Havia um leve gosto amargo na boca, como se todo o corpo estivesse tomado por esse amargor.
Rong Xia abriu os olhos e viu a luz do sol entrando pela janela. Todo o palácio parecia envolto em claridade. Ele fechou os olhos por um instante, e então sua visão se tornou nítida.
— Sua Majestade, finalmente acordou! — Wang De se alegrou ao vê-lo desperto. — Depressa, chamem o médico imperial, Sua Majestade recobrou a consciência!
O som de passos apressados veio de fora do salão. Rong Xia lançou um olhar aos criados e eunucos ajoelhados no salão, fechou os olhos de novo e murmurou:
— Quero enxaguar a boca.
Depois de bochechar com chá-verde, o amargor diminuiu um pouco. Rong Xia observou o ambiente ao redor.
— Onde está a Imperatriz?
— Vossa Majestade passou a noite toda ao seu lado. Logo ao amanhecer, como o Lorde Zhou e o Lorde Liu tinham assuntos urgentes a relatar, a Imperatriz saiu apressada depois de tomar uma xícara de chá forte — explicou Wang De em voz baixa, conhecendo bem o quanto Sua Majestade prezava por Ela. — Antes de sair, a Imperatriz ordenou várias vezes que, caso Vossa Majestade despertasse, alguém fosse chamá-la imediatamente.
— Já que Ela está cuidando de assuntos oficiais, não a incomodem por enquanto — disse Rong Xia, sentando-se com o apoio de um eunuco. Depois que o médico passou o remédio no ferimento, ele disse a Wang De: — Chame Zhao Zhong.
Wang De curvou-se e saiu.
Pouco tempo depois, Zhao Zhong entrou às pressas. Rong Xia pediu que todos os presentes se retirassem.
— Sua Majestade... como foi que se feriu assim? — Zhao Zhong, ao ver o rosto pálido do imperador, entendeu que aquilo não era encenação. — Já investiguei. Aquela criada não sabia lutar, e nem acompanhava a Imperatriz desde a juventude.
Sua Majestade já havia percebido que a Princesa Anle tinha ligações com alguns oficiais da corte. Mas, como o antigo Príncipe Herdeiro Jiang Han “nomeou” Sua Majestade como sucessor, era necessário manter uma aparência de benevolência com a antiga família real.
A inquietação de Anle foi como amarrar a própria corda ao pescoço. Zhao Zhong entendia isso, e Sua Majestade também. O que ele não esperava era que, mesmo tomando precauções, o imperador ainda fosse ferido daquela forma.
Um golpe no braço, outro no ombro — felizmente não fatais. Mas com tanto sangue perdido... quanto tempo levaria para se recuperar por completo?
— Eu sei — respondeu Rong Xia, com expressão inalterada, segurando o braço ferido. — Não mencione mais isso no futuro. Principalmente, não diga nada à imperatriz. Eu entendo bem.
— Foi falta de sensibilidade da minha parte — disse Zhao Zhong rapidamente. — Se a Imperatriz ouvir sobre isso, ficará ainda mais triste. Mesmo não tendo culpa, o fato de ser sua criada... isso a fere. Se voltarmos a tocar no assunto, só a deixaremos mais desconfortável.
— Quanto aos remanescentes da antiga dinastia, limpe o que tiver que limpar. O resto... não se preocupe mais com isso — a voz de Rong Xia era fria. — Eu os tratarei com a máxima benevolência e justiça.
— Sua Majestade... — Zhao Zhong hesitou. — Ontem à noite, a Imperatriz emitiu ordem rigorosa para investigar todos os antigos membros da corte anterior. Qualquer comportamento suspeito deve ser punido com prisão. Até os criados da Princesa Anle foram executados. E a princesa... foi enviada a um templo ascético, onde praticará o Tao e nunca mais poderá sair de lá.
Os de fora talvez não compreendessem o que significava esse templo, mas eles sabiam. Algumas concubinas criminosas da dinastia anterior tinham sido enviadas para lá. Dizia-se que era pior do que o Palácio Frio, e que viver lá era pior do que morrer.
Mandar Anle para aquele lugar... não se sabia se era bondade ou crueldade da Imperatriz.
Ao ouvir isso, um leve sorriso surgiu no rosto de Rong Xia. Toda a frieza de antes desapareceu como se nunca tivesse existido.
— Já que a Imperatriz emitiu o Decreto Fênix, tudo deve seguir conforme sua vontade.
— E Vossa Majestade...?
— Preciso me recuperar. Não devo me sobrecarregar.
— Entendido. — Zhao Zhong, ao deixar o Palácio da Grande Lua, refletia: o que Sua Majestade realmente queria dizer ao chamá-lo?
No gabinete imperial, Ban Hua olhava para a pilha alta de memorandos e não conseguiu manter o ar sério. Virou-se para Zhou Bing’an com um sorriso forçado:
— Lorde Zhou, é pra eu ler tudo isso?
— Por favor, não se preocupe, Vossa Majestade. Já filtramos os memorandos — respondeu ele, entregando uma lista. — Estes são os selecionados.
Ban Hua deu uma olhada, folheou alguns ao acaso.
— Lorde Zhou, as regiões atingidas por desastres nos últimos anos já melhoraram?
— Sim, graças à ordem de isenção de impostos por dois anos emitida por Vossa Majestade. A vida ainda é difícil, mas já não passam fome — respondeu com respeito. — Muitos moradores ergueram tabuletas de oração para Vossa Majestade e Sua Alteza, pedindo saúde e paz por milhares de anos.
— Em vez de pedirem nossa longevidade, deviam rezar por chuvas favoráveis e colheitas fartas. Assim, o povo não sofreria mais catástrofes — disse Ban Hua com um sorriso. Ela não acreditava muito nisso. — Obrigada pelo empenho. Se houver algo importante nesses documentos, eu mesma lerei para Sua Majestade.
— A recuperação de Sua Majestade... está indo bem?
Ban Hua olhou para a luz do sol do lado de fora, e respondeu com olhar distante:
— Deve estar.
Zhou Bing’an e os demais entenderam que ela não queria mais conversar, e se retiraram discretamente.
Depois que saíram, Ban Hua mandou os guardas se afastarem da ala posterior. No caminho, encontrou Zhao Zhong.
— Lorde Zhao? — ergueu as sobrancelhas, surpresa.
— Saudações, Vossa Majestade. — Zhao Zhong estava completamente admirado com Ban Hua. Quando a vira pela primeira vez, nunca imaginou que sentiria vontade de se ajoelhar diante dela.
— O que faz aqui? Por acaso Sua Majestade acordou?
Zhao Zhong estava prestes a responder quando sentiu um vento repentino à frente. Ao levantar os olhos... já não havia mais imperatriz alguma diante dele. Virando-se, só viu a silhueta dela se afastando às pressas.
— Rong Xia?! — Ban Hua entrou correndo no salão e viu Rong Xia sentado na cama, tomando mingau. Ela parou por um momento e, só então, disse:
— Está acordado?
Rong Xia sorriu e colocou a tigela de lado:
— Huahua, fiz você se preocupar.
Ban Hua se aproximou, sentou-se e estendeu a mão para cutucar o rosto dele.
— Se tentar bancar o corajoso de novo, vou te dar uma lição.
— Como Huahua quer me punir? — Rong Xia fez uma expressão assustada, como se temesse verdadeiramente.
— Hmph. — Ban Hua não conseguiu dizer nada severo ao ver como ele estava colaborativo. Apontou para os memoriais que o guarda colocara sobre a mesa. — Só de olhar para essas coisas já me dá dor de cabeça. Vou aprovar os menos importantes por você e ler os outros em voz alta.
— Está bem. — Rong Xia sabia que Ban Hua não tinha paciência para lidar com aquilo, então apenas assentiu com um sorriso.
— Coma primeiro. — Ban Hua caminhou até a escrivaninha e olhou para trás. — Perdeu tanto sangue, nem sei quando vai conseguir repor tudo.
Rong Xia não ousou retrucar. Só pôde obedecer e ouvir Ban Hua resmungar.
Mas logo Ban Hua silenciou. Abaixou a cabeça e começou a escrever e fazer anotações diante da escrivaninha. Embora demonstrasse impaciência, tratava os assuntos com seriedade.
Ele olhava suas costas, e sem perceber, esvaziou toda a tigela de mingau.
Depois de lidar com a maioria dos memoriais, Ban Hua almoçou com Rong Xia. Mas enquanto ele comia uma dieta medicinal própria para feridas, ela degustava pratos refinados. Ainda assim, provocava Rong Xia propositalmente, fazendo-o querer provar seus pratos, mas sem poder tocá-los.
Wang De olhava para Rong Xia com profunda compaixão.
Após o almoço, Ban Hua conversou um pouco com Rong Xia e, ao vê-lo adormecer, virou-se para Ruyi com um leve desconforto no olhar:
— O que foi?
— Sua Majestade, a Imperatriz Viúva Fuping pede para vê-la.
Ban Hua ajeitou o cobertor sobre Rong Xia, cobriu a boca e bocejou:
— Não quero vê-la.
— A Imperatriz Viúva Fuping disse que deseja vê-la apenas desta vez. Depois disso, nunca mais perturbará sua proximidade com o Imperador. — Ruyi abaixou a cabeça e sussurrou. — Ela está ajoelhada diante do Portão Xuanwu.
Comparado aos portões Suzaku e Baidou, por onde circulavam muitas pessoas, o Portão Xuanwu tinha bem menos movimento. A escolha da Imperatriz Viúva Fuping de ajoelhar-se ali era, no mínimo, astuta.
Ban Hua olhou para Rong Xia na cama, fechou os olhos e disse:
— Vá dizer a ela que volte. Diga apenas que eu não desejo vê-la.
— Sim, senhora.
Do lado de fora do Portão Xuanwu, nenhum outro oficial passou além dos guardas. A Imperatriz Viúva Fuping permanecia ajoelhada sob o sol, imóvel, sem chamar atenção de ninguém.
Ela sabia que, se estivesse ajoelhada no Portão Suzaku, talvez atraísse olhares. Mas Ban Hua sempre teve um coração mole para súplicas, e endurecia diante de encenações públicas. Se ela forçasse a situação, não amoleceria o coração de Ban Hua, apenas aumentaria sua repulsa.
— Rainha Mãe — Ruyi saiu do Portão Xuanwu. Ao ver o rosto corado dela sob o sol forte, percebeu que já fazia tempo que estava ali. Ajoelhou-se diante dela e disse em voz baixa: — Sua Majestade ordena que retorne. O Príncipe Herdeiro ainda aguarda por vossa senhoria.
Ao ouvir as palavras “Príncipe Herdeiro”, os ombros da Imperatriz Viúva Fuping estremeceram. Olhou para Ruyi.
— Sua Imperatriz... ela realmente não vai me receber?
— Rainha Mãe — Ruyi balançou a cabeça e suspirou —, o Príncipe Herdeiro conspirou com cortesãos do harém para assassinar Sua Majestade. Se ele não tivesse tanta sorte divina, acha mesmo que teria o direito de estar aqui ajoelhada? Com o temperamento da Imperatriz... temo que tanto vossa senhoria quanto o Príncipe estariam agora acompanhando Sua Majestade em sua sepultura.
A Imperatriz Viúva Fuping empalideceu:
— Mas Sua Majestade…
Ele não está bem?
Ela não conseguiu dizer isso em voz alta. Sabia melhor que ninguém a gravidade do crime cometido por An Le. Jamais imaginou que não seria o primogênito Jiang Han, mas sim a filha mais velha An Le quem não aceitaria a queda da dinastia anterior.
— Mas por que... o templo ascético? — Fuping olhou para Ruyi em desespero. — Por que justamente o templo ascético?
A imperatriz era parente direta do imperador, mas não sabia o que aquele lugar realmente era. Não era um templo calmo para cultivar o Tao. Era um verdadeiro inferno de sofrimento.
Ruyi quis dizer: Sua Majestade é o homem da Imperatriz. E a Princesa An Le tentou matá-lo. Como espera que a Imperatriz não reaja? Mas, diante do olhar desmoronado da Imperatriz Viúva Fuping, sentiu que seria inútil dizer qualquer coisa.
A imperatriz viúva balançou a cabeça, atordoada:
— Não irei. Não irei.
Se ela fosse embora... ninguém mais intercederia por An Le.
— Irmã Ruyi. — Uma oficial de vestes verdes saiu e fez uma reverência. — A imperatriz ordenou que a senhora acompanhasse a Rainha Mãe até o salão lateral.
Ruyi olhou para o sol escaldante no céu e assentiu lentamente.
No salão principal do Palácio da Grande Lua, Ban Hua tomou um gole de chá ligeiramente frio, estendeu a mão para tocar os lábios de Rong Xia, curvou levemente os lábios num sorriso silencioso, e então virou-se e saiu.
Wang De, que a acompanhava, curvou-se respeitosamente ao lado da cama. Só depois que a figura de Ban Hua desapareceu por completo do portão do palácio é que ele se levantou lentamente.
A pessoa deitada na cama abriu os olhos, escutou o silêncio ao redor... e então os fechou novamente.
Ban Hua olhou para a Rainha Mãe, que entrava atrás de Ruyi, e ergueu a mão em gesto de permissão para se sentar. A Imperatriz Viúva Fuping se sentou em silêncio. Por um longo tempo, ninguém disse uma única palavra.
A Rainha Mãe olhou para Ban Hua, cujo rosto não expressava alegria nem raiva.
— Vossa Majestade — disse Ban Hua de repente —, sabe por que Sua Majestade lhe deu o nome Fuping?
A Imperatriz Viúva Fuping balançou a cabeça lentamente.
— Porque achei que teria uma velhice abençoada e pacífica, pedi a Sua Majestade esses dois caracteres. — Ban Hua sabia que a Imperatriz Viúva Fuping era a vítima mais inocente em meio a todas essas lutas e conspirações. O homem com quem se casou matou ministros leais. Ela não sabia disso, mas sempre tratou com sinceridade os descendentes desses ministros — como a família Ban, como Rong Xia. Se seu filho era indeciso ou violento, isso estava além de seu controle. Afinal, o imperador, seu marido, precisava apenas de um herdeiro, e negligenciou intencionalmente a educação do segundo filho.
Ela nasceu nobre e tinha uma personalidade animada. Embora suas arestas tenham sido desgastadas pelo harém, Ban Hua tinha que admitir que ela era uma vítima das mudanças dinásticas. Não queria feri-la, mas todos têm pessoas queridas, e ela não era exceção.
Quando soube da verdade, Ban Hua chegou a desejar a morte de An Le.
— Senhora, veio interceder por An Le mais uma vez? — O semblante de Ban Hua era indiferente, os traços do rosto marcados pelo distanciamento.
A Imperatriz Viúva Fuping chorava ao dizer:
— Vossa Majestade retirou o título de princesa de An Le e a mandou para cultivar o Tao, eu não me oponho... mas... por que um templo ascético? An Le foi mimada desde pequena. Como ela pode sobreviver num lugar daqueles?
— Senhora, Rong Xia é meu marido. — A garganta de Ban Hua apertava — An Le tem a senhora e meu primo para defendê-la quando é injustiçada. E eu? Quem me defendeu? Mesmo quando brigávamos desde crianças, sempre havia alguém que aparecia por nós, nos deixando arrogantes e mimadas a vida inteira.
Ela segurou a xícara com os dedos trêmulos.
— Mas quando se trata de Sua Majestade... só existe a mim. Se eu também só pensasse em segurança, então quem se importaria de verdade com ele? Mesmo sendo o imperador, mesmo com o mundo nas mãos... ele ainda está sozinho.
— An Le, alguém da família Rong, tramou contra ele. E os ministros... estavam ocupados demais calculando seus próprios interesses por causa do ferimento e do coma dele. — Ao dizer isso, Ban Hua sentiu uma pontada no coração, como se tivesse sido costurado por agulhas. — Ele é meu homem. É a mim que cabe sofrer por ele.
A Imperatriz Viúva Fuping abriu a boca, e lágrimas grossas escorreram pelo rosto. Mesmo após tudo que Ban Hua dissera, ela ainda não conseguia compreender por completo.
— Vossa Majestade... é mesmo tão impiedosa?
— Se me odeia por isso, então que me odeie. Mas o decreto fênix que emiti jamais será revogado. — Ban Hua se levantou. — Não é porque eu não me recordo da bondade de seus pais comigo no passado. É porque, justamente por me lembrar desse afeto, eu não devo tolerar ainda mais. Imperatriz, por favor, retire-se.
A Imperatriz Viúva Fuping olhou para Ban Hua, sem saber se era ódio, mágoa ou se já não havia sentimento algum. O coração vazio, sem conseguir agarrar o que era real. Quem era o culpado por ela ter chegado a esse ponto?
Culpar-se por ter sido indulgente e deixado os pais criarem Rong Xia?
Culpar Sua Majestade por tratar Rong Xia com gentileza demais, encorajando sua ambição?
Não... não era isso.
A culpa era dos homens da família Jiang — incompetentes, ingratos, que destruíram os leais ao trono e, no fim, colheram a própria retribuição.
O tempo é destino. A quem mais poderia culpar?
— Vossa Majestade, compreendi. — A Imperatriz Viúva Fuping se levantou e curvou-se levemente para Ban Hua. — Despeço-me.
Ban Hua hesitou ao segurar a xícara. O chá escorreu pela borda. Ela se levantou e fez uma reverência para a Imperatriz Viúva, exatamente como fazia quando ainda era apenas uma princesa:
— Ban Hua se despede respeitosamente de Vossa Majestade.
A Imperatriz Viúva Fuping aceitou a saudação, deu dois passos para trás e disse:
— Vossa Majestade, cuide-se. Retiro-me.
Ban Hua permaneceu imóvel até a imperatriz viúva desaparecer. Só então retomou os sentidos. Recolocou a xícara sobre a mesa, enxugou as mãos suavemente e disse com a voz rouca:
— Venha.
— Subordinado presente. — Du Jiu, que guardava a porta, entrou.
— Transmita minha ordem. Envie tropas para escoltar a Imperatriz Viúva Fuping até a residência do Príncipe. A partida deve ocorrer amanhã ao amanhecer. O Príncipe He é muito filial, então conceda trezentos guardas para vigiar o túmulo da família Jiang e garantir a segurança do príncipe e da imperatriz viúva. Sua Majestade ordena que ninguém entre ou saia facilmente daquele lugar. — Ban Hua fechou os olhos. — Envie homens confiáveis. Não os tratem com lentidão.
O coração de Du Jiu soava como um tambor em meio a um trovão. A imperatriz está... prendendo o príncipe deposto e a imperatriz viúva da dinastia anterior?
Trezentos guardas... Com tanta vigilância diante do mausoléu, era provável que nunca mais saíssem de lá com vida.
Ele não sabia que tipo de sentimento habitava o coração da imperatriz ao emitir essa ordem. Suas mãos, curvadas em reverência, tremiam sem controle.
— Está esperando o quê? — Ban Hua o encarou. — As palavras desta Ben Gong não têm mais valor para você?
— Subordinado... acata a ordem!
Ao se erguer, Du Jiu viu que o rosto da imperatriz estava extremamente pálido. Achava que talvez ela reconsiderasse... mas até sair do palácio e cavalgar até a residência do príncipe, nenhuma contraordem chegou.
— Sua Alteza, receba o decreto. — disse ele.
O Príncipe He, ao ouvir o conteúdo, ficou com o semblante mais branco que papel:
— Agradeço à Vossa Majestade e à Imperatriz.
Ao vê-lo naquele estado, Du Jiu sentiu uma pontada de pena:
— Sua irmã conspirou com o antigo governo para assassinar Sua Majestade. O imperador ficou gravemente ferido. Só acordou hoje. A imperatriz está tomada pela raiva. Quando acalmar o coração... talvez revogue o decreto.
— Agradeço a gentileza do senhor Du. — O Príncipe He forçou um sorriso triste. — Minha irmã cometeu um erro tão grande... e ainda assim, Vossa Majestade e a Imperatriz pouparam nossas vidas. Já sou grato demais. Como ousaria reclamar?
Du Jiu achava que o príncipe era realmente azarado. Tinha abdicado com honestidade e devia ser protegido por Sua Majestade, mas sempre surgia alguém para arrastá-lo — primeiro a esposa, depois a irmã.
Alguns destinos... são mesmo malditos.
— Que bom que Vossa Alteza compreende. Me despeço.
— Vá com cuidado, senhor Du. — O Príncipe He sorriu amargamente. Após escoltá-lo até o portão principal, apoiou-se no batente... e cuspiu uma boca cheia de sangue.
— Alteza! — Sua única concubina correu para ampará-lo em pânico. — Como está se sentindo?!
Balançando a cabeça junto com o Príncipe, ele limpou o sangue no canto da boca:
— Estou bem.
O sol poente entrava pela janela, e Ban Hua se levantou da cadeira. Esticou a cintura rígida e caminhou até a porta do palácio. Ao vê-la sair, Ruyi não pôde deixar de demonstrar um pouco de alívio no rosto.
— Vossa Majestade.
Estava preocupada com o que poderia acontecer com a imperatriz sozinha lá dentro, e agora que finalmente ela aparecia, pôde relaxar um pouco.
O pôr do sol dourado brilhava sobre Ban Hua, e Ruyi murmurou, meio encantada:
— Vossa Majestade... está tão linda agora.
— Linda onde? — Ban Hua sorriu, com o rosto pálido e ainda manchado de sangue. — Quer dizer que antes eu não era bonita?
— Vossa Majestade está linda todos os dias! — Ruyi se apressou em explicar. — Esta criada é a mais tola de todas, Vossa Majestade, não se zangue comigo.
— Tá bom, entendi o que você quer dizer. — Ban Hua deu um leve peteleco no topo da cabeça dela. — Vamos voltar para o palácio.
— Wang De — Rong Xia estava reclinado contra a cabeceira da cama, olhando o pôr do sol pela janela —, já é a hora de You[1]?
— Respondendo a Sua Majestade, sim, já é a hora de You.
— Quanto tempo faz que a imperatriz saiu? Uma hora ou duas?
— Sua Majestade... Sua Majestade saiu há duas horas. — Wang De sentiu que o olhar do imperador estava um pouco estranho, e abaixou a cabeça, sem ousar encará-lo diretamente.
— Entendi.
Justo enquanto falava, passos vieram do lado de fora. Ban Hua entrou com um leve sorriso no rosto. Ao ver Rong Xia sentado na cama, disse:
— Por que está sentado de novo? O médico imperial não disse que sua lesão é grave? Não deveria ficar sentado por muito tempo.
— Está tudo bem. Fiquei tempo demais deitado. — Rong Xia deitou-se obedientemente. — Onde você foi agora há pouco?
— Fui encontrar uma pessoa. Nada muito importante. — Ban Hua estendeu a mão e tocou a testa dele. Sem febre. Estava tudo bem.
— No almoço você só tomou um pouco de mingau. Deve estar com fome agora. — Chamou uma oficial —. Traga a refeição medicinal de Sua Majestade.
— Sim.
Rong Xia estendeu a mão de debaixo do edredom de brocado e segurou gentilmente a mão de Ban Hua.
— Ainda não estou com fome.
— Eu sei que comida medicinal não tem gosto bom, mas coma um pouco. — Ban Hua se curvou e lhe deu um beijo leve na bochecha. — Bom menino.
Rong Xia riu. Será que agora ela está usando comigo os mesmos mimos que eu usava com ela?
Logo a comida quente foi servida. Ban Hua olhou para ele com um sorriso:
— Quer que eu alimente você?
— Claro. — Rong Xia a encarou com um sorriso no olhar. — Estou esperando minha rainha cuidar bem de mim.
Ban Hua: ...
Esse meu homem está com a pele cada vez mais grossa.
Pegou o mingau, soprou para esfriar, e o levou até a boca de Rong Xia. O cheiro não era agradável, mas ele comeu com seriedade. Cada colher era engolida sem desperdiçar uma gota.
Logo o fundo da tigela apareceu. Ban Hua colocou o recipiente de lado e disse:
— Pronto, daqui a duas horas você come de novo. Agora não deve se mexer. Se exagerar, vai acabar acumulando comida.
— Certo. — Rong Xia percebeu que Ban Hua estava um pouco inquieta e sabia que havia algo que ela queria lhe dizer. Suprimiu a sonolência que pesava sobre ele, apoiou-se na cabeceira e perguntou:
— Huahua, o que está te incomodando?
Ban Hua limpou o rosto e as mãos de Rong Xia com um lenço aquecido, depois entregou o pano para Wang De, que o recebeu com as mãos estendidas.
— A mãe Fuping acabou de passar por aqui.
Rong Xia abaixou os olhos, observando os dedos entrelaçados aos de Ban Hua:
— Sim.
— Ela veio interceder por An Le. — Ban Hua abaixou a cabeça e começou a brincar com o dedo indicador da mão esquerda dele, como se fosse um brinquedo interessante.
— A Princesa An Le e você são como irmãs, e ela é filha direta da Imperatriz Viúva Fuping. Se ela veio pedir clemência, devemos dar algum respeito. — Rong Xia abaixou as pálpebras, puxou a mão de Ban Hua para trás das costas, e a apertou com força —, sem deixar nenhum espaço entre os dedos. — Não há problema em deixar ela ao meu redor por mais alguns dias. Mas esse decreto... não deve ser você a emitir. Seria mais apropriado se viesse de mim. Wang De, vá anunciar...
— Eu não prometi nada a ela — Ban Hua balançou a cabeça e disse —, não foi nada sério. Mas... não dói ter um buraco tão grande no ombro assim?
Rong Xia levantou o olhar. Seus belos olhos em formato de pêssego estavam cheios de ternura.
— Com Huahua ao meu lado, não senti dor nenhuma.
— Que besteira — Ban Hua apertou a palma da mão dele —. Nem parece que está vendo o quão pálido está seu rosto.
Rong Xia apenas sorriu e não respondeu.
— Fiz uma coisa hoje. Não sei se vai te causar problemas. — Vendo que Rong Xia ainda apenas sorria, Ban Hua continuou: — Enviei trezentos guardas para prender Jiang Han e a Imperatriz Viúva Fuping. Juntos.
O aposento mergulhou em silêncio.
— Por quê? — A voz de Rong Xia estava rouca.
— Porque eu protejo os meus. — Ban Hua estendeu a mão, tocou os lábios de Rong Xia e beijou suavemente o canto da boca dele. — Ninguém pode ferir quem eu valorizo e amo.
As pálpebras de Rong Xia estremeceram. Demorou um tempo até que sorrisse.
— Huahua.
— Hm?
— Você é a minha imperatriz.
Ban Hua riu baixinho e pousou a mão com leveza sobre o peito do homem. O olhar que lançava sobre ele era cheio de doçura e paixão.
— Você lembra daquela piada, na época?
— É claro que lembro.
O último raio do pôr do sol esgueirou-se pela beirada da janela, banhando o quarto em uma luz dourada e suave.
FIM.
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Notas:
[1] Hora de You (酉时): período tradicional do horário chinês, equivalente aproximadamente às 17h–19h.
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