alguém avisar. Mas não garantimos que será atendido.
— Agradeço muito, generais!
— Não se atreva, não se atreva — disse o guarda, sorrindo timidamente. — Somos apenas soldados rasos, como podemos ser chamados de generais? O verdadeiro general é o senhor, Lorde Shi.
— Esperem... esse não é o Portão de Suzaku — Shi levantou a cortina da carruagem e olhou ao redor. — Este é o Portão de Xuanwu.
Du Jiu a ignorou e conduziu o grupo diretamente para dentro do palácio.
No salão principal do Palácio da Grande Lua, Ban Hua sentava-se à direita de Rong Xia, ao lado do Príncipe He, com uma expressão atônita e sombria. Ao ver Du Jiu entrar, lançou um olhar rápido para trás.
— Sua Majestade, a Princesa Consorte já foi trazida.
— Que entre — disse Rong Xia.
Ele então lançou um olhar frio ao Príncipe He:
— Príncipe He, tem algo a dizer?
O Príncipe He balançou a cabeça em silêncio, sentindo-se extremamente derrotado.
Shi entrou no salão sem fazer reverência a Rong Xia nem a Ban Hua, tampouco olhou para o Príncipe. Manteve-se ereta, encarando Rong Xia e Ban Hua sem hesitação, com um sorriso sarcástico nos lábios:
— Agora vocês estão sentados aí em cima, mas apenas porque seus métodos são mais eficazes.
— Você é mesmo estranha — retrucou Ban Hua. — Não culpa os homens de Jiang Luo, nem a família Jiang por mergulhar o mundo no caos, e ainda assim despeja todo seu rancor sobre nós. A troca de dinastia é algo natural. Ou será que o trono da família Jiang também não foi tomado da família Sima?
— Ban Hua, você só chegou onde está por causa do seu rostinho bonito — Shi ergueu o queixo. — Não precisa bancar a eloquente comigo nem se exibir com seu título de imperatriz. O que mais existe no harém são mulheres. E belas mulheres... mais cedo ou mais tarde, todas se frustram.
— E o que tem meu rostinho bonito? Por acaso comi do seu arroz ou bebi da sua água? — Ban Hua se levantou da mesa, sorrindo. — Na verdade, acho que você e sua irmã têm bastante coisa em comum. Por exemplo, esse hábito de desprezar meu rosto.
— Mas me diga, por que me despreza tanto? Só porque sou bonita? — Ela riu. — Se é isso, então que continue me desprezando pelo resto da vida. Só não sei se é desprezo mesmo… ou inveja.
— Cale a boca, mulher vulgar que só sabe atrair homens com aparência! Como se pudesse se comparar a mim! — Shi apontou para Ban Hua, exaltada. — Mesmo que eu morra hoje, minha alma inocente ainda vai observar você todos os dias. Quero ver por quanto tempo ainda vai se orgulhar!
Ban Hua percebeu que Shi a odiava com intensidade — ou talvez estivesse apenas completamente insatisfeita com ela. Desceu os degraus, segurou a mão que Shi usava para apontar para ela e, com um giro firme, torceu-a e a empurrou com facilidade alguns passos para trás:
— Uma mulher tão bem-educada como a Princesa He deveria saber que apontar para os outros é falta de educação, não?
Shi recuou com dor, cobrindo a mão, e lançou-lhe um olhar cheio de ódio:
— Ban Hua, você recebeu todos os favores da família Jiang, mas entregou a Rong Xia o Talismã do Tigre dos Três Exércitos! Você é digna dos ancestrais da família Jiang? Tem mesmo a face da Princesa Dening?
Ela deu o Talismã do Tigre a Rong Xia?
Ban Hua arqueou as sobrancelhas. Começava a entender por que Shi queria sua morte. Em seu coração, Shi acreditava que ela havia entregue o talismã a Rong Xia, ajudando-o a conquistar o apoio dos generais, e por isso a Dinastia Jiang teria caído.
— Princesa Heqin, talvez você não entenda algumas coisas — disse Ban Hua, olhando para Shi com simpatia. — Não fui eu quem impediu você de se tornar imperatriz, foi a própria família Jiang. Eu sou imperatriz porque meu marido é o imperador. Sem mim, ele ainda seria imperador.
— O que a família Jiang perdeu... foi o coração do povo — ela balançou a cabeça e suspirou. — Se você não consegue nem entender isso, então foi mesmo uma sorte não se tornar imperatriz.
— Cale a boca, cale a boca! Tudo isso é desculpa!
De repente, Shi arrancou a presilha dourada dos cabelos e correu em direção a Ban Hua. Mas Ban Hua desviou com facilidade, tocou o pulso de Shi com a ponta dos dedos e a fez derrubar a presilha. Em seguida, desferiu-lhe um tapa que a jogou ao chão.
— Se não for necessário, não bato em mulher — disse ela, alisando as mangas com expressão serena.
— Huahua! — Rong Xia correu até ela. — Você está bem?
— Estou sim — respondeu ela com um gesto de cabeça. Ao ver que o Príncipe He também se aproximava, completou: — Isso é um assunto entre nós, mulheres. Vocês, homens, não precisam se meter. Voltem e sentem-se.
Rong Xia lançou um último olhar a Shi, que jazia no chão, e retornou ao seu assento.
O Príncipe He permaneceu parado por um instante, depois virou-se lentamente e fechou os olhos. Ele conhecia Huahua. Ela sempre foi tolerante com outras mulheres. Mas, desta vez, Suyue a havia ofendido completamente.
— Se fosse só me matar, eu perdoaria desta vez, já que não teve sucesso... e porque você é esposa do meu primo — Ban Hua agachou-se, segurou o pescoço de Shi e a obrigou a encará-la. — Mas se você ousar tocar no meu homem, então eu não vou perdoar.
Shi murmurou com a voz rouca:
— Mesmo que você me mate, e daí? Ainda sou a última princesa da Dinastia Daye. Meu nome será lembrado na história. Hoje perdi minha vida em suas mãos, e mesmo que mil anos se passem, as gerações futuras saberão que você é uma imperatriz com sangue nas mãos!
— A morte é como uma lâmpada que se apaga. Não ligo para o que os outros dirão no futuro — Ban Hua olhou para o rosto orgulhoso de Shi e, sem conter-se, deu-lhe um tapa com toda a força. — Quer ser lembrada pelas gerações futuras? Pois bem. Eu vou realizar seu desejo.
— Primo — Ban Hua voltou-se para o Príncipe He com expressão impassível e soltou o pescoço de Shi — Shi cometeu adultério com estrangeiros, conspirou para assassinar a imperatriz. Não é digna do título de princesa. Hoje eu decido por você: divorcie-se dela. Assim ela será lembrada na história.
— Não! Você não pode fazer isso! — Shi não suportava ver seu título se tornar pó. Caiu de joelhos, arrastando-se até o Príncipe He. — Meu senhor, somos um casal! Você não pode me tratar assim!
O Príncipe He olhou para Shi, com o penteado bagunçado, e lembrou-se de seu segundo irmão, na prisão do céu. Quando o segundo irmão lhe implorou, estava exatamente do mesmo jeito. Não era amor verdadeiro pelo irmão mais velho — apenas a certeza de que ele devia interceder e perdoar.
Com Shi era igual. Casou-se com ele porque era o príncipe herdeiro. O que ela valorizava não era o homem... era o título.
— Meu senhor, meu senhor... — Shi Suyue segurou a túnica do Príncipe He. — Pode dizer alguma coisa?
O Príncipe He se abaixou, tirou um lenço e enxugou as lágrimas do rosto de Shi Suyue. Em seguida, foi soltando lentamente a mão dela.
— Shi Suyue, como fui com você todos esses anos?
Shi o olhou confusa, sem saber o que responder.
— Casei-me com você naquela época, e depois, quando meu pai me concedeu duas concubinas, sempre me senti culpado. Finji que você não sabia das concubinas que me deu, e sequer fui vê-las — o Príncipe He sorriu com amargura. — Não sei se isso foi uma forma de te proteger ou de te machucar. Você foi se tornando cada vez mais altiva, e muitas vezes me perguntei se fui eu quem a feriu, se fiz você se sentir infeliz no Palácio Oriental.
— Depois descobri que você nunca se importou com o que eu pensava. Você queria era uma posição estável como consorte e um genro poderoso. — Ele apontou para o próprio peito. — Suyue, mesmo sendo um homem da família imperial, eu também tenho um coração.
Shi Suyue o encarou em silêncio e, depois de um tempo, perguntou:
— Se não teve nada com aquelas concubinas... então por que as deixou engravidar?
— Já se esqueceu? — O Príncipe He se ergueu e deu dois passos para trás. — Foi você quem arranjou para que elas fossem ao meu quarto quando eu estava bêbado. Hoje só tenho uma filha, e a mãe dela morreu no parto, sangrando até a morte. Nunca investiguei se foi acidente ou crime... nem me atrevo a investigar.
— Tudo isso é culpa minha. Sinto muito por você, e também por elas. — O Príncipe He fechou os olhos, evitando o olhar de Shi Suyue. — Suyue, já que não há amor entre nós, por que forçar isso?
— No fim das contas, você só quer conquistar o coração de Ban Hua e se divorciar de mim! — Shi Suyue olhou para ele com amargura. — Ela não é sua irmã de sangue, é sua prima. Por que a trata tão bem?!
— Suyue, você ainda não entende — ele balançou a cabeça. — Certas coisas não se medem por status nem por interesse. Embora eu seja indeciso e sem grandes habilidades, se alguém me trata com sinceridade, eu percebo.
— Por causa da sua família Shi, já deixei Huahua sofrer uma vez. Não deixarei que ela sofra uma segunda. — O Príncipe He abriu os olhos, agora com firmeza. — Majestade, eu não tenho objeções.
— Jiang Han, eu te odeio! — Shi Suyue estava com os olhos vermelhos, à beira da loucura. — Você entregou o trono a outro! Tramei por tanto tempo e agora me abandona por causa dela. Você não tem consciência!
— Está fazendo isso por mim… ou por você mesma? — O Príncipe He suspirou, decepcionado. Então virou-se para Rong Xia e disse: — Majestade, minha incompetência em cuidar da casa colocou a imperatriz em perigo. Sinto-me extremamente envergonhado. Agora que tudo já foi resolvido, peço a Vossa Majestade permissão para me retirar dos assuntos da corte e guardar o túmulo da família real Daye.
— Primo… — O rosto de Ban Hua empalideceu levemente. — Por que se incomodar com isso?
— Majestade, não sou um homem de grandes estratégias. Se eu for para o mausoléu imperial, ao menos terei um pouco de paz. — Ele fez uma reverência profunda a Rong Xia. — Espero que Vossa Majestade e a imperatriz me concedam esse desejo.
— Concedido.
Ban Hua olhou para Rong Xia e para o Príncipe He, mas permaneceu em silêncio.
— Meu senhor, meu senhor... — Shi Suyue tentou agarrar a perna do Príncipe He, mas ele não olhou para trás. Apenas se virou e deixou o salão, desaparecendo na escuridão da noite.
— Vossa Alteza! — Shi Suyue se jogou diante da porta, chorando. — Eu errei, eu realmente sei que errei! Não me trate assim...
Quando alguém indeciso escolhe não olhar para trás, é porque o coração já se partiu. E não há dor maior do que um coração partido.
1
Nesse momento, um eunuco apareceu do lado de fora do salão e anunciou:
— Majestade, Imperatriz, o Lorde Shi solicita audiência.
— Tão tarde? O que ele quer agora? — Ban Hua lançou um olhar a Shi Suyue, depois se voltou para Rong Xia e murmurou — Será que veio interceder por ela?
Rong Xia segurou sua mão e respondeu ao eunuco:
— Que entre.
— Isso não vai causar mais problemas? — Ban Hua tossiu levemente.
— Não se preocupe — Rong Xia sorriu gentilmente. — Certas coisas devem ser resolvidas o quanto antes.
Assim que Shi Jin entrou no Palácio da Grande Lua, viu Shi Suyue caída no chão, chorando amargamente. Seu coração disparou. Aproximou-se rapidamente e cumprimentou Rong Xia e Ban Hua com respeito:
— Saudações, Majestade. Saudações, Vossa Majestade.
— Lorde Shi, não precisa de tanta formalidade. Pode se sentar.
— Este humilde ministro cometeu um erro. Não me atrevo a me sentar. — Shi Jin levantou a barra da túnica e se ajoelhou diante de Rong Xia. — Suplico o perdão de Vossa Majestade.
— Oh? — Rong Xia arqueou as sobrancelhas, serviu uma xícara de chá para Ban Hua e então voltou-se para ele. — De que crime Lorde Shi se acusa?
— Minha irmã foi ousada demais e ofendeu a imperatriz. Este ministro está aterrorizado e vem implorar perdão. — Shi Jin curvou-se novamente, desta vez diante de Ban Hua. — Suplico que me castigue.
Com a testa tocando o chão frio, Shi Jin não pôde ver a expressão de Ban Hua — tampouco teve coragem de encará-la.
— Lorde Shi veio interceder por Shi Suyue? — Ban Hua olhou para ele ajoelhado, depois voltou-se para Shi Suyue. — Shi Suyue, você alguma vez pensou que, se falhasse, sua família também seria afetada? No seu coração, o trono vale mais que seus familiares?
Shi Suyue balançou a cabeça com força:
— Isso foi algo que eu fiz sozinha. Não tem nada a ver com ele. Por favor… Majestade, por favor, tenha misericórdia de mim.
Ela não havia implorado a Ban Hua antes, mas naquele momento, finalmente pediu clemência.
— Se sabia que isso poderia acontecer, por que se arriscou? — Ban Hua fez um gesto com a mão. — Shi Jin, pode se retirar. Isso não tem a ver com você.
— Minha senhora…
— Cale a boca — Shi Suyue não queria que ele dissesse mais nada. Ela olhou para Ban Hua sentada no trono, tão linda que parecia irreal, e enxugou as lágrimas.
— Fiquei noiva do príncipe aos nove anos. Diziam que eu seria princesa consorte, futura imperatriz. Que eu nascera para ser rainha. Esperei e esperei… tudo o que queria era vestir o manto de fênix, a coroa de fênix, e receber as reverências das esposas dos ministros.
— Eu nasci para ser uma imperatriz — Shi Suyue olhou para o próprio braço bem cuidado, enquanto a luz em seus olhos se apagava pouco a pouco. — Eu… não me conformo.
Mas naquele momento, ao ver que seu irmão preferia ofender Rong Xia a ir até o palácio interceder por ela, a mágoa e o ressentimento de Shi Suyue pareciam não transbordar tanto quanto antes.
— Eu me declaro culpada — disse ela, com voz firme —, mas esse assunto não tem relação com mais ninguém. Que a imperatriz poupe os outros.
Rong Xia não respondeu. Estava olhando para Ban Hua.
Ban Hua entendeu que ele queria deixar a decisão nas mãos dela, então respirou fundo para se acalmar e chamou Du Jiu, que estava de guarda do lado de fora:
— Du Jiu, envie alguém para investigar toda a capital e procurar os remanescentes da dinastia anterior. Não matem inocentes indiscriminadamente, mas não poupem aqueles que tramam o mal.
— Sim! — Du Jiu ficou assustado. A imperatriz estava ordenando uma investigação completa sobre os antigos lealistas. Se alguém ainda alimentasse saudades do passado e planejasse restaurar a antiga dinastia, não escaparia de uma varredura tão minuciosa.
Dessa vez, a imperatriz realmente estava furiosa. Do contrário, não mostraria tanta aversão ao passado.
Ele se retirou para cumprir as ordens, mas, ao sair do Palácio da Grande Lua, não pôde deixar de parar ao lembrar das palavras de Jiang Luo na prisão. A imperatriz está tão furiosa assim apenas porque Shi Suyue mandou alguém para assassiná-la... ou porque ela queria matar Sua Majestade?
Embora o imperador não demonstrasse claramente suas emoções, era possível perceber que ele se importava profundamente com a imperatriz.
Mas a imperatriz...
Aparentemente pura e inocente, com uma mente simples, parecia agir apenas conforme seu coração. No entanto, se alguém observasse com atenção, veria que ela era uma mulher extremamente complexa. Desde pequena, tivera tudo de bom — comida farta, roupas finas, atenção constante — e ainda assim praticava artes marciais.
Qualquer um que treinou artes marciais sabe: sem suportar sofrimento, não se alcança um bom nível, por mais talento que se tenha.
Além disso, embora diziam que ela não sabia compor poemas, ela tampouco era desprovida de talento literário, como os boatos espalhavam. Suas habilidades marciais deixavam muitos jovens constrangidos. Embora fosse um pouco preguiçosa e voluntariosa, jamais ultrapassara os limites como fazia o Imperador Yunqing.
Quanto mais pensava nisso, mais assustado ficava. Du Jiu de repente percebeu que Ban Hua era... impenetrável.
— Shi Jin, leve Shi Suyue embora — disse Ban Hua lentamente. — Deixo a vida dela sob sua responsabilidade.
Rong Xia passou o dedo indicador algumas vezes sobre a borda da xícara de chá, depois virou o rosto para Ban Hua e sorriu, sinalizando que apoiava sua decisão.
— Obrigado… Majestade. Obrigado, Imperatriz. — Shi Jin encostou a testa no chão em reverência aos dois, e então ajudou Shi Suyue a se levantar. — Venha, volte comigo.
Shi Suyue curvou-se diante do imperador e da imperatriz e saiu do Palácio da Grande Lua acompanhada por Shi Jin.
A Mansão Xiangye já não existia. O pátio onde Shi Jin morava agora fora concedido pela corte imperial. Embora não fosse tão luxuoso quanto sua antiga residência, era bem estruturado. Ele ordenou aos criados que ajudassem Shi Suyue a trocar de roupa e pentear o cabelo, e disse a ela:
— Descanse bem. De agora em diante, pode viver aqui com tranquilidade.
— Ah Jin — Shi Suyue o chamou. — Alguns anos atrás, mamãe me disse que havia uma mulher de quem você gostava. Quem era ela?
— Ela já está casada, e eu a esqueci — Shi Jin respondeu com serenidade. — Por que trazer isso à tona?
— Eu sei — Shi Suyue sentou-se em frente ao espelho e prendeu um enfeite oscilante no cabelo. — Naquela época, ela estava prometida a Xie Qilin, por isso você foi para a fronteira, para fugir das notícias sobre ela.
— É uma pena que nem tudo esteja sob o controle do coração humano. — Ela ajeitou um fio de cabelo junto à têmpora e, ao ouvir o som dos sinos noturnos ao longe, sorriu. — É a terceira vigília da noite.
Shi Jin olhou para o vistoso enfeite vermelho no cabelo dela e não pôde deixar de comentar:
— Tire o adorno. Vá descansar.
— Eu sei. — Depois de passar um pouco de bálsamo nos lábios, Shi Suyue perguntou: — Por que veio?
— Por causa da nossa família. Eu falhei em salvar Feixian — disse Shi Jin, cabisbaixo. — Não posso deixar isso acontecer de novo.
Ao ouvir isso, Shi Suyue sorriu e se virou para ele:
— Estou bonita?
— Sim.
— Agora vá, preciso dormir.
Shi Jin lançou um último olhar à Shi Suyue — tão deslumbrante naquela noite — e saiu do quarto.
Depois que ele partiu, Shi Suyue desenhou uma delicada flor de pessegueiro entre as sobrancelhas.
Foi uma mulher digna durante toda a vida. E, antes de partir, também queria se embelezar uma última vez.
Na verdade...
Ela também invejava Ban Hua.
137
— Senhora, a família Shi se foi.
Ban Hua parou o movimento da mão com que desenhava as sobrancelhas. Ela pousou o mei dai e suspirou:
— Quando foi?
Ela odiava Shi Suyue, porque aquela mulher fora capaz de tudo por poder — até mesmo de querer a vida de seu homem. Mas, ao mesmo tempo, sentia certa pena dela. Criada e moldada desde criança, Shi Suyue talvez nunca soubesse se vivia por si mesma ou apenas pela vaidade incutida por seus pais.
Ela sabia que Shi Suyue não sobreviveria. Mesmo tendo pedido para que Shi Jin a levasse de volta, ela só morreria. Se não morresse, sempre seria um espinho no coração da família imperial. E, ainda que estivesse viva, só poderia levar uma existência miserável — talvez até prejudicasse a carreira oficial de Shi Jin. Ele era o único restante da família Shi, e uma mulher como Shi Suyue, que valorizava tanto o poder e o status, jamais permitiria que ele fosse arrastado com ela.
— Depois da terceira vigília da noite, ela tomou veneno e morreu — contou Ruyi enquanto penteava os cabelos de Ban Hua. — Dizem que, quando a encontraram pela manhã, ela já não respirava.
— Entendo. — Ban Hua abriu a caixinha de bálsamo labial, pegou um pouco com a ponta do dedo e aplicou nos lábios. Então fechou os olhos. — Mande prepararem os cavalos. Vou sair do palácio.
A família imperial concedera uma graça a Shi Jin. Mesmo que essa graça tivesse se matado, ele só podia ser grato.
Ban Hua levantou-se do espelho de bronze, vestiu sua roupa de montaria com a ajuda das criadas e, ao olhar para aquele quarto espaçoso e suntuoso, respirou fundo:
— Vamos.
Residência Jingting.
Ban Heng acabara de concluir uma sequência de socos e chutes, e estava deitado sobre a mesa, gemendo e pedindo para o criado massagear seus ombros. Quando ouviu os servos avisarem que Zhou Changxiao, filho do Ministro Chefe, havia chegado, disse:
— Manda entrar direto.
Zhou Changxiao entrou e viu Ban Heng tomando chá como se estivesse morrendo de sede. Aproximou-se e se sentou:
— O que está acontecendo com você ultimamente? Parou de sair para se divertir conosco. Vai ver resolveu estudar e se aprimorar de verdade?
Na verdade, ele queria perguntar se a imperatriz tinha se ferido, mas, ao ver o ar relaxado de Ban Heng, teve certeza de que não. Do contrário, com o temperamento de Ban Heng, ele já estaria pulando de raiva, arrastando todo mundo para ir atrás do assassino.
— O que você sabe? — disse Ban Heng, com o rosto preocupado. — Você não entende o meu sofrimento.
— Você já é tio do país. Sofrimento do quê? — Zhou Changxiao revirou os olhos. — É como segurar um bebê de ouro e reclamar que é pobre. Isso só dá vontade de bater.
— Você acha que...
— Jovem mestre, a imperatriz está aqui!
Ao ouvir isso, Ban Heng saltou do banco e agarrou um homem de meia-idade pelo braço:
— Mestre Jiang, eu realmente tenho treinado duro esses dias. Quando minha irmã chegar, você precisa dizer a verdade. Senão, ela vai me bater!
— Fique tranquilo, jovem mestre. Direi a verdade.
Zhou Changxiao estava ainda mais chocado que Ban Heng. A imperatriz… saiu do palácio?
Ontem, a cidade inteira foi revirada por Sua Majestade, e decretos de exceção foram instaurados por toda parte. Como o imperador permitiu que a imperatriz saísse? Teria o assassino sido capturado?
Mil pensamentos cruzaram sua mente, mas assim que Ban Hua entrou, ele a cumprimentou respeitosamente.
— Changxiao parece ter engordado esses dias — comentou Ban Hua, analisando-o de perto antes de se sentar. Seus belos olhos de fênix se voltaram para Ban Heng, que se aproximou sorrindo:
— Irmã, ele come e bebe todo dia. Como não engordar?
Ban Hua estendeu a mão e tocou o braço de Ban Heng, assentindo com satisfação:
— Parece que você realmente treinou alguns socos.
Depois, levantou-se e cumprimentou o homem de meia-idade:
— Mestre Jiang, agradeço seu esforço.
— Vossa Majestade, não há de quê. — Mestre Jiang sorriu e fez uma grande reverência antes de se retirar.
Zhou Changxiao conhecia Ban Hua relativamente bem, mas antes ela era apenas uma dama nobre de grande prestígio entre o grupo de jovens mimados. Conversar com ela não exigia muitas formalidades. Agora, no entanto, ela era imperatriz — e ele se sentia desconfortável, sem saber se deveria ficar de pé ou se sentar. Quando ela brincou com ele por estar mais gordo, ele respondeu com um sorriso forçado, arrependido de ter aparecido ali para se meter na conversa.
— Changxiao, por que está parado aí? — vendo sua expressão constrangida, Ban Hua não conteve o riso. — Não precisa fingir na minha frente. Acha que não te conheço?
— Hehe... — Zhou Changxiao sentou-se ao lado de Ban Heng. — Ontem, ouvimos que minha senhora foi atacada por um assassino. Não ousamos comentar e muito menos entrar no palácio. Então vim hoje perguntar a Ah Heng se você se feriu.
Afinal, já haviam aprontado juntos, escutado músicas lado a lado... Mesmo que agora Ban Hua ocupasse uma posição elevada, aqueles jovens ainda se preocupavam com ela.
— Não se preocupe. Se algo tivesse acontecido comigo, não estaria saindo do palácio agora — disse Ban Hua, tomando um gole de chá. — Só fiquei um pouco entediada lá dentro e resolvi dar uma volta.
Zhou Changxiao abriu um largo sorriso:
— Vossa Majestade é uma fênix. Tem a proteção dos céus. Depois da morte, vem a sorte. Coisas boas continuarão vindo.
— Hmph. Quanto tempo sem te ver, e ainda continua tão bajulador — disse Ban Hua, colocando a xícara sobre a mesa. — Por que pai e mãe não estão em casa?
— Foram orar no templo de Guanli logo cedo — respondeu Ban Heng, pensativo. — Acho que só voltam à noite.
Ela sofreu um atentado ontem, e hoje os pais foram ao templo taoísta orar. Nem precisavam dizer por quem estavam orando. Ela largou a xícara com certa culpa.
— Fiz os dois se preocuparem.
— Não é culpa sua. A culpa é toda dos assassinos! — Ban Heng bateu na mesa, indignado. — Você tem guardas suficientes? Se não tiver, posso transferir mais alguns da nossa mansão.
Zhou Changxiao contraiu os cantos da boca. Levar os próprios guardas para dentro do palácio pessoal da imperatriz? Será que ele acha que Sua Majestade está sendo bom demais com a família Ban e quer arrumar confusão? Na verdade, ao saber que o imperador ordenara pessoalmente a entrada dos guardas da imperatriz para protegê-la, ele já ficara chocado. Afinal, o harém é o quarto do imperador. Como alguém poderia trazer generais para lá? Isso não causaria uma mudança perigosa dentro do palácio?
— Você deve saber que o Imperador Yunqing morreu pelas mãos do próprio filho. Com as lições do passado, Sua Majestade ainda trata a Imperatriz com tanta gentileza. O jeito que a Imperatriz motiva os homens é realmente único. Não é à toa que as senhoras mais velhas da família sempre perguntam sobre os gostos e hobbies dela, querendo aprender a controlar o pai delas.
Quantas pessoas disseram que Sua Majestade pediu para se casar com a Imperatriz por desespero?
No fim, a realidade deu um tapa na cara de todo mundo. Dois dias depois do casamento, chegou a notícia de que o Marquês Cheng An comprou algo para a Princesa Fule, e que ele a acompanhava para uma breve estadia na casa da mãe dela. Especialmente quando a família Ban foi saqueada, o Marquês Cheng An não teve medo de se envolver. Sem contar que os membros da família Ban eram ainda mais cuidadosos com a Princesa Fule, deixando muitas mulheres da capital morrendo de inveja.
Ele próprio era um homem, e se lhe pedissem para tratar uma mulher assim, ele provavelmente não conseguiria — e nem queria.
— Já que seus pais não estão em casa, vocês dois montem nos cavalos e me acompanhem para um passeio — Ban Hua enxugou o suor da testa de Ban Heng com um lenço. — Vão trocar de roupa.
— Está bem.
Ban Heng correu de um lado para o outro na casa.
Depois que Ban Heng saiu, Zhou Changxiao abaixou a cabeça, obediente, sem ousar olhar para Ban Hua.
— Wenbi está bem? — perguntou Ban Hua, referindo-se à irmã mais nova de Zhou Changxiao, Zhou Wenbi. Elas tinham uma boa amizade, então ela queria saber mais.
— Minha irmã está ótima. Noivou-se há alguns dias, o casamento está marcado para março do ano que vem. Então, por favor... — Zhou Changxiao queria pedir que Ban Hua desse presentes no casamento, mas lembrou que não seria adequado com ela presente, então engoliu as palavras: — Naquele dia, vou pedir para a Imperatriz recompensar com coisas boas e embelezar minha irmã, para que ela tenha mais status na casa do marido.
— Pode ficar tranquilo, coisas boas não vão faltar para sua irmã — Ban Hua sorriu. Parecia que a confusão recente realmente mudara muito esses rapazes. Antes, com o temperamento de Zhou Changxiao, ele falaria o que pensava, mas agora sabia engolir palavras impróprias.
As pessoas sempre têm que crescer. Mesmo os mimados têm que amadurecer, passar de um dândi fútil para um dândi um pouco mais calmo.
Depois de um tempo, Ban Heng voltou correndo:
— Irmã, já troquei de roupa.
Ban Hua ajeitou uma dobra da saia dele e assentiu sorrindo.
Na casa de chá e taberna, o contador de histórias narrava as mágoas e rancores de heróis e beldades, o amor e o ódio se separando. Ban Hua sentou-se à mesa, ouvindo o narrador descrever sua beleza com tom apaixonado, sua força ao matar dez inimigos com um golpe. Ela não resistiu e riu, segurando a xícara de chá.
Ban Heng perguntou baixinho:
— Irmã, essa faca para matar dez inimigos mede quanto?
— Trinta ou quarenta pés? — Ban Hua riu. — Não tenho uma espada tão grande assim.
— Esses contadores de histórias adoram exagerar — Zhou Changxiao interrompeu. — A única coisa verdadeira é que falam da sua beleza e prestígio no exército.
Ban Heng olhou para Zhou Changxiao com desprezo. Essa capacidade de bajulação nem chegava aos pés da dele, e ele se envergonhava de se exibir diante dele.
— Não faz sentido você, velho, falar tão bem — disse um homem um pouco maltrapilho. — A rainha e Sua Majestade são marido e mulher. É certo acompanhá-lo no campo de batalha. Que heroína, que heroísmo é esse? Se ela fosse tão incrível assim, como poderia ter sido rejeitada por tantos homens naquela época?
Depois de alguns goles de vinho, o homem ficou mais corajoso. Vendo que ninguém mais ousava falar, ele ficou ainda mais convencido:
— Se querem saber, tudo isso é porque Nosso Senhor é bondoso e generoso, deixando uma mulher ir para a batalha e ser a rainha do palácio. Se eu me casasse com uma mulher divorciada várias vezes, jamais a deixaria ser rainha.
— Então gente como você só pode beber fiado aqui — respondeu um garçom com sarcasmo. — Nem consegue casar com uma nora e tem coragem de falar besteira da nossa Imperatriz. Por que não usa essas suas unhas de dois centímetros para se coçar? Ou para desenhar um retrato com seu xixi? O que você é?
Assim que o garçom falou, todos no salão caíram na risada. Uns riam por ele ser pobre, outros por não conseguir casar, mas ninguém criticou os vários divórcios da Imperatriz.
— O que tem a ver com a Imperatriz ter se divorciado várias vezes? Isso só mostra que esses homens não são dignos dela — disse uma mulher, olhando de soslaio para o homem. — Você também não merece falar da Imperatriz, bah.
Ninguém sabia quando surgiu essa moda de imitar a Imperatriz na capital. As famílias se orgulhavam de ver suas filhas cavalgar e atirar com arco, capazes de comandar heróis e impressionar o mundo.
Ban Heng, cujo ódio havia acabado de crescer pela metade, viu que o homem que falara mentiras estava cercado pela ira da multidão. A raiva que acabara de surgir sumiu silenciosamente, e ele ficou sem saber se ria ou chorava.
Ele se virou para Ban Hua e sussurrou:
— Irmã, não esperava que você fosse tão carismática assim agora.
Na verdade, existem tantas famílias de filhas na capital que nem todas sabem tocar piano, jogar xadrez, caligrafia e pintura, mas hoje em dia esses são os talentos mais elogiados. Eles vêm só para desabafar suas emoções.
Eles não estavam atacando ela, mas a si mesmos.
Banhua sorriu:
— Vamos, não vale mais a pena ouvir isso.
Assim que se levantou, um homem de robe azul entrou. Ban Hua o viu e sentou-se de novo.
— O noivado da imperatriz não foi porque ela era ruim, mas porque ela era tão boa que os homens se envergonhavam e não ousavam ficar com ela — disse Xie Qilin, que ouvira os cochichos sobre Ban Hua do lado de fora e entrara. — Vossa Majestade e a imperatriz são um par natural, dragão e fênix juntos, e outros homens do mundo ficar com a imperatriz seria uma humilhação para ela.
O homem fora ridicularizado por um grupo porque seu coração não estava bem, e agora viu um garoto chegar para falar, então zombou:
— Quem é você para dizer que esses noivos que não merecem a rainha só se divorciaram? Você não é um deles, como sabe disso?
— Eu não sou talentoso, mas ela é mesmo a ex-noiva da imperatriz — Xie Qilin respondeu com indiferença. — A imperatriz parece uma fada, vem de família nobre. Eu me divorciei de propósito por baixa autoestima. Um canalha sujo como você não tem direito de falar da imperatriz. Mas se eu não deixar isso claro hoje, vai ter gente como você falando da imperatriz no futuro, e eu não vou deixar manchar o bom nome dela.
— Do começo ao fim, eu é que não sou digno da sua imperatriz — Xie Qilin abaixou as pálpebras com expressão calma. — Da próxima vez, não fale mais disso, e se causar problema, a culpa será sua.
Ninguém esperava que um boato atrás dos panos fosse ouvido pela própria pessoa envolvida. Ouviram dizer que a imperatriz tinha um noivo chamado Xie, mas não sabiam por que o noivado foi desfeito. Alguns diziam que o Sr. Xie achava a Princesa Fule pouco elegante e fugiu com outra. Também se dizia que a família Ban menosprezava a família Xie por não ser influente, por isso sempre teve antipatia.
Agora, visto assim, ficou claro que a imperatriz era bondosa demais, fez o noivo se sentir indigno dela, então ele arrumou uma desculpa para se divorciar e salvar a própria face.
Quando alguém consegue sucesso, tudo do passado fica embelezado e vira história comovente ou inspiradora. Essencialmente, isso é a psicologia da admiração pelo forte.
Todos na sala imaginaram automaticamente como a rainha era bela, e finalmente decidiram o destino da imperatriz: ela era boa demais para homens comuns. Só Sua Majestade, sábio, guerreiro, benevolente e virtuoso, era o par natural da imperatriz, tornando-os um casal incomparável no mundo.
Ban Hua escutava a conversa lá embaixo, sem demonstrar expressão.
— Ele levantaria e admitiria uma coisa tão vergonhosa? — Ban Heng zombou. — Pensei que a consciência dele já estivesse corrompida até a raiz.
Zhou Changxiao tossiu seco:
— Ah Heng, um restaurante novo abriu recentemente, vamos experimentar.
Ele não tinha coragem de ouvir as mágoas e ressentimentos da imperatriz, sempre achava perigoso ouvir demais.
Ban Hua lançou-lhe um olhar sorridente e assentiu:
— Vamos.
Quando ela se levantou, todos os homens e mulheres da sala privada no andar de cima também se levantaram, porque não eram convidados, mas os guardas pessoais de Ban Hua.
Depois do almoço, Ban Hua se preparou para voltar ao palácio.
Ban Heng a acompanhou até fora do portão Suzaku e então parou.
— Irmã — Ban Heng enfiou uma bolsa nas mãos de Ban Hua e sussurrou — achei isso especialmente para você, não deixe Sua Majestade descobrir.
Vendo o olhar misterioso dele, Ban Hua pegou a bolsa sorrindo:
— Não tem contrabando no palácio, né?
— Você é minha irmã, ia enganar você? — Ban Heng suspirou — Você é cabeça-dura e não gosta de pensar muito, as criadas ao seu redor são escolhidas a dedo pela sua mãe, então só consigo relaxar um pouco. Agora nossa família vive bem, não tente agradar ninguém. Eu nem sou oficial, então tá bom assim. Poucas concubinas do roteiro querem beneficiar a família de origem. Não copie elas à toa.
— O que você fica olhando em casa o dia todo? — Ban Hua estalou a testa de Ban Heng. — Se for burro, não se preocupe, irmã sabe muito bem.
— Se você realmente souber o que está no seu coração, eu fico aliviado — Ban Heng suspirou — Ainda digo aquelas coisas: não se faça mal, não se preocupe com a gente, não são muitos que podem fazer nossa família sofrer.
Vendo o ar convencido de Ban Heng, Ban Hua não resistiu e riu:
— Tá bom, entendi.
— Que bom saber disso — Ban Heng virou a cabeça — Tá, vai entrar, já é hora de eu voltar.
Ban Hua assentiu. Virou o cavalo e entrou devagar no palácio. Quando se virou, viu Ban Heng ainda fora do portão Suzaku, esticando o pescoço para olhar para ela. Ela sorriu baixinho e acenou, antes de Ban Heng montar e partir lentamente.
De volta ao Grande Palácio da Lua, Rong Xia discutia assuntos políticos com os ministros no salão da frente. Ban Hua não se incomodou, abriu a bolsa que Ban Heng lhe dera. Havia uma estante dentro, que era bem pesada.
Seria um livro novo? Agora tem gente no palácio que compila livros de histórias para ela. Essas pessoas são mestres em coletar histórias, como poderiam comprar livros fora do palácio?
Ela abriu a tampa da caixa e tirou um grosso volume de livros.
Notas sobre o Cotidiano da Imperatriz Chunming?
“Mulheres da Família Sima”?
O título “O Caminho de um Cavalheiro” tinha nome sério, mas falava da duplicidade dos homens.
O livro “Guerra no Harém” contava como as mulheres do harém seduzem o imperador e como aquelas cruéis tramam contra a imperatriz.
Depois de folhear todos os livros, Ban Hua acariciou as capas e não resistiu ao riso.
— Vossa Majestade — sussurrou a ama Chang — Tem uns livros aqui que podem conter fatos. Embora o príncipe esteja um pouco preocupado, esses livros não são todos inúteis.
Ban Hua guardou os livros na caixa, sorriu e balançou a cabeça, não falou muito, apenas pediu a Ruyi que guardasse os livros.
O suicídio de Shi Suyue não causou muito alarde na capital. Sua placa de jade foi removida, e até o ritual de enterro usou só o título de monarca local. Isso foi decreto de Ban Hua, senão ela seria enterrada como uma mulher comum.
— Embora ninguém no palácio tenha divulgado, com a eliminação de algumas pessoas da dinastia anterior, a família Shi foi abandonada pelo príncipe e acabou cometendo suicídio. Qualquer um com um pouco de juízo pode imaginar que a família Shi talvez tenha algo a ver com o assassinato da imperatriz...
Pouco depois do enterro de Shi, o Príncipe He levou seus familiares para guardar os túmulos dos imperadores de Daye.
A corte dianteira finalmente chegou a um fim limpo.
Em outro palácio da capital, a Princesa Anle ouvia o relatório de uma criada e sorriu amargamente depois de um longo silêncio:
— Rong Xia nos expulsou da dinastia anterior. Não mencione os assuntos dos Shi para a Rainha Mãe, temo que seu velho não suporte.
— O que aconteceu? — perguntou a Imperatriz Viúva Fuping, entrando. Vendo o rosto pálido da princesa, acalmou-se: — Pode falar, eu aguento.
— Mãe Rainha — a Princesa Anle não esperava que a Rainha Mãe Fuping tivesse ouvido aquilo, seu rosto mudou ligeiramente e hesitou em continuar.
— Se tem algo para dizer, diga logo. Já suportei mudança de dinastia, o que mais não aguentaria? — a Imperatriz Viúva Fuping se aproximou da mesa e sentou com expressão resoluta e calma.
— Mãe, Shi Shi se foi.
A Imperatriz Viúva Fuping franziu as sobrancelhas:
— Ela valorizava demais o poder. Se não superasse esse obstáculo, a sentença de morte era questão de tempo.
Suspirou:
— Seu irmão mais velho enviou alguém para entregar um papel aos ancestrais da família Jiang para guardar o túmulo. Na verdade, isso é bom, ao menos não vai despertar suspeitas do novo imperador, e pode salvar vidas.
— Mãe, Rong Xia... será sangue do pai? — A Princesa Anle lembrou que Ban Hua disse uma vez que Rong Xia não era filho ilegítimo do pai, mas Ban Hua chegou a dar a Rong Xia o talismã do tigre dos três exércitos. Como acreditar em Ban Hua?
A irmã que por tantos anos tratou Ban Hua como amiga, e no fim Ban Hua se rebelou com Rong Xia e destruiu a base centenária da família Jiang. Agora, Anle não sabia se odiava mais Ban Hua ou a amava mais.
— Onde ouviu essas bobagens? — O rosto da Imperatriz Viúva Fuping mudou drasticamente. — Anle, seu pai e eu amamos você há tantos anos, está com a cabeça cheia de bobagens?
A Princesa Anle não esperava tanta raiva da Imperatriz Viúva. Mordeu o canto dos lábios e falou pálida:
— Mãe, me diga, pelo menos para eu entender.
— E se entender? E se não entender? — A Imperatriz Viúva Fuping sorriu, mas o sorriso era vazio. — Você quer que eu pergunte para quem?
— Nem você sabe? — Anle olhou a Rainha Mãe desconfiada. Ela não sabia ou não queria contar?
De volta ao seu próprio pátio, a Princesa Anle pensou muito, chamou uma dama da corte e entregou seu crachá de cintura.
— Mande alguém ao palácio dizer que quero ver Sua Majestade.
— Vossa Majestade? — A criada achou que ouviu errado e perguntou de novo. — É Sua Majestade mesmo?
— Sim, Sua Majestade — Anle abaixou as pálpebras, olhando para o penteadeira ainda com 80% de novo, e os olhos ficaram um pouco turvos.
No Grande Palácio da Lua, Ban Hua estava deitada na cama, sorrindo enquanto Rong Xia vestia sua roupa de dragão, sentava no carro imperial e deitava na cama por mais meia hora antes de levantar para o café da manhã. Após a refeição, lembrou da Senhora Zhao, da família Yang, mencionada por Ruyi, e disse:
— Você não disse que a família Yang queria me ver há alguns dias? Acho que hoje é um bom momento para recebê-los no palácio.
— A família Yang que se casou de novo? — Ruyi perguntou baixinho.
— Quem mais? — Ban Hua riu. — Quero ver o que ela quer fazer ao me pedir audiência.
— Não deve passar de um pedido de amizade ou implorar para Vossa Majestade e a Imperatriz não perseguiam coisas do passado — Ruyi sorriu. — Poderia ser outra coisa?
— Você está certa — Ban Hua sorriu. — Não conseguem usar outro método.
Depois que Rong Xia desceu para a corte, estava quase indo para seu quarto quando Wang De sussurrou no ouvido:
— Vossa Majestade, a Princesa An Le da dinastia anterior pede para vê-lo.
— Princesa Anle? — Rong Xia pensou um pouco. — A princesa que tem alguma amizade com Huahua.
— Exatamente.
— Já que tem alguma amizade com Huahua, o que ela quer aqui comigo?
— Eu não sei, senhor, mas a Princesa Anle disse que tem algo importante para reportar a Sua Majestade.
Rong Xia pensou por um momento:
— Xuan.
— Além disso, peça para a Imperatriz sentar atrás da biombo por um tempo. Posso ver pelo rosto de Huahua, mas ela precisa ouvir o que a princesa tem a dizer.
As pálpebras de Wang De se moveram levemente. Ele se curvou e disse:
— Seu servo entende.
138
Ban Hua foi convidada para o salão da frente por Wang De. Ela arqueou levemente as sobrancelhas ao ver várias damas da corte alinhadas no salão. Rong Xia normalmente não gostava de damas da corte servindo ali. Por que havia tantas hoje?
— Vossa Majestade, por favor, sente-se aqui — Wang De fez um gesto de convite, indicando que Ban Hua se acomodasse atrás do biombo.
— Vossa Majestade pediu que eu ouvisse no canto novamente? — Ban Hua levantou a barra da saia, subiu os degraus e se sentou ao redor do biombo. — Conte, tem alguém querendo informar algo a Vossa Majestade?
Wang De acompanhou com um sorriso e respondeu:
— Vossa Majestade é mesmo perspicaz. De fato, alguém pediu especificamente para vê-la. Essa pessoa tem algum contato com Vossa Majestade. Vossa Majestade pensou e repensou, não é fácil desmentir essa pessoa, então pedi para o servo convidar Vossa Majestade para cá.
— Parece que ainda é um velho conhecido — Ban Hua riu, sem alegria nem raiva na risada.
Wang De observou secretamente a expressão da rainha, e percebeu que ela quase não demonstrava emoção, como se aquele velho não afetasse seus sentimentos. Baixou a cabeça e se afastou — os pensamentos da imperatriz são mesmo difíceis de decifrar às vezes.
Enquanto refletia, passos vieram de fora. Wang De saudou Ban Hua, fez uma reverência e recuou para fora do biombo.
Depois que Wang De saiu, o sorriso no rosto de Ban Hua foi desaparecendo aos poucos, até que de repente ela sorriu de novo, acomodando-se melhor na cadeira.
— Alteza — Wang De adiantou-se para saudar a Princesa Anle — por favor, sente-se um momento, Vossa Majestade chegará em breve.
A Princesa Anle zombou:
— Você é um bom cachorro.
Wang De sorriu e fez a reverência corretamente. O rosto da princesa mudou um pouco, ela não ousava dizer mais nada por medo de estar em território de Rong Xia. Mas, como antiga princesa, odiava Wang De. Ele fora claramente o eunuco-chefe ao lado do seu pai, mas agora abanava o rabo servindo o novo imperador, indiferente a qualquer lealdade entre senhor e servo.
As pálpebras de Anle caíram levemente e, ao notar que Wang De faltava três dedos em uma das mãos cruzadas à frente do abdômen, a raiva em seu peito diminuiu bastante. Diziam que ele perdera os dedos defendendo o pai das mãos do segundo irmão. Pensando nisso, a raiva de Anle se esvaiu e ela esfregou a testa:
— Não deveria te culpar.
O sorriso de Wang De não mudou:
— Obrigado, Alteza, pela generosidade.
— O príncipe é muito educado — Anle sorriu amargamente — agora eu...
Ela era só uma ex-princesa, ele o eunuco-chefe; se quisesse dificultar sua vida, não haveria o que fazer. O nome da princesa parecia bonito, mas era só aparência.
Wang De juntou as mãos e disse a Anle:
— Alteza, se pensar bem, a senhora e a imperatriz estão em bons termos. Enquanto sua imperatriz estiver aqui, quem ousaria te ofender?
Essa era a intenção de Wang De, lembrar a Princesa Anle da relação mestre-servo do passado. Se não entendesse, nada poderia fazer. Anle sempre fora mimada e nunca sofrera contratempos. O único genro que a incomodou terminou com a família arruinada, e depois viveu cercada de luxo e carinho. Quem vive assim às vezes perde o contato com a realidade. Espera que essa princesa, amiga da imperatriz, não seja tão tola.
Anle deu um sorriso amargo e ia falar quando as criadas à porta do salão se ajoelharam uma a uma. Seu coração disparou: será que Rong Xia chegou?
Levantou-se desconfortavelmente e olhou para a porta. Depois de alguns segundos, Rong Xia finalmente entrou, vestindo uma túnica de brocado preta com bordados leves de nuvens, elegante e nobre.
Mas aquele homem aparentemente gentil matara centenas num só dia. Pessoas que um dia estiveram aliadas ao segundo irmão e mancharam as mãos com sangue alheio. Os generais o elogiavam por matar com decisão e ser um criminoso de rei sábio. Os estudiosos o respeitavam por sua benevolência, por tratar os talentos com bondade, um raro rei benevolente.
Parecia que todos esqueceram que ele fora só um príncipe da dinastia da família Jiang. Mesmo quando o dinastia ainda tinha um príncipe, a túnica imperial foi adicionada para fundar a dinastia Xin, que se chamava Ying.
Venceu, venceu mesmo.
Ele claramente era homem cheio de ambição e cálculo, por que então elogiá-lo tanto?
Anle tinha muito ressentimento guardado, mas diante de Rong Xia não ousou mostrar emoção. Curvou-se educadamente:
— Saúdo Vossa Majestade.
— Princesa, não precisa ser tão formal, sente-se, por favor — Rong Xia foi até a frente e sentou-se. — Não sei por que Vossa Alteza veio hoje?
— Esta mulher culpada quer fazer algumas perguntas a Vossa Majestade — Anle hesitou — Se estiver disposto a dizer a verdade, essa mulher está pronta para revelar o segredo sobre a imperatriz.
— Oh? — Um sorriso muito complexo surgiu no rosto de Rong Xia. — Com licença, princesa.
— O Segundo... Rei Li realmente mandou alguém envenenar seu pai?
— Sim — Rong Xia assentiu. — O Rei Li realmente pediu que alguém drogasse o Imperador Yunqing.
O rosto de Anle empalideceu de imediato, lágrimas escorreram pelas bochechas. Ela as limpou com o dorso da mão:
— Obrigada, Vossa Majestade, por me informar.
— O que mais deseja perguntar, Alteza? — Rong Xia olhou de lado para o biombo, como admirando a pintura de gatos brincando com peônias.
— Vossa Majestade tem o sangue da família Jiang?
— Princesa, esqueceu? Embora minha avó tenha sido expulsa da família real, ela também é sangue da família Jiang. Por isso, é natural ter — Rong Xia ergueu a sobrancelha e encarou Anle. — Por que Vossa Alteza faz essa pergunta?
— O que eu quero saber é... — Anle olhou para Rong Xia com calma — Vossa Majestade tem o sangue do imperador?
O salão ficou em silêncio absoluto.
— Tch — Rong Xia zombou — Alteza, a senhora não deve levar a sério os boatos daqueles ignorantes lá fora. Embora eu tenha um pouco do sangue da dinastia da família Jiang, sou de fato descendente da família Rong. Se as pessoas entenderem errado, a senhora não deveria repetir isso no futuro, para que os tolos não levem a sério.
O último vestígio de vida no rosto de An Le se dissipou, e ela perdeu toda a vitalidade num instante, demorando um pouco para se recompor.
— Eu... sei.
Então, Rong Xia realmente não era sangue da família Jiang, nem podia mentir para si mesma; a dinastia da família Jiang realmente havia acabado. Ela enxugou as lágrimas restantes com um lenço.
— Vossa Majestade, se tiver alguma pergunta, pode fazê-la.
— Não tenho nada a perguntar — Rong Xia sorriu. — Minha rainha é o livro mais interessante do mundo. Leio-a todos os dias, o tempo todo, e nunca me canso. Se ela tiver algum segredo, eu dou uma cavucada — isso pode ser uma diversão entre marido e mulher. Agora que as dúvidas de Vossa Alteza foram esclarecidas, por favor, vá embora.
— Alguns anos atrás, eu brinquei dizendo que ela gostava tanto de homens bonitos que teve que se casar com você, porque não havia homem melhor que você em toda a capital — Ban Hua, lembrando os velhos tempos em que se dava bem com ela, falou — Naquela época, Hua Hua também dizia que o homem que você gostava devia ser tipo um concubino celestial, e que ela não participaria dessa diversão.
Quem diria que a piada dela se tornaria verdade.
O homem mais belo da capital não era querido por ninguém, então ele pediu Ban Hua, que tinha má fama, em casamento.
— Sobre isso, é destino — o sorriso de Rong Xia se aprofundou — Deus me destinou a me casar com Hua Hua, e sou muito grato.
Ele levantou a mão.
— Wang De, leve a Princesa Anle de volta.
— Sim — Wang De suspirou aliviado. Felizmente, Sua Alteza não disse nada que não deveria, ou a imperatriz atrás do biombo ficaria triste se soubesse.
— Você a ama tanto — a Princesa Anle levantou-se, o tom dela ficou estranho — Será que suporta o fato de que ela teve outros homens no coração?
As pálpebras de Rong Xia tremeram levemente:
— Alteza, eu e a rainha estamos profundamente apaixonados um pelo outro. Qual o sentido da sua pergunta?
— Um amor profundo entre marido e mulher? — o tom de Anle carregava sarcasmo — É só o seu amor convencido. Já conheceu o terceiro noivo dela? Não acha que ele se parece com alguém?
Anle ainda odiava Rong Xia; desejava que ele nunca fosse feliz e que não conseguisse o que quer pelo resto da vida, para abafar o ódio em seu peito.
— Hua Hua não te ama nem um pouco. Ela se comprometeu com Xie Qilin porque se apaixonou por ele. Caso contrário, com o status da família Xie, como se comprometeria com a filha prostituta da família Ban? — Anle olhou para Rong Xia com escárnio. — Mesmo que você seja o homem mais bonito da capital, não importa o quão talentoso seja, quem conquistou Hua Hua não foi você!
— Besteira! — Wang De repreendeu Anle — A amizade entre sua imperatriz e Vossa Majestade não é algo que você possa dispor. Dê um passo atrás!
— Quando Hua Hua soube que Xie Qilin gostava de poesia, ela usou alguns meios para encontrar uma edição rara e presenteou Xie Qilin — Anle ergueu o queixo — Eu era a melhor amiga dela naquela época, e daí? Você sabe por quem ela é atraída?
— Rong Xia, mesmo que você tenha o mundo da minha família Jiang, que diferença faz? O único motivo pelo qual Hua Hua gosta de você é pela sua aparência. Quando você não for mais jovem, ela vai naturalmente apreciar outros homens. Em toda a vida dela, você nunca vai conseguir a sinceridade dela!
— Acha que vou acreditar na sua provocação? — Rong Xia encarou a princesa calmamente. — Se você fosse amiga de Hua Hua, por que diria isso na minha frente? Que consequências isso traria para Hua Hua?
— Uma pessoa como você não merece ser amiga de Hua Hua, nem chamá-la pelo nome dela — Rong Xia levantou-se, a voz fria e firme. — Se eu ouvir você chamando a imperatriz pelo nome novamente, vou te punir por desrespeitar a família real.
Anle ficou assustada com o olhar de Rong Xia e ficou sem reação. Ao sair do Grande Palácio da Lua, percebeu as palmas das mãos e as costas geladas.
— Alteza — Wang De a deteve e fez uma reverência — por favor, vá com calma.
Anle olhou para ele e perguntou:
— Posso ir ver Hua... a rainha?
— Quer ver a imperatriz?
Anle percebeu uma estranheza na expressão de Wang De.
— Sim.
— Alteza, é realmente uma coincidência. Vossa Majestade convocou a Senhora Yang hoje. Acho que não terá tempo para vê-la — Wang De fez um gesto convidativo — Por favor, volte em outra ocasião.
— Senhora Yang? — Anle viu uma mulher se aproximar à distância. Era tímida, com olhos inquietos, parecia muito insignificante. — É ela?
— Exatamente.
— Esta corte sabe — Anle não disse mais nada e saiu dos limites do Grande Palácio da Lua. Wang De olhou para suas costas até que não a visse mais, antes de se virar.
Há certos sentimentos que não podem ser suportados.
O salão estava muito silencioso. Rong Xia estava sentado em frente à mesa imperial, imóvel. Ban Hua saiu de trás do biombo, viu que ele segurava um memorial e perguntou:
— Quer perguntar algo?
Rong Xia largou o memorial, olhou para Ban Hua com uma expressão natural, nem assustada nem brava, nem triste mesmo depois das armações dos amigos, ainda era a despreocupada Hua Hua. Levantou-se e a puxou para si.
— Você... realmente se interessou só pela minha aparência?
— Por que pensa assim? — Ban Hua bateu em sua cabeça para tranquilizá-lo — Eu gosto muito de você, senão por que teria me casado contigo?
— Mesmo?
— Claro — Ban Hua descansou a cabeça no peito dele, piscando — Nunca minto.
Rong Xia riu alto, soltou Ban Hua e fixou o olhar nos seus olhos:
— Hua Hua, não minta para mim. Na minha vida, poucas pessoas se importaram comigo. Você é a única que se importa. Se mentir para mim, é o mesmo que arrancar meu coração.
Ban Hua pôs as mãos no peito dele, sentindo o coração bater.
— Vou guardar isso aqui dentro.
Ela abaixou a cabeça, Rong Xia não viu seus olhos.
— Mãe, a Senhora Yang chegou — fora do salão, a voz de Ruyi falou com cautela.
— Entendo — Ban Hua apertou o queixo de Rong Xia, ficou na ponta dos pés e lhe deu um beijo leve nos lábios. — Não pense nisso, eu nunca me apaixonei por outro homem antes.
Rong Xia a envolveu nos braços e a beijou com força.
— Eu acredito em você.
Depois que Ban Hua saiu, Rong Xia ficou sentado diante da mesa imperial, imóvel por um longo tempo. Hua Hua disse que nunca se apaixonara por outro homem antes, e ele acreditou.
Agora... será que ela o ama?
— Bum!
Wang De viu a xícara de chá na mesa real cair no chão, fez uma reverência e perguntou:
— Vossa Majestade, está bem?
— Estou — Rong Xia respondeu sem expressão — mande alguém entrar e limpar.
— Sim.
Quando Yang era nora da família Rong, frequentemente tinha oportunidade de entrar no palácio, até no Grande Palácio da Lua. Mas naquela época, apesar da imponência, o palácio era cheio de objetos masculinos. Contudo, ao visitá-lo desta vez, percebeu que o Grande Palácio da Lua não só permanecia magnífico, como também ganhou muitas coisas que só mulheres gostam.
Neste palácio, sinais femininos eram vistos por toda parte.
— A imperatriz chegou.
Ela se ajoelhou rapidamente para saudar, sem sequer levantar a cabeça. Uma saia longa e esplêndida passou por ela, e ela mudou a postura de joelhos seguindo a direção da saia.
— Levante-se.
A voz da rainha era agradável e jovial. Quando esteve na família Rong, lembrou-se de que Rong Erlang era uma criança extremamente indiferente. Não sabia que tipo de mulher estranha era a rainha Ban para prendê-lo assim. Na última vez, embora tenha tido oportunidade de entrar no palácio para a cerimônia da imperatriz, ficou tão longe dela que só conseguiu distinguir seu contorno.
Levantou-se com cautela e, ao ver a aparência da rainha, não pôde evitar um suspiro — ela era uma pessoa tão bonita, como a sedutora fada feminina que os contadores de histórias mencionam, e qualquer homem que caísse em suas mãos não teria como escapar.
Rong Erlang... é esse tipo de mulher que ele gosta?
Quando ela se casou com Dalang da família Rong, sua sogra Lin ainda estava viva. Ela lembrava que a outra era uma mulher fresca e elegante, uma talentosa que até mesmo a famosa Srta. Shi talvez fosse inferior. Caso contrário, o sogro não teria se apaixonado por ela e se casado com ela apesar de toda pressão.
A rainha Ban e a sogra Lin não tinham nada em comum. Era difícil imaginar que Rong Erlang, tão extraordinário na aparência, fosse apaixonado por uma mulher tão diferente de Lin.
Ela não ousava olhar muito, e quando Ban Hua a chamou, ficou de pé em reverência, com as mãos tão enrijecidas que não sabia onde colocá-las.
— Ouvi da senhora Zhao que deseja me ver? — Ban Hua percebeu que Yang não tinha muita coragem e mal podia imaginar que uma mulher assim teria abortado um filho e se casado de novo enquanto o marido era tão filial.
— Senhora Yang, a pecadora, veio se declarar culpada à imperatriz — Yang se ajoelhou novamente. — A pecadora sabe que cometeu um crime grave e não ousa pedir perdão a Vossa Majestade e à imperatriz. Por favor, não me persiga.
— Levante-se e fale — Ban Hua bateu na mesa — por que este palácio quer sua vida? Vossa Majestade não tem intenção de perseguir o passado. Não tenho rancor contra você e não farei nada para dificultar sua vida.
— Senhora... — Yang olhou para Ban Hua com gratidão — obrigado, senhora!
Como uma mulher de mente tão simples podia ter tanta determinação para matar seu próprio filho?
— Vejo que é honesta e responsável, então por que matou a criança?
— Mãe, aquela criança... não foi abortada pela pecadora — Yang respondeu, com os olhos vermelhos. — Depois que a pecadora se casou com Rong Dalang, ele não gostava dela, nem minha sogra gostava muito. Depois, Dalang ficou muito triste com a morte da sogra e não conseguimos ter filhos. Então, dois anos depois da morte do meu sogro, a pecadora finalmente engravidou, como não ficar feliz?
Yang contou como perdeu o filho e disse que foi obrigada a se casar com outro. Ao falar disso, seu tom era entorpecido e calmo, sem raiva nem alegria.
Ban Hua fez suas próprias conjecturas — a insatisfação de Lin com a nora, o desgosto de Rong Dalang por uma esposa sem charme, a morte do marido por doença, o aborto de Yang e seu casamento apressado — aos olhos dos outros, ela perdera a criança.
Pelas palavras de Yang, sua sogra Lin, que ela nunca conhecera, era uma pessoa difícil de conviver. Lembrou-se que Rong Xia estivera no trono tanto tempo, e além de ter conferido a Lin o título de senhora Dingguo conforme as regras, nunca dera outros títulos honorários. O relacionamento entre ele e Lin não parecia muito próximo.
Comparado à família Lin, Rong Xia se esforçou muito para honrar seu pai falecido. Ele não só sobrepôs vários títulos como o promoveu a Duque de Chaopin e Taifu do Príncipe Herdeiro.
— Senhora Lin... minha sogra, como trata Vossa Majestade? — vendo a hesitação de Yang, Ban Hua insistiu — diga a verdade. Se eu descobrir que mente, vou puni-la com certeza.
— A pecadora não ousa — Yang respondeu apressada — a vovó era uma mulher que amava flores e a lua. Tinha uma ótima relação com meu sogro. Ao cuidar de Vossa Majestade, era inevitável... inevitável que houvesse alguma negligência. A maior parte dos cuidados diários da Majestade era feita pelo sogro, o resto pelas criadas. Minha sogra era temperamental e não se importava com coisas mundanas. Mas tinha exigências altíssimas para a Majestade e para o falecido marido, sempre esperando que agissem segundo a dignidade dos cavalheiros nos livros.
Yang era uma mulher de fala mansa e submissiva. Mesmo achando a sogra Lin estranha, não ousava dizer nada e nem se aproximava do tio com medo de ser repreendida.
Quando Lin morreu de doença, não ficou triste, mas feliz.
Ela sabia que estava errado pensar assim, mas não conseguia controlar, por mais que tentasse.
— Bengong sabe — Ban Hua acenou com a mão. — Dê um passo para trás.
— Obrigada, madame, a pecadora irá embora.
Ban Hua mandou o contador de histórias e a dançarina entreterem-na, mas não conseguiu se animar, acenou para que voltassem e disse:
— Venham cá, chamem o comandante Du.
Du Jiu sempre esteve ao lado de Rong Xia. Quem conhece a vida que ele teve na infância certamente é Du Jiu.
Quando soube que a imperatriz o procurava, e que ela queria sair do palácio por estar entediada, Du Jiu foi ao encontro dela. Ao chegar, percebeu que a imperatriz estava com uma expressão pouco agradável e, então, adiantou-se para saudá-la:
— Minha imperatriz, será que alguém no palácio a desagradou?
— Estou um pouco inquieta — Ban Hua indicou uma cadeira para ele — Conte-me sobre a infância do seu mestre e alivie meu tédio.
— O general deve achar que vai ficar ainda mais entediada ouvindo sobre a infância do meu mestre — Du Jiu respondeu com sinceridade — A vida dele foi bem monótona, nada tão colorida como a de Vossa Majestade, hum...
A primeira dama da família Ban sempre foi uma garota que poucos ousavam provocar desde pequena. Nunca brincou nem viu muita coisa. Não como seu mestre, que desde pequeno tinha que começar a recitar livros e praticar caligrafia; ao crescer, tinha que cavalgar e atirar flechas, seguindo o legado de um cavalheiro. Se não fosse perfeito nem um pouco, a esposa o olhava com desapontamento — e não chorava por alguns minutos? O trabalho no campo não acabava.
— Que chato! Me conte — Ban Hua apoiou o queixo numa das mãos — Estou com seu mestre e raramente ouço ele falar da infância, como não vou ficar curiosa?
— Quando o mestre tinha três anos, levantava-se na hora de Mao, e depois de uma hora de leitura e escrita, ia prestar reverência à esposa...
— Na hora de Mao? — Ban Hua olhou surpresa para Du Jiu — Uma criança de três anos levantar-se nessa hora? Isso não é tortura?
Du Jiu riu seco:
— Essa é a regra imposta pela madame.
— Ela exigia que a criança levantasse na hora certa, mas só recebia o presente uma hora depois. Isso não é tratar os outros com rigor e a si mesma com benevolência? — Ban Hua revirou os olhos — Tenho pena do seu mestre, vivendo essa vida tão nova. Quando eu tinha três anos, não levantava nem antes do amanhecer.
O sorriso no rosto de Du Jiu desapareceu, sem saber como responder aquilo.
Uma era a mãe do mestre, a outra a mulher que ele mais amava. O que dissesse, estaria perdido.
— Então me conte, quais coisas interessantes aconteceram na infância do seu mestre? O que ele queria fazer e não fez, e do que se envergonhou quando cresceu?
Du Jiu balançou a cabeça:
— O mestre sempre foi muito disciplinado, não tinha hobbies especiais.
— Tem uma coisa interessante. Quando ele tinha uns onze ou doze anos, conheceu uma menininha no palácio e foi puxado por ela para brincar no gelo... — Du Jiu parou — Mas quando minha esposa soube, o mestre foi punido.
— Quem puniu?
— Madame.
— Qual foi a punição?
— Vinte açoites, e copiar o regulamento da família dez vezes — Du Jiu ainda lembrava do mestre com as costas sangrando após a surra. Menos de um ano depois, a esposa morreu de doença. Desde então, nunca mais viu o mestre agir como criança.
No inverno rigoroso, o mestre ficava deitado na cama, e o médico imperial dava remédios sem que ele reclamasse. Porém, Hou Ye brigava com a esposa por causa disso.
Ao ouvir isso, o coração de Ban Hua parecia ser embebido em vinagre, ou picado por agulhas. Doía. Ficou em silêncio por um longo tempo, olhou pela janela e disse:
— A universidade deste ano está quase chegando.
Du Jiu olhou para Ban Hua, confuso, e assentiu meio atordoado:
— Deve estar.
Naquela noite, começou a nevar na capital.
Ban Hua, vestida com pele de raposa, estava nos degraus, olhando para o mundo coberto de neve, e disse a um guarda pessoal:
— Vá avisar ao príncipe que quero ir ao gelo e que procure um bom lugar. Pode ir atrás dele.
— Sim, senhora.
Ban Hua sorriu, virou-se e caminhou em direção ao salão principal.
No salão, Rong Xia ouvia alguns ministros próximos discutirem sobre jovens talentosos da capital.
— Xie Qilin, o segundo filho do tio Zhongping, também é bastante talentoso...
— Não quero pessoas de moral duvidosa.
Zhou Bing’an ficou atônito por um instante, depois disse:
— As palavras de Vossa Majestade são muito justas. Este humilde ministro foi negligente.
139
— O velho Zhou é a espinha dorsal do país, então é normal não conhecer muito a geração mais jovem — Rong Xia foi riscando alguns nomes na lista — Desde que subi ao trono, o mundo espera ser revivido, no próximo ano a Enke será aberta, e o mundo abraçará os gênios.
— Vossa Majestade é sagrada — vários cortesãos saudaram em uníssono. Nos últimos anos, muitos estudiosos foram perseguidos por causa da confusão envolvendo a família Jiang. Agora que Vossa Majestade abriu a Enke, os mais felizes certamente são os intelectuais do mundo. O único problema é que os avisos foram afixados por todo o país, e estudiosos de locais remotos podem não conseguir chegar à capital a tempo.
Zhou Bing’an levantou essa questão, e Rong Xia respondeu:
— Como o exame imperial não será realizado conforme o costume, não há necessidade de se apegar a datas fixas. Será conveniente definir o prazo para o fim de abril.
— Vossa Majestade é benevolente e pensa nos intelectuais do mundo. Agradeço em nome dos estudantes pela bondade de Vossa Majestade.
— Na minha opinião, você, Yao Peiji e Liu Banshan ficarão responsáveis por esse exame imperial — Rong Xia já estava acostumado com o jeito desses velhos raposas que adoram elogiá-lo quando não têm o que fazer — Ainda assim, fica a cargo de vocês dois decidirem.
Deixar que eles tomassem conta do primeiro exame imperial depois da ascensão do novo imperador era uma grande honra, que também mostrava a confiança do novo soberano. Zhou Bing’an e Yao Peiji eram homens inteligentes e, sabendo que Vossa Majestade pretendia treinar Liu Banshan, concordaram imediatamente e até elogiaram Liu Banshan.
Liu Banshan tem apenas trinta e poucos anos, já ocupa o cargo de Ministro do Templo Dali. O futuro dele é promissor, e mesmo pensando nas gerações futuras, ninguém quer se indispor com esse homem.
Depois que os cortesãos saíram, Rong Xia voltou a olhar a lista entregue por Zhou Bing’an e os outros. O olhar demorou em Xie Qilin e, por fim, seu nome foi novamente riscado.
— Vossa Majestade, a imperatriz chegou.
— Entre, por favor — Rong Xia levantou-se e quis cumprimentá-la na porta, mas abaixou o olhar para a lista, pegou um memorial e começou a fazer anotações.
— Rong Xia — Ban Hua entrou segurando um prato de dim sum, parecido com o que Rong Xia havia comido na casa dos Ban. Fazia tempo que não provava, e não lembrava bem do sabor, só sabia que aquele prato valia mais do que uma bandeja de prata.
— Trouxe essa cozinheira da casa da minha mãe, pode experimentar — Ban Hua colocou o prato na mesa, torceu um pedaço e o levou à boca de Rong Xia — Está gostoso?
Rong Xia assentiu.
— Você fica o dia todo no templo resolvendo assuntos, não se canse demais — Ban Hua o empurrou para sentar e começou a massagear seus ombros.
Rong Xia segurou sua mão e a puxou para os braços.
— Me diga, você saiu e causou confusão?
— Hã? — Ban Hua olhou para Rong Xia, sem entender — Por que eu sairia e causaria confusão?
Ao ver seu olhar distraído e inocente, Rong Xia alimentou-lhe a boca com um pedaço do petisco e disse, entre a mastigação:
— Alguns dias atrás, você saiu do palácio, voltou tarde de uma brincadeira, e foi tão calorosa comigo.
— Parece que não te trato bem — depois que Ban Hua comeu o petisco, mordeu forte os dedos de Rong Xia. Quem diria que Rong Xia não evitou nem desviou, apenas sorriu e deixou.
— Você é tonta? — Ban Hua viu as marcas dos dentes nos próprios dedos e ficou preocupado e culpado — Está nevando lá fora. Quero que me acompanhe para ver a paisagem da neve fora do palácio.
— Amanhã? — Rong Xia pensou um pouco — Tudo bem, vou te acompanhar depois do expediente.
— Combinado, não vou voltar atrás — Ban Hua o beijou na bochecha — Ei, continua aprovando seus memoriais que eu não te incomodo.
— Espere — Rong Xia a puxou de volta, beijou os cantos dos seus lábios duas vezes — Seu insensível, só vem embora depois de conseguir o que quer e depois fica aqui comigo um pouco.
— Então você corrige o memorial e eu leio histórias para te fazer companhia — Ban Hua abraçou seu pescoço e sorriu — Posso até lavar e afiar sua pena.
— Fechado — Rong Xia a pegou no colo e a colocou na cadeira acolchoada — Fique aqui comigo.
Mandou chamar Wang De, pediu que buscasse dois livros dos ditados favoritos de Ban Hua, preparou melões e petiscos para ela e voltou para a mesa imperial para cuidar de seus assuntos. Embora tivessem gostos e personalidades diferentes, sentados juntos combinavam de um jeito inexplicável.
Depois de um tempo, Rong Xia viu Ban Hua adormecer encostada na mesa, balançou a cabeça e sorriu, colocou seu manto sobre ela, pegou-a pela cintura e saiu do gabinete imperial. Os eunucos e criadas que esperavam do lado de fora logo abriram guarda-chuvas e seguraram recipientes para proteger a imperatriz do vento frio.
— Vossa Majestade... — uma oficial feminina tentou falar, mas foi interrompida pelo olhar frio de Rong Xia. Ele olhou para a neve e vento do lado de fora, apressou o passo para levar Ban Hua de volta à suíte.
— Todos, retirem-se — Rong Xia sentou-se na beirada da cama, olhou para Ban Hua que dormia tranquilamente e mandou que todos saíssem da sala.
O ambiente ficou silencioso. Rong Xia ficou olhando fixamente para Ban Hua. Via esse rosto quase todos os dias, mas nunca se cansava de olhar. Dizem que, quando os pais olham para os filhos, mais olham e mais percebem que seus filhos são incomparáveis. Mas ele é marido de Ban Hua. Por que, toda vez que a olha, sente que nenhuma mulher do mundo pode se comparar a ela?
Quanto mais olhava, mais sentia que sua esposa era melhor que qualquer uma. Os olhos dela eram mais brilhantes, a boca mais macia, as sobrancelhas mais belas, e mesmo quando estava zangada, era tão linda que seu coração amolecia.
Não era como se ele a tratasse como a própria filha?
Ele riu de si mesmo e, ao sair da sala íntima, viu várias cortesãs paradas silenciosas do lado de fora. Parou e olhou para uma delas:
— Seu nome é Ruyi?
— Vossa Majestade é tão gentil quanto seu servo.
— Você tem servido ao lado da imperatriz?
— Respondendo a Vossa Majestade, esta serva serve Sua Majestade desde os dez anos de idade. Já são dez anos a serviço de Sua Majestade.
Ruyi ficou um pouco surpresa. Seu Majestade nunca dirigia uma palavra às criadas ao redor de Sua Majestade e nem se importava com os nomes delas. Quando a imperatriz estava por perto, Seu Majestade mal podia ver outras mulheres. Hoje... o que aconteceu?
Ruyi sentiu um leve desconforto no coração, mas não ousou demonstrar, apenas esperou que Seu Majestade falasse sinceramente.
Rong Xia quis perguntar sobre Hannah e Xie Qilin, mas as palavras não saíram da boca. Sua sobrancelha tremeu levemente.
— Sei. Cuide bem disso.
— Sim. — Ruyi percebeu que Seu Majestade não pretendia continuar perguntando, curvou-se e se afastou.
Depois que Rong Xia saiu, Yuzhu perguntou curiosa:
— Irmã Ruyi, o que aconteceu, Sua Majestade?
— Consegue adivinhar o que Sua Majestade está pensando? — Ruyi a fitou severamente — Se não controlar essa sua curiosidade, já teria mandado você cedo para a Mansão do Duque, para não causar problemas e atrapalhar a imperatriz.
O rosto de Yuzhu mudou:
— Irmã Ruyi, eu errei.
Se achando repreendida, ela falou com um tom mais educado:
— Não é que eu seja dura com você, é só que o jovem mestre agora é Sua Majestade, e nós, que estamos ao redor de Sua Majestade, devemos ser mais cautelosos nas palavras e ações.
Yuzhu assentiu obedientemente, não ousaria repetir.
— Vossa Majestade — Wang De aproximou-se com o guarda-chuva nas mãos — percebo que sua aparência não está muito boa. Gostaria de chamar um médico imperial para checar seu pulso?
— Não precisa — Rong Xia balançou a cabeça para Wang De — Estou bem.
Wang De hesitou um pouco, então disse:
— Vossa Majestade, será que... depois de ouvir as palavras da princesa Anle, não se sentiu muito contente?
Rong Xia parou e virou-se para olhar Wang De.
Wang De estremeceu sob seu olhar, entregou o guarda-chuva ao eunuco atrás dele e se ajoelhou na neve, implorando perdão.
— Vá, não te culpo — Rong Xia colocou as mãos nas costas, olhando para o vento e a neve no corredor — Você serve no palácio há tantos anos, o que a princesa Anle disse é verdade ou mentira?
— Quantos anos tinha Vossa Majestade quando ela ficou noiva de Xie Erlang? — Wang De observou cuidadosamente o rosto de Rong Xia — Servos no palácio, embora não conheçam bem Sua Majestade, sabem algo sobre o temperamento dela.
Rong Xia ergueu a sobrancelha e o fitou.
— Tenho uma clara distinção entre o que gosto e o que odeio, e jamais erro emocionalmente. — Wang De se curvou em saudação — Por acaso tenho uma coleção de poemas, mas nenhum parente ou amigo gosta delas, então dei para Xie Erlang.
— Esses príncipes e damas que são próximos da imperatriz, ninguém gosta dessas coisas.
A expressão de Rong Xia ficou sutil, levantou a sobrancelha e olhou para Wang De:
— Sério?
— Sou eunuco, como posso conhecer os sentimentos das crianças? — Wang De sorriu — Apenas deduzi pelo que vi e ouvi.
— Você está certo, não é nada dar uma coleção de poemas — Rong Xia ergueu o queixo, um leve sorriso nos olhos.
No começo, Huahua deu tantos álbuns raros e preciosos, e nunca foi apegada. Além do mais, não eram noivos ainda, Huahua era tão generosa. Xie Qilin foi noivo de Huahua por dois anos, mas só ganhou a coleção de poemas que ela menos gostava, realmente não pode ser chamado de agrado.
De volta ao estudo imperial, Rong Xia anotou ao lado do nome de Xie Qilin:
Enviar para Ren Zhizhou em Xizhou.
Como ele tem talento, e Rong Xia não queria vê-lo, era melhor assim.
Naquela noite, Xie Qilin recebeu a carta de nomeação emitida pelo tribunal imperial. Ao ver o selo grande, ficou surpreso e sem palavras.
Não esperava que Rong Xia estivesse disposto a lhe dar um cargo oficial.
Olhando para os pais excitados, Xie Qilin reprimiu suas dúvidas. Saiu de casa e olhou para os flocos de neve caindo, sentindo uma mistura de felicidade e tristeza no peito.
Talvez ainda sentisse um vazio inexplicável, essa sensação de perda, nem ele mesmo entendia para quê.
Não muito longe, uma carruagem saiu do Portão Suzaku, e o eixo da carruagem deixou uma marca funda na neve.
A carruagem cruzou a cidade movimentada e só parou na pista de gelo nos arredores de Pequim. Essa pista de gelo foi construída por um sujeito da capital. No inverno, é divertido convidar amigos e belas damas para brincar no gelo, ou chamar alguns mestres do gelo para fazer truques e entreter.
Esse sujeito, de sobrenome Qian, tem status mediano na capital, e jovens importantes como Zhou Bing’an e Ban Heng basicamente não o consideram para brincadeiras. Então, quando ouviu que Ban Heng, o tio do país, ia usar sua pista de gelo, o senhor Qian ficou tão feliz que passou a noite inteira acordado, ordenando várias vezes aos servos que cuidassem do gelo durante a noite. Quando os cavalos pisaram no gelo, estavam firmes e seguros, e ele respirou aliviado.
O senhor Qian esperava cedo na pista, e quando Ban Heng, Zhou Bing’an e outros chegaram, ele os recebeu entusiasmado. Logo percebeu que esses jovens imponentes não foram direto para a pista, mas mandaram um grupo de guardas pessoais cercar o local firmemente.
Esses guardas eram todos altos e robustos, com facas nas cinturas, os olhos não estavam raivosos, mas carregavam poder. O senhor Qian ficou assustado e sua voz tremia um pouco.
— Não fique nervoso — Zhou Bing’an deu um tapinha no ombro dele — Temos que esperar a chegada de um nobre, por isso os guardas estão mais rigorosos. Não se incomode, senhor Qian.
— Não me incomodo, não me incomodo — o senhor Qian acenou rapidamente com as mãos — Deve ser assim mesmo, deve ser assim. — Ele olhou ao redor às escondidas e pensou: nem um mosquito voa aqui, quem será esse nobre? Até o respeitável tio tem que ser tão cuidadoso.
Cerca de meia hora depois, uma carruagem parou do lado de fora da pista de gelo, e o senhor Qian ia se aproximar para avisar que aquela era propriedade particular e que estranhos não podiam ficar ali, quando o tio Ban Guo correu para cumprimentá-lo e desceu da carruagem com uma mulher de capa vermelha. Ele teve um breve vislumbre do rosto dela e parou no lugar.
Depois que voltou a si, percebeu que havia um homem igualmente notável ao lado daquela mulher deslumbrante. Suspira com emoção — a beleza estonteante realmente estava acompanhada pelo senhor Ruyu.
Ban Hua segurou a mão de Rong Xia, virou-se e olhou para ele com um sorriso:
— Quer brincar comigo um pouco?
Rong Xia olhou para a superfície lisa do gelo e para a mulher sorridente ao lado, sentindo-se um pouco perdido. Mais de dez anos atrás, também queria brincar secretamente no gelo, e justamente havia uma garotinha que queria que ele brincasse com ela, então ele deslizou o barco.
Só que ele tinha acabado de dar alguns passos no gelo quando foi descoberto pelos criados do palácio e levou uma punição ao voltar para casa. Desde então, nunca mais brincou no gelo. Agora, Huahua o trouxe repentinamente aqui, trazendo de volta memórias de infância.
— Eu não vou — Rong Xia sorriu suavemente para Ban Hua — Vou só ficar aqui e te assistir, tudo bem?
— Tudo bem, eu fico aqui. — Ban Hua tirou a capa, calçou os patins de gelo e apontou para Du Jiu — Du Jiu, troca os patins do mestre.
— Eu... isso... — Du Jiu olhou para Rong Xia e Ban Hua, atrapalhado.
— Deixa pra lá — Rong Xia sorriu, sem jeito — Eu faço sozinho.
Ao ver isso, Ban Heng entregou um par de patins e vestiu protetores de cabeça, joelheiras e munhequeiras em Rong Xia. Embora essas coisas fossem um pouco volumosas, protegiam bem quem nunca tinha patinado no gelo.
— Observe como eu deslizo para você.
Rong Xia ergueu a cabeça, os olhos pousaram em Ban Hua, e ele quase congelou.
Ameixeiras vermelhas no gelo, bruxas na neve.
Rong Xia ficou olhando fixamente para Ban Hua, até que ele deslizou em círculo e parou à sua frente novamente — ele ainda não se recuperava.
— Por quê? Ficou atônito com a minha beleza? — Ban Hua estendeu uma mão branca e delicada — Vamos, vem comigo.
Du Jiu e os outros guardas olharam para Rong Xia nervosos, temendo que a imperatriz pudesse cair por acidente. Se outros cortesãos descobrissem, daria confusão.
Rong Xia entregou a mão a Ban Hua, mas não viu a elegância que esperava, porque ele tropeçou no primeiro passo.
— Cuidado — Ban Hua segurou sua cintura — Não entre em pânico, vá devagar, passo a passo.
— Certo.
Rong Xia sorriu e o acompanhou cambaleando no gelo. Às vezes, os dois caíam juntos, assustando Du Jiu e os outros que suavam frio, mas eles ficavam deitados no gelo rindo alto.
Du Jiu ficou olhando seu soberano atônito. Nunca tinha visto um lado tão desajeitado dele. Normalmente, ele era sempre onipotente e calmo.
Como hoje, apoiando-se na imperatriz para andar alguns passos, e quase nunca mostrando a aparência de cair de quatro.
— Levante-se — Ban Hua se ergueu do gelo e puxou Rong Xia — Você é muito desajeitado. Eu aprendi a patinar quando tinha poucos anos.
— Ah, nossa Huahua é a mais esperta.
— Gosto de ouvir isso — as bochechas de Ban Hua coraram, e os cantos dos olhos e sobrancelhas estavam cheios de sorrisos — Mas mesmo se você for desajeitado, não desprezo você. Por mais burro que seu marido seja, é meu de qualquer jeito.
— Huahua... — Rong Xia segurou a mão de Ban Hua e a puxou de repente para seus braços.
Flocos de neve caíam, e a leve frescura superava o calor do corpo de Ban Hua.
— Se o céu não envelhecer, o amor nunca vai acabar. — Rong Xia a abraçou ainda mais forte, impedindo o vento e a neve de caírem sobre ela — Hua Hua, não me culpe.
O coração de Ban Hua tremeu, estendeu a mão para envolvê-lo suavemente pela cintura e ficou em silêncio por um longo tempo. Quando Rong Xia achou que ela não falaria mais, ela assentiu levemente:
— Tudo bem.
Ao lado da pista de gelo, Zhou Bing’an estava agachado no chão, segurando o queixo, e disse a Ban Heng:
— Vossa Majestade e sua irmã sempre foram assim?
Ban Heng calçou os patins e respondeu a Zhou Bing’an:
— Por quê?
— Nada — Zhou Bing’an balançou a cabeça — Só achei... bem legal.
Ban Heng riu com desdém, ficou em pé no gelo e disse:
— Se quiser olhar os outros, é melhor brincar consigo mesmo.
Terminando, virou a cabeça para o lado onde estava sua irmã. Os dois já tinham se soltado, e Vossa Majestade ainda caminhava em círculos, mas sua irmã soltou sua mão e deslizou elegantemente como uma flor.
Ban Heng desviou o olhar — Vossa Majestade está tão encantado com uma mulher como sua irmã, o que ele está tentando fazer?
A tarde inteira, Rong Xia mal aprendeu a não cair no gelo e nada mais.
Ban Hua sentou-se na carruagem com ele, deitou-se em seus braços e cutucou seu peito:
— Vossa Majestade Tangtang, você é tão desajeitado quando está no gelo.
Rong Xia a abraçou apertado e sorriu:
— Mas hoje eu estou muito feliz.
Ele finalmente experimentou a alegria de estar no gelo, sem que ninguém o repreendesse por ser preguiçoso, se entregar à diversão e não ter modos. A mulher ao seu lado dizia que ele era bobo, mas toda vez que ele caía, ela corria até ele, como uma criança que não sabe o que é, protegida por ela.
— Apenas seja feliz — Ban Hua enlaçou o pescoço dele com os braços — Vou secretamente levá-lo para passear fora daqui todo ano, em todas as estações. Mas não posso simplesmente abandonar os assuntos do governo. Não quero que nos livros de história do futuro digam que eu fui uma desgraça.
— E o que você quer fazer então? — Rong Xia fungou.
— As gerações futuras certamente vão te louvar como um Mingjun[1]. Eu serei uma imperatriz famosa, do tipo mais amada pelo imperador, a imperatriz mais virtuosa, ou... a imperatriz amada para toda a vida, aquela cujo imperador nunca aceitou concubinas. Rainha. — Ban Hua olhou para Rong Xia com um meio sorriso — Quero que as futuras gerações pensem em você ao falar disso.
— Certo. — Rong Xia segurou a mão dela — Você é minha única rainha, a única mulher patriota, a única mulher. Se eu não conseguir isso nesta vida, morrerei de forma horrível e o país será perdido por minha culpa.
Ban Hua fechou os olhos e sorriu:
— Eu não quero que o país se perca em suas mãos. Então o povo sofrerá. Se você quebrar seu juramento... — Ela abriu lentamente os olhos, fitando os olhos de Rong Xia — Eu vou te fazer viver uma vida eterna e solitária, entendeu?
— Certo.
Do lado de fora da carruagem, Du Jiu puxou a capa para se proteger do frio, fingindo não ter ouvido a conversa dentro do carro.
Uma vida solitária às vezes é mais dolorosa do que uma morte ruim.
Como imperador, é ainda mais difícil para um homem comum manter um juramento assim. Que confiança Seu Majestade teria em si mesmo para fazê-lo? Ou seria um verdadeiro encantamento pela imperatriz?
No inverno do primeiro ano de Cheng’an, os ministros notaram que Sua Majestade estava com a aparência melhor a cada dia, até seus olhos pareciam mais vivos. Quando o inverno virou primavera e chegou o segundo ano de reinado, um ministro fez um relatório repentino, dizendo que a imperatriz já estava casada com Sua Majestade há quase três anos e não tinha herdeiros. Para governar o mundo, Sua Majestade deveria aceitar concubinas no harém.
O ministro não esperava que Sua Majestade perdesse a paciência. Diante de todos os oficiais civis e militares da dinastia Manchu, Sua Majestade disse que estava obcecado por mulheres, que não conseguia nem administrar sua própria família, então como poderia ser um oficial do governo? Mandou que tirassem seu chapéu preto imediatamente.
Depois disso, os ministros não ousaram mais mencionar as concubinas diante de Sua Majestade, e até aqueles que pensavam em mandar suas filhas para o harém não tinham coragem de falar abertamente. Se fosse uma mulher comum, ainda insinuariam que a imperatriz era um desastre, mas a imperatriz era diferente. Ela lutou contra o mundo ao lado de Sua Majestade e travou batalhas sangrentas por ele.
Mas, como ministros, não queriam que a pessoa mais importante para o imperador fosse a imperatriz, e não eles mesmos.
Os ministros não viam que o imperador amava suas concubinas, nem que ele valorizava os eunucos. O que mais queriam era ser os mais elogiados e valorizados pelo imperador. Melhor ainda se ganhassem o título de ministro famoso e general fiel.
Pena que Sua Majestade era tão prudente e eficaz, e o mundo estava em ordem sob seu governo. Se quisessem dizer que ele era tolo, correriam o risco de serem acusados de rebelião.
Portanto, o imperador era muito sagaz e competente, e os ministros não estavam satisfeitos.
[1] Mingjun: termo honorífico para “príncipe herdeiro”.
Desde a emissão do edito de Kai Enke, o prestígio de Rong Xia entre os literatos só crescia. Logo no começo da primavera, muitos candidatos de todo o país chegaram à capital.
Alguns vinham pela primeira vez a Pequim e estavam curiosos sobre a cidade, então ouviam com interesse as fofocas locais. Por exemplo: se um ministro quisesse mandar sua filha para o palácio, Sua Majestade ficaria extremamente desgostoso.
Outro exemplo: alguém tentou agradar o sogro do país, mas o sogro o despachou com presentes e disse que era um sujeito comum que nunca se metia nos assuntos da corte.
Outro exemplo: a imperatriz era uma mulher linda e poderosa, que sabia montar a cavalo e matar inimigos. Embora não fosse muito boa na escrita, era eloquente. Diziam que um enviado estrangeiro ridicularizou o homem que ganhou uma grande vitória por ser fraco demais, mas foi alvo da zombaria da imperatriz dos pés à cabeça.
— A imperatriz disse ao enviado: “Você nem consegue se comparar a mim como mulher nas artes marciais, e ainda tem coragem de zombar do meu filho que conquistou uma grande vitória? Meu filho, que venceu em grandes batalhas, é bom em literatura e artes marciais. Como pode um bárbaro como você entender isso? Os ursos e tigres cegos da montanha não são apenas fortes, eles podem comer pessoas. Então posso dizer que são mais fortes que todos os homens do mundo?”
Vários candidatos ouviram fascinados e pediram para o comum continuar.
— Quantos jovens senhores estão aqui para participar do Enke? — o plebeu tomou um gole de chá, olhou para os candidatos e disse lentamente — Nosso Majestade valoriza acima de tudo os talentos, e todos os jovens senhores são bonitos. Desejo a todos boa sorte, e que alcancem o título na lista de ouro, no topo do exame.
Os juízes não puderam deixar de suspirar emocionados — afinal, essa é a capital, até o povo comum fala assim.
Sob a casa de chá, uma carruagem parou lentamente, e uma mão de porcelana levantou a cortina.
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— Toda vez que acontece o exame imperial, o pessoal desta casa de chá é o melhor em bajular os clientes e puxar conversa. Tem todo tipo de fofoca, e é o melhor lugar pra assistir as novidades — disse Ban Hua para os que estavam na carruagem. — Antigamente, sempre que rolava exame imperial, o Irmão Heng e eu adorávamos vir aqui.
Rong Xia desceu da carruagem e deu uma olhada na casa de chá. Não era um lugar muito chique, mas estava cheio de vida, com gente entrando e saindo.
— Vamos — Ban Hua pegou sua mão e atravessaram a porta juntos — aqui você pode ouvir coisas que não escuta na sala do tribunal.
Ao entrar, Rong Xia viu muitos homens vestidos de estudiosos. Muitos tinham sotaques diferentes dos locais da capital, se agrupando em duplas ou trios, falando sobre os costumes das suas regiões ou ouvindo os locais contarem histórias interessantes sobre a capital.
Quando o garçom viu Ban Hua, sorriu e a cumprimentou:
— Senhorita Yin, finalmente chegou. Você pediu para eu reservar um lugar desde cedo, mas ninguém apareceu para te buscar. Por favor, sentem-se.
— Muito bem.
— Ótimo. — Ban Hua jogou uma moeda de prata para o garçom, que sorriu contente e os conduziu até duas mesas vazias.
— Ainda é do jeito antigo? — perguntou o garçom, animado, olhando para Ban Hua como se ela fosse uma carteira ambulante.
— Continuo seguindo as regras antigas. Este aqui traz seu próprio chá, e os outros guardas também — respondeu Ban Hua.
— Esse jovem é muito educado. Dias atrás, o senhor Yin comentou que você se casou. Será que é este cavalheiro?
— É ele mesmo. — Ban Hua sorriu.
— Senhorita e este cavalheiro são realmente um par perfeito. Eu não sei falar bonito, mas acho que vocês dois juntos são a coisa mais linda do mundo, e ninguém pode competir. — O garçom falava com doçura exagerada, como se não precisasse de dinheiro, só abrisse a boca.
— Tem razão. — Os cantos da boca de Rong Xia se ergueram ligeiramente, sinalizando para Du Jiu dar uma gorjeta.
O garçom não esperava ganhar duas moedas de ouro só por dizer umas palavras bonitas. Agradeceu apressado e foi preparar o chá e as frutas.
Rong Xia e Ban Hua, embora estivessem vestidos de forma simples de propósito, foram notados por algumas pessoas assim que entraram. Agora, ao verem os dois entregando moedas de ouro e prata com naturalidade, sabiam que eles vinham de famílias ricas, e estavam ali só para se divertir.
A maioria não ousava causar problemas, e, ao notar que o garçom parecia conhecido do casal, nem ousavam olhar novamente, com medo de ofender.
Quando estudiosos se reúnem, a maioria das conversas gira em torno de poesia e economia. Ban Hua não entendia muito dessas coisas, então cochichou no ouvido de Rong Xia:
— Tem algum poema bom?
Rong Xia balançou a cabeça sorrindo, e disse para Ban Hua:
— Eu prefiro ouvir as histórias de fantasmas que contam na mesa ao lado.
— É só gente fingindo ser fantasma — sussurrou Ban Hua — Nessa folclore, os monstros têm que ser bonitos, os estudiosos são bondosos. Fantasmas são meio bons e meio maus, nada novo.
— Parece que Huahua já ouviu muita coisa. — Rong Xia tomou um gole de chá, mas não quis repetir. Embora o chá e as peças fossem trazidos por eles, a água era da casa de chá — provavelmente água comum de poço — e o sabor do chá ficava fraco.
— Se quiserem falar, nosso Zhizhou em Xizhou também é um grande homem. Apesar de um problema nos olhos, ele governa Xizhou com ordem. Em poucos dias de chegada, já ganhou o apoio de muitos — disse um homem de azul.
— O estudante de Xizhou falou com gratidão — prosseguiu — Temos dois filhos de famílias pobres lá, e o Zhizhou, vendo que são talentosos e respeitosos, mandou-os para a capital fazer o exame por conta própria. Xizhou tem pais assim, é sorte para o povo do estado.
Xizhou é um lugar famoso pelo frio intenso, e poucos candidatos vêm fazer o exame de lá. Agora que chegaram candidatos de Xizhou, todo mundo fica curioso.
— Ser oficial na corte com problema nos olhos só pode ser porque Sua Majestade valorizou seu talento, e fez essa exceção — perguntou um candidato local — Quem é esse Zhizhou de vocês?
— Coincidência — respondeu o candidato de Xizhou — Nosso Zhizhou também é da capital, sobrenome Xie, nome Lin, estilo Qilin.
A casa de chá ficou em silêncio. O candidato de Xizhou olhou para a multidão com um ar enigmático:
— Não sei... tem algo errado com o Xiaosheng?
— Não, está tudo bem — riu seco o candidato da capital, mas não ousou perguntar mais.
Ninguém na capital desconhecia a antiga rixa entre Xie Qilin e a imperatriz da dinastia. Não esperavam que Sua Majestade fosse tão generoso a ponto de permitir que Xie Qilin entrasse na corte como oficial. Essa magnanimidade era digna de Sua Majestade.
Muitos literatos admiravam Rong Xia, e, ao elogiá-lo, exageravam. Agora o caso de Xie Qilin dava mais motivos para se vangloriar.
Ban Hua enxugou os cantos da boca com um lenço, tossiu seco e perguntou:
— Você realmente pediu para Xie Qilin assumir o cargo em Xizhou?
Rong Xia virou o rosto e olhou nos olhos de Ban Hua:
— Algum problema?
— Não sei se está certo ou errado — Ban Hua soprou a espuma do chá e deu um gole — Trouxe você aqui pra relaxar, não pra pensar em outro homem.
Rong Xia riu:
— Outro homem na sua cabeça? Que razão tem isso?
Os dois ficaram na casa de chá por mais meia hora. Ban Hua olhou para o céu:
— Tem uma torre chamada Zhuangyuan aqui perto, onde literatos adoram compor poemas. Quer ir ver?
Rong Xia balançou a cabeça:
— Melhor não, que tal a gente ir visitar a casa dos seus sogros?
— Também é bom — Ban Hua concordou na hora — Vamos.
Na Mansão Jingting, Ban Huai e Ban Heng olhavam para um homem que parecia cheio de dores de cabeça. Uma cesta cheia de poemas, caligrafias e pinturas, e eles nem sabiam o que esses candidatos pensavam. Só sabiam que a família deles era ilustre, mas ignoravam que eram analfabetos. Aqueles poemas e pinturas estavam em sua casa, e eles não conseguiam distinguir se eram bons ou ruins.
— Esses alunos não são tolos. Eles não mandaram essas coisas para você ler — disse Yin, abrindo uma carta casualmente, onde havia um poema — Eles querem que Sua Majestade veja suas obras se vierem à nossa casa.
— Vossa Majestade... — Ban Heng disse — Mesmo que venha à nossa casa, não terá tempo para olhar isso tudo.
Ele chamou um criado e pediu que tirassem aquelas coisas de lá.
— Mestre, Madame, Senhorita e Tio chegaram — avisou o mordomo, animado, tremendo os lábios — Preparem-se, eles já passaram pelo segundo portão.
— Huahua voltou? — Ban Huai esfregou as mãos — Vamos preparar o almoço.
Depois de ver a família Ban, Rong Xia e Ban Hua foram calorosamente recebidos por eles. Mencionaram os estudantes enviando poemas.
— Não se preocupe com isso — disse Rong Xia — Eu costumava receber poemas, caligrafias e pinturas com frequência, mas não há muitos realmente talentosos. Se alguém enviar no futuro, meu sogro pode simplesmente recusar.
— Certo — concordou Ban Huai. — Sou o mais impaciente para ver essas coisas.
— Nunca vi candidatos mandando poemas para nossa casa antes — Ban Hua revirou os olhos. — Será que eles conseguem mesmo ser bons em poesia e pintura?
Rong Xia riu ao ouvir isso e deu um tapinha na testa dela:
— Você, hein...
— Mestre, madame, alguém de Xizhou enviou algo, dizendo que foi devolvido ao estado original, senhor — o mordomo entrou com uma caixa nas mãos, fez uma reverência para Rong Xia e Ban Hua, e apresentou a caixa com ambas as mãos. — Mestre, por favor, dê uma olhada.
— Xizhou? — Ban Huai franziu a testa e olhou para Yin. — Senhora Yin, há alguém que conhecemos em Xizhou?
A senhora Yin ponderou por um momento, balançou a cabeça lentamente e disse:
— Não.
Ban Heng pegou a caixa de madeira, abriu a tampa e deu uma olhada. Além da coleção de poemas da família Huang, não havia mais nada.
— Que diabos é isso? — Ban Heng sentiu uma dor de cabeça ao ver a coleção. — Será que essas pessoas marcaram encontro hoje?
— O que tem na caixa? — Yin perguntou sorrindo, vendo a expressão sofrida do filho. — Que expressão?
— Uma coleção de poemas — Ban Heng tirou os poemas da caixa e entregou para Yin com as duas mãos. — Mãe, por favor, leia.
Yin pegou a coleção, folheou duas páginas e levantou ligeiramente as sobrancelhas:
— Essa coleção de poemas realmente pertence à nossa família. Mas desapareceu há alguns anos. Achei que tinha sido danificada por vocês dois, então nunca perguntei. Foi emprestada para alguém?
Rong Xia, sentada ao lado, de repente falou:
— Sogra, posso dar uma olhada?
Yin ficou um pouco surpresa, mas passou a coleção para Rong Xia:
— Majestade, fique à vontade.
Rong Xia abriu a coleção de poemas, que tinha anotações. Pelo estilo da caligrafia, deveriam ser escritos recentes. Ao recolher a coleção, um bilhete caiu.
Ela se abaixou para pegar o bilhete que caiu no chão, que trazia apenas algumas linhas de um poema vulgarmente usado há muito tempo:
Desde que é tarde para ir à escola em Xunchun, não há por que sentir melancolia ou ressentimento a Fang. O vento forte sopra toda a folhagem vermelha, e as folhas verdes viram sombras cobrindo os galhos.
— O que está escrito? — Ban Hua encostou a cabeça no peito dela. — Folhas verdes... galhos cheios, esse poema tem algum significado especial?
Rong Xia olhou para a mulher encostada nela, seus olhos confusos e nebulosos — claramente não entendia o significado do poema.
— Não é nada — disse Rong Xia — Provavelmente quem leu gostou do poema e fez uma cópia.
Ela colocou o bilhete de volta na coleção e deixou o livro na mesa.
— Huahua, está ficando tarde, deveríamos voltar.
— Tá bom. — Ban Hua concordou, levantou-se e se despediu da família. Ao sair, nem olhou para a coleção de poemas na mesa, claramente sem interesse por essas coisas literárias.
Os três da família Ban acompanharam o casal até o portão da casa. Depois que eles saíram, voltaram para o pátio interno.
Yin pegou o livro de poemas esquecido na mesa, tirou o bilhete do livro, colocou na lanterna e o acendeu.
— Mãe? — Ban Heng olhou para Yin, confuso. — Por que está queimando isso?
Ele afagou o cabelo das costeletas e entregou a coleção de poemas para ela.
— Devolve para a biblioteca.
— Sim. — Ban Heng levou o livro para a biblioteca, achou um canto vazio e o guardou.
No silêncio da noite.
— Huahua. — Rong Xia abraçou Ban Hua, acariciando as costas macias e lisas. — Você é aquela menina que me enchia para brincar de gelo?
— Hã? — Hua se enroscou em seus braços e falou casualmente — Não lembro.
Rong Xia sorriu e beijou sua testa:
— Tudo bem, só eu preciso lembrar.
A memória antes vaga clareou naquele dia em que Huahua o levou para brincar de gelo. A menina das duas maria-chiquinhas tinha olhos grandes e sobrancelhas arqueadas, e sorria exatamente como Huahua.
Pensando agora, além de Huahua, quem mais poderia ser tão atrevida no palácio, e ser uma garotinha da mesma idade?
Que pena, se ele tivesse percebido Huahua naquela época, como teria sido bom.
A pessoa em seus braços já estava profundamente adormecida, mas Rong Xia não sentia sono. Queria perguntar a Huahua se a coleção de poemas retornada de Xizhou para Zhao era a que Huahua dera a Xie Qilin. Mas não quis perguntar, não queria que Huahua soubesse desses pensamentos de filha.
Queria que Huahua pensasse que ele era um homem poderoso, onipotente, gentil e tolerante, e não um homem mesquinho que se preocupa com detalhes e não tem noção.
— Huahua, você me ama? — sussurrou em seu ouvido.
Mas a pessoa dormindo não respondeu.
— Se não falar, vou entender como um sim.
Rong Xia envolveu a pessoa em seus braços e adormeceu profundamente.
Março está cheio de fragrâncias, e abril traz a primavera que toda a literatura da dinastia Ying espera.
Depois de Chunwei, vem o exame do palácio. No dia do exame, Rong Xia acordou cedo. Era seu primeiro exame imperial desde que assumira o trono, e ele precisava estar presente quando os candidatos respondessem.
Ban Hua ficou preocupada que ele ficasse entediado sozinho no palácio, então pediu aos servos do palácio que preparassem um sachê refrescante para ele usar.
Quando o sol nasceu, Ban Hua, ainda no harém, ouviu o sino tocar, sinalizando o início do exame imperial.
Ela encostou na cabeceira da cama, olhando para a luz do sol entrando pela janela, e disse de repente:
— Venha cá, vou te ajudar a se maquiar.
Outro palácio nos subúrbios.
Esse outro palácio chama-se Palácio Jinxue. Dizem que um imperador da família Jiang o construiu para sua mãe. Agora, a Imperatriz Viúva Fuping e a Princesa Anle moram lá.
A Imperatriz Viúva Fuping ficou surpresa ao ouvir dos servos que a rainha estava vindo:
— Como ela pode vir?
— Rainha, não sei — disse a dama de companhia balançando a cabeça — A Imperatriz disse que não queria incomodar, só queria conversar com Sua Alteza.
Ao ouvir isso, a Imperatriz Viúva Fuping não se sentiu aliviada, só ficou mais inquieta. Embora Huahua frequentemente mandasse coisas, ela nunca aparecia pessoalmente. Agora que veio de repente e viu An Le sozinha, como poderia se sentir tranquila?
— Entendi. — Já que Huahua não quer vê-la, vai fingir que não sabe.
Agora que vive isolada, pessoas com bom gosto são sempre mais agradáveis.
No salão principal do Palácio Jinxue, An Le entrou e saudou Ban Hua, que estava sentada à cabeceira.
Ban Hua olhou para ela em silêncio, sem se desculpar. An Le ergueu o olhar surpresa, encontrando os grandes olhos preto e branco de Ban Hua. Por algum motivo, sentiu-se culpada sem razão e virou a cabeça para evitar o olhar dela.
— Irmã, levante-se — suspirou Ban Hua. Depois que An Le se levantou, ela baixou as pálpebras e perguntou: — Irmã, você tem algo a me dizer?
An Le ficou em silêncio por um momento:
— Hua Hua, o que há com você?
Ban Hua se levantou:
— Eu ajudei Rong Xia a derrotar a família Jiang, você deve me odiar, não te culpo.
A expressão de An Le mudou um pouco; ela virou o rosto para olhar um vaso no canto:
— Não entendo o que você quer dizer.
— Melhor entender — disse Ban Hua — mas se não entender, tudo bem. — Ela se levantou. — Já que você não tem nada a dizer, não vou mais te incomodar. Pode ficar tranquila, Alteza, enquanto eu estiver aqui, ninguém ousará te fazer mal.
A expressão de An Le ficou ainda mais feia. Quando viu Ban Hua saindo, não resistiu e a chamou:
— Hua Hua!
Ban Hua olhou para trás, mas ficou sem palavras, com a boca aberta.
— Minha irmã provavelmente não sabe que, embora eu e Xie Qilin estejamos noivos há dois anos, só lhe dei uma coleção de poemas uma vez, e essa coleção nunca esteve nas mãos dele — sorriu Ban Hua com tom frio — Eu admiro Shi Feixian, então dei a coleção a ela.
Como uma coleção de poemas já enviada poderia ter sido devolvida de um lugar tão distante quanto Xizhou? Por mais que Xie Qilin tivesse alguma ligação com ela no passado, como poderia ter contato hoje, a não ser que ele quisesse destruir a própria família e enlouquecer?
As pálpebras de An Le tremularam levemente e ela desviou o olhar:
— O que você está querendo me dizer?
— Alteza, finja que perdi a paciência por tédio, vou contar algumas fofocas — Ban Hua riu com sarcasmo — Eu só falei isso, você ouve. De qualquer forma, depois de hoje, não volto mais aqui para te incomodar.
O rosto da princesa An Le ficou pálido, e um leve brilho de lágrimas surgiu nos olhos, mas ela se conteve e voltou para dentro.
Ban Hua virou e foi embora. Quando chegou à porta, não olhou para trás e disse:
— Aquele dia, quando você falou aquelas coisas para Rong Xia, eu estava atrás da biombo.
An Le virou a cabeça abruptamente, viu Ban Hua já saindo e correu atrás dela, chorando:
— Huahua!
Ban Hua parou, sem se virar.
— Eu... não quis te machucar, só queria deixar Rong Xia chateado, então... só...
— Você só acha que eu vou te perdoar em qualquer situação, então não deixa rastros — Ban Hua ergueu o olhar. O sol no céu fazia seus olhos arderem — Somos amigas há mais de dez anos, somos irmãs, e chegamos a esse ponto hoje, eu não te culpo.
Ao ouvir isso, o rosto de An Le mostrou um pouco de alegria:
— Hua Hua, você não me culpa?
Ban Hua balançou a cabeça lentamente e então olhou para An Le:
— Alteza, desculpe. Quando você enganou alguém para te mandar uma coleção de poemas hoje, nossa amizade acabou.
A alegria no rosto de An Le desapareceu instantaneamente. Ela encarou Ban Hua, atônita, e disse depois de um tempo:
— Você vai me causar problemas por causa de um homem? Que coisa boa um homem tem neste mundo para valer seu coração e alma, até mesmo a nossa amizade? Você não pensa nisso?
— Alteza, o motivo de eu ajudar Rong Xia a rebelar não foi por ele, mas por mim mesma — disse Ban Hua indiferente — Sei que você não acredita no amor e despreza a sinceridade dos homens. Mas o mundo é cheio deles, será que todos são corações partidos?
An Le arregalou os olhos, sem acreditar no que Ban Hua dizia.
— Eu entendo o que você pensa, mas com um coração forte, como poderia aceitar que um homem que me faz bem de verdade fique triste?
— Então você veio hoje pra que eu não conte seus erros? — An Le enxugou as lágrimas com um sorriso irônico — Você acha que Rong Xia realmente tem um sentimento profundo por você? Já pensou que ele pode estar atrás do Talismã do Tigre dos Três Exércitos que você tem, para conseguir o apoio do exército? Já pensou nisso?
Depois de ter se machucado uma vez, ela não confiava mais em nenhum homem no mundo. Mesmo cercada de rostos bonitos, só queria brincar com eles.
Ban Hua balançou a cabeça com calma, olhando An Le com pena:
— O Talismã do Tigre dos Três Exércitos nunca esteve na minha mão.
— Como? — An Le ficou pálida — Isso é impossível!
Se não estava com Ban Hua, de onde então Rong Xia conseguiu o talismã? Sem ele, como poderia trazer tantos soldados e até seus próprios guardas ao palácio?
— Se for pra achar um motivo, talvez ele me trate bem não por causa do talismã, mas por minha beleza — Ban Hua tocou a bochecha — Quando eu estiver velha e pálida, ele talvez me trate com frieza.
A princesa An Le balançou a cabeça, meio atordoada, e começou a rir e chorar ao mesmo tempo, sinal claro de estar abalada.
— Alteza — o sorriso de Ban Hua desapareceu — esta é a última vez que te aviso: não conte mais com meu homem. Tenho temperamento ruim e protejo o que é meu. Você entende as consequências, não é?
A princesa An Le não respondeu.
Ban Hua segurou a mão de Ruyi, virou-se e foi embora.
— Majestade, levante-se para voltarmos ao palácio.
An Le olhou para Feng Jia se afastando, balançou o corpo e sentou no chão.
Essa irmandade, no fim, foi destruída por ela mesma.
Mas Huahua, se você diz que Rong Xia tem um amor profundo por você, será que você também o trata da mesma forma?
Depois que o exame imperial terminou, Rong Xia voltou ao ábside e percebeu que Ban Hua não estava lá.
— Onde está Vossa Majestade? — perguntou a criada. — Ela saiu e ainda não voltou.
Rong Xia lançou um olhar para a criada.
— É mesmo?
— Claro — respondeu a criada, curvando-se respeitosamente — Mas é provável que Vossa Majestade não espere pela Empressa.
Um brilho prateado piscou na mão da criada, e na manga dela estava escondido um punhal. Ela se moveu tão rápido que Wang De, que estava mais próximo de Rong Xia, nem sequer teve tempo de reagir.
Rong Xia virou-se para desviar; o punhal da criada só acertou seu braço, e vendo que havia errado o golpe, a criada desferiu um golpe cortante com a mão atrás, tentando perfurar a garganta de Rong Xia. Porém, Wang De, que já havia reagido, esbarrou nela, fazendo com que a lâmina acertasse apenas seu ombro.
Com dois golpes perdidos, a dama da corte não teve mais chance, porque os guardas secretos chegaram e a chutaram para um canto com um só pontapé.
— Chamem o médico imperial! — gritou Wang De, vendo o sangue no corpo de Rong Xia, pálido de susto, enquanto cobria o ferimento com um lenço limpo. — Vossa Majestade, está tudo bem?
— Por que tanto pânico? — Rong Xia, sentindo dor, olhou para a dama da corte caída no chão, sem expressão. — Prendam ela e descubram quem a enviou.
— Sim — respondeu a criada com um sorriso cínico — De que adianta estar sentada no trono, se até a mulher ao seu lado quer que morra logo.
Depois de dizer isso, a oficial cuspia sangue em abundância, o rosto ficou pálido e azulado, e ela desabou no chão.
Os guardas que estavam no salão ouviram aquilo e ficaram com a face tão pálida quanto papel. A rainha tentou assassinar Vossa Majestade? Eles já tinham ouvido rumores secretos no palácio, mas temiam que aquele fosse o seu dia final.
Rong Xia já estava perdendo muito sangue e sentia tontura. Ele olhou para os guardas imperiais no salão e se forçou a manter a calma.
— Du Jiu, cuide dessas pessoas. Não deixem que uma única palavra do que essa criada disse se espalhe.
— Sim — Du Jiu fez um gesto, e logo alguns soldados chegaram para escoltar os guardas para fora.
— Até que eu acorde, o palácio da frente e o de trás ficam sob as ordens da rainha — Rong Xia olhou para a multidão com indiferença — Se alguém desrespeitar a rainha, Du Jiu, corte-lhe a cabeça.
— Sim, Vossa Majestade.
Du Jiu pressionou vários pontos de acupuntura no corpo de Rong Xia.
— Vossa Majestade, não se preocupe. Há ministros esperando aqui e ninguém poderá tocar na Empressa.
Rong Xia falou suavemente:
— Não me preocupo se vocês tomarem as providências.
Depois disso, a escuridão o envolveu.
— Senhor Du, o que devemos fazer? — Wang De estava perdido ao ver Rong Xia todo ensanguentado.
— Vossa Majestade já deu a ordem. A Empressa da Rainha comanda os palácios da frente e de trás. Agora, é claro que a Empressa da Rainha deve ser convidada a retornar primeiro — Du Jiu respondeu com o rosto carrancudo. — Vamos, convoquem a Empressa para voltar ao palácio imediatamente.
Ban Hua bebia enquanto Feng dirigia.
Ruyi preparava o chá, quando de repente um frio estranho lhe percorreu o corpo, e ela sentou-se reta.
— Madame, o que houve? — perguntou Ruyi, preocupada.
— Está tudo bem...
— Vossa Majestade! Tentaram assassinar Vossa Majestade! Senhor Du, por favor, volte ao palácio o quanto antes!
Bang Dang!
A xícara de chá na mão de Ban Hua caiu com o barulho. Ela segurou-se na parede da carruagem, mas ficou sem ar por um bom tempo.
*****************************
O autor tem algo a dizer:
Como é tarde para ir à escola em busca da primavera, não há por que sentir melancolia ou ressentimento. O vento forte sopra toda a folhagem vermelha, e as folhas verdes tornam-se sombras que cobrem os galhos.
[Este trecho é emprestado, não é original. A obra original "Suspiros das Flores" é de Du Mu.]
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