Capítulo 36: Partida do Palácio
Liu Yin e seus Guardas Sombrios vasculharam os arredores do haras por um dia e uma noite, mas não encontraram nada.
Isso já era esperado, pois o inimigo veio preparado e a área era um campo aberto onde até os agrupamentos de flechas haviam se dispersado após a forte chuva, quanto mais outras pistas. Até o momento, nenhuma evidência foi obtida.
Nos últimos anos, a corte e o povo viveram em paz, e a segurança pública vinha se mantendo boa. Por isso, esse ataque audacioso deixou todos chocados — especialmente por terem como alvo as duas grandes famílias que equilibram o poder em Chu. Por um tempo, ambas se agitaram, mas sob a orientação de Chu Xiang, abafaram o incidente para não alarmar o inimigo.
Felizmente, com tratamento oportuno, Ye Sitian e Yue Lingxi não sofreram ferimentos graves. Uma precisava apenas repousar para proteger o bebê; a outra estava temporariamente impedida de se mover. Um infortúnio que se revelou uma bênção.
Dentro do palácio, tudo permanecia calmo e pacífico. Ninguém sabia que, numa noite de tempestade com raios e trovões, Chu Xiang e Yue Lingxi voltaram de madrugada. A carruagem, que normalmente não podia entrar na área restrita do palácio, seguiu direto até o Palácio Xuanqing. As sombrinhas amarelas se abriram uma a uma, formando um corredor estreito. Chu Xiang caminhava ao centro, encharcado pela chuva e pelo vento, mas protegendo a pessoa enrolada em seus braços até chegarem ao palácio.
Naquela noite, Yue Lingxi dormiu no Palácio Xuanqing.
Claro que segredos como esse não vazam. Mas era amplamente conhecido que o residente do jardim de bambu vinha recebendo muito melhor tratamento ultimamente. Todas as manhãs, a primeira leva de brotos frescos da floresta de bambu-roxo fora da cidade era enviada ao seu ninho. Frutas, legumes e leite estavam sempre à disposição para saciá-lo. Até o balanço e o escorregador foram trocados por novos. Podia-se dizer que as condições melhoraram significativamente.
Segundo os oficiais do interior da corte, tudo vinha do próprio bolso de Sua Majestade.
Quando soube da melhoria no tratamento de Xiang Xiang, Yue Lingxi agradeceu especialmente a Chu Xiang, mas ele lançou um olhar frio e disse que ela era insensível. Ela ficou confusa e nem teve tempo de se defender antes que ele mudasse de assunto.
Meio mês depois, o ferimento no pé de Yue Lingxi finalmente sarou. Num dia, ao despertar, descobriu que estava numa carruagem.
— Vossa Majestade?
Ainda estava escuro lá fora, e as cortinas da janela estavam bem fechadas, bloqueando toda a luz. Ela não conseguia ver o entorno claramente, mas podia sentir Chu Xiang ao lado. Como esperado, seu braço firme envolvia sua cintura.
— Está acordada?
Enquanto falava, Chu Xiang puxou a cortina. Considerando que ela havia acabado de despertar, abriu apenas uma fresta. Felizmente, a luz externa não era intensa, e seus olhos se adaptaram rápido. Virou a cabeça e observou atentamente os arredores: ainda não havia amanhecido, os pássaros estavam silenciosos — claramente não era hora de iniciar o dia. Por que estavam saindo tão cedo?
Dos dois lados da estrada havia grama verde e placas de pedra. Estavam fora da cidade. Considerando isso, Chu Xiang devia ter levantado pelo menos meia hora antes, mas não mostrava cansaço. A barba estava feita, as roupas e os cabelos impecáveis. Ela até podia sentir o cheiro fresco de sabão em seu ombro — revigorante.
Em contraste, sua aparência sonolenta não estava nada digna.
Yue Lingxi ajeitou a gola e tentou se sentar, mas Chu Xiang se inclinou lentamente, pressionando o corpo contra o dela — como um caloroso grilhão que a prendia dentro do abraço.
— No passado, era sempre você esperando eu acordar. Hoje, finalmente vejo você dormindo.
Yue Lingxi abaixou os cílios longos e disse suavemente:
— Permiti que Vossa Majestade zombasse de mim.
— Não zombo. — Chu Xiang beijou sua bochecha, os olhos repletos de ternura que abalavam seu coração. — Quando você dorme, parece uma pequena corça cor-de-pêssego. Gosto muito disso e queria ver todos os dias.
— Não existem corças cor-de-rosa no mundo, Vossa Majestade — corrigiu ela, franzindo a testa.
— Existem — respondeu Chu Xiang, fitando-a com firmeza. — Um dia, você verá.
Yue Lingxi olhou para ele, confusa, sem entender o sentido por trás das palavras, então mudou de assunto:
— Para onde estamos indo?
— Para Jiangzhou.
Ao ouvir isso, o rosto de Yue Lingxi mudou.
Acontece que Chu Xiang vinha convocando Chu Jun ao palácio com frequência nos últimos dias para discutir sua regência. Mas, como imperador, por que ele próprio se apressava em ir à terra natal dela, a milhares de milhas? Ela permaneceu em silêncio por um momento antes de finalmente pronunciar as palavras que guardava:
— Vossa Majestade, o assassino daquele dia... veio atrás de mim, não foi?
Chu Xiang não respondeu. Ondulações rasas em seus olhos cercavam o reflexo de um silêncio profundo.
Durante meio mês, cada detalhe se repetia na mente dos dois. Por que escolheram atacar justamente quando ela deixava o palácio? Por que a primeira flecha foi disparada a seus pés? Todos os indícios apontavam para uma única resposta, que Chu Xiang já conhecia no íntimo. Yue Lingxi ainda tinha muitas dúvidas, mas ao saber que iriam a Jiangzhou, tudo ficou claro.
Havia um problema ligado a ela.
Compreende-se que o poder das famílias Ye e Gu é imenso. Quem ousaria atacá-las? Se não fosse pelo fato de que ela vivia escondida no palácio, protegida por Chu Xiang, esses inimigos não teriam esperado até o momento crítico para agir, prejudicando Ye Sitian e forçando ambas as famílias a investigar com todos os recursos disponíveis.
Devem ter descoberto algo, mas Chu Xiang simplesmente não contou a ela.
O coração de Yue Lingxi estava repleto de mistérios, empilhados camada por camada, tornando difícil respirar. Queria perguntar, mas não sabia por onde começar — um emaranhado de confusão impossível de desfazer.
Uma mão grande tocou silenciosamente seus ombros, e uma voz profunda soou:
— Não pense demais.
Como não pensar? Ye Sitian ainda estava de repouso, e ela não fazia ideia do motivo pelo qual tentaram matá-la. Agora, tinha que retornar ao antigo lar e reabrir tantas memórias encobertas pela poeira do tempo. Não estava preparada, tinha medo de encarar — pois ali estava o passado ao qual nunca poderia voltar, e de onde mal acabara de emergir.
Reprimindo os batimentos erráticos do coração, Yue Lingxi olhou para Chu Xiang, a voz trêmula:
— Vossa Majestade, minha identidade trouxe problemas?
Ela não era ingênua. Um assunto que exigia que ele viajasse pessoalmente até Jiangzhou só podia ser extremamente sério.
Chu Xiang a encarou por um longo tempo, depois se virou silenciosamente e retirou de uma camada fina escarlate um decreto amarelado. O papel já estava seco e quebradiço — obviamente de muitos anos atrás. Yue Lingxi o recebeu com ambas as mãos, desenrolou o pergaminho devagar e o apoiou sobre os joelhos. Uma dúzia de linhas em caracteres grandes saltaram aos seus olhos, e ao lê-las, seu corpo começou a tremer.
— Não, isso não pode ser!
Ela, que sempre fora gentil, inesperadamente perdeu o controle naquele momento e rasgou o objeto que segurava. Suas delicadas unhas se partiram com um som seco, soltando sangue. Chu Xiang agarrou seu pulso ao ver a cena, como se estrelas em seus olhos tivessem se despedaçado — uma explosão que atingia o coração e a alma.
— Xi Xi, solte!
— Isso não é verdade, não é verdade...
Sua voz estava quebrada, completamente incapaz de acreditar naquelas palavras. Quis verificar de novo, mas o decreto havia sido reduzido a pedaços por suas próprias mãos. Entrou em pânico e tentou remontá-lo, mas suas mãos estavam firmemente presas por Chu Xiang, seus olhos marejados de ansiedade.
— Vossa Majestade, eu entendi errado? Dez anos atrás, o oficial veio com uma ordem, trazendo documentos oficiais da corte, e afirmou claramente que Yue Qunchuan e o Príncipe Lu haviam conspirado para rebelar-se, cometendo crimes hediondos. Toda a família Yue foi considerada cúmplice e condenada ao exílio...
Yue Lingxi levantou os olhos, buscando uma resposta definitiva. Chu Xiang nunca a vira tão aflita e perdida. Seu coração doía. A voz lhe saiu pesada:
— Ling Xi, a punição por associação foi abolida há dez anos. Alguém queria silenciar a família Yue e forjou os documentos deliberadamente. Você e sua família são inocentes.
Inocente.
Essas duas palavras caíram como um raio, deixando-a paralisada.
Com toda a família destruída, ela havia vagado por terras estrangeiras por quase dez anos, carregando a culpa. E agora, o imperador — soberano de milhões — lhe dizia que era inocente. Tudo parecia um pesadelo dolorosamente real.
O destino é cruel.
Seu corpo ainda tremia, a mente zunia. Mas, de repente, Yue Lingxi se acalmou e ficou rígida nos braços de Chu Xiang. As lágrimas que antes rolavam pelos olhos não caíram, mas se transformaram em gotas escarlates que pingavam lentamente do coração.
A dor era tanta que se tornara insensível.
Permaneceu em silêncio, como se sua alma tivesse sido esvaziada. As luzes e sombras dentro da carruagem dançavam, iluminando seu rosto branco quase translúcido. Chu Xiang viu tudo com clareza, e sentiu o coração como se golpeado por um martelo. Não pôde evitar — a envolveu nos braços, como se quisesse fundi-la ao seu próprio sangue.
— Xi Xi, chore, se estiver doendo.
Yue Lingxi o ignorou, a voz calma demais, como se fosse uma estranha qualquer:
— Vossa Majestade, estamos indo a Jiangzhou investigar o caso da família Yue, certo?
Chu Xiang fechou os olhos e respondeu num sussurro:
— Sim.
— Vossa Majestade, permita que eu participe da investigação — disse Yue Lingxi, erguendo o rosto, com olhos apagados como um lago profundo. — Não peço justiça. Só quero me vingar dos inimigos.
Chu Xiang estremeceu com aquelas palavras, e seus braços de ferro se fecharam ao redor dela, apertando-a em silêncio.
Ela precisava saber a verdade. Mas não precisava conhecer os detalhes sombrios — ele não permitiria que se envolvesse.
O céu já havia clareado, com raios de sol atravessando nuvens pesadas, formando halos dourados entre os pingentes da cortina verde-esmeralda, que balançavam ao vento da manhã. A carruagem voava pela estrada oficial, deixando a capital majestosa para trás. Mal sabiam eles que, naquele exato momento, outros também estavam sem dormir.
Na floresta de bambu nos arredores da cidade.
— Sabe por que o convoquei tão cedo?
Li Rui olhou para o mestre à sua frente, vestido com túnica branca, mas não respondeu. Em vez disso, serviu uma xícara de chá e a empurrou para ele. Antes que pudesse retirar a mão, o mestre a golpeou e o chá verde-escuro derramou no chão, soltando pequenas nuvens de vapor.
— Pedi que a investigasse, não que a matasse! Se ela morrer, qual vantagem nos restará?
— Mestre, acalme-se — disse Li Rui com tranquilidade, pegando outra xícara de barro. — O imperador governa há sete anos, conhecido por sua justiça, sabedoria e mão de ferro. Não está curioso por que ele abriu exceção e deixou que um membro da família de criminosos se tornasse dama da corte?
O homem resmungou, a barba tremendo, claramente irritado com a provocação.
— O que quer dizer?
— No início achei que Sua Majestade tivesse sido seduzido. Mas ao investigar, descobri que ela não tem sobrenome Ye — e sim Yue — disse Li Rui com convicção. — Yue Qunchuan.
O homem levantou o olhar repentinamente. Não disse nada, mas o choque era evidente.
Todos os descendentes da família Yue haviam sido eliminados por ele naquela época. Como ainda podia existir alguém?
— Mestre, está claro por que Sua Majestade a mantém por perto. Se não a eliminarmos, viveremos atormentados — disse Li Rui.
O rosto do homem se contorceu com ressentimento, mas sua mente permanecia lúcida. Imediatamente apontou o erro de Li Rui:
— Não devia ter agido naquele momento. Ofender as famílias Ye e Gu... com os recursos que têm, logo descobrirão tudo.
Antes confiante e altivo, agora Li Rui parecia intimidado. Gotas de suor se formavam em sua testa. Após refletir, respondeu com firmeza:
— Mestre, fique tranquilo. Vou cuidar dos assassinos quando voltar.
O mestre assentiu, o semblante severo suavizado, e disse:
— Sua Majestade deixou a cidade na hora de Mao (entre 5h e 7h da manhã). Envie pessoas confiáveis para segui-lo.
Na manhã anterior, Chu Xiang havia anunciado que o Príncipe Ning atuaria como regente, e agora partia da capital com tanta pressa?
Li Rui franziu o cenho, surpreso com o poder oculto do mestre no palácio — e confuso quanto ao verdadeiro propósito por trás das ações de Chu Xiang. A mente em turbilhão, respondeu num tom baixo e saiu para organizar os homens.
Depois que ele partiu, uma figura branca surgiu das profundezas da floresta de bambu.
— Se ele não tivesse agido, Sua Majestade talvez não descobrisse nada. Mas ao agir, podemos estar expostos.
Ao ouvir isso, os olhos turvos da pessoa se moveram levemente. Depois se levantou com apoio numa cadeira de vinhas. Os movimentos eram suaves — mas a intenção assassina era impossível de esconder.
— Assim que ele eliminar aquela mulher, eliminaremos ele também.
Capítulo 37: Rumo ao Sul
Meio mês depois, o grupo chegou a Bozhou.
Naquele dia, entraram na cidade exatamente ao meio-dia e, após reservar a hospedaria, foram direto ao restaurante mais famoso da região. Embora não fosse tão elegante e luxuoso quanto o Restaurante Tianque da capital, a decoração tinha seu charme único. Sentando-se no quarto andar, podia-se admirar toda a cidade ao som da brisa clara e sob o sol brilhante — uma atmosfera muito agradável.
Para evitar chamar atenção, os guardas sombrios que os acompanhavam secretamente não entraram no restaurante. Apenas Liu Yin e Shu Ning permaneceram ao lado de Chu Xiang e Yue Lingxi, fingindo ser servos de uma família rica em passeio. Shu Ning, sempre astuta, para tornar a encenação mais convincente, prendeu o cabelo de Yue Lingxi num penteado de esposa casada. Havia menos conversas fúteis, mas mais olhares invejosos.
Tudo isso porque Chu Xiang chamava atenção demais.
Entretanto, os dois sempre agiram à sua maneira, pouco ligando para opiniões alheias — especialmente Yue Lingxi. Desde que deixou a capital, tem permanecido de humor sombrio e frequentemente ausente em pensamentos. Como poderia se importar com outras coisas?
Hoje não foi diferente. Assim que se sentou à janela, permaneceu olhando para fora, observando um velho camponês guiando um bezerro com corda de cânhamo pelo mercado, o vendedor derramando xarope em espiral sobre frutas vermelhas frescas, as flores de pereira balançando com o vento na entrada da ponte Jiuqu. Estava tão concentrada que nem escutou o garçom se aproximar.
— Nosso leite fresco, suco de damasco e sopa de baba de neve são especialmente deliciosos. Fazemos apenas cinquenta tigelas por dia, e hoje sobrou um pouco. A senhora gostaria de experimentar?
Falava com leve sotaque do sul, mas pronunciou “senhora” com precisão. Chu Xiang lançou um olhar à figura delicada ao seu lado, e um leve traço de satisfação surgiu em seus lábios.
— Não precisa, ela não toma leite fresco — disse ele.
O garçom entendeu e recolheu o cardápio, curvando-se ao deixar o salão elegante.
Logo os cinco pratos de carne, dois de vegetais e a sopa foram trazidos, todos especialidades do sul com cores vívidas e sabores ricos. Mesmo quem estava acostumado a pratos picantes os acharia deliciosos. Chu Xiang envolveu a cintura de Yue Lingxi e empurrou o prato e os hashis à sua frente, dizendo:
— Xi Xi, coma alguma coisa.
Liu Yin e Shu Ning se entreolharam sem dizer nada.
Durante esse tempo, quanto mais silenciosa Xiuyi estava, mais gentil e cuidadoso Sua Majestade se tornava. Outros, sem entender o que se passava, achavam que o casal havia brigado: a esposa estava zangada, e o marido a queria acalmar. Sentiam inveja, mas apenas eles sabiam que a realidade era bem diferente.
Perguntavam-se se Xiuyi conseguia sentir o esforço de Sua Majestade.
Enquanto pensavam nisso, ouviram Yue Lingxi dizer algo inesperado:
— Já vi essas pessoas em Sangcheng.
Ao ouvir isso, Liu Yin seguiu seu olhar até o restaurante do outro lado da rua. O prédio igualmente alto estava cheio de clientes se divertindo, com taças tilintando e risos espalhados. No entanto, a sala elegante no canto estava bloqueada por cortinas de pérolas, mergulhada em silêncio. O vento erguia ocasionalmente um pedaço da cortina, revelando os rostos de pessoas que desviavam o olhar apressadamente.
Era claramente vigilância.
Havia vários grupos seguindo-os discretamente, com longos intervalos entre as ações, muito cautelosos. No entanto, Yue Lingxi, com sua memória impressionante, os reconheceu imediatamente — o que eles provavelmente não esperavam.
Chu Xiang pareceu não se importar. Virou o rosto dela de volta e disse:
— Não preste atenção.
Yue Lingxi abaixou o olhar e só então notou que seu prato estava cheio de seus alimentos favoritos.
Os dois saborearam a refeição em silêncio, sem se olhar. Contudo, pouco depois, escutou-se o som dos hashis sendo colocados na mesa. Chu Xiang ergueu o olhar e viu que Yue Lingxi havia empurrado o prato praticamente intocado e, com olhos baixos, disse:
— Vossa Majestade, já terminei. Com licença.
Sem esperar a resposta dele, levantou-se e foi embora.
Normalmente, ela era a mais correta. Já havia agido com tamanha desatenção antes? Mas Chu Xiang não a repreendeu. Sabia, no fundo, que ela não estava preparada mentalmente para enfrentar tudo aquilo. O rancor da destruição familiar pesava sobre ela como uma montanha, quase sufocando-a. Quanto mais se aproximavam de Jiangzhou, mais pesada essa sensação ficava. Ela precisava de tempo e espaço — e tudo o que ele podia fazer era tentar acomodá-la ao máximo.
Além disso, essas formalidades entre eles não importavam.
Shu Ning, que os acompanhava há tanto tempo, já havia compreendido bem a natureza dos dois mestres. Então, pediu permissão:
— Vossa Majestade, posso…?
— Vá — respondeu Chu Xiang com um gesto, lembrando em voz baixa: — Ela provavelmente voltou para a hospedaria sozinha. Siga-a com atenção e não cause problemas no caminho.
— Entendido. — Shu Ning fez uma reverência e desceu apressada.
No fim, Chu Xiang estava certo. Yue Lingxi realmente queria ficar sozinha por um tempo, mas jamais deixaria que os Guardas Sombrios levassem a carruagem e o deixassem para trás. Preferia ir a pé — mesmo que fosse uma longa distância, passando por ruas movimentadas, do restaurante à hospedaria.
Às vezes, ele desejava que ela não fosse tão sensata.
Queria que fosse mimada, irracional — que tivesse um acesso de raiva contra ele. Mas havia um abismo em seu coração, e mesmo que ele deixasse claro que ela era inocente, e lhe concedesse diversos privilégios, ainda era difícil atravessar esse abismo por ora.
Está tudo bem. Ainda virão muitos anos pela frente. Esses fardos que não pertencem a ela serão retirados por ele, um por um.
De volta à hospedaria, Yue Lingxi permaneceu no quarto durante toda a tarde. Chu Xiang não apareceu — apenas ficou sentado no cômodo ao lado, lendo os relatórios enviados da capital. Os dois estavam separados por uma cortina, mas não houve nenhuma comunicação entre eles.
Anoiteceu.
A lua era fria como a água, projetando luz oblíqua dentro do quarto, refletindo sobre a bela adormecida entre as cortinas da cama. Havia paz e silêncio. No entanto, uma figura sombria estava sentada à beira da cama naquele momento, inclinando-se para beijar-lhe a testa e despertá-la do sono.
— Xi Xi.
Yue Lingxi abriu os olhos, ainda atordoada. Um suave aroma de pinho e almíscar flutuou pelo ar, aguçando seus sentidos. Ela não conseguiu evitar chamar em voz baixa:
— Vossa Majestade?
O quarto não estava iluminado, e à luz pálida da lua, o rosto pequeno sobre o travesseiro era delicado e encantador. Sua voz era suave e terna, como a de uma criança recém-desperta. As palavras “Vossa Majestade”, que ela dizia todos os dias, soaram especialmente tocantes naquela hora.
Chu Xiang respondeu baixinho e não resistiu a acariciar-lhe a bochecha. Ter aquela beleza quente e perfumada nos braços era tão bom que ele quase esqueceu o motivo de tê-la despertado no meio da noite.
Yue Lingxi sentiu a leve coceira provocada pela barba curta em seu queixo. Instintivamente se afastou um pouco e notou que ele parecia impecável e enérgico — não como alguém que estava prestes a dormir. Perguntou com esperteza:
— Vossa Majestade, para onde estamos indo?
Chu Xiang sorriu ao ouvir a pergunta, parecendo misterioso e encantador na penumbra da noite.
— Vamos rumo ao sul, sob o manto da escuridão.
Sob o céu estrelado, os pavilhões e edifícios se iluminavam em tons alternados de luz e sombra. Subitamente, as ruas silenciosas da cidade foram invadidas pelo som de cascos galopando — esmagando reflexos como fragmentos de estrelas, correndo em direção à periferia. Num piscar de olhos, desapareceram no horizonte escuro.
A brisa da noite outonal trazia um leve frio, então Chu Xiang fez questão de posicionar Yue Lingxi atrás dele para evitar que pegasse resfriado. Conforme incentivava o cavalo, o ritmo se tornava mais irregular. Silenciosamente, ela envolveu os braços em sua cintura forte, voltando o rosto para admirar a paisagem ao longo do caminho. Aos poucos, o solo arenoso e molhado substituiu a estrada de pedras, e as árvores imponentes de ambos os lados desapareceram. Diante deles surgiu uma ponte suspensa longa e estreita, onde a névoa úmida tocava-lhes o rosto.
Inesperadamente, chegaram ao ponto de travessia fluvial.
Vários barcos pequenos ainda estavam ancorados no rio, com fogueiras de pesca cintilando sobre as águas — se tornando os pontos mais brilhantes da noite escura. Seu barco estava atracado no cais, e Liu Yin e Shu Ning já haviam chegado mais cedo, preparado tudo e agora os aguardavam na margem.
Será que iriam mesmo viajar de barco rumo ao sul?
Yue Lingxi ficou surpresa. Achava que saíra de madrugada apenas para evitar olhos indiscretos. Mas Chu Xiang foi ainda mais inesperado — alterando os planos originais ao seguir pela via fluvial. Uma vez que aquele barco entrasse no Rio Ling, seria difícil rastrear seus movimentos. Quando os perseguidores chegassem, só lhes restaria lamentar diante das águas turbulentas.
Enquanto lamentava silenciosamente, Chu Xiang já havia desmontado e aguardava ao lado, com o braço estendido para ela. Ela girou o corpo e saltou como um pássaro voltando à floresta. Naquele instante, seu olhar suavizou ao envolvê-la nos braços. Depois de ajudá-la a descer, não soltou sua mão — guiando-a firmemente até o barco.
À medida que a noite avançava, o vento ficava mais forte e as águas se agitavam. Aquele pequeno barco de fundo plano deslizava com velocidade pela superfície do rio, como se embarcassem numa jornada rumo ao mar vasto.
Algo estava estranho.
Yue Lingxi caminhou até a proa e olhou para a distância. Percebeu que sua visão se ampliava mais e mais. As florestas densas dos dois lados recuavam rapidamente. O céu azul-escuro se estendia sem fim, fundindo-se à noite no horizonte. Em pouco tempo, não havia mais barcos de pesca à vista.
Ela havia crescido junto ao mar, e de repente entendeu: eles não estavam descendo pelo sul de Jiangnan — estavam indo em direção ao oceano!
Como para confirmar seus pensamentos, Chu Xiang aproximou-se por trás, envolveu-lhe a cintura e perguntou suavemente:
— Ainda falta um bom trecho sobre as águas. Está cansada?
Ela balançou a cabeça e, sem esconder a admiração, disse:
— O plano de Vossa Majestade é engenhoso.
O Rio Ling não passa por Jiangzhou. Depois de desembarcarem, ainda será necessário seguir por terra. Se alguém armar emboscadas em pontos da margem, ainda podem ser rastreados. Mas o mar é diferente — a região do Mar do Leste é imensa, com mais de vinte portos ao longo das seis províncias costeiras. Mesmo que queiram investigar, nunca terminarão. Era possível despistar completamente os perseguidores.
A voz de Chu Xiang era fria como gelo:
— Se foi bom ou não, veremos ao chegar em Jiangzhou.
Yue Lingxi permaneceu em silêncio por um tempo.
Finalmente chegaram à foz do mar no meio da noite. A água corria veloz e o vento era forte, trazendo um odor salgado difícil de suportar. Contudo, após embarcarem e alcançarem o centro do mar, o vento e as ondas se acalmaram. O que viram foi um cenário de águas serenas, onde céu e mar se tornavam um só. Yue Lingxi não resistiu e ficou fascinada na proa do navio.
A lua cheia se ergue sobre o mar, dividindo o instante com os confins do céu.
Subitamente, uma grossa capa de pele foi colocada sobre seus ombros. Quando se virou, foi puxada para os braços de alguém — o calor atravessando sua pele, aquecendo o corpo inteiro.
— Esta é a primeira vez que aprecio o cenário do mar — sussurrou Chu Xiang em seu ouvido. Sua voz grave era quase encantadora, e Yue Lingxi ergueu os olhos, sentindo como se os olhos dele estivessem repletos de estrelas — brilhantes e ofuscantes.
— Eu também… é a minha primeira vez.
Nascida à beira-mar, mas devido à pobreza, Yue Lingxi nunca pisara no oceano. Sentia uma melancolia inexplicável no coração — e o espírito ainda mais abatido. Chu Xiang a abraçou e, de repente, sorriu:
— Então é perfeito. Acho que nós dois, como sapos no fundo do poço, podemos admirar juntos a lua.
Yue Lingxi abaixou os olhos e lamentou:
— Vossa Majestade leu amplamente, é culto, e ainda viajou com o General Ye para adquirir experiência. Como poderia ser um sapo no fundo do poço?
Chu Xiang a fitou, os olhos cheios de ternura:
— Antes de conhecer você, meu coração só pensava no bem-estar do povo e no amor pela nação. Pode-se dizer que eu era um santo.
Ela não compreendeu bem:
— E depois que me conheceu?
Ele sorriu de lado:
— Percebi que até um santo pode ter desejos.
Capítulo 38: Navegar
Na hora de Mao (por volta das 5 da manhã), o primeiro raio de luz da manhã brilhou do céu oriental, refletindo sobre o mar cintilante e iluminando um canto da cabine, onde Yue Lingxi abriu os olhos.
Ela se sentou e percebeu que tudo ao seu redor lhe era estranho. Havia divãs aquáticos adornados com pérolas, cortinas finas como asas de cigarra, e várias janelas triangulares de vitral, todas exalando um charme singular. Ficou atônita por um momento antes de se lembrar de que já havia deixado Pozhou e estava em viagem marítima rumo ao sul.
De fato — eram a Seda de Sereia e a Cama de Água de Vidro, produtos especiais do Mar do Leste.
No entanto, ela não tinha qualquer lembrança daquele quarto. Parecia que havia passado a noite admirando a lua na proa do navio, mas não sabia quando adormecera nem como chegara ali.
Ela imaginou… deve ter dado trabalho a Sua Majestade novamente.
Ao pensar nisso, saiu imediatamente da cama, calçou os sapatos e abriu a porta. Caminhando até o fim do corredor, ouviu por acaso uma movimentação vinda da proa.
— Irmão Man, sua rede já ficou tempo suficiente na água, não acha? É hora de puxá-la!
— Certo!
Em dois barcos vizinhos, um velho e um jovem gritavam um com o outro no dialeto local, atravessando a água. Assim que a conversa acabou, o jovem ergueu os braços fortes e musculosos, e uma enorme rede saltou da água, traçando um longo arco no ar antes de pousar no convés. Observando de perto, havia peixes, camarões, caranguejos e conchas em abundância, todos pulando e espirrando água por toda parte.
Do outro lado, o velho pescador não pôde deixar de fazer sinal de positivo ao ver a fartura da colheita:
— Impressionante! Você aprende rápido!
O jovem respondeu humildemente:
— É tudo graças à sua orientação, senhor.
Ao ouvir isso, o velho riu tanto que as rugas se agruparam em seu rosto, claramente satisfeito. Depois de se acalmar, apontou subitamente atrás do jovem e disse:
— Irmão Man, não é sua jovem convidada ali? Por que está tão pouco agasalhada? O vento no mar é forte!
O jovem se virou de repente e encarou-a — seus olhares se cruzaram.
Yue Lingxi ficou chocada — o pescador sem camisa que havia acabado de lançar a rede… era Chu Xiang!
Ela sabia que ele falava a língua dos Yi, mas nunca imaginou que dominasse também o dialeto de Jiangnan. E o que mais a surpreendeu foi a roupa. Não sabia onde ele arranjara aquelas vestes grosseiras — com as barras das calças enroladas e a camisa presa à cintura, parecia um pescador qualquer. Mas, conforme caminhava em sua direção sob a luz da manhã, cada passo fazia sua respiração se suspender.
Não é como se nunca o tivesse visto desarrumado.
Frequentemente, ao se levantar cedo no Palácio Xuanqing, aparecia com a roupa desalinhada e o fecho de jade aberto. Os músculos abdominais reluziam, chamando a atenção — os contornos irregulares e definidos eram de tirar o fôlego. Hoje, ainda mais. Estava coberto de gotas d’água, que tremiam suavemente a cada passo, e depois se dispersavam como milhares de fios dourados, serpenteando pelas saliências do corpo até desaparecerem sob o tecido.
Ela sentiu um estranho formigamento no coração, querendo abrir a camisa dele para ver o que havia por baixo.
Perdida nos próprios pensamentos, Chu Xiang já estava ao seu lado, abraçando-a com os braços firmes como pedra, exalando cheiro de suor e de água salgada. Ela não se incomodava nem um pouco — sentia discretamente o volume de sua força. Com os cílios baixos, pensava consigo:
Isso não parece o comportamento de uma cortesã submissa.
Chu Xiang sabia que ela andava abatida e, por isso, não disse mais nada — apenas perguntou em voz baixa:
— Por que saiu sem nem vestir um casaco?
Yue Lingxi pousou o olhar leve sobre ele e respondeu:
— Vossa Majestade também saiu assim.
— Sou um homem das armas. Como pode se comparar a mim? — Chu Xiang riu e empurrou-a de volta à cabine — Vá para dentro e espere. Ao meio-dia haverá uma boa refeição.
Yue Lingxi permaneceu onde estava, observando o grupo de peixes e camarões pulando atrás dele. Perguntou em tom suave:
— Vossa Majestade normalmente não gosta de peixe. Por que de repente está interessado em pescar?
— Vim visitar Jiangnan. Não posso voltar de mãos vazias.
Chu Xiang sorriu radiante, parecendo fazer graça, mas Yue Lingxi captou o duplo sentido.
Sem pescar, não se conhece o sentimento popular. Sem conhecer o sentimento popular, não se entendem as dificuldades dos pescadores.
Ele havia viajado até ali não só para investigar o caso da família Yue, mas também para ver se o mundo estava em paz e o povo feliz sob seu governo. Cada uma de suas ações nascia de um senso de responsabilidade inerente ao seu ser. Sua governança sábia e amor pelo povo superavam qualquer entendimento que ela tinha sobre um soberano virtuoso. Essa paixão inquietava seu coração — e sua determinação em limpar seu nome a deixava desperta noite e dia.
No mundo, só existe um imperador assim.
Seria tão bom se eu o tivesse conhecido antes…
Esse pensamento repentino assustou Yue Lingxi. Ela recuou alguns passos, afastando-se do abraço de Chu Xiang. Viu a expressão dele se tornar ligeiramente tensa, então baixou a cabeça e sussurrou:
— Vou voltar para o quarto para me arrumar.
Com isso, virou-se rapidamente e entrou na cabine, a longa saia ondulando e deixando um rastro no ar.
O nascer do sol sobre o mar chega sempre mais rápido que em outros lugares. Num piscar de olhos, o mar brilhava com luz dourada, intensa e ofuscante. Ao meio-dia, o brilho era tamanho que os olhos mal podiam se abrir. Ficar lá fora por alguns instantes já fazia o corpo inteiro se sentir aquecido e revigorado.
Os guardas sombrios armaram telas de sombrinha sobre o convés — respiráveis e sombreadas. Almoçaram ali.
Ninguém sabia onde Liu Yin encontrou o cozinheiro, mas além de preparar pratos do sul com maestria, ele também era especialista em frutos do mar. Tudo o que Chu Xiang pescou foi transformado em iguarias, como caranguejo com clara de ovo, vieiras com cogumelo matsutake e camarão jade com vegetais verdes. Cada prato era delicioso e de dar água na boca. Como quebrar as carapaças levava tempo, Shu Ning veio ajudar, mas Chu Xiang pediu que ela se afastasse. Assim, restaram apenas os dois, olhando-se em silêncio sob o som das ondas.
— Os caranguejos cremosos de Jiangnan são os mais saborosos em outubro. Me pergunto como estarão os que pesquei hoje.
Chu Xiang escolheu um dos maiores e colocou na tigela de Yue Lingxi. Também serviu duas taças de vinho de crisântemo. O aroma tomou conta do ar. Quando voltou o olhar, viu que ela estava absorta.
— O que houve? Não gosta de comer?
Yue Lingxi ergueu os olhos, com expressão confusa:
— Vossa Majestade, como se come isso?
Ela nunca havia comido caranguejo — mesmo tendo crescido à beira-mar!
A respiração de Chu Xiang se prendeu por um instante. Algo duro o feriu por dentro, mas ele não demonstrou. Apenas pegou o caranguejo de volta para seu lado e começou a desmontá-lo com calma, ensinando o processo:
— Comece pelo umbigo, dobre no sentido contrário ao da carapaça. Retire as brânquias e o coração, depois parta ao meio. A carne aparecerá.
Chu Xiang cortou com cuidado a casca rígida que envolvia o corpo do caranguejo, retirou a película transparente do meio, e então ofereceu a porção a Yue Lingxi. A carne branca tremia, e a camada dourada de pasta escorria com óleo, prestes a pingar em seus dedos. Yue Lingxi rapidamente estendeu a mão para pegar, mas Chu Xiang não se moveu. Apenas a olhou com olhos profundos e quase sufocantes. Yue Lingxi entendeu na hora, cobriu parte do rosto com a manga e provou em silêncio.
A gordura amarela era delicada, e a carne tenra era doce e revigorante. De fato, indescritivelmente deliciosa.
Shu Ning, que espiava agachada há tempos, não pôde evitar um suspiro:
— Sua Majestade normalmente manda o chef imperial abrir os caranguejos e servi-los. Quando foi que fez isso pessoalmente? Agora está ensinando Xiuyi, como se soubesse tudo...
Liu Yin, em pé com frieza ao lado, já desprezava o comportamento curioso dela. Ao ouvi-la falar de Chu Xiang com desdém, não se conteve:
— Você mesma disse que Sua Majestade é servido. Agora está alimentando Xiuyi com carinho. O que mais quer?
— Sua Majestade não está alimentando… está claramente provocando.
Mesmo com a voz baixa, os murmúrios penetraram os ouvidos de Liu Yin, que se irritou. Agarrando a gola de Shu Ning, a arrastou como um pintinho:
— Vamos, nada de espiar!
Suas figuras desapareceram do outro lado do navio, e os dois a bordo sequer notaram.
Yue Lingxi sempre comia devagar e com cuidado, demorando até para engolir pequenos pedaços. Chu Xiang não se apressava. Esperava ela terminar antes de oferecer mais. No entanto, ela recusou com gentileza:
— Vossa Majestade também deve comer.
Chu Xiang sorriu e engoliu a carne de caranguejo conforme sua sugestão. Depois disse:
— O vinho de crisântemo tira o gosto forte do peixe e afasta o frio. É perfeito nesta época. Sei que sua tolerância ao álcool não é boa, mas é melhor tomar alguns goles. Depois que o corpo aquecer, pode parar.
O vento sobre o mar era frio, e ele tinha medo que ela adoecesse após comer algo tão gelado.
Yue Lingxi pegou a taça e a balançou. O vinho subia e descia como ondas, sem deixar sedimentos por onde passava. Era límpido, perfumado — e ao tomar um gole, achou-o menos picante do que imaginava. Então bebeu tudo de uma vez. Assim que pôs a taça sobre a mesa, notou que Chu Xiang a observava.
O que está fazendo?
Havia aquela conhecida confusão nos olhos de Yue Lingxi. Chu Xiang achou a expressão divertida, mas não disse nada. Apenas ergueu as mãos untadas, levantou as sobrancelhas e voltou a olhá-la.
Após um momento, Yue Lingxi entendeu, e estendeu o braço para pegar a taça dele. Justo quando ia levantá-la para servi-lo, ele falou com naturalidade:
— Quero beber da sua taça.
Parecia casual, mas havia um traço obstinado em sua fala. Seus olhos negros, profundos e sem fim, pareciam redemoinhos que a atraíam irresistivelmente. Quando a taça se encheu, ela entregou aos lábios dele como ele desejava. Ele sorriu de leve, tomou um gole até esvaziá-la. O pomo-de-adão se moveu sutilmente, e ela teve a impressão de que aquele gole foi ainda mais saboroso.
— É muito doce.
Yue Lingxi olhou a taça, agora com apenas algumas gotas, então esticou a língua e a lambeu. Descobriu que era realmente amarga, como o vinho que havia bebido. Então comentou com naturalidade:
— Vossa Alteza, o crisântemo tem gosto amargo. Como o vinho feito dele poderia ser doce?
Antes que terminasse a frase, uma grande sombra se espalhou sobre o canto da mesa e a envolveu. Ela ergueu os olhos — e viu um lampejo ardente nos olhos de Chu Xiang — antes que ele a beijasse profundamente.
— Estou falando de você. Você é doce.
Capítulo 39: Wu Ling
— O quê? Vocês os perderam?
— …Sim, mestre.
Li Rui estava de pé sob a lâmpada oca de porcelana de osso de garça branca. Seu rosto já sombrio parecia ainda mais carregado à luz oscilante da vela. No entanto, diante do velho sentado na poltrona de madeira, contia ainda mais suas emoções.
Havia perdido no jogo contra o Imperador e não podia expor seu jogo verdadeiro diante do mestre.
O velho girava duas contas de sândalo nas mãos, silencioso por um tempo. Seu rosto era coberto de rugas, aparentemente inexpressivo, mas de profundidade insondável. Ao vê-lo assim, Li Rui sentiu que a vantagem de ter descoberto primeiro a identidade de Yue Lingxi já se fora. Restava encontrar o paradeiro de Chu Xiang e seu grupo — talvez assim ainda pudesse virar o jogo. Não queria ver seu mestre entregando todos os recursos da corte àquele discípulo inútil.
Com isso em mente, tentou propor uma solução:
— Mestre, por que não continuar procurando ao longo do rio Ling? Não há muitos portos na margem. Se colocarmos homens em cada um deles, com certeza os encontraremos.
O velho parecia meditar de olhos fechados. Respondeu sem questionar:
— Já viu a armadilha para pegar ratos numa casa comum?
Li Rui ficou confuso por um momento, depois zombou:
— Que armadilha? Apenas um hashi sob uma gaiola com um petisco.
— Nunca viu de verdade. — Um leve sorriso passou pelos lábios do velho, tão rápido que era quase imperceptível. — Há um caminho fora da gaiola, feito com grãos de arroz, que leva até o buraco do rato.
Li Rui começou a perder a paciência:
— Mestre, por que está falando disso?
— Seu comportamento atual é como o rato preso, seguindo cegamente o caminho que Sua Majestade traçou. Como espera encontrar algo no fim?
A ironia crua fez o rosto de Li Rui corar. Quase se levantou para retrucar, mas ao encarar o olhar aparentemente sorridente do velho, hesitou inexplicavelmente. Teve que se recompor e responder com falsa calma:
— Peço orientação, mestre.
O semblante do velho ficou ainda mais grave, como se dominasse a situação, mas logo desviou o olhar, levantou-se e foi até o candelabro para adicionar óleo, dizendo lentamente:
— Precisamos saber qual é o destino de Sua Majestade. Há outras formas além de segui-lo. Não confunda prioridades e caia na armadilha dele.
— Mas ele seguiu pela via fluvial...
— Há mais de uma rota aquática além do rio Ling. — O velho largou a tesoura dourada, apoiou-se na mesa e virou-se para encará-lo. — Se eu fosse ele, tomaria um desvio até o Mar do Leste. Mesmo que revire cada pedaço do rio, não encontrará nada, apenas exaustará seus homens.
Uma frase e o sonhador despertou.
Segundo o relatório dos espiões, Yue Lingxi parecia ter reconhecido suas identidades na última vez. Se isso for verdade, Chu Xiang certamente tomaria providências. E se Li Rui pensou em acampar nas margens do rio, Chu Xiang não seria ingênuo a ponto de cair na armadilha. Agora entendia por que o mestre disse que estava sendo conduzido pelo nariz. O jovem imperador era conhecido por sua inteligência desde a infância. Não seria tão fácil lidar com ele.
Li Rui sentia os pensamentos clarearem — mas precisava encarar um problema ainda maior: o litoral do Mar do Leste possuía muitos portos. Quem saberia para onde tinham ido?
Voltou-se para o mestre, que já antecipava a dúvida, e disse lentamente:
— Voltamos à pergunta inicial. Por que acha que o imperador deixou o palácio desta vez?
Li Rui franziu a testa:
— Talvez seja uma visita secreta para entender o povo. Ou… como a Imperatriz Viúva e a Imperatriz não retornam há tempos, pode ter ido ao Palácio Ocidental por piedade filial.
— No passado ele fazia isso. Mas desta vez, com certeza não é isso.
O tom do velho era firme, como se já tivesse a resposta. Li Rui sentiu esperança e perguntou depressa:
— Então, segundo o mestre, onde ele foi?
— Jiangzhou.
Duas palavras, um impacto retumbante — será que o imperador foi pessoalmente buscar pistas sobre o caso da família Yue?
Li Rui respirou com dificuldade, mas obrigou-se a manter a calma:
— Mestre, eles não devem encontrar nada. Cuidei disso com perfeição na época. Ninguém vai nos relacionar com isso.
— É melhor que assim seja — resmungou o velho, e acrescentou: — Apenas envie pessoas para Jiangzhou. Se não o encontrarem, não precisam buscar em outro lugar.
Contanto que Chu Xiang não vá a Jiangzhou, não há ligação com eles.
Com o objetivo definido, o plano precisava ser detalhado. Os dois continuaram a conversa secreta até o cair da noite. A lua brilhante se espalhava pelo pátio — iluminando sem perceber a cidade de Wuling, a milhares de quilômetros dali.
Ao pisar naquele solo familiar mais uma vez, Yue Lingxi sentiu-se deslocada da realidade.
Chegaram à cidade ao entardecer, e ela saiu sozinha após se instalar na mansão ao norte. Estava ansiosa para ver o que restava de sua casa de infância. Mas assim que entrou na área, as memórias voltaram em enxurrada.
Lembrou-se de seu pai dizendo que, ao se mudarem para Jiangzhou, tudo começou a dar errado. Primeiro, a casa começou a vazar. Depois, seu pai perdeu o emprego como professor. E então veio a terrível notícia da morte do avô materno. Por meses, viveram na miséria. Foi nessa época que sua mãe engravidou dela. Como eram pais de primeira viagem, aquela pequena vida se tornou preciosa, e a família conseguiu dissipar a escuridão que pairava sobre eles há dias.
— No passado, o Imperador realmente fazia esse tipo de coisa, mas desta vez com certeza não é isso.
O tom do velho era firme, como se já tivesse a resposta. Li Rui viu uma fresta de esperança e perguntou apressadamente:
— Então, na opinião do mestre, para onde Sua Majestade foi?
— Jiangzhou.
Duas palavras pesadas, com um impacto sonoro. Seria o Imperador indo pessoalmente à região para buscar pistas do caso da família Yue?
A respiração de Li Rui tornou-se difícil, mas ele se obrigou a manter a calma:
— Mestre, eles não devem encontrar nada. Cuidei de tudo com muito zelo na época. Ninguém irá nos relacionar a isso.
— Que assim seja. — O velho soltou um resmungo e acrescentou: — Basta enviar pessoas a Jiangzhou. Se não o encontrarem lá, não há necessidade de procurá-lo em outro lugar.
Contanto que Chu Xiang não esteja em Jiangzhou, o caso não os atingirá.
Com o objetivo definido, o plano precisava ser minucioso. Os dois continuaram sua conversa secreta até a noite. A luz fria da lua derramava-se sobre o pátio, iluminando sem perceber a cidade de Wu Ling a milhares de milhas dali.
Ao pisar novamente naquele solo familiar, Yue Lingxi sentiu-se desconectada da realidade.
Chegaram à cidade ao entardecer, e após se instalar na mansão ao norte, ela saiu sozinha. Estava ansiosa para ver o que havia acontecido com sua antiga casa, mas assim que entrou no bairro, as lembranças a invadiram.
Ela se lembrou do pai dizendo que, ao se mudarem para Jiangzhou, tudo começou a dar errado: primeiro, a casa teve infiltrações, depois seu pai perdeu o emprego de professor, e em seguida veio a terrível notícia da morte de seu avô materno. Por meses, viveram imersos na pobreza. Foi durante esse período que sua mãe engravidou dela. Como eram pais de primeira viagem, aquele pequeno ser tornou-se extremamente precioso, e trouxe alguma luz à escuridão que dominava a casa há tantos dias.
No dia de seu nascimento, o céu clareou repentinamente sobre o Lago Dongting, e uma revoada de gansos alçou voo, enchendo os céus num espetáculo magnífico. O pai, em êxtase, deu-lhe um nome inspirado no homônimo da cidade — símbolo de ascensão. Apesar de ser apenas uma menininha frágil, ele a abraçava e brincava como se ela fosse realmente herdar seus talentos e concretizar os sonhos que não conseguiu realizar.
A mãe, enfraquecida após o parto, olhava tudo com um pouco de solidão e tristeza.
Com a chegada daquela criança faminta e o nome escolhido, parecia que o pai havia desistido de retornar à capital. A situação não permitia novas viagens longas. Mais tarde, com o nascimento da irmãzinha, a mãe abandonou definitivamente o desejo de voltar: as tarefas diárias eram suficientes para ocupá-la e preocupá-la. A responsabilidade pela roupa, comida, moradia e deslocamento dos quatro recaía completamente sobre ela. A antiga filha de uma casa nobre e próspera agora discutia com feirantes por algumas moedas de cobre até o rosto enrubescer.
O pai também sabia o quanto a mãe se sacrificava, e fazia o possível para fazê-la feliz enquanto trabalhava para sustentar a família. Por exemplo, ao nomear a filha mais nova, escolheu um caractere do nome de cada um dos pais — um gesto de carinho e respeito. A mãe ficou comovida e, mesmo em resguardo, parecia tão radiante quanto uma jovem donzela.
Ainda assim, Yue Lingxi ouviu sua mãe murmurar arrependida por não ter conseguido dar um filho ao marido, alguém que pudesse continuar a linhagem. O pai tentou consolá-la, mas ela não se lembrava das palavras que ele disse.
Recordar o passado é sempre doloroso.
O vento outonal soprava melancólico, erguendo galhos secos e folhas caídas, girando no ar como corvos em frenesi. Yue Lingxi caminhava só pelo mercado movimentado, suas mangas de seda ondulando como névoa densa. As lojas e restaurantes ficavam para trás, enquanto a paisagem tornava-se cada vez mais familiar — até que virou uma esquina e avistou o céu aberto.
Era sua casa, mas também não era.
Nos últimos anos, o Reino Chu havia investido pesadamente em transporte marítimo e pescas. As províncias litorâneas prosperaram uma a uma. Jiangzhou destacava-se ainda mais. A região ao sul da cidade de Wu Ling, antes pobre, agora estava completamente renovada. Barracos decrépitos foram substituídos por campos bem cultivados, e as estradas esburacadas foram pavimentadas com tijolos cinza. A casa de adobe onde morou havia sido demolida e substituída por uma nova. Era a hora em que as lanternas começavam a se acender, e a fumaça subia das chaminés, conferindo à cena um ar próspero e animado.
Era como ela esperava.
Yue Lingxi repetia mentalmente palavras de encorajamento, tentando resistir ao impulso de se aproximar. Quando estava prestes a se virar e ir embora, a dona de uma barraca de chá à beira da estrada acenou para ela:
— Moça, venha tomar uma xícara de chá. Os grãos e folhas são cultivados por nós, tem um sabor ótimo!
Após hesitar, Yue Lingxi sentou-se num banquinho de madeira, ajeitando a saia.
Já era noite, e parecia que a vendedora estava se preparando para fechar a barraca. Talvez por isso tenha caprichado tanto naquela última xícara. Misturou chá verde, gergelim, amendoim e diversas ervas num tigela de barro, moendo tudo até virar pó, peneirou, fervendo numa panela de cobre. Logo, um perfume forte tomou conta da rua.
Quando a água se reduziu a cerca de trinta por cento, ela serviu exatamente uma xícara, pôs numa bandeja, adicionou uma gota de líquido amarelo claro e entregou à mesa de Yue Lingxi.
— É uma receita secreta da família. Experimente, moça. Se não gostar, não precisa pagar.
A mulher sorria gentilmente, o rosto redondo e acolhedor. Yue Lingxi obedeceu e deu um gole, exclamando:
— Está delicioso.
Tinha gosto de lar.
A fumaça quente subia, umedecendo seus olhos, mas ela permanecia hipnotizada pelos grãos flutuando na xícara, como se o calor não a incomodasse. Os pensamentos surgiam e desapareciam como folhas ao vento.
— Você é daqui?
A vendedora conversava enquanto arrumava os utensílios. Yue Lingxi parou e respondeu por impulso:
— Como sabe?
Após viver muitos anos em Yi Ocidental, havia perdido o tom doce típico das mulheres de Jiangnan. Seu sotaque também se distanciara. Como aquela mulher a reconheceu?
A dona da barraca sorriu, o sotaque de Wu Ling mais forte:
— Ah, desde que a cidade do sul mudou, vi muitas moças como você. Casaram cedo, voltaram pra visitar e não encontraram mais a família. É claro que ficam tristes. Tem um ditado… o que se vê não é sempre verdade… ah, esqueci o resto!
Yue Lingxi ficou sem palavras.
Era verdade que usava penteado de mulher casada, então não era de surpreender a confusão.
A tristeza que segurava há tanto tempo finalmente a dominou. Apertou os lábios, deixou algumas moedas sobre a mesa e preparou-se para ir embora. Ao levantar o rosto, viu uma figura familiar dobrando a esquina. Seu olhar mudou, e ela saiu correndo atrás.
— Moça, seu chá ainda está—
As palavras da vendedora foram cortadas e sumiram no ar. Aquela figura graciosa já se distanciava. A saia cor-de-damasco serpenteava como um peixinho ligeiro, desaparecendo atrás do muro.
Capítulo 40: Encantada
!ATENÇÃO: ESTE CAPITULO CONTÉM SEXO!
Profundo e silencioso, os muros azulados elevavam-se sobre o beco, enquanto ramos de damasco se inclinavam do alto, tecendo uma sombra floral rica e embriagante.
Yue Lingxi corria atrás da jovem graciosa e encantadora. Sempre que encontrava um galho brotando, afastava-o com a mão. Quando finalmente saiu do beco, sua manga de seda já estava coberta de seiva esverdeada, com várias manchas. Sem tempo para observar, correu em direção ao ponto mais iluminado à frente, apenas para descobrir que não havia ninguém por perto, como se fosse apenas uma ilusão.
O que está acontecendo?
Ela parou sob a luz alaranjada, enquanto a imagem do que acabara de ver ainda girava em sua mente: a saia de gaze verde-esmeralda, o fecho em forma de pétala na cintura, o grampo dourado que balançava a cada passo — até mesmo as contas pendentes estavam gravadas em sua memória.
Tinha certeza de que não vira errado. A semelhança entre a moça e ela era impressionante, como se fossem moldadas num mesmo molde.
Era a primeira vez que passava por algo assim. Infelizmente, não conseguiu alcançar a jovem nem confirmar sua identidade. No entanto, como ela desaparecera naquela rua, talvez morasse por ali. Pensando nisso, olhou ao redor e notou que a área era composta, em sua maioria, por pequenas casas, poucas com placas. A mais chamativa era a Mansão Chen à sua frente. Embora não fosse grande, tinha dois leões de pedra imponentes na entrada, o que a tornava destacada.
Ao observar, Yue Lingxi achou suas ações um pouco tolas. O mundo era vasto, e encontrar alguém parecido não era tão incomum. Talvez o clima do lugar a tivesse deixado mais impressionável.
Passado algum tempo, não permaneceu ali por muito mais. Com o coração mais calmo, caminhou de volta sob o luar.
Mansão Chu, no norte da cidade.
Chu Xiang nunca foi adepto de ostentações, e os Guardas Sombrios sabiam bem disso. Por isso, dentro das exigências de segurança, instalaram essa pequena casa de dois pátios no norte da cidade. Embora simples, o espaço era bem distribuído, com decoração acolhedora que tornava a estadia extremamente confortável.
Como as outras casas nobres da região, havia apenas dois guardas na entrada. Disfarçados de criados comuns, os Guardas Sombrios ainda emanavam uma aura intimidadora. Quando viram Yue Lingxi retornar, suavizaram a expressão e a saudaram respeitosamente como "senhora".
Ela hesitou por um instante, mas não disse nada — apenas entrou.
Após sair e se cobrir de poeira, pretendia ir direto ao quarto para se limpar. No entanto, ao passar pela sala de flores, ouviu uma conversa entre Chu Xiang e Liu Yin. Seus passos pararam automaticamente.
— Majestade, o General Xie soube de sua chegada a Jiangzhou e enviou este relatório confidencial. Por favor, veja.
Depois de um instante, uma chama irrompeu sobre o papel da janela, como se algo estivesse sendo queimado. Chu Xiang então falou:
— Quando ouvem que viajamos incógnitos rumo ao sul, todos oram para que não passemos por seus territórios. Mas Xie Huaiyuan segue na contramão. Acabo de chegar a Wuling, que ainda está a cem milhas das tropas dele no leste, e já enviou este pedido de inspeção.
Liu Yin demonstrava admiração ao dizer:
— O General Xie é rígido na disciplina e direto nas ações. Realmente incorpora as virtudes de um grande comandante.
— Se não fosse por isso, eu não o teria informado do meu paradeiro. — Chu Xiang esboçou um sorriso satisfeito. — Ao responder, diga-lhe que o visitarei em alguns dias e peça que aguarde.
— Sim, entendi.
Ao preparar-se para partir, Liu Yin parou na porta por um momento, então virou-se novamente:
— Majestade, o senhor havia instruído que encontrássemos um local de feng shui* nos arredores de Wuling para construir um túmulo para os familiares de Xiuyi. A obra está quase pronta, ficará pronta em alguns dias. Deveríamos informar Xiuyi?
A pena nas mãos de Chu Xiang parou, e algumas gotas de tinta vermelha caíram sobre o documento — tão brilhantes quanto sangue.
— Não é necessário. Não há razão para fazê-la pensar nisso. Prestarei as homenagens em nome dela.
— Majestade… como isso pode ser apropriado?
Liu Yin franziu o cenho, sentindo que aquilo não era adequado. Mesmo deixando de lado a ligação da família Yue com o rebelde Yue Qunchuan, nem um cidadão comum suportaria ver Sua Majestade prestar homenagens pessoalmente.
Não era necessário dizer mais — Chu Xiang conhecia bem a delicadeza do gesto. Até mesmo Yue Lingxi, do lado de fora da porta, compreendia.
A reputação de Sua Majestade foi forjada ao longo de gerações. Como poderia ser manchada por causa dela?
A lógica era clara e emocionalmente compreensível, mas algo sem nome se agitava dentro dela. O peito parecia ser golpeado por tambores, sacudindo o corpo inteiro, provocando tremores nos meridianos. A luz do corredor oscilava, despedaçada pela névoa crescente, até transformar-se num brilho prateado e se desmanchar em sua face.
Ele havia feito tanto por ela.
A lua brilhava no céu, mas em seu coração começava a chover, uma garoa leve como sob os salgueiros fumegantes de março, no sul do Yangtzé.
Ela não quis ouvir mais nada e partiu em silêncio da sala de flores.
Meia-noite.
Mesmo com a regência temporária do Príncipe Ning, muitas decisões ainda precisavam passar por Chu Xiang para conclusão final, o que não lhe permitia descanso. Desde que chegaram à cidade de Wuling, ele não teve pausa, mantendo-se ocupado até tarde da noite. Após resolver tudo, atravessou o átrio sob o brilho da lua e foi discretamente até o quarto de Yue Lingxi.
Antes, os dois tinham que fingir serem marido e mulher e dividir um quarto. Agora, o espaço era amplo e não havia olhos curiosos para vigiar o que acontecia dentro da casa — não havia mais razão para dormirem juntos. Mas ele não estava acostumado com isso e percebeu que já fazia quase meio dia que não a via. Veio vê-la antes de dormir, e ao levantar a cortina, se deparou com um par de olhos brilhantes o encarando na escuridão.
— Por que ainda não dormiu?
Chu Xiang ficou surpreso. Yue Lingxi sempre teve hábitos regulares, nunca costumava ficar acordada até tarde. Depois de uma longa viagem e uma caminhada ao entardecer, era de se esperar que estivesse exausta. No entanto, ela parecia desperta e se levantou assim que o viu.
— Não consigo dormir.
Yue Lingxi se ajoelhou diante dele, com os cabelos negros caindo como uma cascata sobre os ombros. Usava um robe largo de cetim prateado, com camadas espalhadas sobre a cama como uma flor de epífita florescendo na escuridão. Ele quase podia sentir o perfume quando a envolveu com os braços e a conduziu suavemente para dentro das cobertas frescas.
— Parece que você não consegue ficar sem mim — disse Chu Xiang com um sorriso baixo, enrolando uma mecha de seu cabelo no dedo. — Durma. Irei embora quando você adormecer.
Após dizer isso, preparou-se para deitar ao lado dela, mas Yue Lingxi respondeu:
— Não precisa. Vossa Majestade deveria voltar cedo.
Está o dispensando?
Chu Xiang semicerrava os olhos, sentindo-se como se sua boa intenção tivesse sido mal interpretada. Yue Lingxi já o conhecia há tempo suficiente para entender seu temperamento. Ao ver a expressão sutil em seu rosto, compreendeu o que ele queria dizer e suspirou suavemente:
— Vossa Majestade esteve ocupado o dia inteiro, deveria descansar.
Mesmo com tais palavras, ele continuava com semblante fechado. Yue Lingxi não teve escolha a não ser se encolher para o lado interno da cama, afastando-se delicadamente.
Já que não conseguia convencê-lo a voltar para o próprio quarto, era melhor deixá-lo ficar ali mesmo. Afinal, compartilhar o leito na hospedaria não fora diferente. Chu Xiang permaneceu rígido por um instante, depois se virou e a puxou para junto de si.
Ela estava sempre preocupada com a saúde dele, com medo de que ele não descansasse bem, sem perceber que cada noite na hospedaria era um doce tormento.
Quando a encontrou na fronteira, ela era magra como um palito de fósforo, com quase nenhuma carne no corpo. Depois de entrar no palácio, ele fez questão de comer com ela todos os dias. Ela gradualmente se tornou roliça e macia, com uma sensação agradável em seus braços, assim como agora.
Esta camisola foi trazida do palácio. Era feita de cetim nuvem, uma homenagem à terra subsidiária. É leve, fina e respirável, e muito apreciada por ela. No entanto, é um pouco desconfortável para ele. Toda vez que ele tenta pressioná-la, ela sempre escapa como um peixe escorregadio. O toque das protuberâncias e curvas é claramente delineado, roçando em seu peito e braços, e então persistindo em seus sentidos como uma maré crescente, sem fim.
Outros a acham magra, mas só ele sabe o quão tentador é o corpo delicado envolto sob o complicado vestido feminino de oficial.
Perdido em pensamentos, o embrulho quentinho em seus braços se apoiava pesadamente nele. O antebraço dela repousava sobre sua barriga e suas pernas esbeltas se pendiam sobre as dele. Ele involuntariamente ficou meio ereto, mas quando olhou para baixo, ela já cochilava sob sua carícia suave.
Bem, hora de voltar e tomar um banho.
Chu Xiang retirou cuidadosamente o braço, separando-se de Yue Lingxi, que se aconchegava a ele. Inesperadamente, ela acordou com um leve movimento, e seu braço acidentalmente raspou sete centímetros abaixo do abdômen dele, colidindo com um certo irmãozinho orgulhoso.
Ela o pressionou grogue, sem perceber sua própria força, mas ele resistiu e empurrou para cima, dissipando instantaneamente sua sonolência.
Ela entendia seus desejos, mas ele sempre os escondia bem, nunca a deixando saber.
Hoje não foi diferente. Ele se levantou e calçou os sapatos como se nada tivesse acontecido, ficando em pé em frente à cama e dizendo a ela:
— Vá dormir, vou voltar para o meu quarto.
Seu tom de voz ainda era gentil, mas seus movimentos eram um pouco rígidos.
Yue Lingxi o encarou silenciosamente, seus olhos pareciam capazes de ver através de tudo. Depois de um momento, seus lábios se moveram levemente e ela proferiu algumas palavras ríspidas:
— Vossa Majestade me quer?
Desde a última vez que perguntara a Duan Muzheng, ela já havia entendido o que essas reações físicas representavam.
Ao ouvir essas palavras, os olhos de Chu Xiang piscaram repentinamente e seu pomo-de-adão se contraiu, mas ele não conseguiu dizer uma palavra. No entanto, Yue Lingxi estava completamente alheia às suas dificuldades. Ela continuou a encará-lo com seus olhos claros como profundos riachos verdes, enquanto sua mão direita silenciosamente alcançou suas calças e agarrou a dureza quente ali com um aperto lento e frouxo em sua palma.
— Já que Vossa Majestade me quer, por que se esconde e aguenta?
Antes de terminar a frase, o rosto de Chu Xiang já havia mudado várias vezes.
Só Deus sabe o quanto ele a deseja, mas agora não é o melhor momento. Ela está em baixa há um mês e ainda não se recuperou da briga familiar. Ele não quer pressioná-la desnecessariamente.
Portanto, esta pergunta continua sem resposta.
Yue Lingxi não parou de questionar por causa do silêncio dele. Ela inclinou a cabeça levemente, como quando perguntou como escrever uma palavra difícil na sala de estudos, e perguntou suavemente:
— Se Vossa Majestade não quiser, posso ajudá-lo a aliviar um pouco o estresse?
Depois de falar, a mão dela se moveu lentamente, brincando com a dureza dele através da fina calça de seda. Depois de apenas algumas carícias, ele sentiu que não conseguia mais se segurar, sentindo o calor da mão dela.
Nesse momento, Chu Xiang, que estava parado, de repente se abaixou e a puxou para seus braços. Seu braço de ferro a envolveu firmemente por trás, como se tentasse esmagá-la contra seus ossos. Seus mamilos macios foram dolorosamente apertados, mas ela conteve o gemido que estava prestes a escapar de seus lábios e apenas o encarou com uma mordida no lábio. Seus olhos estavam turvos, como um lago envolto em garoa, o que agitou seu coração descontroladamente.
— Duan Muzheng também lhe ensinou isso?
Chu Xiang cerrou os dentes e respirou fundo, agarrando seu pulso loiro com uma das mãos antes de conseguir pronunciar a frase. Em contraste, ela estava calma e casual, balançando a cabeça e dizendo:
— Aprendi nos livros.
Como ele não sabia quando a biblioteca havia adquirido livros e pinturas tão obscenos?
Enquanto ele ficava tenso, ela perguntou suavemente novamente:
— Majestade, será que... não estou lhe deixando confortável?
Embora Chu Xiang ainda não tivesse falado, ela parecia já ter aceitado a resposta. Seus olhos lacrimejantes se abaixaram e o brilho começou a se dissipar. Ela queria se retirar, mas Chu Xiang a manteve imóvel. Olhando para ele, ela viu a intensa paixão em seus olhos.
— Não, você se saiu muito bem.
Chu Xiang falou com a voz rouca e então usou as mãos para alcançar a parte inferior do quadril dela, levantando-a sem esforço e virando-se para sentar-se na beira da cama. Ela se ajoelhou em seu colo, suas roupas emaranhadas, seus olhares se encontrando no quarto silencioso, apenas o som de sua respiração preenchendo o ar.
— Xi Xi, me ajude.
A grande palma que segurava seu pulso com força havia se soltado e seus movimentos não eram mais impedidos. Às vezes suaves, às vezes pesados, eram desajeitados, mas extremamente atraentes. O fogo dentro de seu corpo instantaneamente queimou seus membros e ossos, e seu sangue subiu à cabeça. Ele não aguentou mais, então agarrou a nuca dela e a beijou.
— Hmm...
O hálito escaldante subiu à garganta de Yue Lingxi, que não pôde deixar de soltar um gemido suave, como o de um pássaro cantando suavemente. Chu Xiang não pôde deixar de tremer, e a parte inferior de seu corpo endureceu como ferro, inchando na palma da mão dela. Ela gradualmente não conseguiu mais segurá-la e acrescentou outra mão, a velocidade ficando cada vez mais rápida, levando-o à beira da loucura.
— Xi Xi...
Ele não a beijou mais, mas agarrou suas nádegas macias, pressionando-as com força contra o próprio corpo. Eventualmente, ele ficou tenso ao extremo, com apenas uma respiração pesada ecoando ao redor. Sob a escuridão total, ela silenciosamente abriu os olhos, observando aquelas pupilas negras sem fundo refletindo completamente sua imagem, ardendo como fogo.
— Majestade...
Yue Lingxi chamou suavemente, mas sentiu um espasmo na palma da mão. Chu Xiang soltou um rosnado baixo e, de repente, jatos quentes transbordaram entre seus dedos, fazendo seu coração tremer.
Depois de um tempo, Chu Xiang recuperou seus pensamentos dispersos. Ignorando a umidade e a viscosidade entre suas roupas, ele estendeu a mão e abraçou Yue Lingxi, com o rosto bonito repleto de satisfação.
— Morrerei pelas suas mãos mais cedo ou mais tarde.
Nota:
Local de Feng Shui: Refere-se a qualquer espaço físico, seja uma casa, apartamento, escritório ou jardim, que pode ser desenvolvido e harmonizado para melhorar o fluxo de energia (Chi) e promover o bem-estar. A prática do Feng Shui busca otimizar esses espaços através do posicionamento de objetos, núcleos, elementos e da organização geral, criando um ambiente equilibrado e propício para a vida dos seus ocupantes.
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