Capítulo 21 ao 25


 Capítulo 21: Situação das Enchentes

Desde o retorno do Lago Chongyi naquele dia, não houve mais desdobramentos sobre o caso de Xu Guangyao. Chu Xiang manteve silêncio, e Yue Lingxi também não perguntou. Além disso, a temporada de enchentes se aproximava em várias regiões, e a corte estava extremamente ocupada — assim como os dois. Com o tempo, o assunto acabou sendo esquecido.

Naquele dia, a reunião da corte se estendeu por horas, e os quatro portões do Salão da Harmonia Suprema foram fechados. Chu Xiang permaneceu lá dentro discutindo planos de contenção de enchentes com os ministros, e os demais assuntos foram adiados. Yue Lingxi, sem esperar por ele, retornou ao Palácio Yilan. Estava prestes a retomar a leitura do livro do dia anterior quando uma visitante inesperada apareceu.

— Há quanto tempo, Ye Xiuyi!

A pessoa entrou no salão com um sorriso largo, carregando uma caixa de remédios, radiante e despreocupada, completamente alheia à etiqueta do palácio — como se ainda estivesse no acampamento militar. Ao ver uma conhecida pela primeira vez em muito tempo, Yue Lingxi ficou um pouco atônita e também surpresa. Caminhou até ela e perguntou:

— Oficial Médica Lu, o que está fazendo aqui?

— Ora, eu sou médica imperial! É claro que estarei aqui!

Lu Mingrui piscou para ela, brincalhona e encantadora — bem diferente da imagem que Yue Lingxi tinha de uma médica da corte. Mas ao vê-la usando o uniforme oficial e entrando e saindo livremente do Palácio Imperial, ficou claro que dizia a verdade. Estar na Ala Médica Imperial em tão tenra idade era prova de habilidades médicas excepcionais. Yue Lingxi não pôde deixar de admirá-la, mesmo surpresa.

Pensando bem, ela provavelmente já cuidava de Chu Xiang no exército — o que explicava a qualidade dos remédios. A Ala Médica Imperial não carecia nem de medicamentos, nem de recursos.

— Obrigada por ter cuidado de mim na fronteira. Se soubesse que estava por perto, teria ido até você primeiro.

Yue Lingxi conduziu Lu Mingrui até a mesa redonda de madeira de roseira e pediu a Shu Ning que trouxesse chá fresco e petiscos para recebê-la. Sua gratidão era sincera, mas ela alongou propositalmente a voz e disse:

— Eu é que não ouso! Ye Xiuyi agora é uma pessoa especial aos olhos de Sua Majestade. Se você correr do Palácio Leste até o Palácio Oeste nesse calor, Sua Majestade vai arrancar minha pele!

A expressão dela foi tão exagerada que Yue Lingxi não conseguiu conter um sorriso:

— Que exagero. Sua Majestade não é um tirano.

Mas o ponto não era esse...

Lu Mingrui soltou uma risadinha, sem corrigir, apenas mudando de assunto com leveza:

— Ouvi dizer que você machucou o ombro há alguns dias. Como está agora? Melhorou?

— Já está tudo bem.

Yue Lingxi pegou o bule de argila roxa e serviu-lhe uma xícara de chá. A fumaça branca subiu, espalhando um aroma suave pelo ar.

— A Oficial Médica Lu veio me ver hoje por algum motivo especial?

— Claro que sim.

Lu Mingrui virou-se e tirou da caixa de remédios um frasco de porcelana âmbar com desenhos de passiflora e pássaros azuis. Era visualmente encantador, mas pequeno — menor que meia xícara de chá — e leve ao toque. Provavelmente continha um medicamento raro e precioso.

— Isso é...

— Isso aqui é maravilhoso. Foi desenvolvido pelo diretor da Ala Médica Imperial — ou seja, meu pai. É um removedor de cicatrizes chamado Wuhen.

O rosto sério e o tom orgulhoso dela eram tão engraçados que Yue Lingxi até esqueceu de perguntar para que servia o remédio. Apenas murmurou, sorrindo:

— A Oficial Médica Lu é mesmo divertida.

Lu Mingrui abanou a mãozinha e disse:

— Nada de “Oficial Médica Lu” e “Ye Xiuyi”. É cansativo. Que tal me chamar de Mingrui, e eu te chamo de Lingxi?

— Está bem.

Yue Lingxi aceitou prontamente, e Lu Mingrui não perdeu tempo. Chamou-a pelo nome com um sorriso e empurrou o frasco para ela:

— Pegue. Use isso. É muito eficaz. É só uma garrafinha, mas não importa o tipo de cicatriz — basta aplicar uma vez e ela desaparece. Minha mãe usou depois de se queimar, e em dez dias não havia mais nada!

Afinal, ela tinha vindo entregar o remédio para ela.

Yue Lingxi não era lenta — logo percebeu que a visita de Lu Mingrui não fora coincidência. O medicamento era claramente para remover a tatuagem em seu peito. Ou seja, era uma ordem de Chu Xiang.

Não era à toa que ele dissera que eliminaria aquele “perigo oculto” por ela...

O que significava o desaparecimento daquela tatuagem? Yue Lingxi sabia muito bem. Para alguém com o estigma de criminosa, isso já era uma grande generosidade. Ele havia se esforçado tanto — que razão ela teria para recusar tamanha bondade?

Seu coração já estava há muito tempo úmido como a névoa da floresta ao amanhecer.

Ela abriu a tampa do frasco, olhou para a pomada dentro e perguntou:

— Como se usa?

— Depois de lavar a área afetada, basta aplicar uma camada fina — respondeu Lu Mingrui, fazendo uma pausa antes de acrescentar com cuidado: — Pode arder um pouco, como uma leve queimação, mas não coce. Durante a noite, as cicatrizes antigas começarão a se soltar, sem deixar vestígios.

— Entendi. — Yue Lingxi assentiu com gratidão. — Mingrui, obrigada por ter vindo até aqui só por isso.

Lu Mingrui respondeu com naturalidade:

— Que isso, é uma bobagem! Em poucos dias volto para ver como está. Quero que você passe este verão lindamente!

Só o céu sabia que Yue Lingxi não fazia aquilo por vaidade — e que suas cicatrizes não se limitavam àquela. Mas ela apenas sorriu de leve, permitindo-se ser mal interpretada.

— Está bem. Agradeço desde já.

Tarde da noite.

Com as luzes suavizadas e o silêncio reinando, tudo já estava em repouso. Yue Lingxi, recém-saída do banho, estava diante do espelho de bronze, vestindo uma camisola de seda, aplicando a pomada sob a luz clara das luminárias do palácio. O bálsamo era refrescante, como uma fina camada de gelo sobre a pele. Após limpar as mãos e verificar se não havia esquecido nenhum ponto, fechou os olhos e foi se deitar.

Naquele momento, Chu Xiang ainda estava no Estudo Imperial, revisando os memoriais.

Meia-noite já havia passado sem que percebesse. O eunuco-chefe, Xue Fengchun, curvou-se diante da escrivaninha e perguntou respeitosamente:

— Vossa Majestade, já está tarde, e amanhã haverá audiência. Deseja retornar ao palácio para descansar?

Chu Xiang pausou o pincel e ergueu os olhos para o céu além da janela. De repente, perguntou:

— Lu Mingrui foi ao Palácio Yilan hoje?

— Em resposta a Vossa Majestade, sim, ela foi.

Após um breve momento de reflexão, Chu Xiang colocou o pincel de pelos de lobo no lavador de porcelana em forma de flor de lótus e disse:

— Prepare a carruagem para o Palácio Yilan.

Na vastidão da noite, a carruagem imperial parou silenciosamente no pátio da frente. Chu Xiang segurava uma lanterna noturna e caminhava sozinho pelo palácio escuro. A luz filtrava-se pelas paredes de jade vazadas, como estrelas dispersas, tremeluzindo enquanto caía sobre o chão.

A tigela de gelo no centro do quarto ainda exalava ar fresco, e a temperatura não era alta o suficiente para causar desconforto. No entanto, a pessoa na cama parecia inquieta, virando-se de um lado para o outro, respirando com dificuldade.

Por fim, Chu Xiang percebeu que havia algo errado. Avançou rapidamente e ergueu as cortinas. Viu Yue Lingxi encolhida num canto, abraçada a um cobertor frio. Seus olhos estavam fechados com força, a testa coberta de suor — parecia ter um pesadelo ou estar passando mal. Seu rosto escureceu, e ele a envolveu nos braços, batendo levemente em suas bochechas.

— Xi Xi, acorde.

Yue Lingxi soltou um gemido e abriu os olhos, mas sua mente ainda estava turva. Demorou um pouco até reconhecer quem estava diante dela, e murmurou suavemente:

— Vossa Majestade...

— Está se sentindo mal?

Enquanto fazia a pergunta, Chu Xiang estendeu a mão para tocar a testa dela e percebeu que sua temperatura estava um pouco elevada — mas ainda não era febre. Talvez estivesse apenas com calor. Com isso em mente, pediu que trouxessem um pano, mergulhou-o em água fria por um tempo e o colocou sobre a bochecha dela. Yue Lingxi pareceu despertar um pouco mais, mas ainda sem forças — sua cabeça tombou direto nos braços dele.

Ao ver isso, Chu Xiang estava prestes a mandar Xue Fengchun chamar um médico imperial. No entanto, seu olhar caiu sobre um frasco de remédio sobre a mesa redonda. Num instante de lucidez, estendeu a mão e rasgou a roupa dela. Como suspeitava, o peito estava avermelhado e quente ao toque.

O efeito do remédio era forte demais.

Embora Lu Mingrui tivesse explicado tudo com antecedência, a situação atual superava suas expectativas e o pegava desprevenido. Ele virou Yue Lingxi de lado para examinar melhor, mas, inesperadamente, a camisola de seda escorregou do ombro, revelando suas costas nuas. Sob a luz amarelada e suave, várias cicatrizes antigas e sinuosas saltaram aos olhos.

Será que havia alguma parte do corpo dela que não tivesse sido ferida? Por que até as costas estavam marcadas?

O rosto de Chu Xiang ficou oculto nas sombras, e sua expressão era indecifrável. Mas a mão em seu ombro apertava cada vez mais. Sentindo-se desconfortável, Yue Lingxi ergueu os olhos com esforço para encará-lo, mas tudo parecia embaçado.

— Xi Xi — chamou ele, com a voz baixa e suave, quase como um sussurro — me diga... como você conseguiu essas cicatrizes?

A palma quente dele deslizava pelas costas dela, como se acendesse uma fileira de faíscas, fazendo seu corpo estremecer involuntariamente. O suor escorria sem parar, encharcando suas roupas e deixando-a ainda mais sonolenta, a ponto de não compreender o sentido das palavras dele.

Chu Xiang a encarou e perguntou novamente, com calma:

— Quem te machucou?

Parecia que Yue Lingxi havia entendido algo. Respirou com dificuldade e murmurou duas palavras vagas — mas que Chu Xiang ouviu com clareza. Seu rosto, antes sereno, foi tomado por uma camada de gelo.

Aqueles malditos carcereiros!

Naquela época, ela tinha apenas oito anos — uma menina frágil — e mesmo assim, eles foram capazes de fazer aquilo com ela!

Já se passaram tantos anos, e embora as feridas tenham cicatrizado, as marcas ainda eram visíveis — o que mostrava a gravidade do que ela sofreu. Chu Xiang olhou para a pele exposta, querendo levantar a camisola para ver se havia mais cicatrizes. Mas sua mão parou no meio do caminho e, em vez disso, acariciou o rosto dela. Mesmo com a raiva fervendo no peito, seu toque permaneceu gentil.

Embora o corpo de Yue Lingxi ainda estivesse quente, já não era tão insuportável quanto antes. Ela adormeceu encostada nele, vencida pela exaustão. Chu Xiang não demonstrava intenção de sair — seus braços ainda a envolviam, como se não sentisse cansaço algum.

Xue Fengchun e Shu Ning, que estavam ao lado, trocaram um olhar e perceberam que havia algo estranho. Então, tomaram coragem para falar:

— Vossa Majestade, permita-nos cuidar de Xiuyi. Vossa Majestade teve um dia longo... seria melhor descansar...

— Retirem-se.

As duas palavras, frias e diretas, fizeram com que qualquer outra tentativa de persuasão morresse na garganta. Os dois se curvaram e se retiraram em silêncio. No momento em que a porta se fechava, Shu Ning ainda conseguiu ver Chu Xiang ajeitando Yue Lingxi numa posição mais confortável, e depois se recostando na cabeceira da cama, imóvel. A cortina se espalhava como nuvens e névoa, cobrindo as duas figuras aninhadas.

Será que Sua Majestade pretende passar a noite no Palácio Yilan?

Shu Ning ficou ligeiramente surpresa. Respirou fundo e saiu do salão sob o olhar significativo de Xue Fengchun.

Ela entendeu o recado — precisava alertar as criadas para que não espalhassem nada. Caso contrário, o imperador e Xiuyi estariam em apuros.

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Nos últimos dias, o sol brilhava intensamente sobre a capital, mas uma nuvem escura pairava sobre a mansão da família Xu, no norte da cidade, tornando o ar sufocante.

— Só temos um filho! Se ele realmente for preso por dois anos, será o nosso fim!

A voz chorosa da mulher era estridente, perturbando os pensamentos de Xu Changzhi. Após se conter por um momento, ele finalmente não aguentou e bateu com força na mesa, gritando com o rosto carregado:

— Cale a boca! Você só sabe causar confusão dentro de casa! Acha que a prisão é administrada pela nossa família Xu? Que podemos soltar alguém quando bem quisermos?

— Então pense em outra solução! — a mulher chorava ainda mais alto.

— Fala como se fosse fácil! — Pensar nas besteiras cometidas pelo próprio filho deixava Xu Changzhi ainda mais furioso. — Sabendo que a corte proibiu repetidamente o envolvimento com cortesãs, ele teve a ousadia de levar mulheres ao lago em plena luz do dia — e ainda foi visto pelo Príncipe Ning! O Príncipe Ning é conhecido por sua imparcialidade inflexível e, além disso, é parente do imperador. Quem ousaria tocá-lo? Eu até queria encontrar alguém para interceder, mas não tenho como!

A mulher enxugou as lágrimas e murmurou:

— Mas ouvi de Xiao Jiu’er, que serve ao lado de Yao’er, que ele não ofendeu o Príncipe Ning, e sim...

— Cale a boca! — Xu Changzhi a interrompeu com urgência, o rosto ainda mais sombrio.

Ele já havia ouvido os detalhes pelos criados e tinha certeza de que Chu Xiang estava no barco naquele momento. Só de pensar na possibilidade de o imperador ter sido confundido com um cliente de cortesãs, Xu Changzhi suava frio. Não entendia como seu filho pôde ser tão estúpido a ponto de expor aquilo diante de tantas pessoas — era pura imprudência!

Deixando de lado qualquer outra questão, julgar uma mulher como criminosa apenas por causa de uma tatuagem era precipitado demais. E mesmo que ela fosse, e daí? Apontar um erro do imperador era o mesmo que assinar a própria sentença de morte. Chu Xiang poderia, a qualquer momento, arranjar um pretexto para exterminar toda a família Xu. Agora, deviam agradecer por apenas Xu Guangyao ter sido punido. E essa mulher ainda ousava falar sobre isso? Era revoltante!

Xu Changzhi respirou fundo várias vezes para conter a raiva, depois virou-se e disse com severidade:

— Se você ainda quer que aquele moleque continue vivo, vai guardar isso no fundo do estômago e nunca mais tocar nesse assunto!

A mulher acreditava profundamente nas palavras dele e imediatamente demonstrou medo. Não ousou dizer mais nada. No entanto, ainda preocupada com o filho, perguntou timidamente:

— E agora, o que vamos fazer?

Após refletir por um momento, Xu Changzhi respondeu com o rosto sombrio:

— Vou procurar o mestre. Talvez ele tenha alguma solução.

Dito isso, saiu apressado do escritório, deixando para trás apenas uma sombra cinzenta e pesada.

Enquanto nuvens escuras pairavam sobre a mansão Xu, no palácio, tudo era calmo e tranquilo.

Como uma das melhores médicas da Ala Médica Imperial, Lu Mingrui realmente não decepcionou. Após o uso do medicamento, a tatuagem no peito de Yue Lingxi desapareceu completamente, e a pele voltou a ser lisa e clara, sem deixar vestígios. Era realmente milagroso. Ao mesmo tempo, o risco de exposição havia sido eliminado, o que trouxe alívio para Yue Lingxi — e tranquilidade para Chu Xiang. Os dias dos dois tornaram-se naturalmente mais leves.

Ultimamente, Chu Xiang vinha passando a maior parte do tempo no Palácio Xuanqing. Como o Estudo Imperial era cercado por pavilhões altos, o vento não circulava e o calor se acumulava. Bastava ficar ali por um tempo para ficar encharcado de suor. Já o Palácio Xuanqing ficava em uma área aberta, sombreada por árvores densas, e contava com todos os recursos para aliviar o calor. Por isso, ele transferiu temporariamente os assuntos de governo para lá.

Para Yue Lingxi, isso também foi um alívio — não precisava mais correr entre o Palácio Xuanqing e o Estudo Imperial.

Numa tarde, Chu Xiang saiu para inspecionar o Acampamento Jingji. Yue Lingxi foi pessoalmente até a cidade imperial externa para devolver os documentos que ainda não haviam sido aprovados. Como se tratava de assuntos relacionados às marés e enchentes, não podia se descuidar. Após explicar detalhadamente as intenções de Chu Xiang, já era noite quando retornou ao palácio.

Ao entrar no Palácio Xuanqing, uma criada informou que Chu Xiang já havia voltado e estava tomando banho. Yue Lingxi assentiu, indicando que entendeu, e foi até o escritório para organizar os documentos.

Depois de passar meio dia fora, uma nova pilha de documentos havia sido apresentada. Entre as montanhas de papéis acumulados, havia de tudo um pouco — alguns vindos do Gabinete, outros enviados por governos provinciais. O dever de Yue Lingxi era organizá-los, classificá-los com cuidado e fazer as devidas anotações antes de submetê-los à revisão de Chu Xiang.

Ela estava em pé diante da escrivaninha imperial, organizando tudo com método e precisão. Sem perceber, deixou cair um dos livros no chão. Ao se abaixar para pegá-lo, algumas linhas de caligrafia simples e despretensiosa chamaram sua atenção. Pelo nome no final, percebeu que o documento vinha de Nanjiang

Nanjiang é uma região de ambiente severo, com grande parte de seu território coberto por névoas tóxicas, chuvas constantes e fumaça, o que resulta em solos pobres e escassez de alimentos. Todos os anos, a corte imperial precisa destinar grandes quantias em prata para aliviar a pobreza local. Mal os fundos deste ano haviam sido liberados, surgiu um novo problema — dificuldade no acesso à água potável.

Yue Lingxi leu cuidadosamente cada palavra escrita pelo governador de Nanjiang e logo percebeu que era a mesma história de sempre. A contaminação das fontes de água pelas chuvas e pela névoa venenosa sempre foi um problema, e a corte já havia oferecido soluções no passado. No entanto, a população local não colaborava, e a situação só piorava. Em vez de pensar em como convencer o povo, o governador continuava enviando reclamações à corte a cada poucos dias. Em outras épocas, isso até poderia passar, mas com os trabalhos de prevenção de enchentes sendo tão urgentes, ele só estava atrapalhando. Yue Lingxi temia que, ao ler esse memorial, Chu Xiang se irritasse novamente.

Enquanto pensava nisso, uma voz masculina profunda soou atrás dela:

— O que está lendo?

Yue Lingxi se virou e viu Chu Xiang se aproximando passo a passo, vestindo um robe de seda frouxamente amarrado, revelando o peito bronzeado e os músculos abdominais definidos. Algumas gotas de água ainda escorriam por seu corpo, refletindo a luz com um brilho sedutor que o tornava ainda mais atraente.

Ao parar diante dela, o aroma fresco de sabão de sabugueiro se espalhou no ar. Yue Lingxi deduziu que ele acabara de sair do banho. Sem perceber, seus olhos se fixaram no cabelo preto ainda úmido, depois desceram para os músculos bem delineados do abdômen — e ela permaneceu imóvel.

Faltava-lhe o ar.

Chu Xiang baixou os olhos e viu que ela o encarava fixamente. Não conseguiu conter um sorriso e comentou:

— Você não fica nem um pouco envergonhada, hein?

— Vossa Majestade é bonito. Por que eu ficaria envergonhada com isso?

Yue Lingxi respondeu com naturalidade, com uma expressão confusa, como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo. Chu Xiang ficou momentaneamente atônito com a resposta, depois segurou o rosto dela com as mãos e perguntou, com a voz rouca:

— Qual parte é bonita?

— Esta parte é bonita — respondeu Yue Lingxi, abaixando a cabeça e cutucando os músculos abdominais dele. Depois, tocou-os levemente algumas vezes, como se estivesse avaliando, e comentou pensativa:

— Segundo algumas biografias, havia um general famoso na dinastia Yun que tinha força para erguer mil jin* com os braços. Seus músculos eram salientes, e as veias, bem visíveis. Ele devia ser assim.(mil jin=500Kg)

Chu Xiang ficou momentaneamente atordoado, sentindo como se ela tivesse acendido um fogo em seu abdômen inferior. Queimava o sangue por todo o corpo, até os membros e ossos. Isso deixou sua boca seca e sua língua ressecada pelo calor. Seu corpo queimava, com cada respiração carregada de um calor escaldante. Antes mesmo que pudesse afastar a mão dela, uma parte dele se moveu de repente de forma incontrolável, criando uma protuberância perceptível contra a fina vestimenta de seda que o cobria. Era tão dura quanto uma espada recém-forjada mergulhada em água fria.

Yue Lingxi não fazia ideia do que estava provocando e achou que o silêncio dele era sinal de insatisfação com suas palavras. Então, continuou vasculhando o vocabulário que conhecia na língua de Chu e, após pensar um pouco, disse com seriedade:

— Foi erro meu. Como um mero general poderia se comparar a Vossa Majestade, que possui um físico robusto e majestoso, com um espírito heróico em plena ascensão?

O balde de água fria foi imediato.

Chu Xiang voltou à realidade num estalo. Apertou os ombros dela com mais firmeza, inclinou o rosto com expressão sombria e, entre os dentes cerrados, disparou:

— Yue Lingxi, “robusto e rechonchudo” é como se descreve um porco.

Ele só a chamava pelo nome completo quando estava realmente irritado.

Yue Lingxi ficou em silêncio por alguns segundos, a mente girando rapidamente, até que de repente percebeu que havia se expressado mal. Admitiu o erro sem hesitar:

— Perdão, quis dizer forte e vigoroso.

Chu Xiang bufou com frieza.

— Vossa Majestade, não fique bravo. Não vou mais olhar nem dizer nada — disse Yue Lingxi, tomando a iniciativa de arrumar as roupas de seda dele, apertando o cinto com cuidado e agindo com muita consideração. Chu Xiang a observava com um olhar frio, mas sua raiva começou a diminuir um pouco. Então ouviu-a dizer:

— Vossa Majestade, vista-se logo, ou vai pegar um resfriado. Ainda há muitos documentos para revisar.

Então era isso — ela não estava preocupada com ele, mas sim com os assuntos do governo!

Doloroso. Realmente doloroso.

Depois de sete anos no trono, sempre se considerou um imperador diligente e preocupado com o povo. Mas naquele momento... ele quase quis desistir.

Vendo-o com o rosto fechado e em silêncio, Yue Lingxi ficou um pouco confusa. Aproximou-se e chamou suavemente:

— Vossa Majestade?

Estava tudo bem até ela se mover. Mas, ao se inclinar, acabou esbarrando em um “pequeno sujeito” que se erguia com orgulho — e que a cutucou bem no estômago, causando-lhe dor. Ela franziu a testa e olhou para baixo, sem entender o que era. De repente, Chu Xiang virou seu rosto com firmeza, e ela teve que perguntar de novo:

— O que foi, Vossa Majestade?

O rosto de Chu Xiang era difícil de descrever:

— Você não queria que eu revisasse os documentos?

— Ah, estão aqui.

Yue Lingxi pegou o memorial que acabara de ler, abriu-o e o entregou a Chu Xiang. Ele o examinou rapidamente e, em seguida, bateu com o documento na mesa com força.

— Que ele uive como um fantasma e chore como um lobo. Não tenho tempo para lidar com isso agora.

Quando se tratava de assuntos importantes, Chu Xiang não misturava emoções pessoais. Sua reação se devia ao fato de que o governador de Nanjiang estava, mais uma vez, exagerando. Como a corte poderia continuar enchendo um poço sem fundo? Usar os recursos de prata para lidar com as enchentes de verão era a escolha mais sensata. Yue Lingxi também sabia disso, mas disse com calma:

— Tenho uma solução para o problema da água potável do povo de Nanjiang. Vossa Majestade, poderia me ouvir primeiro?

Chu Xiang arqueou as sobrancelhas, percebendo que ela tinha algo bem elaborado em mente. Puxou-a para sentar ao seu lado e disse:

— Vamos ouvir.

— Sei que a corte já enviou uma grande remessa de potes de cerâmica especiais para filtrar água e os distribuiu a todas as famílias. No entanto, como o povo era muito pobre, acabou vendendo os potes e depois voltou a pedir mais. Mas, após vários meses, eles continuaram sem água limpa e sem prosperidade. Tudo permaneceu igual, e o dinheiro gasto pela corte foi em vão. Por isso, os ministros se opuseram, e o plano de melhoria de Nanjiang foi encerrado. Estou certa, Vossa Majestade?

Chu Xiang assentiu:

— Está certa.

Ele era o governante de um império e, mesmo que tivesse compaixão pelo sofrimento do povo, precisava considerar o panorama geral. O Reino de Chu não se resumia a Nanjiang, e o tesouro nacional não era inesgotável. Pesar os prós e contras sempre foi o cerne da arte de governar.

— Compreendo as dificuldades de Vossa Majestade, por isso não pretendo que a corte gaste uma grande soma novamente — disse Yue Lingxi, com um olhar firme e convicção na voz. — Só precisamos construir alguns fornos de cerâmica em Nanjiang e contratar os próprios moradores como trabalhadores. Assim, geramos renda para eles e promovemos o uso da cerâmica. Como resultado, o problema da água potável será naturalmente resolvido.

Ao ouvir isso, Chu Xiang caiu em reflexão. Após um longo silêncio, ergueu os olhos com um brilho de aprovação:

— O povo de Nanjiang deveria agradecer a você.

Yue Lingxi balançou levemente a cabeça:

— Vi um exemplo semelhante enquanto lia livros na biblioteca. Apenas adaptei a solução.

Ela não estava sendo modesta — apenas tinha consciência de que o conhecimento vindo dos livros é sempre superficial. Na prática, muitos obstáculos podem surgir. Chu Xiang, provavelmente, estava ponderando justamente sobre isso. E se havia alguém neste mundo capaz de superar todas as dificuldades e levar esse plano adiante até o fim, além dele... não havia mais ninguém.

Ele era seu maior apoio — e também seu único imperador.

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Com o passar dos dias no palácio, Yue Lingxi foi se familiarizando cada vez mais com os arredores. Pessoas de diversos salões e departamentos a cumprimentavam respeitosamente como “Ye Xiuyi”. Ela, por sua vez, geralmente apenas assentia com frieza e seguia seu caminho. No entanto, naquele dia, trocou algumas palavras a mais ao passar pela Cozinha Imperial.

— Mestre-cozinheiro, a comida está pronta?

A pessoa chamada imediatamente limpou as mãos e saiu da sala de azulejos amarelos, curvando-se ao responder:

— Já está pronta, estou prestes a levá-la. Por que veio até aqui?

— Só estava passando — respondeu Yue Lingxi, lançando um olhar ao copo de porcelana com flores que estava sendo trazido de dentro. Em seguida, perguntou com cautela:

— Não colocaram tremela branca, certo? Sua Majestade nunca gostou.

O chefe da cozinha respondeu:

— Como eu poderia esquecer o que a senhora me instruiu? Já substituí por outros ingredientes. Pode ficar tranquila!

Yue Lingxi assentiu levemente e deixou que Shu Ning carregasse o copo de porcelana.

De volta ao Palácio Xuanqing, assim que cruzou o limiar, ouviu uma tosse intermitente vindo de dentro. O som não era forte, mas áspero, como lixa arranhando a palma da mão — desconfortável de ouvir. Apressou o passo, colocou as coisas sobre a escrivaninha imperial e disse em voz baixa:

— Vossa Majestade, descanse um pouco e experimente esta tigela de sopa de amêndoas com pera-neve.

Chu Xiang ergueu os olhos da pilha de documentos — tão vasta quanto um mar — e lançou-lhe um olhar indiferente:

— Por que não está me apressando para cuidar dos assuntos do governo hoje?

— Cuidar da saúde é mais importante — respondeu Yue Lingxi, servindo pessoalmente uma tigela e entregando-a a ele. Com os olhos baixos e expressão contida, murmurou com arrependimento: — Se eu não tivesse feito Vossa Majestade perder tanto tempo comigo naquele dia, talvez não tivesse pegado esse resfriado.

Ao ouvir isso, Xue Fengchun, que estava por perto, quase perdeu o equilíbrio.

Será que Sua Majestade e Xiuyi já...?

Chu Xiang percebeu que os eunucos e criadas no salão haviam mudado de expressão em graus variados. Sua testa se contraiu, e ele os dispensou com um gesto. Virando-se para Yue Lingxi, seus olhos negros e brilhantes revelavam traços de preocupação. Seu coração se aqueceu levemente, e ele não teve coragem de rejeitar a gentileza dela. Pegou a tigela e disse:

— Isso não tem nada a ver com você. Não pense demais.

Yue Lingxi não respondeu. Sentou-se em silêncio na pequena cadeira ao lado dele.

É preciso dizer: a Cozinha Imperial era realmente habilidosa. A sopa de amêndoas com pera-neve estava cristalina, derretia na boca como açúcar em pó. Chu Xiang tomou algumas colheradas e, de repente, percebeu que Yue Lingxi o observava. Sorriu e estendeu a colher na direção dela:

— Quer provar?

Ela balançou a cabeça com seriedade:

— Vossa Majestade está contagioso.

Ela ainda reclama dele!

O rosto de Chu Xiang escureceu, e sua mão ficou suspensa no ar. Antes que pudesse dizer algo, ouviu-a completar:

— Se eu também adoecer, o Eunuco Xue com certeza não me deixará entrar no palácio. Como cuidarei de Vossa Majestade, então?

Quando será que ela vai parar com esse hábito de respirar fundo antes de falar?

Chu Xiang sentiu um nó no peito que não conseguia desfazer. Estava prestes a responder quando passos apressados ecoaram do lado de fora do salão. Xue Fengchun, que havia acabado de sair, reapareceu diante deles. Seu rosto afeminado estava tomado por um pânico incontrolável. Caiu de joelhos com um baque diante da mesa e tremia ao dizer:

— Vossa Majestade, notícias urgentes de oitocentas milhas!

Trazia uma carta selada com um lacre de cera único. Yue Lingxi olhou com atenção e reconheceu o selo oficial de Youzhou. Seu coração disparou. Rapidamente entregou a carta a Chu Xiang. Ao abri-la, ele leu, em grandes caracteres:

“A represa rompeu-se. O rio invadiu a cidade.”

Chu Xiang amassou a carta com força e se levantou de repente, o rosto tomado pela fúria — como se uma tempestade estivesse prestes a se formar.

— Convoquem os oficiais do Gabinete, dos Três Departamentos e dos Seis Ministérios para me ver imediatamente!

Em menos de quarenta e cinco minutos, vários altos funcionários chegaram às pressas ao Palácio Xuanqing, sob a luz do entardecer. Eram figuras importantes da corte, como o Ministro da Esquerda dos Assuntos de Estado e Chanceler Pei Yuanshu, o Chefe da Secretaria Imperial Ji Tong, e o Ministro da Direita e da Guerra, Gu Linwu. Atrás deles vinham os ministros dos Seis Ministérios, como o Ministro da Justiça, Pei Zhao, e o Vice-Ministro da Guerra, Ye Yanxiu — que frequentemente entravam e saíam do Estudo Imperial — além de vários oficiais do Censorado Imperial e do Ministério das Obras Públicas. Juntos, preencheram o grande salão em um fluxo constante e ordenado.

Chu Xiang estava sentado à frente, observando a multidão abaixo como uma águia, com uma expressão fria e severa. Mesmo sem dizer uma palavra, os cortesãos sabiam que algo grave havia acontecido — e ninguém ousava emitir um som. O salão inteiro estava tomado por um silêncio gélido.

Até mesmo Yue Lingxi, que convivia com Chu Xiang todos os dias, jamais o havia visto naquele estado. Não pôde evitar lançar alguns olhares discretos por entre os cílios.

Mas as coisas precisavam ser resolvidas. O corajoso censor Chen Qizhen deu um passo à frente e declarou:

— Vossa Majestade, a construção da represa do rio leste foi supervisionada pessoalmente pelo Vice-Ministro das Obras, Fang Wenshuo. Menos de dois anos após sua conclusão, ocorreu um desastre que inundou três cidades rio abaixo, causando mais de mil mortos e feridos. Ele deve assumir total responsabilidade!

Fang Wenshuo, ajoelhado ao fundo, estremeceu levemente, mas não se defendeu.

Pei Yuanshu refletiu por um momento e então disse:

— Vossa Majestade, acredito que a responsabilização pode ser deixada para depois. O desastre em Youzhou é grave, e precisamos elaborar rapidamente um plano de resgate — caso contrário, há risco de epidemia.

Durante o verão, os cadáveres se decompõem rapidamente. Com fontes de água contaminadas, insetos e roedores, o risco de doenças se espalhar é altíssimo. Não será apenas um problema de gestão hídrica, mas poderá se tornar uma catástrofe sem precedentes. Vários ministros presentes entenderam a gravidade e concordaram de imediato. No entanto, dois censores insistiam em apontar a negligência de Fang Wenshuo, enquanto o Ministro das Obras, Li Rui, ajoelhou-se voluntariamente para pedir perdão:

— Anunciando a Vossa Majestade, a construção da represa do rio leste passou por várias revisões do Ministério das Obras — desde os projetos até a compra de materiais e a execução. Agora que houve um problema, assumo total responsabilidade e peço punição!

Ao ouvir isso, o olhar de Yue Lingxi vacilou levemente.

A declaração soava como se tivesse sido forçada por pressão dos censores, mas, ao observar com atenção, havia algo estranho nela. Yue Lingxi conteve suas dúvidas por ora e continuou ouvindo.

— Vossa Majestade, acredito que a causa do rompimento da represa ainda não foi devidamente investigada. Não sabemos se foi erro humano ou desastre natural. Portanto, talvez seja melhor que dois oficiais do Ministério das Obras, junto com os artesãos hidráulicos do Departamento de Construção, elaborem um plano emergencial de reparo para conter o desastre antes de qualquer julgamento.

Chen Qizhen, que sempre detestou a postura conciliadora de Ji Tong, rebateu sem piedade:

— Se o problema for mesmo do Ministério das Obras, quem ousaria confiar novamente em seus planos depois que a represa desabou?

— Você... — Ji Tong tentou responder, mas foi interrompido.

— Silêncio!

Após várias discussões, o clima no salão tornou-se cada vez mais tenso. Chu Xiang gritou friamente, e o silêncio caiu de imediato. Seu olhar percorreu lentamente a sala, até se fixar em Fang Wenshuo. Havia faíscas ocasionais em seus olhos profundos, mas logo se tornaram tão escuros quanto um abismo — impossíveis de decifrar, e profundamente intimidadores.

— Fang Wenshuo — disse Chu Xiang, com a voz fria como gelo —, eu lhe disse anteriormente que a represa do rio E estava diretamente ligada ao bem-estar do povo. Que, acontecesse o que acontecesse, ela não poderia apresentar problemas. Como foi que você me respondeu?

A espinha de Fang Wenshuo estremeceu. Ele se prostrou rigidamente no chão e respondeu:

— Eu disse... que enquanto a represa do rio E se mantivesse firme, mesmo que eu tivesse que usar minha própria carne e sangue para sustentá-la, não reclamaria.

— Ótimo. Ainda bem que se lembra. Nesse caso, sacrificar-se pela represa ainda não é tarde demais.

O olhar de Chu Xiang tornou-se gélido. Com uma única ordem, toda e qualquer clemência imperial foi descartada:

— Guardas, levem-no à prisão do Ministério da Justiça e aguardem punição!

Assim que essas palavras foram ditas, todos ficaram chocados. Pei Zhao estava prestes a interceder por Fang Wenshuo, mas foi contido por seu próprio pai com um leve gesto.

Por um momento, o salão inteiro mergulhou em silêncio. Nenhuma voz se levantou em defesa de Fang Wenshuo — nem mesmo seu superior direto, Li Rui. O próprio Fang Wenshuo permaneceu imóvel enquanto era arrastado pelos guardas imperiais. Seu rosto estava pálido como cera, e sua expressão, vazia, como se sua alma tivesse sido arrancada.

A atmosfera tornou-se ainda mais opressiva.

Pei Yuanshu pigarreou e deu um passo à frente:

— Vossa Majestade, antes de vir até aqui, fiz um resumo da situação atual em Youzhou. Peço que dê uma olhada.

Veterano de três reinados, Pei Yuanshu era muito mais ponderado e meticuloso do que os demais. Após Yue Lingxi trazer o documento até Chu Xiang, sua expressão suavizou visivelmente. Ele examinou o conteúdo com atenção por um momento e, em seguida, começou a discutir planos específicos de socorro com os líderes dos diversos departamentos.

Dada a gravidade da situação, a reunião se estendeu até o amanhecer.

Ao deixarem o Palácio Xuanqing, os ministros exibiam expressões sérias. Correram de volta aos seus respectivos escritórios para emitir as ordens mais recentes, na esperança de conter o desastre antes que piorasse. Pouco depois, o primeiro lote de suprimentos de emergência chegou ao acampamento da capital, escoltado por cavaleiros valentes rumo a Youzhou. Ao amanhecer, o som de cascos galopando ecoava sem fim por Jingjun.

Dentro do grande salão, Chu Xiang permanecia recostado no trono do dragão, imóvel por um longo tempo, visivelmente exausto.

Youzhou possuía um terreno acidentado, cercado por montanhas, e o rio E atravessava penhascos íngremes. Havia dezoito curvas sinuosas rio abaixo. Agora que três cidades haviam sido engolidas, se não conseguissem conter a enchente antes da próxima curva, até o condado de Lin’an estaria em perigo. Pensando nisso, ele se preparou para estudar novamente o mapa de defesa de Lin’an. Mas, ao se levantar, uma tontura repentina o atingiu, e ele teve que se apoiar na escrivaninha para não cair.

Yue Lingxi, ao seu lado, também se assustou. Aproximou-se para ampará-lo e sentiu uma temperatura anormal sob suas roupas. Sem hesitar, ficou na ponta dos pés e tocou sua testa — estava realmente quente.

— Vossa Majestade, está com febre.

Yue Lingxi franziu a testa, virou-se e pediu a Shu Ning que chamasse o médico imperial. Em seguida, correu até o cômodo ao lado, pegou um lenço de seda macio e começou a colocar gelo picado dentro dele. Chu Xiang a observava correndo de um lado para o outro, e de repente estendeu o braço e a puxou para seus braços quando ela passou por ele. Ela foi pega de surpresa, mas não se assustou. Apenas ajustou a postura e aplicou a compressa fria em sua testa.

Ele não disse nada, então ela continuou segurando o pano.

— Estou bem — disse ele, por fim.

Chu Xiang afastou a compressa e segurou as mãos dela, brancas e geladas, entre as suas, tentando aquecê-las. Ela não conseguiu se soltar, então apenas o persuadiu com doçura:

— Vossa Majestade não dormiu a noite toda. Que tal deitar um pouco? Assim que o médico vier e preparar o remédio, eu mesma o chamarei para tomá-lo.

Ele permaneceu imóvel, encarando-a por um momento, antes de perguntar de repente:

— Te assustei agora há pouco?

Embora ele frequentemente convocasse ministros na presença dela, nunca havia falado com tanta severidade.

Yue Lingxi percebeu que sua voz estava rouca e só queria que ele descansasse logo. Então respondeu rapidamente, como uma metralhadora:

— Está falando sobre o caso do Lorde Fang? Se eu entendi bem, Vossa Majestade não hesitou em puni-lo não por frieza ou ingratidão, mas para proteger sua vida. Se for isso, do que eu teria medo?

O corpo de Chu Xiang estremeceu levemente. Ficou sem palavras.

Fang Wenshuo era um homem honesto e diligente. Durante seus seis anos no Ministério das Obras, supervisionou inúmeros projetos de irrigação e infraestrutura, beneficiando o povo e o país. Mas nunca buscou reconhecimento — sempre manteve um perfil discreto. Agora, com o colapso repentino da represa e sem uma causa clara, surgiram rumores e acusações por toda parte. Chu Xiang não queria sacrificar um bom servidor por causa disso, então o deteve para conter os boatos, planejando tomar uma decisão definitiva após controlar o desastre. Mas, inesperadamente, Yue Lingxi havia percebido tudo.

Ele sabia que ela era inteligente — mas não imaginava que também fosse tão perspicaz em assuntos políticos e estratégicos, algo que nunca havia demonstrado antes. Ou talvez... fosse apenas o entendimento silencioso entre os dois.

Chu Xiang olhou para Yue Lingxi, que mantinha uma expressão serena, e não pôde evitar sorrir levemente. Seu tom, como sempre, era de rendição e carinho:

— De todas as pessoas no Palácio Xuanqing, você é a mais esperta.

Yue Lingxi balançou a cabeça:

— Vossa Majestade está enganado. Com o senhor presente, como eu poderia me considerar a mais esperta?

Apesar das palavras modestas, seus olhos límpidos estavam cheios de admiração. Chu Xiang sentiu-se satisfeito ao ver aquilo e, com um movimento dos braços longos, puxou-a para um abraço apertado.

— Pequena aduladora.

— Não estou adulando, só dizendo a verdade — retrucou Yue Lingxi suavemente.

Mas Chu Xiang não respondeu. Apenas continuou a segurá-la com força, aproveitando a maciez extrema do corpo delicado que agora repousava em seus braços.

Capítulo 22: Licença Médica Enquanto os esforços de socorro em Youzhou continuavam intensamente, uma grande comoção também tomava conta da capital. Um incêndio repentino irrompeu em uma mansão no norte da cidade. Após ser controlado, descobriu-se que os vizinhos também haviam sido afetados. O proprietário preparava-se para pedir desculpas quando, através das paredes queimadas, um brilho dourado chamou a atenção. Ao investigar mais de perto, descobriram que havia diversos lingotes de ouro embutidos ali! Se fosse uma família rica qualquer, não seria grande coisa — mas, infelizmente, tratava-se da residência de Fang Wenshuo, o ex-vice-ministro das Obras Públicas, que havia sido enviado à prisão recentemente. A situação tornou-se delicada. A quantidade de ouro encontrada superava em muito o salário de um oficial de terceiro escalão por dez anos. Alguns diziam que era suborno recebido por Fang Wenshuo; outros, que era verba desviada do governo. Tudo apontava para o rompimento da represa do rio Leste. Parecia que as provas eram irrefutáveis — só faltava a sentença. No entanto, o Ministério da Justiça permanecia em silêncio. Ninguém, do mais alto ao mais baixo escalão, tocava no assunto. Até mesmo o ministro Pei Zhao estava desaparecido o dia inteiro. Palácio Xuanqing Yue Lingxi carregava uma tigela de sopa medicinal espessa e caminhava lentamente em direção ao salão interno. Ao empurrar a porta, ouviu as vozes de Chu Xiang e outros discutindo algo. Hesitou, sem saber se deveria entrar, e parou do lado de fora. Inesperadamente, Chu Xiang já havia notado sua sombra. Seu rosto belo virou-se e ele chamou: — Entre. Ela ergueu o pé sobre o batente e entrou por trás do biombo, apenas para descobrir que quem conversava com Chu Xiang era Pei Zhao, que segurava algo nas mãos e parecia estar fazendo um relatório. Sabendo que Chu Xiang não teria tempo para tomar o remédio naquele momento, Yue Lingxi apenas cumprimentou os dois e recuou silenciosamente para o lado, sem querer interromper. — Vossa Majestade, após uma investigação secreta, descobri algo suspeito sobre a origem daqueles lingotes de ouro. — Diga — respondeu Chu Xiang, tomando um gole de água morna. Sua voz ainda estava rouca. — Aquela mansão foi comprada por Fang Wenshuo há cerca de seis meses, por um preço relativamente baixo. O antigo proprietário lhe disse que a casa era velha e havia passado por várias reformas, mas ele não se importou e se mudou. Após o incêndio, examinei cuidadosamente aquela parede e não encontrei nenhum indício de reforma recente. Portanto, se o que Fang Wenshuo disse for verdade, os lingotes não foram colocados por ele. Chu Xiang foi direto ao ponto: — Já encontraram o antigo proprietário? — É aí que está o estranho — disse Pei Zhao, com o tom mais pesado. — Trata-se de um comerciante Hu que viajou para o Reino de Kucha com uma caravana há três meses. Vi seu nome na lista da associação de comerciantes e também o salvo-conduto e a placa de identificação emitidos pelo governo. Mas, curiosamente, nenhum dos outros comerciantes Hu o conhece. — Está dizendo que... tanto o salvo-conduto quanto a placa podem ser falsos? Pei Zhao assentiu: — Tenho essa suspeita, mas ainda não há provas. Por isso, pedi a Fang Wenshuo que descrevesse a aparência desse comerciante Hu, e estou tentando encontrá-lo antes de tirar qualquer conclusão. Ao terminar, entregou uma folha fina de papel de arroz. Chu Xiang a desdobrou e viu o retrato de um homem robusto, de traços marcantes, usando um chapéu de lã de quatro pontas decorado com uma pena de pavão. Seu cabelo era espesso e sua aparência exalava um forte ar das Regiões Ocidentais. Yue Lingxi lançou um olhar ao retrato e hesitou em dizer algo. Embora a vestimenta do homem fosse comum, metade de seu rosto estava coberta, dificultando a identificação. Chu Xiang também percebeu esse problema, mas no momento não havia outra alternativa — só restava arriscar. — Encontre esse homem primeiro — disse Chu Xiang, devolvendo o retrato com expressão séria. — Não interrompa o interrogatório de Fang Wenshuo. Ele também é suspeito. Até que se descubra a causa do rompimento da represa, ninguém está autorizado a vê-lo. — Sim, entendi — respondeu Pei Zhao, curvando-se antes de se retirar. A essa altura, o remédio já havia esfriado o suficiente e estava na temperatura ideal para ser tomado. Yue Lingxi mexeu-o algumas vezes com uma colher de prata, depois segurou a tigela e sentou-se à beira da cama entalhada em madeira, dizendo suavemente: — Vossa Majestade, por favor, tome o remédio. Chu Xiang tossiu algumas vezes, pegou a tigela e bebeu tudo de uma vez só. Assim que a colocou de lado, uma ameixa preta foi erguida até sua boca, fazendo-o rir. — O que é isso, está tentando acalmar uma criança? Yue Lingxi respondeu num tom estranho: — Vossa Majestade, mesmo que não tema dificuldades, o gosto ainda fica ruim na boca. Não é melhor comer uma ameixa para equilibrar? Mal terminou de falar, uma ameixa foi imediatamente empurrada em sua boca. — Se Vossa Majestade comer, eu também como. Dito isso, Chu Xiang engoliu a ameixa da mão dela, fazendo uma breve pausa quando seus lábios tocaram os dedos macios dela — como se quisesse sugar até a última gota do suco. Pensando que ele ainda queria mais, ela rapidamente retirou os dedos de seus lábios úmidos e escorregadios, virou-se e lhe entregou outra. — Aqui. O rosto de Chu Xiang escureceu na hora: — Yue Lingxi, você me acha um urso bobo sendo alimentado? Ela balançou a cabeça com seriedade: — Como poderia? Quando alimento o Xiang Xiang, nem ouso colocar a mão dentro, com medo de ser mordida. Vossa Majestade não morde, então é diferente. Chu Xiang quase se engasgou de raiva, e conseguiu dizer entre os dentes cerrados: — Sim... eu não mordo... Desse jeito, mesmo que se curasse do resfriado, acabaria adoecendo de raiva por causa dela. Yue Lingxi piscou os olhos e pareceu notar que o semblante dele não estava muito bom. Então pegou a tigela e se preparou para sair. Antes de ir, ajeitou as bordas da coberta e apagou parcialmente a vela. Depois se virou e disse: — Vossa Majestade, descanse bem. Estarei esperando do lado de fora. É só me chamar se precisar de algo. — Já está tarde, vá descansar. Deixe que os outros façam o turno da noite. Nos últimos dias, Chu Xiang vinha tossindo muito durante a noite. O médico imperial havia recomendado que o remédio fosse administrado sempre que necessário, então Yue Lingxi vinha ficando ao lado da cama. Às vezes, adormecia de cansaço. Chu Xiang, ao vê-la desconfortável, tentava puxá-la para mais perto, mas acabava acordando-a sem querer. Ela então se recusava a dormir novamente e ia se esconder em outro quarto — o que o deixava furioso. Por isso, ele simplesmente não queria mais que ela ficasse de vigília. Ontem ele cedeu, mas hoje ela disse: — Ainda há alguns documentos que não foram organizados. Vossa Majestade terá que vê-los amanhã cedo. Vou terminá-los antes de voltar. Chu Xiang a deteve: — De qualquer forma, não consigo dormir agora. Traga os que já estão prontos e leia para mim. Ao ouvir isso, Yue Lingxi o observou por um momento com atenção, percebendo que seu espírito realmente parecia melhor. Então foi até o cômodo externo buscar uma pilha de documentos. Não eram muitos — claramente separados para que ele pudesse descansar o quanto antes. Chu Xiang notou isso e esboçou um leve sorriso, sem dizer nada. — Estes são mais urgentes. Deseja anotá-los rapidamente ou...? — Eu digo, e você escreve. Yue Lingxi ficou um pouco surpresa e respondeu instintivamente: — Mas minha caligrafia é diferente da de Vossa Majestade... Se fosse outra pessoa, certamente ficaria apavorada com tamanha ousadia e nem ousaria abrir a boca. Mas o que ela se preocupava era com a estética da escrita — o que fez Chu Xiang querer rir e chorar ao mesmo tempo. Mas não disse nada. Apenas a puxou para sentar ao seu lado e disse uma única palavra: — Leia. Sem escolha, ela pegou o primeiro documento e resumiu: — O General Wei Jie relatou que o Exército Yi, estacionado em Shicheng, tem feito pequenos movimentos recentemente. Disfarçaram espiões como refugiados e infiltraram Zhulang várias vezes, mas todos foram identificados por nossas tropas. Agora mudaram de tática e enviam pequenos grupos de cavalaria para rondar a região, tentando obter informações e atacar civis. Ele estima que um ataque em larga escala está próximo e solicita permissão para deslocar as tropas da guarnição do Desfiladeiro Yanmen para emboscar entre as duas cidades e desferir um golpe direto. — Aprovado — disse Chu Xiang sem hesitar, embora franzisse levemente a testa. — Esse Wei Jie é bom em todos os aspectos... exceto por não saber se adaptar. Yue Lingxi pegou o pincel de cinábrio e escreveu o caractere “准” (zhun, que significa “permitido”) ao final do memorial, tentando imitar intencionalmente a caligrafia de Chu Xiang. No entanto, o resultado ficou torto e trêmulo, parecendo mais um símbolo fantasmagórico do que um ideograma. Chu Xiang soltou uma risada abafada e envolveu a cintura delicada dela com o braço direito, guiando sua mão para completar os traços com mais firmeza. — É assim que se escreve? Você precisa aplicar força no início do traço e pressionar levemente no final, para formar um contorno limpo. Ela olhou para o caractere, com a parte de cima e a de baixo completamente diferentes, e suspirou, um pouco desapontada: — A caligrafia de Vossa Majestade é poderosa como um dragão. Talvez eu nunca consiga aprender sua essência em toda a minha vida. — Então fique ao meu lado por toda a vida primeiro — ele respondeu. Chu Xiang sussurrou com a cabeça baixa, o hálito quente roçando a orelha dela, fazendo-a corar. Ela virou levemente o rosto e quase tocou os lábios dele. Os dois se encararam a uma distância tão próxima que parecia que até a respiração entre eles se alongava — como gotas de chuva caindo das beiradas do telhado ou pingando dos cantos da mesa — cada uma provocando uma tortura doce e lenta. — Está bem. Sem regras palacianas, sem interpretações distorcidas, apenas um simples “está bem”. Se seus anos tivessem algum significado, ela estaria disposta a dedicá-los à sua pátria — e ao seu imperador. Chu Xiang sentiu que o ar em seu peito nunca havia fluído com tanta leveza. Naquele instante, estava de ótimo humor. Apertou a cintura dela com mais força e apontou com o queixo para o lado: — O próximo. Yue Lingxi rapidamente folheou o documento seguinte e viu que era um pedido de suprimentos e prata vindo de Youzhou. Chu Xiang aprovou cada item e mandou chamar Xue Fengchun para enviá-los ao Ministério da Fazenda ainda naquela noite, encerrando o assunto. Durante esse tempo, Yue Lingxi se lembrou de outro ponto relacionado e comentou de passagem: — Vossa Majestade, o Ministro Sênior Song apresentou um memorial dizendo que o desastre em Youzhou é grave e que o povo está preso entre a água e o fogo. Ele deseja realizar uma venda beneficente na capital para arrecadar fundos para as vítimas. — Song Zhenghong? — Chu Xiang não pareceu surpreso com o gesto generoso e respondeu com naturalidade: — Aprovado. — Então irei até lá fora procurar esse documento para revisá-lo para Vossa Majestade. — Aproveite e escolha duas peças da estante de antiguidades — disse Chu Xiang, recostando-se no travesseiro de penas de ganso, com a voz levemente preguiçosa. — Já que ele está fazendo tanto alarde, preciso demonstrar algum apreço. Yue Lingxi abaixou o olhar e pensou por um momento antes de dizer: — Vossa Majestade, eu também gostaria de contribuir com o pouco que posso. Chu Xiang riu suavemente, como se já esperasse essa resposta: — Eu não disse para escolher duas peças? Uma será minha contribuição, e a outra contará como a sua. — Como isso seria possível? Se as pessoas virem que é algo do palácio, saberão que não é meu. Vossa Majestade, isso me fará perder a face em público. — O que eu disser que é seu, quem ousaria questionar? — respondeu Chu Xiang com arrogância, demonstrando sua autoridade. Mas ao ver a expressão relutante dela, suavizou o tom: — Se você levar essas peças para a venda beneficente, já será considerado como uma contribuição sua. Será que ele estava... designando essa tarefa a ela? Desde que entrou no palácio, Yue Lingxi vinha se ocupando principalmente com tarefas triviais. Raramente recebia uma incumbência formal como aquela. Por isso, assentiu imediatamente, com uma leve alegria no olhar, e disse: — Então irei escolher agora e, mais tarde, trarei para Vossa Majestade revisar. — Vá — respondeu Chu Xiang. Ele observou a silhueta graciosa dela se afastar, e os cantos de seus lábios se curvaram involuntariamente num sorriso.


Capítulo 23: Venda Beneficente Aos olhos do povo da capital, Song Zhenghong era um velho generoso e bondoso. Quando ainda era oficial, realizou muitas obras em benefício da população. Após se aposentar, continuou fiel aos seus princípios e frequentemente enviava criados aos arredores da cidade para distribuir mingau e roupas, cultivando boas relações. Seus criados também eram educados e gentis, o que lhe rendia muitos elogios. Por isso, o povo o chamava em segredo de “bodisatva vivo”. O evento beneficente foi realizado na Mansão Song, e muitos oficiais da corte compareceram. Assim que Yue Lingxi desceu da carruagem, viu uma figura familiar — que também a reconheceu e se aproximou com um sorriso. — Lingxi, quanto tempo. Yue Lingxi fez uma reverência: — Saudações, Lorde Ye. Ye Yanxiu rapidamente estendeu a mão para ajudá-la a se levantar. Com um sorriso gentil no rosto, mas em voz baixa, disse: — Lingxi, sua identidade atual é a de filha ilegítima da família Ye. Somos considerados primos. Não deve agir com tanta formalidade, para não levantar suspeitas. Yue Lingxi se assustou e, instintivamente, olhou ao redor. Percebeu que os convidados estavam entrando na Mansão Song sem prestar atenção neles. Voltou-se para ele com um leve pedido de desculpas: — Eu me esqueci. Obrigada por me lembrar, meu lorde. — Não tem problema. Vamos entrar. Dito isso, Ye Yanxiu virou-se e caminhou em direção ao portão da mansão, deixando para trás uma silhueta alta e esguia. Ele não usava uniforme oficial naquele dia, tampouco adornos. Vestia uma túnica de brocado com padrões escuros e segurava um leque dobrável — simples e elegante, bem diferente da imagem afiada que exibia no campo militar. Parecia um verdadeiro cavalheiro dos livros, gentil e refinado. Yue Lingxi sentiu como se estivesse conhecendo-o novamente, e só voltou à realidade quando ele já se afastava. Apressou o passo para alcançá-lo. Logo, os dois entraram no pátio, onde uma mulher vestida com uma saia estampada de borboletas recebia os convidados um por um, orientando os criados com elegância e cortesia. Cada gesto seu demonstrava o refinamento da família anfitriã, o que lhe rendia muitos elogios. Era, sem dúvida, uma mulher versátil. Por que aquela saia parecia tão familiar? Yue Lingxi tentava se lembrar de onde a conhecia, quando a mulher se virou de repente, revelando um rosto delicado e belo que imediatamente chamou sua atenção. Como poderia ser ela? Seu sobrenome também é Song... será que...? Enquanto Yue Lingxi ainda estava confusa, Song Yujiao já se aproximava com graça e um sorriso nos lábios: — Não sabia que o Lorde Ye e a senhorita Ye Xiuyi viriam. Não os recebi como deveria. Espero que não se incomodem. — Lorde Song, normalmente só vemos nossos colegas quando levantamos a cabeça. Agora, sendo recebidos com tanta formalidade, corremos o risco de fugir assustados* — brincou Ye Yanxiu, com um sorriso suave nos lábios, como uma brisa morna de primavera. Até mesmo Song Yujiao, uma dama acostumada a lidar com a alta sociedade, não pôde evitar um leve constrangimento. Mordeu os lábios antes de responder com delicadeza: — A diferença entre o Ministério da Guerra e a Secretaria Imperial é mais do que pequena. Vossa Excelência não é apenas um colega, está elevando Yujiao com suas palavras. Não ouso ser negligente. Quanto à senhorita Xiuyi, sua origem é ainda mais impressionante. Receio que terei que me curvar diante das peças que ela trouxe, banhadas pela graça celestial. Ela recuava para avançar, com elogios sutis e inteligentes. Mesmo Yue Lingxi, que não gostava de bajulações, não se sentiu incomodada — o que mostrava o quão habilidosa Song Yujiao era. Felizmente, havia Ye Yanxiu ao seu lado, pois, do contrário, ela realmente não saberia como lidar com aquela mulher. — Ela diz que não ousa ser negligente, mas já nos provocou com algumas palavras. Se continuar assim, terei que ir falar com o ancião para pedir justiça — disse ele, com leveza. Pelo visto, ela era mesmo filha de Song Zhenghong. O céu havia se aberto, e a luz do sol dissipava as nuvens — como a conversa da noite anterior. Especialmente com aquele tom levemente familiar, que tornava tudo ainda mais envolvente. Algumas cortesãs que passavam lançavam olhares invejosos e curiosos, desejando poder puxar conversa com aquele jovem tão distinto. E mesmo que não conseguissem, já seria bom poder acompanhá-lo como Yue Lingxi fazia. Song Yujiao percebeu que, se continuassem conversando daquele jeito, provavelmente seriam alvo de críticas. Então deu um passo para trás e brincou: — Se quiser reclamar, não deveríamos entrar primeiro? Ye Yanxiu entendeu a deixa e respondeu com leveza: — Está certo, vamos entrar e dar uma olhada. Dito isso, conduziu Yue Lingxi até o Pavilhão das Águas. A mansão da família Song ficava nos arredores da cidade e ocupava uma área extensa. Somente o Pavilhão das Águas já era maior do que a casa de uma pessoa comum, e seu projeto era engenhoso. Vários pavilhões de pedra formavam um círculo hexagonal, cobertos por telhas vidradas e beirais curvados. No centro, havia uma plataforma sobre a água, conectada por seis pontes arqueadas de madeira de bétula branca. Os corrimões estavam envoltos em cetim aquático leve e translúcido, que balançava à beira do lago como uma orquídea em flor — uma imagem de tirar o fôlego. A venda beneficente seria realizada ali. Quando Ye Yanxiu e Yue Lingxi chegaram, muitos membros da família imperial e nobres já estavam presentes. Os pavilhões estavam quase lotados, e todos conversavam animadamente, rindo e trocando palavras com alegria — o ambiente era harmonioso e festivo. Diferente dos demais, os dois foram conduzidos pessoalmente pelo mordomo até o terraço do segundo andar, que oferecia uma vista ampla, era fresco e tranquilo — um ponto de observação privilegiado. Assim que se sentaram, algumas pessoas lá embaixo os notaram e demonstraram certo descontentamento, mas ninguém ousou comentar. Afinal, um era o herdeiro da família Ye, e a outra, uma figura especial aos olhos do imperador. Era natural que Song Zhenghong lhes oferecesse tratamento preferencial. Chá e frutas geladas foram servidos em sequência — pudim de lichia, bolhas de neve com kumquat, cristais de açúcar e outros doces delicados. Tudo estava disponível e empilhado sobre a mesa. Ye Yanxiu, atencioso, empurrou para perto de Yue Lingxi os doces e frutas que meninas costumavam gostar, enquanto ele mesmo pegou uma xícara de chá verde. Depois de beber, voltou o olhar para ela — apenas para perceber que ela havia escolhido a água de ameixa. — Você gosta disso? Yue Lingxi balançou a cabeça: — A água de ameixa do mercado da família Ye é deliciosa, mas essa aqui só tem aparência. Ela parecia ter sido enganada. Ao ouvir isso, os lábios de Ye Yanxiu se curvaram num sorriso genuíno — como uma brisa suave passando sobre um riacho, trazendo uma sensação de leveza e encanto. — O sucesso dos negócios da família Ye não se deve ao favoritismo do antigo imperador, mas à sinceridade com que tratamos as pessoas. Embora essa água de ameixa seja uma bebida comum para convidados, ela é feita com rosa, osmanthus e pó de pérola. Só o custo dos ingredientes já é alto demais para muitas famílias — sem falar no sabor. Yue Lingxi assentiu: — Sua família é realmente rica e poderosa. Ye Yanxiu não pôde deixar de rir e corrigiu: — É nossa família. Ela saboreou essas palavras, sentindo um calor inexplicável no coração. De repente, pensou em Chu Xiang, que estava longe, no palácio — e percebeu que fora ele quem lhe dera tudo aquilo, mesmo que fosse apenas um título. Ainda assim, era grata. Enquanto seus pensamentos vagavam, a venda beneficente começou oficialmente. Como anfitrião e maior doador da coleção, Song Zhenghong naturalmente foi o primeiro a discursar. De longe, Yue Lingxi pôde ver que aquele senhor de sessenta e poucos anos era cheio de vitalidade e tinha um porte vigoroso. Ao falar, sua voz era firme e cheia de energia, superando a de muitos jovens. Seu corpo inteiro exalava uma aura profunda e imponente — como o Monte Tai. Antes de conhecê-lo, ela já ouvira muitos rumores: que ele não conseguiu entrar para o gabinete durante seu mandato, o que causava pesar entre o povo; que não tinha filhos e amava profundamente sua filha mais nova. Mas, por mais que juntasse essas peças, nenhuma imagem era tão marcante quanto a impressão de vê-lo pessoalmente. Agora, parecia claro que o temperamento de Song Yujiao vinha, em grande parte, dele. Discursos são sempre cheios de clichês. O verdadeiro destaque era o leilão beneficente. Com todos os olhares atentos, o primeiro item foi trazido por uma criada e colocado sobre a plataforma de pedra. Ao retirar o pano vermelho que o cobria, revelou-se uma preciosa escultura de raiz de sândalo. Os ricos e poderosos dos seis pavilhões começaram a fazer lances, mas todos dentro de um limite razoável. O ambiente era harmonioso — afinal, tratava-se de uma contribuição para as vítimas do desastre. Não importava se o lance era alto ou baixo, o que valia era a boa intenção. Desde que não prejudicasse a reputação do doador original, tudo era aceitável. Por isso, o ritmo dos lances foi relativamente rápido. Num piscar de olhos, já estavam no oitavo item. Ye Yanxiu, que vinha tomando chá com tranquilidade, de repente levantou sua placa de lance. Yue Lingxi, distraída, não ouviu o nome do item e abaixou a cabeça para folhear o catálogo. Tratava-se de um bracelete de contas de jade óssea, nas cores púrpura e branca. Coincidentemente, Gu Jingyi, do outro lado, também levantou sua placa. — Oh, os dois senhores estão mesmo em sintonia! — comentou o leiloeiro com um sorriso ligeiramente bajulador. — Esse tipo de jade púrpura é raríssimo. Os dois têm olhos apurados, mas infelizmente só há um exemplar. Quem será que vai levar? Assim que terminou de falar, Ye Yanxiu abaixou sua placa inesperadamente. — Por que desistiu, meu lorde? — perguntou Yue Lingxi, curiosa. Ye Yanxiu lançou-lhe um olhar e sorriu de leve: — Xiuyi talvez não saiba, mas nós dois provavelmente estamos disputando esse item pela mesma pessoa. Nesse caso, tanto faz quem o leve. Yue Lingxi entendeu após pensar um pouco: — É para a senhora Gu? Ye Yanxiu assentiu, com ternura no olhar: — Quando Tian’er era pequena, tinha a saúde frágil. Um adivinho disse que ela tinha deficiência de “metal” no destino. Depois, o tio dela mandou fazer um sininho de ouro para ela usar, e sua saúde começou a melhorar. Desde então, ela se apegou a essas coisinhas brilhantes. Sempre que saímos, compramos algo assim para ela. — Entendo — respondeu Yue Lingxi, encerrando o assunto. Voltou sua atenção para os novos itens do leilão, mas por dentro, seu equilíbrio emocional começava a se inclinar. Em sua memória, sua mãe era uma mulher gentil e virtuosa, de fala suave — uma típica moça criada nas cidades aquáticas de Jiangnan. A única vez que discutiu com seu pai foi quando sua irmãzinha teve febre alta e não conseguiram encontrar o contrato de terras que poderia ter ajudado. Depois, descobriram que um parente distante havia vendido a terra sem consultar ninguém, mesmo com seu pai tendo parte nela. Naquela época, sua mãe falou com firmeza e a alertou: todas as famílias ricas e poderosas são frias e traiçoeiras — não apenas com os plebeus, mas entre si. No entanto, a família Ye claramente não era assim. Sem falar que Ye Yanxiu e Ye Sitian, mesmo com apenas um laço de sangue distante, tinham uma relação tão próxima. Quanto mais entre irmãos de verdade? Ela ouvira dos mais velhos do palácio que o domínio absoluto da Imperatriz Ye sobre o Palácio Leste causara descontentamento no passado. Para manter sua posição e dissipar os efeitos negativos, seu irmão mais velho foi para a fronteira e lá permaneceu por oito anos. O irmão mais novo também renunciou ao cargo no governo central e retornou à família Ye para assumir o comando. Esse amor fraternal parecia ser uma herança de gerações. Ela, que sempre fora indiferente desde a infância, experimentava pela primeira vez o gosto da inveja. Ye Yanxiu, ao seu lado, lançou-lhe um olhar casual e percebeu que ela estava olhando para o nada, claramente alheia ao leilão. Seus olhos, antes brilhantes, agora pareciam apagados — como um céu noturno sem estrelas nem lua, solitário e escuro. Ele hesitou por um momento e tentou chamá-la: — Lingxi, você está... O som de gelo derretendo e neve se desfazendo a trouxe de volta. Yue Lingxi o interrompeu suavemente: — Com licença, meu lorde. Preciso me ausentar por um momento. Depois de falar, Yue Lingxi se levantou apressadamente e desceu as escadas. No momento em que virou as costas, Ye Yanxiu pareceu captar um vislumbre de embaraço fugaz em seu rosto. Ela atravessou o jardim e seguiu pelo corredor sinuoso até não haver mais sinal de pessoas. Encostou-se a uma coluna e sentou-se, esforçando-se para ignorar aquela sensação de vazio no peito. Não havia motivo para invejá-la — afinal, ela tinha Duan Muzheng e muitas outras coisas que Yue Lingxi jamais ousara sonhar. Era preciso estar contente com o que se tem. Respirou fundo e olhou ao redor. O ar estava fresco, e a paisagem, agradável. Sentou-se ali por um tempo, esperando até que o evento beneficente estivesse prestes a terminar, antes de finalmente se levantar e começar a voltar. Ao passar pelo Portão da Lua, viu uma pessoa com aparência de criado sentada do outro lado da mesa de pedra. Pela aparência, não parecia ser alguém da família Song. Yue Lingxi se perguntou quem o teria trazido ali — e, de repente, uma ideia lhe ocorreu. Parecia que já o tinha visto em algum lugar... Não pôde evitar parar os passos e se esconder atrás da parede. Observou cuidadosamente o homem através das telhas de vidro da janela de flores. Ele tinha sobrancelhas espessas, olhos grandes, rosto quadrado — nada particularmente marcante. Suas roupas eram simples, com até um pouco de sujeira nas mangas, não muito diferente de um criado comum. Não está certo... o que há de errado? Yue Lingxi abaixou os olhos, pensativa, até que, de repente, teve um estalo. Levantou a cabeça e fixou o olhar no homem à sua frente, lentamente levantando as mãos para cobrir metade do rosto dele. Num instante, a imagem coincidiu perfeitamente com um fragmento de sua memória. Era o homem do retrato de Pei Zhao! Naquele momento, ela finalmente entendeu por que o Ministério da Justiça não conseguia encontrá-lo. Além de alterar a aparência externa, ele havia modificado a estrutura do rosto — com maçãs do rosto mais altas e órbitas oculares afundadas — o que o fazia parecer alguém das Regiões Ocidentais. Mas, ao remover essas alterações, ele voltava a ter a aparência de um cidadão comum do Reino de Chu. Se não fosse por alguém como ela, que o observou por tempo suficiente, seria impossível perceber que se tratava da mesma pessoa. Ela não podia deixá-lo escapar. Precisava avisar Ye Yanxiu imediatamente. Decidida, Yue Lingxi ergueu a saia e se preparou para correr de volta. No entanto, assim que se virou, quase colidiu com alguém. Ainda assustada, olhou para cima e viu que a outra pessoa também se surpreendeu, e sua voz ecoou pelo pátio: — Xiuyi, o que houve com você? Oh, não! Yue Lingxi não teve tempo para rodeios. Imediatamente virou a cabeça — o homem já havia sido alertado e agora olhava em sua direção com desconfiança. Rapidamente começou a se afastar pelo outro lado do pátio, prestes a desaparecer de vista. Diante da situação, Yue Lingxi não hesitou. Explicou tudo de uma vez e pediu ajuda: — Lorde Song, o homem que acabou de passar é um criminoso procurado pelo Ministério da Justiça. Pode encontrar uma forma de detê-lo? Song Yujiao respirou fundo, surpresa, mas logo se recompôs. Sem fazer perguntas desnecessárias, respondeu com firmeza: — Não se preocupe. Vou avisar os guardas imediatamente! Nota: Para quem não entendeu direito a frase : “Normalmente só vemos nossos colegas quando levantamos a cabeça. Agora, sendo recebidos com tanta formalidade, corremos o risco de fugir assustados.” A frase, nesse contexto, revela a tensão entre a vida cotidiana dos estudiosos ou funcionários e o peso das instituições formais, a parte de levantar a cabeça se refere que normalmente como um gesto de respeito e modéstia a cabeça fica abaixada, assim criando um contraste com a situação que elas estavam. A segunda parte expressa, com um toque de humor e ironia, como a rigidez das normas sociais e o peso da autoridade podiam ser opressivos, mesmo para os próprios membros da elite letrada, como a formalidade extrema — embora parte da cultura — podia ser intimidante até para aqueles que a praticavam. Se prestar atenção, a própria Yue comenta isso abaixo da frase de modo mais rápido.



Capítulo 24: Inesperado No momento em que dezenas de guardas da família Song foram mobilizados, o destino daquele homem já estava selado — ele estava condenado a ser capturado, talvez até morrer naquela propriedade. Por isso, Yue Lingxi não se surpreendeu ao vê-lo sendo levado ao galpão de lenha. — Então esse é o homem que Pei Zhao está procurando? — Ye Yanxiu virou-se e perguntou em voz baixa. Yue Lingxi assentiu com firmeza: — Eu vi o retrato. Não há erro. Ao ouvir isso, Ye Yanxiu caiu em silêncio. Ele sabia que Pei Zhao vinha investigando secretamente o caso de corrupção envolvendo Fang Wenshuo. Também havia mobilizado os guardas treinados pela família Ye para ajudar na investigação, mas, infelizmente, não haviam feito progresso algum. Inesperadamente, encontraram aquele homem justo hoje, na mansão da família Song. Se conseguissem extrair alguma informação útil durante o interrogatório e prosseguir com a investigação, talvez pudessem finalmente romper o impasse atual. Enquanto pensavam nisso, Song Yujiao veio apressada pelo caminho de pedras. Ao chegar, fez uma leve reverência, ainda ofegante: — Meu lorde, os convidados ainda não foram embora. Meu pai continua ocupado no Pavilhão das Águas. Se ele vier até aqui de repente, alguém pode vê-lo... — Sua preocupação é válida. Não devemos tornar isso público antes de investigar a fundo — disse Ye Yanxiu, ocultando intencionalmente o caso em questão. Depois, olhou para o horizonte e declarou com firmeza: — Deixe o velho cuidar das coisas lá com tranquilidade. Eu mesmo levarei esse homem ao Ministério da Justiça. Song Yujiao concordou plenamente e imediatamente ordenou que os guardas trouxessem o prisioneiro. — O que estão fazendo? Eu não fiz nada de errado! Por que estão me prendendo?! O homem gritava e se debatia, com movimentos amplos. Para garantir a segurança, os guardas não o deixaram se aproximar dos jovens mestres e senhoras. Pararam a alguns passos de distância, enquanto ele os fitava com raiva por entre a multidão. Ye Yanxiu ergueu levemente as sobrancelhas, aproximou-se e segurou os braços do homem pelas costas. — Já que acredita ser inocente, chame seu mestre. Eu mesmo conversarei com ele. Se for comprovado que você foi acusado injustamente, pedirei desculpas a ambos. Ao ouvir isso, a expressão do homem ficou ligeiramente estranha, mas ele rejeitou a proposta sem hesitar: — Hmph! Nem pense em me enganar! Se meu mestre me vir nessa situação, mesmo que eu volte inocente, vai me esfolar vivo! De que adianta um pedido de desculpas? Ye Yanxiu sorriu, mas sem humor: — Oh? Este oficial está curioso para saber que tipo de mestre é tão cruel e sem coração. O homem virou o rosto, com a expressão de quem preferia morrer a falar. Ye Yanxiu já esperava por essa reação. Com um leve sorriso, disse: — Já que não quer falar, não posso defendê-lo. Levem-no! — Não! Eu não vou! O homem entrou em desespero, cravando os pés nas frestas da estrada de pedra, recusando-se a se mover. Usou toda a força e quase derrubou dois guardas. Ao ver isso, Song Yujiao sinalizou para os outros por perto, e vários deles se uniram para arrastá-lo à força. Ele se debatia violentamente e gritava em voz alta: — Socorro! Em plena luz do dia, os criados da família Song estão sequestrando alguém! Yue Lingxi, que observava tudo à distância em silêncio, finalmente entendeu. Aquele homem estava ganhando tempo — ele sabia que, uma vez dentro da prisão impenetrável do Ministério da Justiça, jamais sairia. Com isso em mente, ela teve ainda mais certeza de que estavam no caminho certo. Aquele homem definitivamente sabia de algo. Enquanto pensava nisso, o prisioneiro empurrado pelos guardas passou por ela. Por algum motivo, ele parou por um instante, como se congelasse. Então, de repente, virou o rosto em sua direção — com uma expressão feroz. O coração de Yue Lingxi disparou. Ela recuou instintivamente. Mas, inesperadamente, o homem rompeu as cordas que prendiam seus pulsos — várias voltas de corda se desfizeram num estalo. Em seguida, pegou os guardas desprevenidos e os derrubou. Sem qualquer contenção, lançou-se diretamente contra Yue Lingxi! — Foi tudo culpa sua! Foi você quem me fez ser pego! O homem avançou de repente e agarrou o pescoço de Yue Lingxi, como um grilhão que se apertava lentamente, impedindo-a de respirar. As veias em seu braço saltavam, e a força aumentava cada vez mais. Song Yujiao gritou, alarmada: — Xiuyi—! O eco de sua voz ainda pairava no ar quando uma sombra passou veloz pelo canto de seu campo de visão. Ao virar a cabeça, viu Ye Yanxiu se aproximando rapidamente por trás do homem. Com um golpe preciso de seu leque dobrável, atingiu um ponto de acupuntura nas costas do agressor com uma poderosa descarga de energia interna. Após um breve silêncio, o homem cuspiu uma golfada de sangue e caiu no chão. Ye Yanxiu aproveitou o momento para segurar Yue Lingxi e recuar alguns passos, afastando-a para um local seguro. Ela não teve tempo de reagir. Curvada, começou a tossir violentamente, com suor e lágrimas escorrendo pelo rosto. — Lingxi, você está bem? Ye Yanxiu se abaixou para verificar seu estado e viu que o pescoço dela estava avermelhado, com marcas de dedos visíveis — sinal da força brutal que havia sido usada. Ela estava claramente assustada e com dor, tão fraca que mal conseguia ficar de pé. Ele a amparou com uma das mãos e, com a outra, entregou-lhe um lenço limpo. Em seguida, lançou um olhar severo ao homem caído: — Imobilizem-no! Os guardas correram para capturá-lo, mas ficaram surpresos ao perceber que não conseguiam levantá-lo. Um deles verificou sua respiração e exclamou: — Ele está morto! Os olhos de Ye Yanxiu se arregalaram por um instante, incapaz de esconder o choque. Como isso era possível? Ele havia usado apenas 70% de sua força — não foi um golpe fatal! Yue Lingxi, percebendo algo estranho, conteve a dor na garganta e se endireitou com esforço: — Não se preocupe comigo... vá ver esse homem... Ye Yanxiu entendeu a urgência. Ajudou-a a se sentar num canto e foi rapidamente até o corpo. Colocou dois dedos no pescoço do homem e examinou suas pálpebras. Após alguns instantes, parou. Ele estava realmente morto. Aquela morte repentina, diante de todos, era estranha demais. Se não fosse por sua experiência e autocontrole, Ye Yanxiu poderia ter acreditado que fora apenas um acidente — afinal, a refém era sua meia-irmã, e perder o controle seria compreensível. Ninguém ali achou que houvesse algo errado. Os guardas, inclusive, pareciam indiferentes — como se o criminoso merecesse aquele fim. Mas havia algo errado. O rosto de Ye Yanxiu escureceu gradualmente, como uma nuvem densa cobrindo a lua cheia. Os presentes se entreolharam, mas ninguém ousou falar. Ainda assim, sua ordem foi clara e logo chegou aos ouvidos dos responsáveis: — Coloquem o corpo na carruagem e enviem-no diretamente ao Ministério da Justiça. Song Yujiao, que estava paralisada de choque, finalmente reagiu e apressou-se: — Rápido! Façam o que o Lorde Ye ordenou! — Sim! Os criados carregaram o corpo discretamente. Ye Yanxiu não perdeu tempo e voltou-se para Yue Lingxi: — Vamos voltar ao palácio. Consegue andar? Embora Yue Lingxi já tivesse se recuperado da fraqueza, sua garganta ainda ardia como fogo. Ela apenas assentiu em silêncio e saiu do pátio ao lado dele. Song Yujiao os acompanhou até o portão, observando a carruagem se afastar. Suas sobrancelhas continuavam franzidas, sem relaxar nem por um instante. Um foragido escondido em sua propriedade particular... isso poderia trazer problemas sérios. De volta ao palácio, os dois seguiram caminhos diferentes. Ye Yanxiu foi diretamente ao Palácio Xuanqing para relatar o ocorrido, enquanto Yue Lingxi retornou ao Palácio Yilan para cuidar dos ferimentos. Assim que Shu Ning entrou no quarto, viu a grande marca vermelha no pescoço de Yue Lingxi e ficou tão chocada que quase deixou cair a xícara de chá. Estava prestes a chamar um médico, mas Yue Lingxi a impediu — temia que, se o assunto se espalhasse, poderia prejudicar o julgamento e também a reputação da família Song. Shu Ning não teve escolha a não ser usar o restante do unguento Orvalho de Jade Floco de Neve da última vez, na esperança de que ajudasse a reduzir o inchaço. Mais tarde, Yue Lingxi não descansou. Após trocar-se por uma blusa de gola um pouco mais alta, saiu novamente. No interior do Palácio Xuanqing, dois homens ainda discutiam. — Ele feriu Xi Xi? — perguntou Chu Xiang, com a voz baixa. — Sim — respondeu Ye Yanxiu, sem perceber a mudança no humor de Chu Xiang, e continuou descrevendo a situação. — Vossa Majestade, naquela hora, eu apenas pressionei um ponto de acupuntura. Não foi um golpe fatal. Inesperadamente, ele não se levantou mais depois de cair. É realmente estranho. Já enviei o corpo para Pei Zhao, esperando que o legista descubra algo. Até lá, assumo total responsabilidade. Yue Lingxi, que estava prestes a entrar no salão, ouviu justamente essa última frase, fazendo com que suas sobrancelhas se franzissem. — Vossa Majestade, isso não tem nada a ver com o Lorde Ye. Sua voz estava rouca, como lixa raspando o coração de Chu Xiang. Antes que ele pudesse reagir, ela já havia levantado a saia e se ajoelhado ao lado de Ye Yanxiu. — Vossa Majestade, eu vi com clareza. Aquele homem de repente teve uma força estranha e rompeu as cordas, como se... — Yue Lingxi tossiu algumas vezes, forçando-se a terminar — como se tivesse sido estimulado por algo... Suas palavras fizeram Ye Yanxiu se lembrar de que, no meio do caos, era possível que o homem tivesse sido atacado silenciosamente. No entanto, até os guardas tiveram dificuldade para contê-lo — como alguém teria conseguido se aproximar sem ser notado? Mesmo que houvesse alguém com habilidade suficiente, Ye Yanxiu certamente teria percebido. Portanto, essa possibilidade era quase nula. Ainda assim, já que a dúvida foi levantada, precisava ser levada a sério. Ye Yanxiu começou a pensar em como verificar isso de forma indireta, enquanto Chu Xiang olhava fixamente para Yue Lingxi, sem piscar. Os dois permaneceram em silêncio por um momento, e ao ver isso, Yue Lingxi ficou ainda mais ansiosa. Chu Xiang e Ye Yanxiu sempre tiveram uma boa relação. Se, por culpa de sua explicação mal feita, Chu Xiang passasse a culpar Ye Yanxiu por negligência, e isso criasse um ressentimento entre eles no futuro... o que ela faria? Com esse pensamento, tentou explicar novamente: — Se alguém deve ser culpado por isso, sou eu, por ter sido descuidada e deixado que ele me agarrasse. Vossa Majestade, por favor, não culpe o Lorde Ye. Ele só fez isso para me salvar... Antes que pudesse terminar, uma dor aguda atravessou sua garganta — como se algo tivesse se rasgado por dentro. Um gosto metálico e doce subiu à boca, e ela não conseguiu conter: ao abrir os lábios, vomitou sangue. Incontáveis estames vermelhos floresceram sobre os ladrilhos de mármore, brilhando como fogo — intensos e ofuscantes — partindo o coração de Chu Xiang. — Xi Xi! Ele correu para segurá-la, envolvendo seu corpo mole nos braços, e ordenou com urgência que chamassem o médico imperial. Ye Yanxiu, ao lado, não esperava que a situação fosse tão grave e ficou visivelmente aflito. Lembrou-se de como ela havia suportado a dor para defendê-lo momentos antes, e seu coração tremeu. Yue Lingxi, nos braços de Chu Xiang, estava completamente envolta pela dor. Sua consciência afundava cada vez mais. A mão que agarrava as roupas de Chu Xiang foi perdendo força... até que finalmente desmaiou, incapaz de resistir.


Capítulo 25: Cura Ministério da Justiça. Assim que o corpo foi transportado, Pei Zhao imediatamente ordenou que comparassem o retrato e também trouxe Fang Wenshuo para fazer o reconhecimento com atenção. Após uma longa análise, confirmou-se que aquele homem era, de fato, o comerciante Hu que lhe vendera a casa na época. Com a identidade confirmada, Wu Zuo — o legista — foi chamado ao local para iniciar a investigação da causa da morte. Inesperadamente, o resultado foi surpreendente. — O que disse? A causa da morte é... natural? Pei Zhao ficou extremamente surpreso. Era difícil não suspeitar de uma morte tão repentina em um momento tão crítico, mas o legista concluiu que se tratava de uma morte natural — algo difícil de aceitar. Percebendo a incredulidade, Wu Zuo levantou o braço do cadáver e começou a explicar em detalhes: — Excelência, além de algumas escoriações comuns, este homem só apresenta este pequeno furo de agulha no corpo. No início, pensei que fosse ferimento por flecha oculta, mas após exame, não encontrei nenhuma agulha de prata ou objeto semelhante no braço. Extraí um pouco de sangue e testei com reagentes, mas não encontrei sinais de envenenamento. No entanto, havia vestígios de ametista e pó de enxofre... Pei Zhao franziu levemente a testa: — O que é isso? Wu Zuo abaixou a voz: — São os principais ingredientes do Han Shi San e do Xiao Huo Luo Dan. Afrodisíaco? Apesar de toda a investigação, nenhuma razão clara foi encontrada. Em vez disso, surgiram apenas informações desconexas, o que deixou Pei Zhao impaciente. Então ouviu o legista dizer: — Meu lorde, esse homem pode ter enlouquecido de repente, e isso pode estar relacionado a essas substâncias. — Como assim? — Originalmente, o Han Shi San era um remédio para tratar febre tifoide, mas alguém alterou a proporção da Pedra Wuxing, o que resultou em um efeito de fortalecimento do yang. Quando uma pessoa comum o ingere, sente calor intenso e hipersensibilidade ao toque. Por isso, não é impossível que ele tenha rompido as cordas em um estado de excitação. A curvatura anormal dos braços após a morte foi causada por esforço excessivo. Pei Zhao seguiu o dedo do legista e observou — de fato, era como ele dizia. Mas isso não dissipava suas dúvidas. — Mesmo que ele tenha ficado incrivelmente forte por causa do remédio, como explica a morte súbita? Ao ouvir isso, Wu Zuo hesitou antes de responder: — A toxicidade desse tipo de medicamento é muito alta. Independentemente da frequência com que o tomava, mesmo uma pequena dose pode causar reações inesperadas quando há aumento repentino do fluxo sanguíneo — como espasmos ou hemorragia cerebral. Em outras palavras, embora o golpe de Ye Yanxiu não tenha sido fatal por si só, foi o gatilho que levou à morte. — Entendi. Pode se retirar. A conversa terminou abruptamente. Wu Zuo percebeu que havia tocado num ponto delicado e saiu apressado, enxugando o suor da testa — temendo que Pei Zhao pudesse tentar silenciá-lo para proteger Ye Yanxiu. Pei Zhao observou sua saída apressada, os lábios se contraindo com determinação. Embora fosse primo de Ye Yanxiu, sempre soube separar o público do privado. Como poderia distorcer a lei por laços familiares? Mais tarde, chamaria outros legistas para examinarem o corpo. Se suas conclusões coincidissem, ele relataria a verdade a Chu Xiang. — Alguém, chame todos os legistas do yamen para examinarem o corpo juntos. — Sim, excelência! E assim, Pei Zhao permaneceu no Ministério da Justiça até o anoitecer. As opiniões dos legistas foram praticamente unânimes — todos acreditavam que o homem havia morrido de forma acidental. Pei Zhao os dispensou e ordenou em voz alta: — Preparem a carruagem. Vou ao palácio. Com o pôr do sol, as luzes do corredor começaram a ser acesas. A luz tênue e as sombras entrelaçadas tornavam o Palácio Xuanqing ainda mais solene e silencioso. Pei Zhao seguiu Xue Fengchun até o salão e aguardou por um tempo, até que Chu Xiang saiu de seus aposentos. Seu semblante parecia tão indiferente quanto sempre, mas Pei Zhao sentiu algo estranho. Ao observá-lo com mais atenção, notou manchas de sangue na túnica de brocado carmesim com tons púrpura que ele usava — e ficou chocado. — Vossa Majestade, isso é...? Chu Xiang baixou os olhos por um instante, depois acenou levemente com a mão: — Não é nada. Pei Zhao permaneceu em silêncio, mas não pôde evitar lançar um olhar na direção de onde Chu Xiang havia saído. Por trás da porta entreaberta, havia um aposento mal iluminado, com sombras suaves. As cortinas translúcidas da cama do dragão balançavam com a brisa, revelando ocasionalmente a silhueta de uma figura graciosa e delicada. Deitada no centro da cama, com a cabeça apoiada em um travesseiro de jade frio, a pessoa dormia em silêncio, imóvel. Uma mulher... na cama de Sua Majestade? Enquanto ainda se surpreendia, Chu Xiang retomou o assunto: — O resultado da autópsia já saiu? — Sim — respondeu Pei Zhao, fazendo uma pausa antes de relatar todas as deduções de Wu Zuo e suas próprias conclusões. Chu Xiang refletiu por um momento antes de ordenar com firmeza: — Deixe a causa da morte de lado por enquanto. Faça uma triagem de todos os que participaram da venda beneficente e veja se há alguma pista. Além disso, precisamos descobrir rapidamente a causa do incidente em Youzhou. Nós podemos esperar — mas os oficiais, os militares e o povo do mundo não podem. — Sim, Vossa Majestade. Entendido. Embora Chu Xiang não tenha estipulado um prazo, suas palavras impuseram grande pressão sobre Pei Zhao. Ao ver que ele manteve a compostura, Chu Xiang demonstrou um leve sinal de aprovação e então perguntou: — Como Fang Wenshuo tem estado nos últimos dias? — Vossa Majestade, desde que foi lançado na prisão do Ministério da Justiça, ele tem se dedicado exclusivamente ao estudo da represa do rio E. Não se importa com mais nada, mal come e não consegue dormir. Passa os dias escrevendo e desenhando. Os esboços e cálculos já se empilharam em quase meio pé de altura, mas ele ainda não encontrou a resposta. Está visivelmente angustiado. — Liberte-o — disse Chu Xiang, estreitando os olhos, como se uma luz tênue passasse por eles. — Dê a ele todas as informações e relatórios que quiser. Pei Zhao entendeu perfeitamente o que isso significava e assentiu: — Vossa Majestade pode ficar tranquilo. Cuidarei disso pessoalmente. Diante de um colega honesto que não se defende, Pei Zhao não acreditava que Fang Wenshuo fosse culpado. Mas, como chefe de departamento, precisava seguir a lei — não podia agir por afinidade pessoal. Se quisesse ajudá-lo, teria que encontrar provas concretas. Se Fang conseguisse descobrir por si só a causa do colapso da represa, talvez tudo se tornasse mais fácil. Enquanto Pei Zhao ponderava sobre a viabilidade disso, uma criada saiu discretamente dos aposentos internos e sussurrou algo no ouvido de Chu Xiang. O rosto dele suavizou ligeiramente, e ele se virou para Pei Zhao: — Pode se retirar por ora. O tempo era apertado, e ele realmente precisava voltar ao Ministério da Justiça para organizar os detalhes do caso. Curvou-se e se despediu. Ao sair do salão, pareceu ver Chu Xiang caminhando rapidamente em direção à cama do dragão. Yue Lingxi havia acordado. Ela dormira profundamente durante toda a tarde. Quando abriu os olhos novamente, o céu já estava escuro. Adaptou-se à penumbra por um momento, até que um par de mãos grandes afastou as cortinas e a ajudou habilmente a se sentar, apoiando sua cintura. Assim que ergueu o olhar, viu o rosto nítido e marcante de Chu Xiang. Com a luz da lua inclinando-se para dentro do quarto, ele sentou-se de lado à beira da cama. Um leve brilho prateado repousava nos cantos de seus olhos e sobrancelhas — belo como uma divindade celestial. — Vossa Majestade... — murmurou ela. Yue Lingxi abriu a boca por hábito para chamá-lo, mas percebeu que não conseguia emitir som algum. Quando estava prestes a levantar a mão para tocar a própria garganta, ele segurou sua mão e sussurrou ao seu ouvido: — Não se mexa, o médico acabou de lhe dar o remédio. Seus olhos estavam escuros, e nem mesmo a luz clara da lua conseguia iluminá-los. Yue Lingxi não entendeu de imediato, então pegou a mão dele e lentamente escreveu algumas palavras na palma: “Vossa Majestade, o desastre em Youzhou piorou?” Chu Xiang apertou os lábios e a abraçou sem dizer uma palavra. Ela realmente não fazia ideia do quanto era assustador vê-la assim. Tendo estado em campos de batalha, ele já presenciara todo tipo de cena sangrenta. Mas quando a viu cuspir sangue, seu coração quase parou. Felizmente, o médico dissera que era apenas uma lesão na garganta, sem maiores complicações — o que o aliviou. Agora, após uma tarde inteira, os ferimentos em seu pescoço haviam se transformado em hematomas profundos e superficiais entrelaçados, de aparência chocante. Enquanto sentia o coração apertado, sua raiva reprimida começava a reacender. — No futuro, se algo assim acontecer de novo, você não deve correr riscos. Mesmo que isso signifique deixar o culpado escapar, sua segurança vem primeiro. Entendeu? O tom era diferente de antes — sério, com uma força irresistível. Yue Lingxi ficou atônita por um momento antes de entender a que ele se referia, e respondeu: “Vossa Majestade, eu não corri risco. Foi um acidente.” O rosto de Chu Xiang endureceu, e ele a repreendeu friamente: — Quando podia falar, era obediente. Agora que não pode, aprendeu a ser teimosa? Yue Lingxi permaneceu em silêncio e tentou sair da cama, afastando o cobertor. Mas antes que seus pés tocassem o chão, Chu Xiang a puxou de volta para seus braços. Sem dar tempo para reação, ele empurrou seus braços para os lados como estacas fincadas no solo, prendendo-a entre seu corpo e a cama. Inclinou-se, encarando-a de perto com uma expressão fria e perigosa. — Mimo demais você, e agora ousa fazer birra? Deitada sob ele, Yue Lingxi deixou escapar um leve brilho de ressentimento nos olhos — algo raro em seu olhar sempre calmo. Chu Xiang se surpreendeu, mas antes que pudesse reagir, ela estendeu a mão e empurrou seu braço. Sem sucesso. Então, com os lábios cerrados, puxou aleatoriamente a gola da túnica dele, abrindo espaço no peito para começar a escrever: “É justamente porque Vossa Majestade tem sido bom comigo que eu quero retribuir.” Ela abaixou o braço dolorido para descansar um pouco, depois continuou: “Ultimamente, Vossa Majestade tem se preocupado dia e noite com isso, mesmo doente. Eu deveria apenas ficar de lado e deixar o culpado escapar?” Seu tom era firme — mais do que nunca — mas, paradoxalmente, suavizava o coração dele como água morna. — Se quer me retribuir, então entenda: tudo o que desejo é o seu bem-estar. Essas palavras caíram pesadas em seu coração. Yue Lingxi ficou chocada e, inconscientemente, repetiu com os lábios: “Tudo o que deseja... é meu bem-estar?” Chu Xiang leu seus lábios e, por um instante, quis saborear aquele fruto vermelho e doce. Mas conteve-se. Apenas tocou sua bochecha macia e respondeu com voz rouca: — Sim. Desejo apenas o seu bem-estar. Desde pequeno, ele vivera cercado de luxo e privilégios. Foi nomeado príncipe herdeiro ao completar um ano de idade. O vasto território era seu por direito de nascimento — mas ele nunca soube o que realmente desejava. Agora, finalmente encontrara a resposta nela. Se ela estivesse saudável e feliz, isso já lhe bastava. Yue Lingxi o encarou em silêncio, como se as camadas de telhas que protegiam seu coração estivessem se desfazendo, revelando uma parte suave e vulnerável. Seus sentidos, antes entorpecidos, tornaram-se agudos por um instante — como se tivesse captado algo que nunca havia sentido antes. Mas, como um peixe feliz escapando entre os dedos, aquilo desapareceu rápido demais para ser compreendido. Ignorando o leve tremor, ela acariciou suavemente o peito dele e disse: — Então me esforçarei para me recuperar e tranquilizar Vossa Majestade. Chu Xiang sorriu levemente, revelando um brilho de prazer: — Gosto de ouvir essas palavras. Mal terminou de falar, a voz de Shu Ning soou do lado de fora: — Xiuyi, é hora do remédio. Ela se curvou diante da porta e entrou com a tigela nas mãos. Ao ver claramente a cena diante de si, prendeu a respiração — quase deixou o remédio cair. Sua Majestade... o que está fazendo aqui? Ela estragou o clima...? O corpo alto de Chu Xiang estava inclinado sobre Yue Lingxi, o olhar intenso e prestes a se lançar. A mão de Yue Lingxi também estava dentro das roupas dele, fazendo... movimentos indefinidos. O que mais poderia acontecer? Ela era tão tola! Shu Ning começou a sentir dormência da cabeça aos pés. Queria se esbofetear ali mesmo, mas já era tarde. Tendo pisado nesse campo minado, só lhe restava seguir em frente, fosse para a vida ou para a morte. — Vossa Majestade, o remédio esfriou... devo aquecê-lo novamente? — Entre — disse Chu Xiang, lançando-lhe um olhar antes de se levantar lentamente e ajeitar as roupas. — Alimente sua mestra com cuidado. Estou de saída. — Sim, esta serva acompanhará respeitosamente Vossa Majestade. Shu Ning fez uma reverência e o acompanhou até a saída. Ainda imersa na alegria de ter escapado de um desastre, de repente se lembrou de algo: Espere... este é o quarto de dormir de Sua Majestade. Ele deixou Xiuyi dormir aqui... então para onde ele vai?


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